segunda-feira, 1 de setembro de 2025

“(UM) ENSAIO SOBRE

A CEGUEIRA”

ou

(O GRUPO GALPÃO

SENDO

O GRUPO GALPÃO.)

ou

 (RODRIGO PORTELLA

SENDO

RODRIGO PORTELLA.)

ou

(O PIOR CEGO É

AQUELE QUE

NÃO QUER VER.)

 

        




         O grande acontecimento teatral do ano, até o presente momento, no Rio de Janeiro, é a passagem do Grupo Galpão, de Belo Horizonte, com seu espetáculo “(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA”, uma OBRA-PRIMA, numa leitura do genial diretor RODRIGO PORTELLA para o clássico “best seller” do escritor português JOSÉ SARAMAGO, traduzido para dezenas de línguas. Aliás, PORTELLA é, também, o dramaturgo da peça, em brilhante adaptação para as tábuas.

 

 




SINOPSE 1:

“(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA” narra a história de uma cidade que é, subitamente, atingida por uma epidemia inexplicável de “cegueira branca”, privando seus habitantes de enxergar o mundo como antes.

Tudo começa com um homem no trânsito, repentinamente cego, diante de um semáforo fechado.

Por ordem do Ministério da Saúde, os afetados são isolados num manicômio abandonado, em quarentena, onde o caos e a desintegração social se instalam. 

Rapidamente, a condição se espalha e coloca à prova a moral, a ética e as noções de coletivo.

Uma única mulher, a esposa de um oftalmologista, também afetado pelo estranho e inexplicável fenômeno, é a única a manter a visão, fingindo-se de cega, tornando-se a testemunha e guia de um pequeno grupo, numa luta pela sobrevivência e recuperação da sua humanidade. 

Um encontro entre o Grupo Galpão e a obra de JOSÉ SARAMAGO, ganhador do “Prêmio Nobel de Literatura”, em 1998.


 



 

SINOPSE 2:

A cegueira começa num único homem, durante a sua rotina habitual.

Quando está sentado em seu carro, no semáforo, este homem tem um ataque de cegueira, e é aí, com as pessoas que correm em seu socorro, que uma cadeia sucessiva de cegueira se forma.

Uma cegueira, branca, como um mar de leite, e jamais conhecida, alastra-se, rapidamente, em forma de epidemia.

O Governo decide agir, e as pessoas infectadas são colocadas em uma quarentena, com recursos limitados, que irá desvendar, aos poucos, as características primitivas do ser humano.

A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelo Governo e, depressa, o mundo se torna cego, onde apenas uma mulher, misteriosa e secretamente, manterá a sua visão, enfrentando todos os horrores que serão causados, presenciando, visualmente, todos os sentimentos que se desenrolam na obra: poder, obediência, ganância, carinho, desejo, vergonha; dominadores, dominados, subjugadores e subjugados.

Nessa quarentena, esses sentimentos se irão desenvolver sob diversas formas: lutas entre grupos pela pouca comida disponibilizada; compaixão pelos doentes e os mais necessitados, como idosos ou crianças; embaraço por atitudes que, antes, nunca seriam cometidas; atos de violência e abuso sexual; mortes…

Finalmente, conseguem sair do manicômio/clausura, devido a um fogo posto na camarata de um grupo dominante, que instalara, ainda mais, o desespero, controlando a comida, a troco de todos os bens dos restantes e serviços sexuais.

SARAMAGO mostra, através desta obra, intensiva e sofrida, as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono.

Leva-nos, também, a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito.

A obra acaba quando, subitamente, exatamente pela ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao mundo imundo e bárbaro, no entanto, as memórias e rastros não se desvanecem.


 

 



Tenho consciência de que não é fácil escrever sobre este espetáculo, procurando dizer muito, falando pouco, mas vou procurar testar a minha capacidade de síntese, o que não garanto muito. Inicio por dizer que me causa uma certa inquietação e um considerável ceticismo assistir a peças que são frutos de adaptações de livros. Já me deparei com algumas poucas ótimas experiências, nesse sentido, e muitas desastrosas. Acredito que o primeiro grande mérito nesta montagem reside sobre a dramaturgia, de RODRIGO PORTELLA, por ter sabido respeitar o estilo de SARAMAGO, econômico, direto e irônico, mesclando, como no livro, os discursos indireto (narrativa) e direto (diálogos), e pôr em relevo todas as principais situações do livro. E tudo com muito dinamismo, vivenciado numa verdade cênica ímpar, entrando aí, evidentemente, todo o indiscutível talento dos nove atores do Galpão, com sua abundância cênica, poética e bom humor.




O espetáculo já inicia numa imensurável potência e se mantém assim até a cena final, encantando uma plateia atenta, sem que esta perca o interesse pela narrativa, durante aproximadamente 140 minutos, sem intervalo. E isso sem grandes apelos para os olhos, com a utilização de figurinos do dia a dia (GILMA OLIVEIRA), um palco nu, que vai, aos poucos, sendo preenchido por elementos cênicos de uma simplicidade a toda prova, sem apelos plásticos marcantes; a cenografia é de MARCELO ALVARENGA. O único elemento que salta aos olhos, no que tange à plasticidade desta montagem é o desenho de luz, das melhores coisas que já testemunhei num palco, assinado, a quatro mãos, por RODRIGO MARÇAL e RODRIGO PORTELLA. A luz dialoga com os personagens. Vale ressaltar a ótima ideia de colocar, em algumas cenas, os próprios atores iluminando os colegas, com refletores dispostos no palco.




Ainda que lançada há, exatamente, 30 anos, a obra é totalmente atemporal e universal, e muito dela, inclusive, das mensagens implícitas, guarda uma grande relação com o recente episódio da pandemia de COVID-19, que ameaçou todo o planeta. Assim como em 2020/2021, em tal contexto, questões ligadas à moral, à ética e à vida em comunidade são postas em xeque. Para quem gosta de viver grandes emoções, o diretor e o elenco lançam mão de uma ideia interessantíssima, que é oferecer a 14 espectadores, previamente apresentados como voluntários, a oportunidade de subir ao palco e participar de parte da encenação, o “ingresso experiência”. Esses espectadores poderão vivenciar um grande momento da peça de olhos vendados, em uma experiência imersiva e sensorial, guiados pelo elenco. Têm que ser pessoas maiores de 18 anos, aceitando as condições informadas.  




         De acordo com um detalhado e cuidadoso “release”, a mim endereçado por STELLA STEPHANY (Assessoria de Imprensa”), “Contada por meio da prosa ensaística de Saramago, a história sobre a “cegueira branca”, que se espalha em diversas partes do mundo, não é apenas uma meditação sobre a perda e a fragilidade humanas, mas, também, uma potente alegoria acerca dos frágeis limites éticos que nos separam da barbárie.”. Na verdade, a “cegueira” não passa de uma magnífica metáfora da perda de sentido e do senso de humanidade, assim como de nossa capacidade de enxergar além do que se vê. O texto nos convence de que existe uma grande diferença entre “enxergar e ver”. O primeiro está ligado à capacidade física de nos apercebermos do que existe de concreto ao nosso redor, enquanto o segundo se aplica mais ao significado de sentir, perceber com a alma e o coração.




         Com 43 anos de excelentes e expressivos serviços voltados para a cultura brasileira, por meio do TEATRO, o Grupo Galpão apresenta mais um importante capítulo da trajetória de experimentação e TEATRO de pesquisa do Grupo, sempre voltada à prática “pela busca de novas e desafiadoras experiências, que nos fizessem refletir sobre a natureza do TEATRO e de como ampliar e diversificar nossos conhecimentos e perspectivas”, comentário de EDUARDO MOREIRA, ator e um dos fundadores da companhia. 



         Os personagens, a rigor, “não ficam cegos”, porque “cegos sempre foram”, ao ignorar uma realidade que faz doer, principalmente quando reconhecemos nossas próprias culpas. Somos todos “cegos que veem”, “cegos que, vendo, não veem”. Ainda pela voz de EDUARDO, “É um convite para que possamos fechar os olhos e, finalmente, ver.”.



         Para o diretor da peça, “Estamos cegos, diante de tanta imagem, e perdemos a capacidade de ler o mundo em camadas mais complexas. Quando vou a um museu muito turístico, constato uma cegueira geral. Poucas pessoas veem, de fato, as obras. A maioria, ao contrário, não as enxerga, pois perdeu a capacidade de ler, observar e reter. Elas estão distraídas com suas ‘selfies instagramáveis’, perdidas numa espécie de automatismo”. Excelente observação de RODRIGO PORTELLA, da qual não podemos discordar.



É bem pertinente achar que SARAMAGO pense que é preciso um momento de “cegueira” de todos os terráqueos, para que possamos abrir espaço para “enxergar e ver”, mas não somente aquilo que nos interessa registrar na retina e na memória. Seria necessário que todos passássemos por “toda a privação da autonomia, de serviços básicos, ter que lutar pelo alimento, experimentar o medo irracional, o horror da banalidade do mal, para, enfim, dar-se conta da necessidade de reparar, mudar, ajustar o sistema, retornar ao essencial; como se toda a jornada na escuridão fosse um caminho de evolução em relação à consciência e à necessidade de reafirmação e reiteração do pacto civilizatório”, como ainda afirma RODRIGO PORTELLA. A “cegueira branca” de SARAMAGO nada mais é do que a “cegueira moral da indiferença, do egoísmo, da tirania e da covardia, de nossa impotência diante das guerras, dos que têm fome...”




Sempre se diz que o cinema é a arte do diretor e que o TEATRO é a dos atores. Não querendo contrariar essa máxima, afirmo que, neste espetáculo, apesar do magnífico rendimento dos nove esplêndidos atores do elenco, sem destaque para ninguém, visto que todos são merecedores dos nossos mais efusivos aplausos, digo que, no caso, esta montagem teatral é também a arte de um diretor, o imprevisível RODRIGO PORTELLA, que sempre se supera a cada novo espetáculo. Com 30 anos de carreira, ele é, hoje, indiscutivelmente, um dos mais destacados diretores teatrais brasileiros. Suas peças têm ocupado importantes espaços em teatros do Brasil e de outros países, como França, Canadá, Argentina, Equador, Chile, Alemanha, Bélgica, Suíça e Portugal. Foi vencedor de diversos prêmios, no Brasil e no exterior, com seu principal espetáculo, “Tom na Fazenda”, assim como “Ficções”, “As Crianças” e “Ray – Você Não me Conhece”.



RODRIGO PORTELLA (Foto: O Globo.)


A presente montagem recebeu uma competentíssima direção musical de FEDERICO PUPPI, também o compositor de uma bela trilha sonora original, uma figura de destaque em algumas das montagens de PORTELLA.  



A peça descreve como a cegueira afeta não apenas a visão, mas também a capacidade de discernimento e a percepção da realidade, revelando o lado mais obscuro e primitivo do ser humano. As personagens são confrontadas com a fome, a violência e o desespero, mas também com momentos de compaixão e resistência. É uma obra complexa, que convida à reflexão sobre a nossa própria capacidade de enxergar o mundo e os outros, e sobre a importância de preservar a humanidade em tempos de crise. 



         Para alguém menos informado, a importância do Grupo Galpão, para o TEATRO brasileiro, é incalculável, a julgar pelos números a ele atrelados: 43 anos de atividade (Fundação: novembro de 1982), 27 espetáculos, 15 projetos audiovisuais, 2.000.000 de espectadores; 100 prêmios brasileiros, mais de 3.400 apresentações em 300 cidades, 18 países diferentes, mais de 80 festivais internacionais e mais de 210 festivais nacionais, sendo uma das mais conhecidas e reconhecidas companhias teatrais do Brasil, tanto pela longevidade de sua de atividade contínua quanto por sua pesquisa de linguagem, com uma proposta de construção de um TEATRO de grupo, com raízes ligadas à tradição do TEATRO popular e de rua. Dos seus componentes, a única que não faz parte desta montagem é TEUDA BARA. Seus trabalhos dialogam com o popular e o erudito, a tradição e a contemporaneidade, o TEATRO de rua e o palco, o universal e o regional brasileiro. 



 

 

FICHA TÉCNICA:

Adaptação do livro “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago

Dramaturgia: Rodrigo Portella

Direção: Rodrigo Portella

Assistência de Direção: Georgina Vila Bruch e Paulo André

Direção Musical, Trilha Sonora Original e Paisagem Sonora: Federico Puppi 

 

Elenco: Antônio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Paulo André / Rodolfo Vaz e Simone Ordones

 

Cenografia: Marcelo Alvarenga (Play Arquitetura)

Assistência de Cenografia: Vinícius Bicalho

Figurino: Gilma Oliveira

Assistência de Figurino: Caroline Manso

Iluminação: Rodrigo Marçal e Rodrigo Portella

Interlocução Dramatúrgica: Bianca Ramoneda

Adereços: Rai Bento

Visagismo: Gabriela Dominguez

Desenho Sonoro, Programação e Mixagem: Fábio Santos

Assistência de Direção: Zezinho Mancini

Construção Cenário: Artes Cênica Produções 

Costuras: Danny Maia

Fotos: Guto Muniz e Tati Motta

Registro e Cobertura Audiovisual: Luiz Felipe Fernandes

Comunicação: Letícia Levia e Fernanda Lara

Projeto Gráfico: Filipe Lampejo e Rita Davis

Consultoria de Acessibilidade: Oscar Capucho

Operação de Luz: Rodrigo Marçal

Operação de Som: Fábio Santos

Técnico de Palco: William Bililiu

Assistente Técnico: William Teles

Assistente de Produção: Zazá Cypriano

Produção Executiva: Beatriz Radicchi 

Direção de Produção: Gilma Oliveira

Produção: Grupo Galpão

Produção Local no Rio de Janeiro: Caseiras Produções Culturais

Assessoria Local no Rio de Janeiro: Stella Stephany e João Pontes (JSPontes Comunicação)


 



 

 SERVIÇO:

Temporada: De 28 de agosto a 14 de setembro de 2025.

Local: Teatro Carlos Gomes.

Endereço: Praça Tiradentes, s/n° - Centro – Rio de Janeiro.

Dias e Horários: De 4ª a 6ª feira, às 19h; sábados e domingos, às 17h.

Valor dos Ingressos: Ingresso Promocional: R$ 17 (meia-entrada) e R$ 34 (inteira); Ingresso Experiência: R$ 40 (meia-entrada) e R$ 80 (inteira); Demais ingressos: R$ 40 (meia-entrada) e R$ 80 (inteira); Associados do Sesc: meia-entrada (R$ 40), mediante apresentação de carteirinha. 

OBSERVAÇÃO: Ingresso Experiência: venda individual, somente na bilheteria, mediante assinatura de termo de uso de imagem.

Venda dos Ingressos: Em https://ingressosriocultura.com.br/riocultura/events ou na bilheteria do Teatro, nos seguintes horários: 4ª feira, das 14h às 19h; 5ª e 6ª feira, das 16h às 20h; sábado e domingo, das 14h às 18h.

Sessões com acessibilidade em LIBRAS, às 4ªs feiras e domingos: 31/08, 03/09, 07/09, 10/09 e 14/09. Sessões com audiodescrição, aos domingos.

Classificação Etária: 16 anos.

Duração: Aproximadamente,140 minutos, sem intervalo.

Gênero: Drama. 


 

 



Com relação ao final da peça, podemos dizer que se forma um cenário complexo e ambíguo. A mulher do médico, que é a única personagem que nunca perde a visão, observa a recuperação da visão pela maioria da população, mas sente que algo mudou para sempre. Ela acredita que as pessoas estavam “cegas”, mesmo quando podiam ver, e que a experiência da cegueira revelou a verdadeira natureza humana, tanto em sua capacidade de crueldade quanto de solidariedade e empatia. Sob tal aspecto, podemos até arriscar dizer que “há males que vêm para o bem” e que “ainda podemos enxergar e ver algum foco de luz ao fundo do túnel”Mas não podemos deixar de registrar que “a obra de SARAMAGO, adaptada para o TEATRO, é considerada uma ‘alegoria’ sobre o que de mais humano e animal existe na condição humana e sobre os limites da civilização”.




        Na peça, assim como no livro, a metáfora da “cegueira branca” é empregada para expor de que maneira seria um mundo de cegos, onde não se respeitam os direitos e garantias fundamentais, o que conduz ao declínio do Estado Democrático de Direito e retorno do homem ao estágio primitivo.



         É mais do que óbvio que RECOMENDO, EXAUSTIVAMENTE, ESTE ESPETÁCULO, uma verdadeira OBRA-PRIMA.

 

 



 

 


FOTOS: GUTO MUNIZ

E

TATI MOTTA.

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO BRASILEIRO!