QUERIDA
MAMÃE
(O
ONTEM SEMPRE É HOJE, QUANDO É BOM.)
Há dezoito anos,
estreava um dos melhores textos de uma grande dramaturga brasileira: MARIA ADELAIDE AMARAL. A peça em questão chama-se QUERIDA MAMÃE e trata do relacionamento
conflituoso entre uma mãe e uma filha, o que não se trata de nenhuma novidade
e, talvez, nem pudesse vir a ser um grande atrativo para o público. O velho e desgastado conflito de gerações. Mas o fato é que essa tão conhecida temática
é levantada e discutida, de forma magistral, pela genialidade de MARIA ADELAIDE, e, hoje, após várias
montagens e remontagens, volta à cena, no Teatro
dos Quatro (Shopping da Gávea), tendo como protagonistas a grande e
consagrada atriz STELLA FREITAS, no
papel de RUTH (a mãe) e CÁSSIA LINHARES, outra ótima atriz,
como HELÔ (a filha), desta vez sob a
direção de HERSON CAPRI e SUSANA GARCIA.
O espetáculo
original, que reunia ELIANE GIARDINI
e EVA WILMA (chega a ser covardia),
na década de 90, arrebatou os prêmios Molière, Mambembe, Shell e APCA, além de
outros.
O
espetáculo, tantas vezes encenado, em quase duas décadas, já havia sido
apresentado, há dois anos, pelas mesmas atrizes (STELLA e CÁSSIA), numa
das salas do Teatro do Fashion Mall,
com aceitação do público e da crítica.
Lembro-me do quanto me emocionei, assistindo àquela apresentação. Muito mesmo.
Chorei.
Desta
vez, renasce, no palco do Teatro dos
Quatro, para uma pequena temporada, em horário alternativo, mas certamente,
merece uma vida bem mais longa e em horário nobre. Oxalá os deuses do TEATRO façam a sua parte!
À
saída do teatro, no dia da estreia, ouvi o comentário de uma senhora: “Gostei da peça, mas é muito curtinha.”
(o espetáculo tem a duração de sessenta minutos). Imediatamente, fiquei pensando naquelas pessoas
que compram livros a metro ou por cores, para preencher e decorar as
estantes. E fiquei me perguntando: para que mais?
Não que o
assunto não tivesse muito mais nichos a serem cutucados. Não que não fosse agradável ficar mais tempo,
observando e admirando o belo trabalho das duas atrizes. Mas o dom da concisão, da precisão, do poder
de sintetizar as coisas é algo difícil de ser alcançado (falar pouco e DIZER muito) e que deve ser motivo de
elogio. Todos os elogios do mundo ao
texto.
O
final da peça, na verdade, não é o final da peça. Diferentemente do que quase todos (a grande
maioria mesmo) possam sair do teatro pensando (acabou bem e foram felizes para
sempre – NÃO! NÃO CONTEI O FINAL DA
PEÇA!) pode ser, quando muito, um anticlímax, ou falso clímax. A peça tem um final aberto. RUTH
e HELÔ vão continuar “entre tapas e
beijos”, em maior ou menor escala e sem, necessariamente, agressão física,
porque assim são os relacionamentos humanos, até, ou principalmente, entre
aqueles que se amam muito, porque amar não é tão difícil; o difícil é aceitar o
outro como ele é e amá-lo mesmo assim.
A
simbologia contida, logo na primeira cena, precisa ser captada pelo espectador,
a fim de que ele possa entender todo o desenrolar da trama. HELÔ,
na casa da mãe, ao revirar um antigo baú de roupas, à procura de um chapéu e de
um vestido, para que fosse madrinha de um casamento, está, na verdade, mexendo
com um passado, que pode suscitar lembranças agradáveis e dolorosas. Cada peça encontrada é uma ferida a ser
esfolada, é uma história mal resolvida, é um projeto fracassado, é um “déjà
vu”...
Percebe-se, no
desenrolar do texto, um esforço muito grande, de ambas as partes, para entender
e aceitar a personalidade da outra, com a única intenção de harmonizar a
relação, mas isso, todos sabemos, pode ser possível, mas à custa de muita dor e
sofrimento.
RUTH é uma senhora de finos traços e
tratos, viúva, muito tradicional em seus valores éticos e morais, ainda que
tenha vivido, na clandestinidade, um romance adúltero (é óbvio), revelado num
dos diálogos com a filha. Além de
conservadora, também se revela controladora da vida da filha, entretanto, como
toda mãe, o faz com a melhor das intenções, no afã de ver HELÔ feliz e realizada, em todos os aspectos.
HELÔ é uma médica, completamente
insegura, autodestrutiva, ácida, mordaz, rebelde, solitária, irresponsável e que nunca
soube fazer suas escolhas certas na vida.
A insegurança demonstrada na primeira cena, a da escolha do que vestir
num casamento, é a mesma que sempre a acompanhou nos momentos decisivos de sua
vida, inclusive quando se casou, contra a vontade dos pais, numa atitude de rebeldia, após ter
engravidado do namorado (Sérgio,
apenas citado na trama). Está sempre
cobrando da mãe uma suposta preferência pela irmã (Beth), “bem casada e muito bem sucedida profissionalmente”, que
mora nos Estados Unidos e que, pelo menos para HELÔ, "ignora" a família, no Brasil.
Separada do marido, também vive um conflito com sua filha (Priscila, que também só é lembrada nas
conversas entre mãe e filha), pelo fato de esta não aceitar o comportamento
“bizarro” da mãe. A história se repete a cada geração. A adolescente resolve,
inclusive, ir morar com o pai, após um embate violento com LEDA, a namorada de HELÔ.
Perdão! Não era minha intenção chocá-lo, ou algo parecido,
meu paciente e generoso leitor. Sim, HELÔ descobriu, já balzaquiana, seu
lado homossexual, e você pode imaginar muito bem o que tal revelação gerou no
relacionamento com RUTH.
O
resto é para você conferir, às 3ªs e 4ªs, às 21h, no Teatro dos Quatro,
até o dia 30 de abril.
Comentários
sobre a ficha técnica:
TEXTO – MARIA ADELAIDE AMARAL – Acho
que é o meu preferido. Dispensa maiores comentários, além do que já foi dito. Gosto muito do formato do texto, dividido em
cenas curtas, com diálogos também curtos e ágeis, o que confere um ritmo muito
bom ao espetáculo.
ELENCO – STELLA FREITAS E CÁSSIA LINHARES
– Ambas fazem um trabalho impecável, numa atuação brilhante e comovente, cada
uma contribuindo, da melhor forma possível, para que seja estabelecido o grande
contraste entre as duas personagens.
Parabéns a ambas!
DIREÇÃO – HERSON CAPRI e SUSANA GARCIA – Corajosos, por encarar
a direção de um texto de MARIA ADELAIDE
AMARAL, saem-se muito bem na sua função, assim como já os admirei em outro recente
trabalho de direção, o inesquecível MATADOR,
Gustavo Falcão e Daniel Dias da Silva
protagonizando.
ILUMINAÇÃO – PAULO CÉSAR MEDEIROS – Já
me faltam adjetivos para falar do trabalho do PAULINHO, quase sempre “muito” excelente (O que seria “muito” excelente?)
Belo trabalho!
CENOGRAFIA – NATÁLIA LANA - Nada que
mereça destaque. É um belo cenário, que
atende às necessidades do texto.
VISAGISMO – BETO CARRAMANHOS – Sempre
ele, o grande profissional do ramo.
FIGURINO – CAROL LOBATO – Muito bom!
Tanto os usados pelas atrizes, em cena, como as várias peças que saem daquele baú
de memórias.
TRILHA SONORA - ALEXANDRE ELIAS – Venho
observando, de perto, este moço, faz algum tempo, por conta dos belos trabalhos
que vem apresentando, como em
O PASTOR , o último
dele de que tive conhecimento. Em QUERIDA
MAMÃE , também foi muito feliz na escolha das canções que
sublinham e valorizam as cenas.
DIREÇÃO DE MOVIMENTO - SUELI GUERRA - Muito boa. Até o transitar, em cena, de RUTH e HELÔ, é contrastante. A serenidade e a classe daquela se opõe aos gestos e deslocamentos mais ampliados (acho que este é o melhor adjetivo), graças ao dedo competente de SUELI.
DIREÇÃO DE MOVIMENTO - SUELI GUERRA - Muito boa. Até o transitar, em cena, de RUTH e HELÔ, é contrastante. A serenidade e a classe daquela se opõe aos gestos e deslocamentos mais ampliados (acho que este é o melhor adjetivo), graças ao dedo competente de SUELI.
Segundo SUSANA GARCIA, "QUERIDA MAMÃE é uma peça atemporal, que fala de questões comuns a
todos nós, como amor, solidão, rejeição, casamento, medo e dependência
emocional. É uma história envolvente,
que mostra a essência das relações familiares: viver junto, conflitar, superar
e tentar os pontos de encontro, os caminhos possíveis entre seres que se
amam."
Recomendo
aos amigos e aos inimigos. Àqueles, com um beijo sincero; a estes, com um
sarcástico “beijinho no ombro”.
(FOTOS DE DIVULGAÇÃO /
PRODUÇÃO)
Parabéns Stela e Cássia, espero que mídia dê o devido crédito e reconheça essa espetacular reestréia! Abraços. (Roberto Botelho)
ResponderExcluirParabéns Gilberto, curto e grosso! (Roberto Botelho)
ResponderExcluirFiquei com água na boca...
ResponderExcluirNão sei se sou da turma do beijo sincero ou do beijinho no ombro, mas adorei a recomendação.