BONITINHA,
MAS ORDINÁRIA
(DE ORDINÁRIO, É QUE O
ESPETÁCULO NÃO TEM NADA.)
Ainda que,
infelizmente, a peça já tenha saído de cartaz, no último domingo (1º de
março/2015), não poderia deixar de escrever sobre ela.
Trata-se de BONITINHA, MAS ORDINÁRIA, texto de NÉLSON RODRIGUES, escrita em 1962, que,
originalmente, tem um subtítulo: ou OTTO
LARA RESENDE. A justificativa para o
apêndice ao título se dá em função de uma frase do consagrado cronista,
repetida, muitas vezes, durante a peça, por alguns personagens: “Mineiro só é solidário no câncer”.
Guilherme Miranda e Elisa Pinheiro.
SINOPSE:
EDGARD (GUILHERME MIRANDA) é um rapaz humilde, ex-contínuo, fato
este que o constrange bastante. Procurado
por PEIXOTO (ANDERSON CUNHA), genro do milionário DR. WERNECK (MARCELO ESCOREL), dono da firma onde EDGARD é, no momento, escriturário, ele
recebe uma proposta que o faria mudar, radicalmente, de vida, a de se casar com
MARIA CECÍLIA (JULIA SCHAEFFER),
filha de WERNECK, de 17 anos, que
fora currada por cinco negros.
Pelo dinheiro, EDGARD aceita a oferta, mas tem dúvidas,
por gostar de RITINHA (ELISA PINHEIRO),
sua vizinha.
Já com o casamento
acertado com a moça “desonrada”, EDGARD e RITINHA vão fazer uma “despedida de
solteiro” num cemitério, onde ela lhe conta o que faz para conseguir sustentar
a mãe, louca, e as três irmãs: prostitui-se.
Toda a trama gira em torno
das hesitações de EDGARD, até sua
escolha final.
A peça trata do grande
conflito existencial, quando um ser humano tem de colocar seus valores éticos e
morais em confronto com as oportunidades, ainda que escusas, de ascender,
social e economicamente, numa sociedade hipócrita.
Guilherme Miranda e Julia Schaeffer.
Quem me conhece sabe que,
contrariando a maioria e me arriscando a ser “apedrejado” por alguns de seus
discípulos, NÃO GOSTO DE NÉLSON
RODRIGUES, morto em 1980, aos 68 anos, muito menos vejo nele o gênio que a
maioria enxerga, principalmente quem é de TEATRO.
Aliás, sempre achei que apenas uma minoria o
incensa de verdade, e os outros, seguindo seus “gurus” e ídolos, fazem o mesmo,
só para não ficar “out”. Não me importo
com a minha marginalidade. Ocupo, com
dignidade e convicção, o espaço que me cabe nela.
Podem jogar pedra à vontade, que o
meu escudo invisível me protege das agressões, tanto as físicas quanto as
morais.
Gosto, talvez, de 10% de suas peças,
embora o considere excelente como cronista e não posso ser omisso e não dizer
que me divirto bastante com a sua linguagem de época, que me traz à lembrança
meus pais e meus avós falando, repetindo suas frases feitas e a gíria de seu
tempo.
Guilherme e Elisa.
Detalhe das projeções.
Todo
esse preâmbulo é para justificar os elogios que farei ao espetáculo aqui
comentado, de temporada tão curta, o qual deixou, recentemente, o Teatro III do CCBB Rio de Janeiro,
esperando eu que, muito em breve, consiga acomodar-se em outro espaço, para
deleite dos cariocas. Tenho notícias de
que ocupará, em agosto deste ano, o Teatro de Arena da Caixa Cultural, no Rio
de Janeiro. Esperemos, para
conferir. Certamente, irei revê-lo.
Para eu chegar a elogiar uma peça de
NÉLSON RODRIGUES, é porque a
montagem está muito boa mesmo, feita de forma bastante inteligente, leve, no
ponto exato, na medida certa, ou seja, aquela na qual não cabem exageros, que
levam aos estereótipos.
Além do filme, baseado na obra, já
assisti a outras encenações desse texto e fiquei
encantado com o trabalho que vi, feito pela CIA TEATRO PORTÁTIL.
Todo o mérito do trabalho vai para a
genial direção, de ALEXANDRE BOCCANERA, e para os atores
(em ordem alfabética):
ANA MOURA (DINORÁ e D. IVETE);
ANDERSON CUNHA (PEIXOTO);
CLÁUDIO GARDIN (SR. OSÍRIS e
VELHO DO CORREIO);
ELISA PINHEIRO (RITINHA);
GUILHERME MIRANDA (EDGARD);
JULIA SCHAEFFER (MARIA CECÍLIA);
LAURA DE CASTRO (AURORA);
MARCELLO ESCOREL (DR. WERNECK);
MARCIO FREITAS (ALÍRIO,
ARTUZINHO e COVEIRO LUSO);
MORENA CATTONI (D. BERTA, D. LÍGIA e TEREZA).
Todos se comportam de forma excelente
em cena, atuações harmoniosas e convincentes, com destaques, na minha visão,
para ANDERSON, ELISA, GUILHERME e ESCOREL.
A leitura do diretor e as soluções
encontradas, para um texto que se presta muito mais ao cinema, são ótimas,
seguidas, com perfeição, pelo elenco.
Saí do teatro muito feliz e recomendo
esta montagem a todos, caso volte a ser encenada, gostando-se ou não de NÉLSON.
Um
dos pontos altos do espetáculo é a utilização de filmes de animação, uma
tendência que vem se tornando muito frequente, em TEATRO, o que me agrada muito, principalmente se for do nível do excelente
e cuidadoso trabalho que se vê nesta peça, assinado por BEATRIZ CARVALHO e DIOGO NII
CAVALCANTI.
Outro detalhe
que merece destaque é a distribuição do elenco em cadeiras, na plateia, já
antes de o público adentrar a sala em que será encenada a peça, como se
fizessem também parte da audiência. Talvez
tenha sido intenção do diretor, e creio não estar equivocado, passar ao público
a ideia de humanização e materialização de personagens fictícios, que povoam o
dia a dia de todos, que nos cercam por todos os lados e em todos os lugares,
que são “gente como a gente”, já que o próprio NÉLSON afirmava, em suas entrevistas, que seus personagens são do
povo, “fictícios/reais”.
De seus
lugares, os atores se deslocam até um praticável, que funciona como palco, retornando
a seus assentos, ao terminar suas cenas, sendo que a própria plateia também
compõe, por vezes, o espaço cênico, porque algumas falas são dadas do meio do
público. Essa simples ideia concede ao
espetáculo um dinamismo que não é muito comum em textos do NÉLSON.
Considero
brilhante a resolução do diretor para a cena em que o casal EDGARD e RITINHA mantém uma relação sexual dentro de uma cova, num cemitério,
sendo surpreendidos por um coveiro. Não
há nada de “extraordinário” na cena, a não ser o inusitado local escolhido para
a prática do amor; há, apenas, muita criatividade, em alto grau.
É bastante
louvável, digno de respeito e elogios, o trabalho que a CIA TEATRO PORTÁTIL, sediada no Rio de Janeiro, vem desenvolvendo,
há dez anos, pautando-se, principalmente, por um valioso trabalho de pesquisa
sobre o teatro de animação e a cena contemporânea, na busca de diferentes
linguagens.
Na ficha técnica, além dos nomes já
citados, merecem destaque:
DUDA MAIA (co-direção);
GUILHERME MIRANDA (direção musical e
trilha sonora);
MINA QUENTAL (cenografia);
PATRÍCIA MUNIZ (figurino);
AURÉLIO DE SIMONI (iluminação);
ANA FROTA (preparação vocal);
JOANA RIBEIRO e MARITO OLSSON-FORBERG (preparação corporal e direção de movimento);
MARCIO FREITAS (assistente de direção);
PATRÍCIA DELVAUX (assistente de
figurino);
MONA MAGALHÃES (maquiagem);
ROSSINI MALTONI (desenho de som);
JORGE NET O
(edição de vídeos);
RODRIGO CASTRO (fotos);
BIANCA SENNA (assessoria de imprensa - Astrolábio
Comunicação);
ALESSANDRA AZEVEDO (produção executiva);
CIA TEATRO PORTÁTIL (realização);
BOCCANERA PRODUÇÕES ARTÍSTICAS (produção).
Marcello Escorel, num de seus melhores
momentos como ator.
Aplausos (MERECIDOS) e agradecimentos.
Aguardemos a
volta do espetáculo!
(FOTOS: RODRIGO CASTRO)
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