“NAS SELVAS
DO bRAZYL”
ou
(UM AMÁLGAMA DE HISTÓRIA E TEATRO.)
Depois de uma considerável entressafra de
espetáculos de gosto duvidoso, no Rio de Janeiro, voltei a sentir
prazer em ir ao Teatro, de dez dias para cá, só tendo assistido a peças agradáveis
de serem vistas, todas merecendo uma crítica deste amante do bom TEATRO,
como foi o caso de ontem (19/10/2025), no CCBB -
RJ (Teatro I), quando me deliciei, assistindo à “NAS SELVAS DO bRAZYL”,
com essa grafia mesmo.
SINOPSE:
Dois atores embarcam no desafio de
encenar a célebre expedição do Marechal Rondon (GUSTAVO GASPARANI) e do ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore
Roosevelt (ISIO GHELMAN), pelo
mítico Rio da Dúvida, no início do século XX.
À medida que a narrativa avança, os
limites entre atores e personagens se dissolvem, arrastando-os para dentro da
própria selva.
Entre especulações sobre a expedição
histórica e os anseios do presente, a floresta revela seus riscos e os sinais
das mudanças climáticas que ameaçam o futuro de todas as espécies.
Antes de entrar nos
comentários sobre a peça, considero oportuno e esclarecedor falar um pouco
sobre a expedição que motivou PEDRO
KOSOVSKI a escrever a dramaturgia do espetáculo. A Expedição Científica Rondon - Roosevelt (1913-1914), patrocinada
pelo Museu
Americano de História Natural, foi uma experiência real, liderada,
conjuntamente, pelo marechal brasileiro Cândido Rondon (1865 / 1958) e pelo ex-presidente
dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt (1858 / 1919), 26º
presidente norte-americano, para explorar e mapear o Rio da Dúvida, localizado
no Mato
Grosso, na Bacia Amazônica. O objetivo era descobrir se o rio era um
afluente do Amazonas, mas enfrentou muitos desafios, como o clima, a selva
densa e doenças, como a malária, que, gravemente, afetou Roosevelt. Como
resultado da expedição, o rio foi renomeado para Rio Roosevelt, em
homenagem ao ex-presidente.
Fotos da expedição real.
A equipe enfrentou inúmeros perigos,
incluindo o terreno difícil, cachoeiras, a correnteza forte do rio, durante a
estação chuvosa, e o impaludismo (malária). Apesar dos muitos contratempos,
entre as conquistas do grupo expedicionário, contabilizam-se o pretendido
mapeamento do rio e a coleta de inúmeros espécimes de animais,
principalmente insetos.
Entre os obstáculos que o grupo
enfrentou, destaca-se o fato de Roosevelt ter quase morrido, durante
a viagem, e sua saúde ter ficado, permanentemente, debilitada, por doenças
contraídas na expedição. Por outro lado, Rondon, apesar de também
ter contraído malária, permaneceu imune durante a maior parte da viagem. A expedição explorou mais de
500 km do tortuoso percurso do rio.
Extraído do rico “release” que me foi
enviado por STELLA STEPHANY, assessora de imprensa da peça: “Através do encontro entre o
estrangeiro colonizador e o militar brasileiro, defensor dos indígenas, a peça
reflete sobre os efeitos
provocados pelo modelo colonizador no meio ambiente, na floresta e em seus povos”.
A preciosa
e muito bem elaborada dramaturgia,
de PEDRO KOSOVSKI, funde duas camadas em cena: os
personagens, às voltas com a expedição, no início do século XX, e os atores hoje, em pleno terceiro milênio, lidando com as memórias daquele tempo,
diante de um colapso climático iminente, que assola o planeta Terra. Até certo ponto - o que é bom e funciona muito bem -,
o texto pode ser considerado um
pouco hermético, o que não constitui nenhum defeito, obrigando o espectador a
se manter bem atento às falas, ora emitidas pelo dois protagonistas, ora, por
dois atores: ISIO e GASPARANI ou dois outros, aleatórios?
Pedro Kosovski.
A melhor
qualidade do texto, a meu juízo, é buscar uma nova forma de
compreender as relações entre humanos e natureza e a origem do povo brasileiro,
convidando o público a uma reflexão sobre temas urgentes, como mudanças climáticas, diversidade e
ancestralidade.
Sem fazer muito esforço,
identificamos, nos personagens, dois claros e evidentes arquétipos: Roosevelt, como o homem branco, estrangeiro colonizador; Rondon corresponde ao homem militar pacifista, protetor dos povos originários, engajado na
construção de uma ideia de nação, tendo
descoberto e nomeado uma quantidade inestimável de rios, montanhas, vales e
lagos, além de implantar mais de cinco mil quilômetros de linhas telegráficas
nas florestas brasileiras.
Ainda que baseado num evento real, a
partir das memórias de uma expedição, a peça é uma obra de ficção. Destarte, os
diálogos correspondem a tudo aquilo que
não foi dito entre os dois personagens protagonistas, fruto da imaginação
criativa do dramaturgo. KOSOVSKI
afirma que pouco se fala sobre esse
importante encontro, pouco é narrado e, muito menos, conhecido. Sendo
assim, “a dramaturgia investe num exercício
de imaginar, especular o que teria acontecido entre os dois”, da mesma
forma que faz pensar que “há, nesse
encontro, uma síntese de processos históricos importantes, feridas históricas
importantes para o nosso país, como, por exemplo, a ideologia do progresso e do
desenvolvimento, todo processo de colonização, de subalternização do Brasil,
dependência do Brasil em relação os Estados Unidos - processos que hoje cobram
o seu preço e se pronunciam em nossas vidas de modo muito visível e avassalador”.
Em diálogos ágeis, abertos e francos, detectamos,
ao longo da peça, vários temas, como o etnocentrismo, a postura colonizadora do homem branco em relação à
floresta e seus povos e a hegemonia geopolítica dos Estados Unidos sobre Brasil,
este aspecto acentuado e muito em voga nos dias de hoje.
Embora a peça apresente dois
protagonistas, podemos dizer, sem medo de errar, que, de forma humanizada, a Floresta
Amazônica pode ser considerada um terceiro protagonista, na narrativa. Pelo
olhar retrospectivo do autor, é fácil perceber os efeitos nocivos que o modelo colonizador imprimiu sobre o meio ambiente
e os povos originários.
Considero DANIEL HERZ
um dos maiores encenadores brasileiros. Já tive a oportunidade de fazê-lo
exaltado, em muitos trabalhos anteriores dirigidos por ele, mas creio que sua
melhor “performance”, até
agora, recai sobre esta montagem. Contando com colaboradores de peso, como DINA
SALEM LEVY (cenografia), WANDERLEY
GOMES (figurino), AURÉLIO
DE SIMONI (iluminação), MARCELLO
H (trilha sonora) e MÁRCIA
RUBIN (preparação corporal),
HERZ explora, a contento, todos os meandros do texto e, como poucos, executa um belíssimo trabalho de direção
de atores.
É profundamente prazeroso
aplaudir dois dos nossos melhores atores, como ISIO GHELMAN e GUSTAVO
GASPARANI. Tudo o que eu pudesse escrever sobre suas atuações seria pouco,
diante do brilhantismo como se saem na interpretação dos dois opostos personagens,
empreendendo uma verdade cênica poucas vezes observada num palco. Suas atuações
se equivalem, em magistral qualidade, e são responsáveis por manter viva a
atenção dos espectadores, da primeira à última cena, o que os faz merecedores
de muitos merecidos aplausos ao final da peça.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Gustavo Gasparani
Texto: Pedro Kosovski
Direção: Daniel Herz
Assistência de Direção: Carol Pucu
Elenco: Gustavo Gasparani e Isio
Ghelman
Cenografia: Dina Salem Levy
Assistência de Cenografia: Alice Cruz
Figurino: Wanderley Gomes
Iluminação: Aurélio de Simoni
Trilha Sonora: Marcello H
Preparação Corporal: Márcia Rubin
“Design” Gráfico: Luciano Cian
Fotos: Nil Caniné
Coordenação Administrativo-Financeira:
Cacau Gondomar
“Performance” e Rede Social: Lead Performance
Produção Executiva: Luciano Pontes
Coordenação de Produção: Ártemis
Direção de Produção: Silvio Batistela
Produção: Idarte Produções Artísticas
Realização: Centro Cultural Banco do
Brasil
Assessoria de Imprensa: JSPontes
Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 10 de
outubro a 30 de novembro de 2025.
Local: Teatro I do CCBB -
RJ / Centro Cultural Banco do Brasil – RJ.
Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 / Centro, Rio
de Janeiro.
Telefone: (21) 3808-2020.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h;
domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15
(meia-entrada), na bilheteria do CCBB (sem taxa de serviço) ou no “site” bb.com.br/cultura (com
taxa de serviço).
Horário de funcionamento da bilheteria: de 4ª
feira a 2ª feira, das 9h às 20h.
Capacidade: 159 lugares.
Duração: 70 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: Drama Contemporâneo.
Para os padrões dos dias
de hoje, felizmente, a temporada não é tão curta, o que permite que um maior número de pessoas
que apreciem um bom TEATRO possa conferir as minhas palavras. RECOMENDO MUITO ESTE
ESPETÁCULO.
FOTOS: NIL CANINÉ
GALERIA
PARTICULAR:
É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO BRASILEIRO!
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