“(UM) ENSAIO
SOBRE
A CEGUEIRA”
ou
(O GRUPO GALPÃO
SENDO
O GRUPO GALPÃO.)
ou
(RODRIGO PORTELLA
SENDO
RODRIGO PORTELLA.)
ou
(O PIOR CEGO É
AQUELE QUE
NÃO QUER VER.)
O grande acontecimento teatral do ano,
até o presente momento, no Rio de Janeiro, é a passagem do Grupo
Galpão, de Belo Horizonte, com seu espetáculo “(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”, uma OBRA-PRIMA, numa leitura do genial diretor
RODRIGO PORTELLA para o clássico “best
seller” do escritor português JOSÉ
SARAMAGO, traduzido para dezenas de línguas. Aliás, PORTELLA é, também, o dramaturgo da peça, em brilhante
adaptação para as tábuas.
SINOPSE 1:
“(UM) ENSAIO
SOBRE A CEGUEIRA” narra a história de uma cidade que é, subitamente, atingida por
uma epidemia inexplicável de “cegueira branca”, privando
seus habitantes de enxergar o mundo como antes.
Tudo começa com um homem no trânsito,
repentinamente cego, diante de um semáforo fechado.
Por ordem do Ministério da Saúde, os
afetados são isolados num manicômio abandonado, em quarentena, onde o caos e a
desintegração social se instalam.
Rapidamente, a condição se espalha e
coloca à prova a moral, a ética e as noções de coletivo.
Uma única mulher, a esposa de um
oftalmologista, também afetado pelo estranho e inexplicável fenômeno, é a única
a manter a visão, fingindo-se de cega, tornando-se a testemunha e guia de um
pequeno grupo, numa luta pela sobrevivência e recuperação da sua
humanidade.
Um encontro entre o Grupo
Galpão e a obra de JOSÉ SARAMAGO,
ganhador do “Prêmio Nobel de Literatura”, em 1998.
SINOPSE 2:
A cegueira começa num único homem,
durante a sua rotina habitual.
Quando está sentado em seu carro, no
semáforo, este homem tem um ataque de cegueira, e é aí, com as pessoas que
correm em seu socorro, que uma cadeia sucessiva de cegueira se forma.
Uma cegueira, branca, como um mar de
leite, e jamais conhecida, alastra-se, rapidamente, em forma de epidemia.
O Governo decide agir, e as
pessoas infectadas são colocadas em uma quarentena, com recursos limitados, que
irá desvendar, aos poucos, as características primitivas do ser humano.
A força da epidemia não diminui com
as atitudes tomadas pelo Governo e, depressa, o mundo se
torna cego, onde apenas uma mulher, misteriosa e secretamente, manterá a sua
visão, enfrentando todos os horrores que serão causados, presenciando,
visualmente, todos os sentimentos que se desenrolam na obra: poder, obediência,
ganância, carinho, desejo, vergonha; dominadores, dominados, subjugadores e
subjugados.
Nessa quarentena, esses sentimentos
se irão desenvolver sob diversas formas: lutas entre grupos pela pouca comida
disponibilizada; compaixão pelos doentes e os mais necessitados, como idosos ou
crianças; embaraço por atitudes que, antes, nunca seriam cometidas; atos de violência
e abuso sexual; mortes…
Finalmente, conseguem sair do
manicômio/clausura, devido a um fogo posto na camarata de um grupo dominante,
que instalara, ainda mais, o desespero, controlando a comida, a troco de todos os
bens dos restantes e serviços sexuais.
SARAMAGO mostra,
através desta obra, intensiva e sofrida, as reações do ser humano às
necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono.
Leva-nos, também, a refletir sobre a
moral, costumes, ética e preconceito.
A obra acaba quando, subitamente,
exatamente pela ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao mundo imundo e
bárbaro, no entanto, as memórias e rastros não se desvanecem.
Tenho
consciência de que não é fácil escrever sobre este espetáculo, procurando dizer
muito, falando pouco, mas vou procurar testar a minha capacidade de síntese, o
que não garanto muito. Inicio por dizer que me causa uma certa inquietação e um
considerável ceticismo assistir a peças que são frutos de adaptações de livros.
Já me deparei com algumas poucas ótimas experiências, nesse sentido, e muitas
desastrosas. Acredito que o primeiro grande mérito nesta montagem reside sobre
a dramaturgia,
de RODRIGO PORTELLA, por ter sabido
respeitar o estilo de SARAMAGO,
econômico, direto e irônico, mesclando, como no livro, os discursos indireto (narrativa)
e direto (diálogos), e pôr em relevo todas as principais
situações do livro. E tudo com muito dinamismo, vivenciado numa verdade cênica
ímpar, entrando aí, evidentemente, todo o indiscutível talento dos nove atores do Galpão,
com sua abundância cênica, poética e bom humor.
O
espetáculo já inicia numa imensurável potência e se mantém assim até a cena final,
encantando uma plateia atenta, sem que esta perca o interesse pela narrativa,
durante aproximadamente 140 minutos, sem intervalo. E isso sem grandes
apelos para os olhos, com a utilização de figurinos do dia a dia (GILMA OLIVEIRA), um palco nu, que vai,
aos poucos, sendo preenchido por elementos cênicos de uma simplicidade a toda
prova, sem apelos plásticos marcantes; a cenografia é de MARCELO ALVARENGA. O único elemento que salta aos olhos, no que
tange à plasticidade desta montagem é o desenho de luz, das
melhores coisas que já testemunhei num palco, assinado, a quatro mãos, por RODRIGO MARÇAL e RODRIGO PORTELLA. A luz dialoga com os personagens. Vale ressaltar a ótima ideia de colocar, em algumas cenas, os próprios atores iluminando os colegas, com refletores dispostos no palco.
Ainda que
lançada há, exatamente, 30 anos, a obra é totalmente atemporal
e universal,
e muito dela, inclusive, das mensagens implícitas, guarda uma grande relação
com o recente episódio da pandemia de COVID-19, que ameaçou todo o
planeta. Assim como em 2020/2021, em tal contexto, questões
ligadas à moral, à ética e à vida em comunidade são postas em xeque. Para quem
gosta de viver grandes emoções, o diretor e o elenco lançam mão de uma
ideia interessantíssima, que é oferecer a 14 espectadores, previamente apresentados
como voluntários, a oportunidade de subir ao palco e participar de parte da
encenação, o “ingresso experiência”. Esses espectadores poderão vivenciar um grande momento da
peça de olhos vendados, em uma experiência imersiva e sensorial, guiados pelo
elenco. Têm que ser pessoas maiores de 18 anos, aceitando as
condições informadas.
De acordo com um detalhado e cuidadoso “release”,
a mim endereçado por STELLA STEPHANY
(Assessoria
de Imprensa”), “Contada por meio da prosa ensaística de
Saramago, a história sobre a “cegueira branca”, que se espalha em diversas
partes do mundo, não é apenas uma meditação sobre a perda e a fragilidade
humanas, mas, também, uma potente alegoria acerca dos frágeis limites éticos que
nos separam da barbárie.”. Na verdade, a “cegueira” não passa
de uma magnífica metáfora da perda de sentido e do senso de
humanidade, assim como de nossa capacidade de enxergar além do que se vê. O
texto nos convence de que existe uma grande diferença entre “enxergar
e ver”. O primeiro está ligado à capacidade física de nos apercebermos
do que existe de concreto ao nosso redor, enquanto o segundo se aplica mais ao
significado de sentir, perceber com a alma e o coração.
Com 43 anos de excelentes e expressivos
serviços voltados para a cultura brasileira, por meio do TEATRO, o Grupo
Galpão apresenta mais um importante capítulo da trajetória de
experimentação e TEATRO de pesquisa do Grupo, sempre voltada à prática “pela
busca de novas e desafiadoras experiências, que nos fizessem refletir sobre a
natureza do TEATRO e de como ampliar e diversificar nossos conhecimentos e
perspectivas”, comentário de EDUARDO
MOREIRA, ator e um dos fundadores da companhia.
Os personagens, a rigor, “não
ficam cegos”, porque “cegos sempre foram”, ao ignorar uma
realidade que faz doer, principalmente quando reconhecemos nossas próprias
culpas. Somos todos “cegos que veem”, “cegos que, vendo, não veem”. Ainda
pela voz de EDUARDO, “É um
convite para que possamos fechar os olhos e, finalmente, ver.”.
Para o diretor da peça, “Estamos
cegos, diante de tanta imagem, e perdemos a capacidade de ler o mundo em
camadas mais complexas. Quando vou a um museu muito turístico, constato uma cegueira geral.
Poucas pessoas veem, de fato, as obras. A maioria, ao contrário, não as
enxerga, pois perdeu a capacidade de ler, observar e reter. Elas estão
distraídas com suas ‘selfies instagramáveis’,
perdidas numa espécie de automatismo”. Excelente observação de RODRIGO PORTELLA, da qual não podemos discordar.
É bem
pertinente achar que SARAMAGO pense
que é preciso um momento de “cegueira” de todos os terráqueos,
para que possamos abrir espaço para “enxergar e ver”, mas não somente
aquilo que nos interessa registrar na retina e na memória. Seria necessário que
todos passássemos por “toda a privação da autonomia, de serviços
básicos, ter que lutar pelo alimento, experimentar o medo irracional, o horror
da banalidade do mal, para, enfim, dar-se conta da necessidade de reparar,
mudar, ajustar o sistema, retornar ao essencial; como se toda a jornada na
escuridão fosse um caminho de evolução em relação à consciência e à necessidade
de reafirmação e reiteração do pacto civilizatório”, como ainda afirma RODRIGO PORTELLA. A “cegueira branca”
de SARAMAGO nada mais é do que a “cegueira moral
da indiferença, do egoísmo, da tirania e da covardia, de nossa impotência
diante das guerras, dos que têm fome...”
Sempre se
diz que o cinema é a arte do diretor e que o TEATRO é a dos atores.
Não querendo contrariar essa máxima, afirmo que, neste espetáculo, apesar do
magnífico rendimento dos nove esplêndidos atores do elenco,
sem destaque para ninguém, visto que todos são merecedores dos nossos mais
efusivos aplausos, digo que, no caso, esta montagem teatral é também a arte
de um diretor, o imprevisível RODRIGO
PORTELLA, que sempre se supera a cada novo espetáculo. Com 30 anos
de carreira, ele é, hoje, indiscutivelmente, um dos mais destacados
diretores teatrais brasileiros. Suas peças têm ocupado importantes espaços em
teatros do Brasil e de outros países, como França, Canadá,
Argentina,
Equador,
Chile,
Alemanha,
Bélgica,
Suíça
e Portugal.
Foi vencedor de diversos prêmios, no Brasil e no exterior, com seu principal
espetáculo, “Tom na Fazenda”, assim como “Ficções”, “As
Crianças” e “Ray – Você Não me Conhece”.
A presente
montagem recebeu uma competentíssima direção musical de FEDERICO PUPPI, também o compositor de
uma bela trilha sonora original, uma figura de destaque em algumas das
montagens de PORTELLA.
A peça
descreve como a cegueira afeta não apenas a visão, mas também a capacidade de
discernimento e a percepção da realidade, revelando o lado mais obscuro e
primitivo do ser humano. As personagens são confrontadas com a fome, a
violência e o desespero, mas também com momentos de compaixão e
resistência. É uma obra complexa, que convida à reflexão sobre a nossa
própria capacidade de enxergar o mundo e os outros, e sobre a importância de
preservar a humanidade em tempos de crise.
Para alguém menos informado, a importância do Grupo
Galpão, para o TEATRO brasileiro, é incalculável, a
julgar pelos números a ele atrelados: 43 anos de atividade (Fundação: novembro de 1982), 27 espetáculos, 15 projetos audiovisuais, 2.000.000 de espectadores; 100 prêmios brasileiros, mais de 3.400 apresentações em 300 cidades, 18 países diferentes, mais de 80 festivais internacionais e
mais de 210 festivais
nacionais, sendo uma das mais
conhecidas e reconhecidas companhias teatrais do Brasil, tanto pela
longevidade de sua de atividade contínua quanto por sua pesquisa de linguagem,
com uma proposta de construção de um TEATRO de grupo, com raízes ligadas
à tradição do TEATRO popular e de rua. Dos seus componentes, a única que não
faz parte desta montagem é TEUDA BARA.
Seus trabalhos dialogam com o popular e o erudito, a tradição e a
contemporaneidade, o TEATRO de rua e o palco, o universal
e o regional brasileiro.
FICHA TÉCNICA:
Adaptação do livro “Ensaio sobre a
Cegueira”, de José Saramago
Dramaturgia: Rodrigo Portella
Direção: Rodrigo Portella
Assistência de Direção: Georgina Vila
Bruch e Paulo André
Direção Musical, Trilha Sonora
Original e Paisagem Sonora: Federico Puppi
Elenco: Antônio Edson, Eduardo
Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Luiz Rocha, Lydia Del
Picchia, Paulo André / Rodolfo Vaz e Simone Ordones
Cenografia: Marcelo Alvarenga (Play
Arquitetura)
Assistência de Cenografia: Vinícius
Bicalho
Figurino: Gilma Oliveira
Assistência de Figurino: Caroline
Manso
Iluminação: Rodrigo Marçal e Rodrigo
Portella
Interlocução Dramatúrgica: Bianca
Ramoneda
Adereços: Rai Bento
Visagismo: Gabriela Dominguez
Desenho Sonoro, Programação e Mixagem:
Fábio Santos
Assistência de Direção: Zezinho
Mancini
Construção Cenário: Artes Cênica
Produções
Costuras: Danny Maia
Fotos: Guto Muniz e Tati Motta
Registro e Cobertura Audiovisual:
Luiz Felipe Fernandes
Comunicação: Letícia Levia e Fernanda
Lara
Projeto Gráfico: Filipe Lampejo e
Rita Davis
Consultoria de Acessibilidade: Oscar
Capucho
Operação de Luz: Rodrigo Marçal
Operação de Som: Fábio Santos
Técnico de
Palco: William Bililiu
Assistente Técnico: William Teles
Assistente de Produção: Zazá Cypriano
Produção Executiva: Beatriz
Radicchi
Direção de Produção: Gilma Oliveira
Produção: Grupo Galpão
Produção Local no Rio de Janeiro:
Caseiras Produções Culturais
Assessoria Local no Rio de Janeiro:
Stella Stephany e João Pontes (JSPontes Comunicação)
SERVIÇO:
Temporada: De 28 de agosto a 14 de
setembro de 2025.
Local: Teatro Carlos Gomes.
Endereço: Praça Tiradentes, s/n° - Centro – Rio
de Janeiro.
Dias e
Horários: De 4ª a 6ª feira, às 19h; sábados e domingos, às 17h.
Valor dos
Ingressos: Ingresso Promocional: R$ 17 (meia-entrada) e R$ 34 (inteira);
Ingresso Experiência: R$ 40 (meia-entrada) e R$ 80 (inteira); Demais ingressos:
R$ 40 (meia-entrada) e R$ 80 (inteira); Associados do Sesc: meia-entrada (R$
40), mediante apresentação de carteirinha.
OBSERVAÇÃO:
Ingresso Experiência: venda individual, somente na bilheteria, mediante
assinatura de termo de uso de imagem.
Venda dos Ingressos:
Em https://ingressosriocultura.com.br/riocultura/events ou na bilheteria do Teatro, nos seguintes
horários: 4ª feira, das 14h às 19h; 5ª e 6ª feira, das 16h às 20h; sábado
e domingo, das 14h às 18h.
Sessões
com acessibilidade em LIBRAS, às 4ªs feiras e domingos: 31/08, 03/09, 07/09,
10/09 e 14/09. Sessões com audiodescrição, aos domingos.
Classificação
Etária: 16 anos.
Duração: Aproximadamente,140
minutos, sem intervalo.
Gênero:
Drama.
Com
relação ao final da peça, podemos dizer que se forma um cenário complexo e
ambíguo. A mulher do médico, que é a única personagem que nunca perde a
visão, observa a recuperação da visão pela maioria da população, mas sente que
algo mudou para sempre. Ela acredita que as pessoas estavam “cegas”,
mesmo quando podiam ver, e que a experiência da cegueira revelou a verdadeira
natureza humana, tanto em sua capacidade de crueldade quanto de solidariedade e
empatia. Sob tal aspecto, podemos até arriscar dizer
que “há
males que vêm para o bem” e que “ainda podemos enxergar e ver algum foco de
luz ao fundo do túnel”. Mas não podemos deixar de registrar
que “a
obra de SARAMAGO,
adaptada para o TEATRO, é considerada uma ‘alegoria’ sobre o que de mais humano
e animal existe na condição humana e sobre os limites da civilização”.
Na peça, assim como no
livro, a metáfora da “cegueira branca” é empregada para expor de que maneira seria um mundo de cegos, onde não se respeitam os
direitos e garantias fundamentais, o que conduz ao declínio do Estado
Democrático de Direito e retorno do homem ao estágio primitivo.
É mais do que óbvio que RECOMENDO, EXAUSTIVAMENTE, ESTE ESPETÁCULO, uma verdadeira OBRA-PRIMA.
FOTOS: GUTO MUNIZ
E
TATI MOTTA.
É preciso ir ao
TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo,
visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre
mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há
de melhor no TEATRO BRASILEIRO!