domingo, 13 de outubro de 2013


LIMITES GEOGRÁFICOS E ÉTICOS NO TEATRO

ou

CADA MACACO NO SEU GALHO
 
 
 
 
            Ninguém mais do que eu tem paciência de suportar, até o final, um espetáculo de teatro, por pior eu ele seja, quer em qualidade, quer por outro motivo.  Vontade de fazê-lo não me faltou muitas vezes, mas resisto bravamente, até o acender das luzes da plateia, na esperança de que “vai melhorar”.  Para quem tem 64 anos de idade e, há muitos anos, muitos mesmo, frequenta as salas de espetáculo quase que diariamente, considero isso um grande feito e uma incomensurável prova de tolerância e resistência emocional.

            No correr de décadas como espectador, só me lembro de, por três vezes, ter abandonado uma “peça” antes do fechar das cortinas, sendo que as duas mais recentes ocorreram num curtíssimo espaço de duas semanas, e isso está me assustando. 

A última ocorreu ontem.  As duas, entretanto, por motivos diferentes.
 
 


A primeira, no dia 29 de setembro, porque, para ser péssima, precisaria melhorar muito – texto, atuação do elenco, direção, cenários, figurinos...  Tudo parecia teatrinho (nada mais pejorativo do que o diminutivo de TEATRO) de paróquia de subúrbio de Tribobó da Borborema (o nome é fictício e, se existe alguma localidade com essa denominação e/ou se este texto chegar a algum munícipe de lá, ou que lá tenha nascido, já me penitencio, antecipadamente, na iminência de um processo).  

A de ontem, além de não ser nenhuma “brastemp”, tem uma (até onde suportei; não sei se houve outras) cena de plateia, totalmente desnecessária e de mau gosto, da pior qualidade, que, por si, já era suficiente para que os espectadores passassem ao largo do teatro, caso soubessem, previamente, de sua existência.
 
 


Sou radicalmente contrário – NÃO ADMITO MESMO – a cenas desse tipo, porque entendo que ninguém sai de sua casa, enfrenta uma série de dificuldades para ir a um teatro, paga caro por um ingresso (hoje, por compromisso profissional, não é o meu caso), para ser tomado como otário por um, quase sempre, arremedo de ator/atriz, o(a) qual, por falta de talento próprio e/ou por orientação de um diretor menor, para provocar o humor, apoiado num bom texto, tem de descer à plateia, com a finalidade de fazer perguntas a espectadores, muitas vezes, como a de ontem, constrangedoras e ofensivas.  

Quem não se importar com isso, ótimo!  Continue a trabalhar de graça e a ser humilhado, para que o “artista” receba o seu salário à custa da sua humilhação e do seu constrangimento.

Sou ator, embora há muitos anos fora dos palcos, mas jamais aceitaria fazer esse papel ridículo. 

Não que eu não ache que possa haver alguma interação entre o ator, no palco, e a o público, na plateia.  Mas não diretamente, ofensivamente, e sem propósito algum relacionado ao texto. 
 
 


Já vi inúmeros espetáculos em que essa atitude, a de interagir com a plateia, só faz aproximar mais ainda artista e público e, ao contrário do que ocorreu ontem, e despertar maior interesse e simpatia deste por aquele(a).  Posso citar um dos mais recentes: CALANGO DEU – OS CAUSOS DE DONA ZANINHA, texto da melhor qualidade, dirigido por um diretor de verdade e interpretado por uma diva dos palcos, infelizmente ainda não conhecida do grande público, por não estar nas novelas da TV GLOBO.  Trata-se de SUZANA NASCIMENTO, que interpreta a Dona Zaninha (texto dela, autobiográfico), oriunda do interior de Minas e que, “abre sua cozinha para o público e oferece um delicioso cafezinho, feito por ela mesma, à vista de todos, logo no início do espetáculo.  E conversa com a plateia durante quase toda a peça.  Não há como não se apaixonar pelo conjunto da obra.  Já assisti a este grande espetáculo, que recomendo (Teatro Poeirinha, às 3ªs e 4ªs, às 21h) três vezes e ainda vou tomar mais cafezinho com aquela ARTISTA, com todas as maiúsculas.
 
 
Aceita um cafezinho?  (Suzana Nascimento) 
 
 
Suzana Nascimento - CALANGO DEU - OS CAUSOS DE DONA ZANINHA
 
Meu amigo GABRIEL LOUCHARD, está, há mais de dois anos, em cartaz, com um espetáculo que reúne “stand-up” e mágicas, durante o qual ele convida pessoas da plateia a “ajudar nas mágicas”.  Tudo sem a menor intenção de ofender ninguém e, durante todo esse tempo de total sucesso de público e de crítica, ninguém se arrependeu de ter subido ao palco.  Gabriel, como grande ator e dono de uma sensibilidade e de uma inteligência invejáveis, consegue perceber quando há resistência por parte do convidado e não insiste no convite, partindo, imediatamente, para outra pessoa.  O respeito ao público é total, no espetáculo COMO É QUE PODE?, que também recomendo, às 6ªs e sábados, às 23h, no Teatro das Artes.

O que está em jogo aqui são dois limites: o geográfico, do espaço destinado à encenação, e o ético, cuja carência, infortunadamente, atinge um certo número de atores/atrizes.

Geograficamente falando, dois são os espaços definidos numa sala de espetáculo: palco e auditório (plateia).  O primeiro é destinado à encenação, à ação dos atores; o segundo é o que deve ser ocupado pelo público, pelas pessoas, para que assistam à encenação dos actantes, e não para fazer parte dela. 
 
 
Gabriel Louchard e uma convidada (ajudante de mágico) em COMO É QUE PODE?
 
Quando uma pessoa da plateia é convidada a “entrar em cena”, é convidada mesmo; ninguém deve obrigá-la a participar da cena, como ocorre, por exemplo, nos espetáculos de ZÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA, ou do AMIR HADDAD, ou de tantos outros encenadores.  A pessoa vira actante porque assim o deseja.  Eu mesmo, aliás, quase sempre que isso ocorreu, “entrei na dança” e me diverti muito.  Adoro esse tipo de espetáculo!  Isso, no meu DICIONÁRIO, se chama “interação” e não há outra intenção a não ser esta.  Ninguém constrange ninguém com perguntas sobre sua intimidade, para provocar risos de outras pessoas, as quais, se colocadas no lugar da vítima, não achariam a menor graça.
 
 
Zé Celso Martinez Corrêa e um dos seus espetáculos (participação espontânea da plateia)
 
 
Amir Haddad e o grupo TÁ NA RUA (participação popular, por vontade própria)
 
Também o ator que acha certo descer à plateia para humilhar e constranger outrem deveria ter o mínimo de “simancol”, além de sensibilidade, respeito ao próximo, amor à profissão e dignidade profissional, para perceber se o(a) escolhido(a) está gostando ou não de ser alvo daquela palhaçada e, imediatamente, improvisar uma saída honrosa, para não ficar com cara de “vem-cá-meu-bem”.  Mas, para isso, é necessário que seja um ATOR, e não um “ator de um personagem só”, como é o caso do de ontem, que até tem um grande público seguidor (o teatro estava esgotado), o que não chega a ser nenhuma novidade, pois um dos piores programas de “humor” da TV brasileira,a meu juízo, está no ar há trocentos anos, para orgulho do seu diretor e alegria dos donos da emissora (fatura muito), porém, em termos de qualidade, só perde para si mesmo.

O texto da peça é interessante, o que corrobora a minha opinião de que não seria necessário apelar para cenas de plateia, e os outros atores têm um rendimento razoável, aceitável.  Gosto do texto e da versão para o cinema. 

E o pior é que, depois da tal cena, o nome da vítima, volta e meia, é citado, em cenas subsequentes, em outras piadinhas de péssimo gosto, o que, novamente, provoca gargalhadas homéricas dos outros da plateia e olhares convergentes para o indivíduo, o cidadão, o ser humano, exposto ao ridículo, até que a paciência da pessoa chega ao seu limite e, ou ela se levanta e diz uma meia dúzia de palavrões ao agressor, indo embora em seguida, arrependida de não lhe ter dado um soco na cara (felizmente, isso não é do meu feitio; mas torço para que alguém o faça um dia) ou sai de campo, que foi a minha opção, aproveitando-me de um ligeiro “black-out”, com menos de trinta minutos de um “espetáculo” com duração prevista para oitenta.

Quanto aos limites éticos, parece-me que, para algumas pessoas, isso seja de muito mais difícil percepção, porque não conhecem a palavra “ÉTICA” ou, por alto, já ouviram falar dela.  Faltam-lhes, também, no seu “DICIONÁRIO”, talvez por ser “PEQUENO” e só voltado ao campo “AMOROSO”, os verbetes “RESPEITO”, “SOLIDARIEDADE”, “TALENTO”, “PERSPICÁCIA”... (este, então, deve soar como um palavrão, para esse tipo de pessoa), se bem que, em matéria de amor, todos devem ser conhecidos e praticados.

Se você não está disposto a passar o que passei ontem, pergunte, antes de entrar no tetro, ou melhor, antes de comprar o seu ingresso, se a peça contém esse tipo de baixaria.  Se for dos meus, procure o teatro ao lado.  Sempre há um; às vezes, ao lado mesmo.  Quem sabe, até mais de um.  E com espetáculos dignos de serem vistos e prestigiados, porque não contêm apelação e respeitam o público.

A propósito, deveria estar afixada, na bilheteria, para esse tipo de “espetáculo”, de forma bem legível, uma placa com os dizeres: ESTA PEÇA CONTÉM CENAS DE PLATEIA, DE PÉSSIMO GOSTO E QUE SERVEM PARA DIVERTIR ALGUNS, À CUSTA DO CONSTRANGIMENTO E DA HUMILHAÇÃO DE OUTROS.  

Deveria ser uma obrigação, como há aquelas que indicam a proibição de consumir alimentos na plateia, ou de não fotografar e filmar o espetáculo, ou de desligar aparelhos sonoros...  Garanto que a ocupação das poltronas não seria como a de ontem.

É certo que o ator não tem a obrigação de saber se aquela é a pessoa indicada para servir às suas “brincadeirinhas sem graça”, porque ninguém traz uma placa, com tal indicação, pendurada no pescoço, como também é verdade que ninguém é obrigado a adivinhar que passará vexames, quando apenas desejava assistir a um bom espetáculo.  

DEVE SER PELA FALTA DA SEGUNDA QUE DEVERIA EXISTIR A PRIMEIRA, uma vez que não é em qualquer teatro que se encontra uma Suzana Nascimento, um Gabriel Louchard e outros ARTISTAS, na mais ampla acepção da palavra.
 
Para representar a TRAGÉDIA, bastaria a máscara da direita, em posição inferior, sem a lágrima.  Mas esta é a imagem mais próxima de quem saiu, ontem, daquilo que se propunha a ser uma comédia
 
Que pena!
 
 

 

Um comentário:

  1. Que lamentável! Posso imaginar, conhecendo sua paixão pelo TEATRO, o que esse fato deve ter causado em você. Infelizmente a "orda dos sem noção" só está crescendo.
    Mas nada melhor que TEATRO ( em maiúsculo mesmo) para apagar as lembranças tristes da mediocridade!
    VIVA O TEATRO!

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