O
DOENTE IMAGINÁRIO
(UMA
PÉROLA DE
MOLIÈRE
EM
GABARITADA
MONTAGEM.)
Ir
ao TEATRO, para assistir a uma texto de MOLIÈRE (JEAN-BAPTISTE POQUELIN – 1622/1673) é sempre ter a certeza
de um bom divertimento, por meio de um humor inteligente e extremamente
crítico, que faz pensar e pode, até, levar a mudanças de comportamento por
parte do espectador.
Há, é verdade,
os que, simplesmente, riem à farta, encarando o que veem como um “teatro digestivo”, porém muitos
conseguem atingir todos os detalhes das entrelinhas e das críticas à burguesia
de sua época, implícitas ou claras, nos diálogos ágeis e bastante sugestivos.
MOLIÈRE, que, além do grande
dramaturgo, também foi ator, francês, é considerado, com muita justiça, o “Pai da Comédia”, como a concebemos nos
dias atuais, tendo influenciado várias gerações e, até hoje, serve de modelo a
modernos autores dramáticos.
Sua
obra é vasta e excelente, o que torna difícil apontar seu melhor trabalho. Dos
seus textos mais conhecidos e
encenados, mundialmente, destacam-se: “As
Preciosas Ridículas” (1659), “A
Escola de Maridos” (1661), “Tartufo”
(1664), “O Misantropo” (1666), “O Avarento” (1668), “As Artimanhas (Malandragens) de Scapino”
(1671) e “O Doente Imaginário” (“Le
Malade Imaginaire”) (1673), sua última obra. MOLIÈRE morreu durante uma sessão dessa peça, na qual atuava, como
protagonista. Passou mal, em cena, teve um incessante ataque de tosse, foi
levado para casa e morreu uma hora depois, de tuberculose.
Por
seus conteúdos e críticas ferinas ao “establishment” vigente na época, durante
a restauração francesa, do século 19, as comédias de MOLIÈRE
tornaram-se populares entre o público francês e os críticos.
O
espetáculo é uma remontagem, já que, em 2013,
sob a mesma direção, de JACQUELINE LAURENCE, a peça ganhou sua
primeira encenação, pela CIA LIMITE 151,
ainda que já tivesse sido, anteriormente, tantas vezes, encenada por outras
companhias. Trata-se de um dos melhores textos
de comédia, segundo os especialistas, nos quais, muito modestamente, me
incluo, por sua arquitetura dramatúrgica, que não foge muito ao padrão “molièriano”,
entretanto, por ser tão próxima à realidade atual, no que tange às críticas,
muito me identifico com ela. É uma das minhas preferidas.
Não
é a primeira vez que a excelente CIA
LIMITE 151 encena o “Mestre da
Comédia”. Foram seis textos,
contando com o atual, todos tendo atingido grande sucesso, de público e de
crítica: “O
Avarento”, “Tartufo”, “As Preciosas Ridículas”, “As Malandragens de Escapino” e “As Eruditas”.
SINOPSE:
ANGÉLICA
(ANDRESSA LAMEU), filha de ARGAN
(ÉLCIO ROMAR), um rico e avarento burguês (tipo muito presente nas comédias
de MOLIÈRE), um hipocondríaco
contumaz, apaixona-se por um rapaz muito romântico CLEANTO (GUSTAVO WABNER).
O pai, no entanto, quer que ela se
case com um médico, pois, dessa forma, teria assegurado consultas gratuitas,
sem, ao menos, precisar sair de casa.
Uma trama, engendrada pela criada, ANTONIETA/NIETA (GLÁUCIA RODRIGUES),
muda o rumo de tudo e acaba com as pretensões do protagonista.
Segundo
o “release” da peça, enviado por JSPONTES COMUNICAÇÃO (JOÃO
PONTES e STELLA STEPHANY)N, na visão de JACQUELINE LAURENCE, “...os textos de MOLIÈRE ainda são atuais. ‘O
DOENTE IMAGINÁRIO’ é uma comédia extraordinária, que, como em todos os
trabalhos do autor, nos traz uma visão crítica sobre a humanidade. Esse é um
dos motivos para que seus textos façam sucesso ainda hoje”.
Além disso, a
diretora afirma que “a peça tem um humor inteligente,
sem deixar de ser popular e acessível a todos os tipos de público”.
Assino embaixo de tudo o
que ela diz. E acrescento que as montagens dos textos desse grandioso
dramaturgo são sempre um grande desafio, para os atores e, principalmente,
para a direção, para que não se
tornem uma chanchada (Sem nenhum preconceito
contra tal gênero; muito pelo contrário.). JACQUELINE faz um bom trabalho de direção.
Um interessante traço da
personalidade de MOLIÈRE é sua
reconhecida vaidade. Ele tinha o hábito de “escrever
para si”, ou seja, como dramaturgo
e dono de sua própria companhia, gostava de, e estava acostumado a, escrever
para si, o que significa que os protagonistas,
regra geral, eram interpretados por ele mesmo e, por isso mesmo, tinham sempre
grande destaque, um pouco além do normal, em suas peças, o que não quer dizer
que desprezasse os demais personagens. Em “O
DOENTE IMAGINÁRIO”, por exemplo, a personagem ANTONIETA tem grande e considerável destaque na trama.
O delicioso texto se reveste de grande destaque,
graças à brilhante tradução e adaptação
do saudoso JOÃO BETHENCOURT, que
transformou seus três atos num só, resguardando, ao máximo, o espírito de humor
crítico e inteligente do original.
O espetáculo é uma produção de uma das mais conceituadas
companhias de TEATRO do Brasil, a CIA LIMITE 151, com 26 anos
de excelentes serviços prestados à causa do palco, “dedicada à pesquisa e a uma concepção estética que identifique, na
linguagem cênica, diferentes formas de construção do pensamento”, privilegiando grandes
autores, como Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, William Shakespeare, Tennessee
Williams, Joe Orton, Jorge Andrade e, obviamente, MOLIÈRE.
O núcleo
familiar, além de ARGAN (ÉLCIO ROMAR),
conta com sua formosa filha, ANGÉLICA
(LARISSA LAMEU), e BELINHA (JACQUELINE BRANDÃO), mulher bem mais
nova que ARGON, fogosa e
interesseira, com quem o hipocondríaco é casado, em segundas núpcias, casamento
por puro interesse, visto que o que o grande foco da esposa era a morte do “moribundo”,
a fim de se apossar de seus bens materiais, com os votos de pobreza a que a
enteada teria de se submeter, depois de ser obrigada a ir para um convento.
Completa o núcleo, praticamente, como um quarto membro da família, ANTONIETA, uma muito antiga e “fiel”
(até a página 2) serviçal, tremendamente perspicaz, debochada e desafiadora, que
percebe as manobras de BELINHA, a
qual queria a jovem, muito romântica e que fazia jus ao nome (angelical) fora
do seu caminho. NIETA funciona, também,
como “cupido”, para que ANGÉLICA desposasse
seu amado CLEANTO (GUSTAVO WABNER) e
não aceitasse o casamento arranjado pelo pai, com o DR. THOMAS LAXANTE FILHO (LEO THURLER), filho de outro médico, o DR. THOMAS LAXANTE (MÁRCIO RICCIARDI),
este cunhado do médico pessoal de ARGAN,
o DR. PURGANTE (DIEGO BRAGA, que
também acumula o pequeno papel de TABELIÃO).
Os nomes dos
personagens são bem sugestivos.
Como em quase
todas as comédias de MOLIÈRE, a peça
consegue misturar, no mesmo recipiente, intrigas, romances, suspenses e muito
bom humor, talvez a receita de seu sucesso.
O personagem ARGAN vivia nas mãos dos médicos,
recluso em casa, sempre “de cama”, sentindo-se profundamente doente, sendo tratado,
praticamente, à base de clisteres (lavagens via anal), o que o fazia um
permanente habitante do banheiro da casa.
Na figura de
seu médico, MOLIÈRE não pouca críticas
aos parcos recursos da medicina de sua época, e, como um visionário, não deixa
de satirizar a medicina atual, por meio do comportamento de seus representantes
(Não são todos, é claro!). Acusa, direta ou indiretamente, os médicos de mercenários,
que não dedicam, aos clientes, a devida atenção, só se interessando pelos honorários
a receber. Não seria exagero dizer que os considera charlatães, frios e
calculistas.
Um dos
principais pratos do dia, na imprensa atual, tão servido a nosso contragosto, é
a corrupção, que também está presente na peça, na cena final, quando, tendo
visto ir por terra seu plano de ter um médico a seus pés, e de forma gratuita,
se conseguisse seu intento de casar a filha com um, ARGAN decide, ele mesmo, se tornar médico, formar-se em Medicina,
por meios ilícitos, comprando um diploma falso, fazendo uso de seu poder econômico.
E ainda acrescenta, na sua doença mental (essa, sim, existe), que pouca
diferença haveria entre a sua falta de conhecimentos de Medicina e a idêntica,
por parte dos médicos formados.
O elenco, que sofreu alterações, desde a
primeira montagem (salvo engano, só permanecerem, ÉLCIO, GLÁUCIA e EDMUNDO LIPPI) está afinadíssimo, mantendo, do início ao fim, o mesmo nível
de interpretação e garantindo a boa qualidade do espetáculo. Não se nota
qualquer “barriga”, nesta montagem, e o ritmo é perfeito, o que não pode falhar
numa comédia. A despeito de um
nivelamento entre todos, gostaria de destacar as atuações de ÉLCIO ROMAR e GLÁUCIA RODRIGUES, entre os quais há uma cumplicidade cênica que
valoriza a encenação.
O cenário, único, de COLMAR DINIZ, já que toda a ação se passa na sala da casa do burguês,
é de muito bom gosto e totalmente ajustado às exigências do texto. Com poucos recursos cênicos, em
ermos de móveis, o grande destaque vai para a abundância de lindas cortinas,
que compõem um ambiente de grande requinte.
COLMAR também assina os belos figurinos, dentre os quais destaco o
que é utilizado por EDMUNDO LIPPI
(BERALDO), irmão de ARGAN, mas
que não mora na mesma casa e só aparece para uma visita. Que bom gosto! Mesmo para vestir ANTONIETA, a única que não faz parte do time dos nobres, COLMAR criou um simples, porém belíssimo
figurino.
Em termos de iluminação, ROGÉRIO WILTGEN também executa a sua tarefa de maneira bastante
satisfatória, não abusando de variações e privilegiando o que tinha de ser
destacado, em cada cena, com luzes gerais e, por vezes, setoriais.
FICHA
TÉCNICA:
Texto: Molière
Tradução: João Bethencourt
Direção: Jacqueline Laurence
Elenco -
Personagem:
Élcio Romar – Argan
Gláucia Rodrigues - Antonieta
Jacqueline Brandão – Belinha
Andressa Lameu – Angélica
Edmundo Lippi - Beraldo
Diego Braga – Dr. Purgante e Tabelião
Leo Thurler - Thomas Laxante Filho
Marcio Ricciardi - Dr. Thomas Laxante
Gustavo Wabner - Cleanto
Cenário e figurinos: Colmar Diniz
Iluminação: Rogério Wiltgen
Música Original e Direção Musical: Wagner Campos
Programação Visual: Sidney Michelette
Fotos: Guga Melgar
Produção Executiva: Valéria Meirelles
Produção Comercial: Hélio Zacchi e Agnes Xavier
Direção de Produção: Edmundo Lippi
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João
Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 13
de outubro a 16 de dezembro de 2017.
Local: Teatro Eva Herz – Dentro da Livraria
Cultura.
Endereço: Rua Senador
Dantas, 45 – Cinelândia (Centro) – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3916-2600.
Dias e Horários: De 3ª feira a sábado, às 19h.
Valor dos Ingressos: De 13/10 a 03/11: R$40,00 (inteira)
e R$20,00 (meia entrada) (TODOS OS DIAS). A partir de 04/11, até o final
da temporada, R$40,00 (às 3ªs e 4ªs feiras) e R$60,00 (de 5ª feira a sábado).
Horários de
Funcionamento da Bilheteria: De
3ª feira a sábado, das 16h às 19h.
Classificação Etária: 10 anos.
Capacidade: 170 lugares.
Gênero: Comédia.
Duração: 90 minutos.
‘O DOENTE IMAGINÁRIO” é uma comédia leve, para
toda a família, que traça o retrato de uma época, fala das falibilidades
humanas, das boas intenções de algumas pessoas, denuncia o que não está de
acordo com a ordem e, acima de tudo, diverte muito, sendo, portanto, muito
recomendada por mim.
(FOTOS: GUGA MELGAR)
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