sábado, 21 de outubro de 2017


O DOENTE IMAGINÁRIO


(UMA PÉROLA DE

MOLIÈRE

EM GABARITADA

MONTAGEM.)
 

 

            Ir ao TEATRO, para assistir a uma texto de MOLIÈRE (JEAN-BAPTISTE POQUELIN – 1622/1673) é sempre ter a certeza de um bom divertimento, por meio de um humor inteligente e extremamente crítico, que faz pensar e pode, até, levar a mudanças de comportamento por parte do espectador.

Há, é verdade, os que, simplesmente, riem à farta, encarando o que veem como um “teatro digestivo”, porém muitos conseguem atingir todos os detalhes das entrelinhas e das críticas à burguesia de sua época, implícitas ou claras, nos diálogos ágeis e bastante sugestivos.

            MOLIÈRE, que, além do grande dramaturgo, também foi ator, francês, é considerado, com muita justiça, o “Pai da Comédia”, como a concebemos nos dias atuais, tendo influenciado várias gerações e, até hoje, serve de modelo a modernos autores dramáticos.




            Sua obra é vasta e excelente, o que torna difícil apontar seu melhor trabalho. Dos seus textos mais conhecidos e encenados, mundialmente, destacam-se: “As Preciosas Ridículas” (1659), “A Escola de Maridos” (1661), “Tartufo” (1664), “O Misantropo” (1666), “O Avarento” (1668), “As Artimanhas (Malandragens) de Scapino” (1671) e “O Doente Imaginário” (“Le Malade Imaginaire”) (1673), sua última obra. MOLIÈRE morreu durante uma sessão dessa peça, na qual atuava, como protagonista. Passou mal, em cena, teve um incessante ataque de tosse, foi levado para casa e morreu uma hora depois, de tuberculose.

            Por seus conteúdos e críticas ferinas ao “establishment” vigente na época, durante a restauração francesa, do século 19, as comédias de MOLIÈRE tornaram-se populares entre o público francês e os críticos. 
 
 


            O espetáculo é uma remontagem, já que, em 2013, sob a mesma direção, de JACQUELINE LAURENCE, a peça ganhou sua primeira encenação, pela CIA LIMITE 151, ainda que já tivesse sido, anteriormente, tantas vezes, encenada por outras companhias. Trata-se de um dos melhores textos de comédia, segundo os especialistas, nos quais, muito modestamente, me incluo, por sua arquitetura dramatúrgica, que não foge muito ao padrão “molièriano”, entretanto, por ser tão próxima à realidade atual, no que tange às críticas, muito me identifico com ela. É uma das minhas preferidas.

            Não é a primeira vez que a excelente CIA LIMITE 151 encena o “Mestre da Comédia”. Foram seis textos, contando com o atual, todos tendo atingido grande sucesso, de público e de crítica: O Avarento”Tartufo”, “As Preciosas Ridículas”As Malandragens de Escapino” e As Eruditas”.


 

 

 
SINOPSE:
ANGÉLICA (ANDRESSA LAMEU), filha de ARGAN (ÉLCIO ROMAR), um rico e avarento burguês (tipo muito presente nas comédias de MOLIÈRE), um hipocondríaco contumaz, apaixona-se por um rapaz muito romântico CLEANTO (GUSTAVO WABNER).
 
O pai, no entanto, quer que ela se case com um médico, pois, dessa forma, teria assegurado consultas gratuitas, sem, ao menos, precisar sair de casa.
 
Uma trama, engendrada pela criada, ANTONIETA/NIETA (GLÁUCIA RODRIGUES), muda o rumo de tudo e acaba com as pretensões do protagonista.
 



 

            Segundo o “release” da peça, enviado por JSPONTES COMUNICAÇÃO (JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY)N, na visão de JACQUELINE LAURENCE, “...os textos de MOLIÈRE ainda são atuais. ‘O DOENTE IMAGINÁRIO’ é uma comédia extraordinária, que, como em todos os trabalhos do autor, nos traz uma visão crítica sobre a humanidade. Esse é um dos motivos para que seus textos façam sucesso ainda hoje”.

Além disso, a diretora afirma que “a peça tem um humor inteligente, sem deixar de ser popular e acessível a todos os tipos de público”.

Assino embaixo de tudo o que ela diz. E acrescento que as montagens dos textos desse grandioso dramaturgo são sempre um grande desafio, para os atores e, principalmente, para a direção, para que não se tornem uma chanchada (Sem nenhum preconceito contra tal gênero; muito pelo contrário.). JACQUELINE faz um bom trabalho de direção.
 
 


Um interessante traço da personalidade de MOLIÈRE é sua reconhecida vaidade. Ele tinha o hábito de “escrever para si”, ou seja, como dramaturgo e dono de sua própria companhia, gostava de, e estava acostumado a, escrever para si, o que significa que os protagonistas, regra geral, eram interpretados por ele mesmo e, por isso mesmo, tinham sempre grande destaque, um pouco além do normal, em suas peças, o que não quer dizer que desprezasse os demais personagens. Em “O DOENTE IMAGINÁRIO”, por exemplo, a personagem ANTONIETA tem grande e considerável destaque na trama.

O delicioso texto se reveste de grande destaque, graças à brilhante tradução e adaptação do saudoso JOÃO BETHENCOURT, que transformou seus três atos num só, resguardando, ao máximo, o espírito de humor crítico e inteligente do original.




O espetáculo é uma produção de uma das mais conceituadas companhias de TEATRO do Brasil, a CIA LIMITE 151, com 26 anos de excelentes serviços prestados à causa do palco, “dedicada à pesquisa e a uma concepção estética que identifique, na linguagem cênica, diferentes formas de construção do pensamento”, privilegiando grandes autores, como Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, William Shakespeare, Tennessee Williams, Joe Orton, Jorge Andrade e, obviamente, MOLIÈRE.

O núcleo familiar, além de ARGAN (ÉLCIO ROMAR), conta com sua formosa filha, ANGÉLICA (LARISSA LAMEU), e BELINHA (JACQUELINE BRANDÃO), mulher bem mais nova que ARGON, fogosa e interesseira, com quem o hipocondríaco é casado, em segundas núpcias, casamento por puro interesse, visto que o que o grande foco da esposa era a morte do “moribundo”, a fim de se apossar de seus bens materiais, com os votos de pobreza a que a enteada teria de se submeter, depois de ser obrigada a ir para um convento. Completa o núcleo, praticamente, como um quarto membro da família, ANTONIETA, uma muito antiga e “fiel” (até a página 2) serviçal, tremendamente perspicaz, debochada e desafiadora, que percebe as manobras de BELINHA, a qual queria a jovem, muito romântica e que fazia jus ao nome (angelical) fora do seu caminho. NIETA funciona, também, como “cupido”, para que ANGÉLICA desposasse seu amado CLEANTO (GUSTAVO WABNER) e não aceitasse o casamento arranjado pelo pai, com o DR. THOMAS LAXANTE FILHO (LEO THURLER), filho de outro médico, o DR. THOMAS LAXANTE (MÁRCIO RICCIARDI), este cunhado do médico pessoal de ARGAN, o DR. PURGANTE (DIEGO BRAGA, que também acumula o pequeno papel de TABELIÃO).


 

Os nomes dos personagens são bem sugestivos.

Como em quase todas as comédias de MOLIÈRE, a peça consegue misturar, no mesmo recipiente, intrigas, romances, suspenses e muito bom humor, talvez a receita de seu sucesso.

O personagem ARGAN vivia nas mãos dos médicos, recluso em casa, sempre “de cama”, sentindo-se profundamente doente, sendo tratado, praticamente, à base de clisteres (lavagens via anal), o que o fazia um permanente habitante do banheiro da casa.

Na figura de seu médico, MOLIÈRE não pouca críticas aos parcos recursos da medicina de sua época, e, como um visionário, não deixa de satirizar a medicina atual, por meio do comportamento de seus representantes (Não são todos, é claro!). Acusa, direta ou indiretamente, os médicos de mercenários, que não dedicam, aos clientes, a devida atenção, só se interessando pelos honorários a receber. Não seria exagero dizer que os considera charlatães, frios e calculistas.
 
 


Um dos principais pratos do dia, na imprensa atual, tão servido a nosso contragosto, é a corrupção, que também está presente na peça, na cena final, quando, tendo visto ir por terra seu plano de ter um médico a seus pés, e de forma gratuita, se conseguisse seu intento de casar a filha com um, ARGAN decide, ele mesmo, se tornar médico, formar-se em Medicina, por meios ilícitos, comprando um diploma falso, fazendo uso de seu poder econômico. E ainda acrescenta, na sua doença mental (essa, sim, existe), que pouca diferença haveria entre a sua falta de conhecimentos de Medicina e a idêntica, por parte dos médicos formados.
 
 


O elenco, que sofreu alterações, desde a primeira montagem (salvo engano, só permanecerem, ÉLCIO, GLÁUCIA e EDMUNDO LIPPI) está afinadíssimo, mantendo, do início ao fim, o mesmo nível de interpretação e garantindo a boa qualidade do espetáculo. Não se nota qualquer “barriga”, nesta montagem, e o ritmo é perfeito, o que não pode falhar numa comédia.  A despeito de um nivelamento entre todos, gostaria de destacar as atuações de ÉLCIO ROMAR e GLÁUCIA RODRIGUES, entre os quais há uma cumplicidade cênica que valoriza a encenação.


 

O cenário, único, de COLMAR DINIZ, já que toda a ação se passa na sala da casa do burguês, é de muito bom gosto e totalmente ajustado às exigências do texto. Com poucos recursos cênicos, em ermos de móveis, o grande destaque vai para a abundância de lindas cortinas, que compõem um ambiente de grande requinte.

COLMAR também assina os belos figurinos, dentre os quais destaco o que é utilizado por EDMUNDO LIPPI (BERALDO), irmão de ARGAN, mas que não mora na mesma casa e só aparece para uma visita. Que bom gosto! Mesmo para vestir ANTONIETA, a única que não faz parte do time dos nobres, COLMAR criou um simples, porém belíssimo figurino.

Em termos de iluminação, ROGÉRIO WILTGEN também executa a sua tarefa de maneira bastante satisfatória, não abusando de variações e privilegiando o que tinha de ser destacado, em cada cena, com luzes gerais e, por vezes, setoriais.


 



 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Molière
Tradução: João Bethencourt
Direção: Jacqueline Laurence
 
Elenco - Personagem:
Élcio Romar – Argan
Gláucia Rodrigues - Antonieta
Jacqueline Brandão – Belinha
Andressa Lameu – Angélica
Edmundo Lippi - Beraldo
Diego Braga – Dr. Purgante e Tabelião
Leo Thurler - Thomas Laxante Filho
Marcio Ricciardi - Dr. Thomas Laxante
Gustavo Wabner - Cleanto
 
Cenário e figurinos: Colmar Diniz
Iluminação: Rogério Wiltgen
Música Original e Direção Musical: Wagner Campos
Programação Visual: Sidney Michelette
Fotos: Guga Melgar
Produção Executiva: Valéria Meirelles
Produção Comercial: Hélio Zacchi e Agnes Xavier
Direção de Produção: Edmundo Lippi
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
 

 
 
 


 
SERVIÇO:
Temporada: De 13 de outubro a 16 de dezembro de 2017.
Local: Teatro Eva Herz – Dentro da Livraria Cultura.
Endereço: Rua Senador Dantas, 45 – Cinelândia (Centro) – Rio de Janeiro.  
Telefone: (21) 3916-2600.
Dias e Horários: De 3ª feira a sábado, às 19h.
Valor dos Ingressos: De 13/10 a 03/11: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada) (TODOS OS DIAS). A partir de 04/11, até o final da temporada, R$40,00 (às 3ªs e 4ªs feiras) e R$60,00 (de 5ª feira a sábado).
Horários de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 16h às 19h.
Classificação Etária: 10 anos.
Capacidade: 170 lugares.
Gênero: Comédia.
Duração: 90 minutos.
 



 


            ‘O DOENTE IMAGINÁRIO” é uma comédia leve, para toda a família, que traça o retrato de uma época, fala das falibilidades humanas, das boas intenções de algumas pessoas, denuncia o que não está de acordo com a ordem e, acima de tudo, diverte muito, sendo, portanto, muito recomendada por mim.


 





 


(FOTOS: GUGA MELGAR)
 
 
 
 
 
 

 

 
 
 
 
 


 
 

 






 
 
 
 



 



 

 

 

 

 

 






















 
 
 

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