quarta-feira, 16 de abril de 2025

 

“A INCRÍVEL

VIAGEM

DO QUINTAL”

ou

(MUITO RESPEITO

AO PÚBLICO INFANTOJUVENIL.)

ou

(O TEATRO

A SERVIÇO

DA DIDÁTICA.)

 

        

         Inicio esta crítica com palavras que não são minhas, mas que estão presentes num “release” que recebi, sobre o espetáculo “A INCRÍVEL VIAGEM DO QUINTAL”, ao qual assisti, em março passado, no Teatro SESI-SP. Faço-o, porque considero muito importante que saibam sobre um braço do trabalho do SESI-SP na área cultural: “O Teatro do SESI-SP, do Centro Cultural Fiesp, um importante equipamento cultural de São Paulo, celebrou 60 anos de atividades em 2024. Ao longo dessas décadas, ele tem oferecido ao público uma programação gratuita, diversa e alinhada aos aspectos sociais e artísticos da contemporaneidade. Os espetáculos apresentados, assim como toda a programação cultural selecionada pela equipe do SESI-SP, são resultado de editais de chamamento, lançados periodicamente. Nesses editais, são escolhidos projetos artísticos de todo o território nacional, com o objetivo de proporcionar uma mediação entre o público e a obra.” E acrescento eu: Considero da mais expressiva importância tal empreendimento, um projeto mais que vitorioso, apresentando, em longas temporadas – uma raridade nos Brasil de hoje -, e inteiramente grátis, espetáculos da mais alta e comprovada qualidade, tanto para adultos quanto para crianças e adolescentes, um minucioso “trabalho de formiguinha”, em prol da formação de atuais e futuras plateias de TEATRO.



 

         Repito aqui, o que já disse inúmeras vezes, que, sempre que vou a São Paulo, reservo dois momentos, para assistir ao espetáculo da noite, para adultos, e ao que é apresentado de dia, para os pequenos, no Teatro SESI-SP. O mais interessante e digno de nota é que jamais deixei de gostar muito de tudo quanto vi encenado naquele palco, algumas montagens que chego a classificar como verdadeiras “OBRAS-PRIMAS”, como o magnífico “Homem de La Mancha”, por exemplo. Neste momento, proponho-me a tecer comentários sobre o espetáculo mencionado no início do primeiro parágrafo.

 


 

SINOPSE:

No enredo, os quatro personagens do Quintal, Ludovico (JOSÉ EDURDO RENÓ), Doroteia (HELENA RITO), Ofélia (MAFALDA PEQUENINO / FERNANDA VENTURA, esta alternante) e Osório (JONATHAN FARIA), estão prontos para realizar uma viagem de muita descoberta.

Em cada parada, eles descobrem preciosidades da cultura brasileira e de tradições de cada região deste imenso Brasil.

Em cena, o palco se transforma no itinerário da própria viagem.

Eles passam por estradas que levam de um lugar a outro, param em vilarejos, visitam fazendas e, nessa saga, conhecem pessoas incríveis, que trazem histórias ricas da tradição regional.

Em cena, com os personagens do Quintal, atores/músicos participam da encenação, tocando vários instrumentos, dançando, cantando e se transformando em vários personagens.


 




        Há um mote para a viagem: a procura de uma carteira de identidade perdida. É muito interessante o "link" que há entre a procura "de duas identidades", na forma de conhecer as diversidades que formam a "identidade brasileira". Isso, que, obviamente, só é alcançado pelos adultos,  é muito interessante na peça.


 

           E cá estou eu, batendo na mesma tecla de sempre, ou seja, dizendo que, a se montar espetáculos infantis e infantojuvenis, "idiotizando" os espectadores, menosprezando e subestimando a inteligência alheia, é melhor que os projetos nem saiam do papel, contudo, se existe respeito ao público-alvo, traduzido numa montagem correta, muito bem pensada e cuidada, com todos os elementos necessários à construção de um ESPETÁCULO – com todas as maiúsculas (Aqui, sobra espaço para reverenciar as produtoras da peça, Célia Forte e Selma Morente) - qualquer peça que siga esse padrão será por mim incensada, como é o caso desta em pauta. Vale, aqui, também registrar o lema de um diretor, já falecido, com quem trabalhei, como ator, numa superprodução infantojuvenil, nos anos 1970. Falo de Paulo Lara, e seu lema era: “Teatro infantil não é imbecil.”.


 

         Realmente, deixo os teatros em total estado de graça, quando me vejo diante de uma produção tão bem cuidada, como esta, acreditando que “há luz no fim do túnel” e nossas crianças e pré-adolescentes não foram esquecidos e são valorizados e respeitados. Da primeira à última cena, só enxerguei acertos nesta montagem, que é baseada num famoso programa de televisão, transmitido pela TV Cultura, de São Paulo, o “Quintal da Cultura”, com os personagens da peça.

 


       Um espetáculo destinado aos pequenos deve ser, esteticamente, bonito e apresentar mensagens edificantes, e este faz exatamente isso. E mais: ser educativo, sem ser “careta”, “chato”, entediante. É preciso que o espectador mirim aprenda, sem se dar conta do aspecto didático que está por trás de cada cena. E é exatamente isso o que acontece em “A INCRÍVEL VIAGEM DO QUINTAL”. O musical - Sim, trata-se de um espetáculo musical (A música é um elemento que não deve faltar nesse tipo de montagem.) -, além de entretenimento, traz referências de todas as regiões do país. Isso significa que quem assiste à peça recebe uma vasta aula sobre aspectos geográficos, sociais e culturais de cada uma das cinco regiões do país, “viaja” por todo esse extenso Brasil, sem sair de sua poltrona, e se divertindo bastante, tudo muito bem ilustrado com cenários e figurinos de cada região.



 

        Importante é registrar a maneira como o espetáculo atinge o público, formado, em sua grande maioria, por crianças. Elas se entregam, completamente, às propostas que vêm do palco e se encantam com os quatro amigos, delas também, os quais brincam em um quintal e fazem uma viagem de “faz de conta” que leva à descoberta das riquezas brasileiras, materiais e imateriais.


 

          Do ponto de vista da plasticidade, os três elementos formadores de um tripé que ajuda a sustentar a peça, cenário, figurinos e iluminação, merecem destaque. A cenografia é bem econômica, comedida, mas não economizando em beleza e acabamento, na mesma proporção que é interessantíssima. Para cada nova região geográfica apresentada, entram no palco elementos móveis, o mínimo possível, para marcar, fisicamente, a referida região, aguçando a curiosidade do jovem espectador. Não é necessário um cenário exuberante. Basta “dar o caniço, o anzol e a isca”, para a criança “aprender a pescar”. Quanto aos figurinos, tanto os fixos, dos quatro personagens protagonistas, e os que variam, de acordo com as características de cada região, tudo é muito bem colorido, criativo e bem acabado. A iluminação, totalmente lúdica, potencializa o aspecto da ludicidade que há, também, na cenografia e nas indumentárias.



 

Sendo um musical, o espetáculo conta com um “setlist” original, com uma dúzia de graciosas e alegres canções, as quais ficam nos nossos ouvidos: O Trenzinho do Quintal”, “Navegando no Quintal”, “Rancheira no Quintal”, “Violeiros”, “Viver em Paz”, “Xote da Doroteia”, “Xaxado da Ofélia”, “Coco do Osório”, “Maracatu do Ludovico”, “A Cuca Disfarçada”, “Sambando no Quintal” e “Então, Tá Combinado”, todos acompanhando os ritmos típicos de cada região visitada. A precisa direção musical está a cargo da sempre correta FERNANDA MAIA.


 

         O elenco é formidável, tanto o original, já mencionado, quanto o convidado (músicos/atores): ABNER DEBRET, BEATRIZ AMADO, CAROL BEZERRA, JANA FIGARELLA e THIAGO MOTA. Todos se comportam com total leveza e competência, sendo recebidos com muita simpatia pelo público. Nove artistas bastante carismáticos, demonstrando estar preparados para fazer TEATRO para crianças, um público alvo para lá de especial, ao qual não se engana facilmente. Sim, não é qualquer ator ou todos que consegue(m) manter um ótimo e desejado nível de comunicação com os pequenos, oferecendo-lhes motivos para uma perfeita sintonia palco/plateia, uma interação total. Da minha poltrona, durante muitas vezes, desviei meu olhar, do palco para o público, e vi quão interessadas todas as crianças estavam e como participavam, ativamente, de cada situação. Mérito para o elenco.




 


 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Fernanda Maia
Direção Geral: Bete Rodrigues

Direção Musical: Fernanda Maia

Elenco Original: Helena Ritto, Jonathan Faria, José Eduardo Rennó, Mafalda Pequenino e Fernanda Ventura (Alternante)
Elenco Convidado: Abner Debret, Beatriz Amado, Jana Figarella, Carol Bezerra e Thiago Mota

Direção de Movimento e Coreografia: Zuba Janaína
Cenografia: Marco Lima
Figurinos Elenco Original: Edson Braga
Figurinos Elenco Convidado: Sonia Ushyama
Visagismo: Fernanda Mourão

Iluminação: Túlio Pezzoni
Desenho de Som: João Baracho
Preparação Vocal e Diretor Musical Assistente: Rafa Miranda
Assistente de Direção: Ana Minehira
Assistente de Cenografia: César Costa
Aderecista de Cenário: Douglas Vendramini
Confecção de Perucas: Adriana Almeida
Fotos Estúdio: Caio Gallucci
Fotos Cena: Priscila Prade
Desenho Gráfico: Vicka Suarez
Assessoria de Imprensa: Thais Peres
Vídeos e Conteúdo para Redes Sociais: Bia Capelas
“Social Media”: Isabella Pacetti
Gravação do Espetáculo: Suçuarana Filmes – Humberto Bassanello
Audiodescrição e Libras: All Dubbing Group
Operador de Luz: Rafael Boese
Operador de Som: Valdilho Cruz
Camareira: Juliana de Melo
Contrarregras: Matheus França e Luiz Carlos Ferreira
Assistente Administrativa: Alcení Braz
Produção Executiva e Administração: Martha Lozano
Coordenação de Projeto: Egberto Simões
Produção: Morente Forte Produções Teatrais


 


 



 

SERVIÇO:

Temporada: De 27 de fevereiro a 29 de junho de 2025.

Local: Centro Cultural Fiesp - Teatro do SESI-SP.

Endereço: Avenida Paulista, nº 1313 (em frente à estação Trianon-Masp).

Dias e Horários: Quinta e sexta-feira, às 11h (para colégios e convidados); sábado e domingo, às 14h (para o público em geral).

Valor dos Ingressos: Ingresso gratuito. Reservas pelo MeuSESI, a cada segunda-feira, a partir das 8h, ingressos válidos para a semana.  https://www.sesisp.org.br/eventos

Duração: 75 minutos.

Indicação Etária: Livre.

Sessões com acessibilidade comunicacional nos dias 29 de março, 26 de abril, 24 de maio e 29 de junho de 2025.

Gênero: TEATRO Infantil.


 




 

         Por sua altíssima qualidade e atendendo a pedidos, o espetáculo, que já foi assistido, até agora, contando só a primeira temporada, por quase 30.000 espectadores, está de volta ao Teatro Sesi-SP, depois de uma vitoriosíssima primeira temporada, iniciada em agosto de 2024 – 61 sessões esgotadas -, que lhe rendeu o “Prêmio APCA”, como “Melhor Musical Infantil de 2024”. A expectativa é de que, na atual temporada, seja superado o número de espectadores que prestigiaram a primeira. Creio que não preciso apresentar mais nenhuma razão para que eu RECOMENDE O ESPETÁCULO.

 

 



 

 

FOTOS: CAIO GALLUCCI (estúdio)

e

PRISCILA PRADE (cena).

 

 

 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro! 



































































terça-feira, 15 de abril de 2025


“FESTIVAL

DE CURITIBA”

“REI LEAR”

ou

(A ARTE “DRAG”

EM GRANDE ALTA.)

ou

(MENINOS, EU VI!!!)

 

 



         O “FESTIVAL DE CURITIBA” recebeu, na sua 33ª edição, um dos espetáculos mais incensados pelo público e pela crítica especializada, na temporada de 2024, em São Paulo. Refiro-me a “REI LEAR”, uma montagem arrojada, interpretada, única e exclusivamente, por “drag queens”, sendo que uma delas(*), muito merecidamente, abiscoitou um dos maiores prêmios de TEATRO do Brasil, como “Melhor Ator”, pela versão paulista do prêmio.

 


 

         (*) Muito a propósito, faço aqui um parêntese, para um esclarecimento, com o objetivo de evitar qualquer mal-entendido. Jamais me passou pela cabeça tal intenção. Existem “drag queens” que, civilmente (a minoria, quero crer), se identificam com o gênero masculino, como é o caso de ALEXIA TWISTER, cujo nome de batismo desconheço e não vem ao caso, a(o) premiada(o) na categoria “Melhor Ator”. Ocorre que, sem saber que gênero utilizaria para me referir a elas, até porque, além de não ter os nomes civis daqueles artistas, não sei com qual gênero cada um daqueles homens se identifica (Tenho a impressão, inclusive, de que, no elenco, há uma mulher trans.), e já pedindo desculpas a todos, decidi-me por empregar o feminino, partindo do significado do substantivo inglês “queen”, em português “rainha”. Espero, de coração, não criar nenhum tipo de melindre e ser compreendido.



 

         “REI LEAR” é mais um espetáculo que não veio para o Rio de Janeiro (Gostaria muito de revê-lo aqui.) e ao qual não consegui assistir em São Paulo, mas tive a grata oportunidade de conferi-lo em Curitiba. Sim, eu vivi – GRAÇAS AOS DEUSES DO TEATRO –, para assistir a uma tragédia de Shakespeare em que todos os personagens (Houve supressão de alguns, secundários.), homens e mulheres, são interpretados por um conjunto de excelentes atores que praticam a arte das “drag queens”, não reconhecida por alguns, porém do agrado da maioria. Em mim, esse tipo de arte conta com um festejado apreciador. E, com sua irreverência, os artistas transformaram um tragédia pura numa tragicomédia, sem, contudo, alterar a costura do enredo e das cenas. É evidente que fica mais fácil entender a proposta para aqueles que conhecem o texto no seu original, todavia mesmo os que não são familiarizados com a trama puderam entender o “fio da meada”. E todos se divertem muito com o espetáculo. Se você não faz parte do clã shakespeariano raiz, os ortodoxos, e, sim, é permeável às novidades inteligentes e criativas, que merecem ser aplaudidas e festejadas, haverá de gostar deste espetáculo.



 

         Nesta adaptação, para lá de irreverente e corajosa, a “CIA. EXTEMPORÊNEA”, de São Paulo, apostou todas as suas fichas numa arrojada ideia e, ainda que pudesse perder todas – era uma incógnita, penso eu –, ganhou a aposta, com direito a pedidos de novas temporadas e, em Curitiba, recebeu calorosas ovações das plateias que disputaram ingressos, logo esgotados, para conferir a encenação. Se fosse feita uma pesquisa entre os que assistiram a muitos espetáculos do evento, certamente este “REI LEAR” figuraria nos que mais agradaram, contando, inclusive, com o meu voto, sem precisar fazer “boca de urna”.

 

 


 


SINOPSE:

Na tragédia de Shakespeare, Lear, rei da Bretanha, está muito velho e anuncia que decidiu dividir seu reino entre as suas três filhas, Cordelia, Regan e Goneril.

Antes de passar a coroa, o monarca pergunta a elas qual das três o amava mais.

Quem demonstrasse maior amor pelo pai ganharia a uma porção mais robusta de terras.

A mais nova, Cordelia, a única que o amava genuinamente, porém, se recusa a participar do ritual de passagem da coroa, e o rei, furioso, a condena ao exílio.

Após o banimento da irmã, Regan e Goneril começam uma luta violenta pelo poder.

O exílio de Cordelia põe em marcha a completa desagregação do reino.

Traído pelas filhas e sem sua coroa, o velho rei vê seu reino à beira de uma guerra e afunda em uma espiral de loucura, arrependido por banir a única pessoa que o amou de verdade.


 



 

         Tudo, nesta montagem, corresponde a acertos, desde a adaptação do texto, passando por todos os nomes da FICHA TÉCNICA, até chegar ao destaque maior, que é o fabuloso elenco. O mais importante, nesta produção, não é ser mais uma encenação, embora “diferente”, da famosa tragédia de Shakespearepoderia ser de um Nelson Rodrigues, um Dias Gomes, um Tennessee Williams ou outro grande dramaturgo qualquer -, mas sim que isso fosse posto em prática, pelos corpos de “drags queens”; é, antes de tudo, uma homenagem à arte dessas valorosas artistas.



 

         Acredito que uma das coisas mais difíceis de se conseguir, nesta encenação, e totalmente alcançado, foi dosar alguns dos elementos que caracterizam a tragédia shakespeariana, como o protagonista ser uma pessoa de bom caráter, mas que se destrói por causa de um erro cometido, que o leva à ruína; o herói enfrentar um dilema crítico e sofrer, por causa de suas próprias decisões; o herói se perder na luta entre o bem e o mal; e o acaso e o destino desempenharem um papel importante, amalgamar tudo isso com a linguagem e o comportamento “drag” contemporâneos, “sem que nem uma (característica) nem outra se desfigurem no processo”, ou seja, “sem que Shakespeare perca em poesia e tragicidade e sem que a ‘drag’ se descaracterize naquilo que ela tem de mais autêntico: a dissolução das fronteiras estéticas e o desafio aos papéis tradicionais de gênero”.



 

            Curiosamente, e não sei se intencional ou não, com relação a quem se apresenta no palco nesta peça, não devemos abandonar a origem do vocábulo “drag”, somado àquelas que são as “queens”. Em outras palavras, o que o bardo inglês teria a ver com o vocábulo “drag”? Ainda que baseado em hipóteses: no Teatro elizabetano, as mulheres não podiam atuar e eram os homens que interpretavam os papéis femininos (Conferir o filme “Shakespeare Apaixonado”.), e sabe-se que Shakespeare anotava a palavra “drag” antes das falas dos personagens femininos representados pelos homens. Há, ainda, outra explicação para a palavra, que pode ser uma redução, em forma de sigla, para a expressão “Dressed as Girl” (em português, vestida como menina") ou Dressed resembling a girl” (“vestido semelhante a uma garota”, na nossa língua), ainda que esta justificativa também seja incerta. Acho improvável, inclusive.



 

         A ideia à qual a figura de uma “drag” nos remete é a de festa, alegria e humor, substantivos incompatíveis (aqui, até a página 5) com uma tragédia - e essa positividade também existe em cena -, no entanto elas, as “drags”, embora vestidas com figurinos exóticos, femininos, criativos e interessantíssimos (Leia-se SALOMÉ ABDALA) e estejam exageradamente maquiadas (Visagismo de MALLONA e POLLY), conseguem absorver toda a carga dramática que o original do texto apresenta e pede. Sobre isso, assim se pronunciou, magnificamente, a diretora da peça, INES BUSHATSKY, que faz um excelente trabalho, diga-se de passagem, impecável: quem está em cena é aquilo que, ao longo do processo, chamamos de ‘a drag total’. Para além da comicidade em que já estamos habituados a vê-la, é a ‘drag’ nesse registro trágico. Vamos do cômico ao trágico, do performático ao teatrão, às vezes dentro de uma mesma cena”.



 

         Além de ALEXIA TWISTER (Adoro os nomes artísticos dessa gente engraçada.), que, merecidamente, teve seu talento reconhecido, na forma de uma premiação e pelos calorosos aplausos que recebe, a cada sessão, todas as demais “drags” se incumbem de dar o seu “show” particular, em harmonia com o todo, com muita maestria e profissionalismo. Já estava mais que na hora de as “drags” provarem que não existem só para fazer dublagens, o que já é excelente, a meu juízo, mas, sim, que podem interpretar um papel tragicômico. Mais do que isso, era mister que lhes fosse dada essa oportunidade, que as 9 grandes artistas agarram com unhas, muito bem feitas (momento descontração) e dentes.



 

         A estética “drag” foi explorada à farta, pela direção e o elenco, fazendo com que o espetáculo seja muito alegre, embora pautado numa tragédia. Parece estranho? Façam preces aos “DEUSES DO TEATRO”, para que o espetáculo volte ao cartaz e possam conferir, os que a ele ainda não assistiram!



 

Uma declaração provocativa, da parte de JOÃO MOSTAZO, adaptador do texto e assistente de direção: “O que fomos descobrindo é que a ‘drag’ tem, em si, toda a potência trágica, ela acessa toda a complexidade de emoções que compõe a tragédia. E, por outro lado, com as suas sacadas de linguagem, provocações e irreverência, Shakespeare é também muito mais ‘drag’ do que, normalmente, se supõe”.



 

Muito da plasticidade do espetáculo é devido à cenografia, de FERNANDO PASSETTI, assim como à iluminação, de ALINE SANTINI. Tive a oportunidade de ouvir, em tom de depoimento ao pé do ouvido, de alguns atores, diretores e técnicos, após os espetáculos, que “a luz não era, exatamente, a original”, em função das dificuldades de serem montadas num “Festival” de alta rotatividade, como o “de Curitiba”, e que aquela, sim, era bonita. Sinceramente, se há algo mais encantador do que os desenhos de luz que vi nos palcos, os "originais" devem ser o “suprassumo do ótimo”.




 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto adaptado do original de William Shakespeare: João Mostazo   

Direção: Ines Bushatsky    

Assistência de Direção: João Mostazo 

            
Elenco: Alexia Twister, Antonia Pethit, DaCota Monteiro, Ginger Moon, Lilith Prexeva, Maldita Hammer, Mercedez Vulcão, Thelores, Xaniqua Laquisha

Cenário: Fernando Passetti

Figurino: Salomé Abdala
Iluminação: Aline Santini
Visagismo: Malonna e Polly
Assistente de Perucaria: Yuri Tedesco
Trilha Sonora e Operação de Som: Gabriel Edé
Preparação Vocal: Felipe Venâncio
Operação de Luz: Cauê Gouveia
Microfonista: Viviane Barbosa
Contrarregragem: Felipe Venâncio, Matias Ivan Arce
Costura: Caio Katchborian, Nana Simões e Salomé Abdala
Sapatos: Porto Free Calçados
Bordados: Alesha Bruke, Salomé Abdala
Fotos: Annelize Tozetto
Arte Gráfica: Lidia Ganhito
Redes Sociais: Mariana Marinho
Assistente de Produção: Gabriela Ramos
Direção de Produção: Tetembua Dandara        

  

 

 



 

          O espetáculo figurou em mais de uma lista dos melhores encenados na capital paulista, em 2024, como irreverente, visceral e verdadeiro, com o que concordo, mesmo tendo assistido a apenas alguns outros. Trata-se de uma acertadíssima montagem, por desafiar discursos normativos sobre a arte “drag”; resgatar o caráter insurgente e combativo da “drag”; fazer uma leitura ousada e diferente da obra de Shakespeare, reafirmando sua essência; colocar em cena um diálogo entre a tradição e o contemporâneo; transitar da luz da alegria irreverente para momentos escuros de intensidade trágica; destacar a diversidade estética do universo “drag”; e reforçar a importância política de dar protagonismo à arte “draguiana” (Criei um neologismo.)




  OBSERVAÇÃO: Não posso me furtar, mais uma vez, a tecer elogios ao brilhante e impecável trabalho de Annelize Tozetto, com relação às fotos, que ela me cedeu, como uma das fotógrafas oficiais - Havia homens também. - do "Festival de Curitiba".









FOTOS: ANNELIZE TOZETTO



 

É preciso ir ao TEATRO, ocupar todas as salas de espetáculo, visto que a arte educa e constrói, sempre; e salva. Faz-se necessário resistir sempre mais. Compartilhem esta crítica, para que, juntos, possamos divulgar o que há de melhor no TEATRO brasileiro! 














































































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