ENTRE NÓS
(UMA COMÉDIA SOBRE A
DIVERSIDADE. E DIDÁTICA, POR QUE NÃO?
Não deveria ficar só “entre nós” o espetáculo que, infelizmente, encerrou temporada no
último domingo, 29 de junho, no Teatro
Dulcina. Deveria ter sido visto por
muita gente, apesar de as sessões estarem, felizmente, sempre bem cheias de
espectadores, e muito bem divulgado, como forma de tentar terminar com, ou,
pelo menos, diminuir, uma praga mundial, chamada homofobia, ainda muito
presente entre os brasileiros.
ENTRE NÓS chegou ao Rio de Janeiro já
vitorioso(a) – provocação -, pois
arrebatara três premiações no Prêmio
Braskem de Teatro: Melhor Espetáculo, Melhor Ator (Igor Epifânio) e Melhor
Texto. Confesso minha total
ignorância acerca desse prêmio, a não ser que “a Braskem é a maior produtora de
resinas termoplásticas das Américas” (pesquisei no Google), mas, certamente, é
digno de crédito, merece a minha confiança, a julgar pelo excelente trabalho a
que assisti no sábado, 21 de junho.
O
texto, escrito e dirigido por JOÃO SANCHES,
uma “comédia musical”, é apresentado como “uma
comédia sobre diversidade”, pois trata dos problemas afetos ao universo
“gay”, mais propriamente fala da aceitação ou não da homossexualidade. Acima de tudo, tudo pela tolerância!
Anderson dy Souza e
Igor Epifânio.
O
enredo é muito simples, como tudo na peça, o que, em nada, compromete sua
qualidade. Gira em torno de dois atores (os
personagens não têm nome), que tentam inventar, improvisar, na hora, uma
história de amor entre dois jovens “gays”.
Para isso, enfrentam uma série de situações conflitantes e engraçadas,
além de desafios múltiplos, até decidirem o destino dos personagens, aos quais
batizaram, depois de algumas discussões, de RODRIGO e FABINHO.
Pode ser que a minha imaginação fértil esteja me levando a voar além dos limites permitidos pela razão, mas gosto muito do título da peça, por enxergar nele uma grande relação com o teor do texto. "ENTRE NÓS" sugere algo que deve ser restrito a poucos, disponível apenas a iniciados, uma espécie de indicação de que algo deve ser oculto, protegido, não exposto, como a homossexualidade. Quem me acompanha na "viagem"?
ANDERSON DY SOUZA (FABINHO) e IGOR EPIFÂNIO (RODRIGO) encarnam onze
personagens diferentes, para encenar a situação proposta por eles mesmos, um
processo de criação de uma história de amor nada convencional, envolvendo, até
mesmo, uma moça, numa espécie de triângulo amoroso. Digo “espécie”, porque o “triângulo” não
chega a se “fechar”.
Nesse
meio tempo, os atores, personagens anônimos (não FABINHO e RODRIGO) se
embaraçam na concepção da história, por conta dos próprios preconceitos,
recalques e visões de mundo diferentes acerca do tema “diversidade sexual”, o
que os leva a solicitar a participação do público, na hora de decidir sobre o
desfecho da trama, se o casal “gay” deve ficar junto ou não. Se fosse na TV, a discussão giraria em torno
do tão discutido e adiado “beijo gay”.
Enquanto
os personagens RODRIGO e FABINHO encaram sua sexualidade de
forma natural, os dois personagens/atores/anônimos que os interpretam se
constrangem, confrontam-se e se atrapalham na condução da peça que está sendo
criada, em cenas carregadas de um humor leve, muito interessante, inteligente e
nada apelativo.
É
muito curioso esse detalhe. É um fato
muito próximo à realidade que nos cerca, no momento em que ouvimos pessoas “esclarecidas”
dizerem que aceitam muito bem, sem quaisquer restrições, a homossexualidade
(alheia, é claro), mas ficam embaraçados e constrangidos quando perguntados
sobre qual seria sua reação diante de uma possível revelação de um(a) filho(a)
de que é “gay”. Como reagiriam a uma “saída
do armário”?
O
espetáculo, totalmente didático, o que é uma de suas maiores qualidades, sem
ser panfletário – não há nele,
absolutamente, qualquer vestígio de apologia à causa “gay” –, começou a ser
representado, desde novembro de 2011, em apresentações gratuitas, na rede
escolar de Salvador e periferia, tendo sido muito bem recebido pelos
alunos. Teve sua estreia, em temporada
comercial, em janeiro de 2012, também em Salvador, e, de lá para cá, já viajou
por boa parte do Brasil, sempre com grande sucesso de público e de crítica, e
até já ultrapassou as nossas fronteiras, chegando a ser apresentado no XXVIII Festival Internacional de Teatro
Hispano (FITH), em Miami.
Apesar
de ser vendido como uma “comédia musical”,
ENTRE NÓS não tem o formato de “musical”, como concebemos as peças que
recebem essa classificação. É, sim, um
espetáculo de TEATRO, uma “comédia com músicas”, já que toda a ação,
do princípio ao fim da peça, é sublinhada e pontuada por uma excelente
guitarra, esplendidamente executada por LEONARDO
BITTENCOURT, que também assina a direção
musical do espetáculo. Uma ótima
trilha sonora, que ajuda a aproximar o público do texto.
Leonardo Bittencourt.
JOÃO SANCHES é o autor do texto, fez a direção
da peça e assinou os figurinos e a iluminação. Acertou o jovem talento nas quatro posições. Conheço-o desde a sua assistência de direção
ao grande João Falcão, no sucesso
que foi o projeto Clandestinos. Depois, vi mais dois ou três trabalhos de
direção dele, aqui, no Rio, com destaque para Eu Te Amo Mesmo Assim, outro musical, que serviu para apresentar ao
público carioca o talento da grande cantriz Laila Garin, hoje mais conhecida como “a Elis”.
Os
dois atores, ambos protagonistas, ANDERSON
DY SOUZA (FABINHO) e IGOR EPIFÂNIO
(RODRIGO), são ótimos, principalmente por serem muito jovens e já
demonstrarem grande domínio de palco.
Sabem dosar o humor e têm a difícil e vitoriosa missão de representar personagens
“gays”, sem que cedam a estereótipos e apelações caricaturais. Como o espetáculo tem um cunho didático, sem
ser enfadonho, e um certo objetivo de tentar combater a homofobia e fazer valer
e respeitar a diversidade sexual, atuam como dois brilhantes “professores”. Esperamos que os “alunos” tenham aprendido
bem a lição dos excelentes “mestres”.
Além de atuar, os dois fantásticos atores operam a iluminação, numa mesa
ao fundo do palco nu e que faz parte do “quase nenhum cenário” de DANIELA STEELE.
Anderson dy Souza.
Igor Epifânio.
Estamos
acostumados, no Rio de Janeiro, a ter contato, quase que exclusivamente, ou em
dose maciça, com produções teatrais locais e paulistas. Raramente, recebemos boas montagens de outros
estados; mas elas existem e é preciso lembrar que o Brasil, principalmente o
cultural, não se resume ao eixo Rio-São Paulo e que muita coisa boa, em TEATRO, é produzida em outras praças,
como é o caso desta ótima produção baiana.
Cá
“entre nós”, tomara que esta produção
volte ao cartaz no Rio de Janeiro. Se
isso ocorrer, que os professores incentivem seus alunos, ou mesmo os levem,
como tenho o hábito de fazer, a assistir a este espetáculo. Ele pode ser muito útil à formação de sua
cidadania e deveria ser encampado (comprado) pelos governos, municipal e
estadual, com o objetivo de ser levado às escolas, gratuitamente, como veículo
de educação e de promoção ao respeito à diversidade, de uma forma geral, mas,
principalmente, a sexual. Tudo em prol
de um futuro mais feliz para a humanidade.
Anderson e Igor.
Igor, Anderson e
Leonardo (de pé) e o autor e diretor João Sanches (sentado).
Foto tirada pela produção,
ao final de cada sessão.
(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO
DO ESPETÁCULO e PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK.)
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