terça-feira, 1 de julho de 2014


ENTRE NÓS

 

 

 

(UMA COMÉDIA SOBRE A DIVERSIDADE.  E DIDÁTICA, POR QUE NÃO?

 

 

 


 

 

 

       Não deveria ficar só “entre nós” o espetáculo que, infelizmente, encerrou temporada no último domingo, 29 de junho, no Teatro Dulcina.  Deveria ter sido visto por muita gente, apesar de as sessões estarem, felizmente, sempre bem cheias de espectadores, e muito bem divulgado, como forma de tentar terminar com, ou, pelo menos, diminuir, uma praga mundial, chamada homofobia, ainda muito presente entre os brasileiros.

            ENTRE NÓS chegou ao Rio de Janeiro já vitorioso(a) – provocação -, pois arrebatara três premiações no Prêmio Braskem de Teatro: Melhor Espetáculo, Melhor Ator (Igor Epifânio) e Melhor Texto.  Confesso minha total ignorância acerca desse prêmio, a não ser que “a Braskem é a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas” (pesquisei no Google), mas, certamente, é digno de crédito, merece a minha confiança, a julgar pelo excelente trabalho a que assisti no sábado, 21 de junho.

            O texto, escrito e dirigido por JOÃO SANCHES, uma “comédia musical”, é apresentado como “uma comédia sobre diversidade”, pois trata dos problemas afetos ao universo “gay”, mais propriamente fala da aceitação ou não da homossexualidade.  Acima de tudo, tudo pela tolerância!

 

 



Anderson dy Souza e Igor Epifânio.

 

 


            O enredo é muito simples, como tudo na peça, o que, em nada, compromete sua qualidade.  Gira em torno de dois atores (os personagens não têm nome), que tentam inventar, improvisar, na hora, uma história de amor entre dois jovens “gays”.  Para isso, enfrentam uma série de situações conflitantes e engraçadas, além de desafios múltiplos, até decidirem o destino dos personagens, aos quais batizaram, depois de algumas discussões, de RODRIGO e FABINHO.
             Pode ser que a minha imaginação fértil esteja me levando a voar além dos limites permitidos pela razão, mas gosto muito do título da peça, por enxergar nele uma grande relação com o teor do texto. "ENTRE NÓS" sugere algo que deve ser restrito a poucos, disponível apenas a iniciados, uma espécie de indicação de que algo deve ser oculto, protegido, não exposto, como a homossexualidade.  Quem me acompanha na "viagem"?

            ANDERSON DY SOUZA (FABINHO) e IGOR EPIFÂNIO (RODRIGO) encarnam onze personagens diferentes, para encenar a situação proposta por eles mesmos, um processo de criação de uma história de amor nada convencional, envolvendo, até mesmo, uma moça, numa espécie de triângulo amoroso.  Digo “espécie”, porque o “triângulo” não chega a se “fechar”.

            Nesse meio tempo, os atores, personagens anônimos (não FABINHO e RODRIGO) se embaraçam na concepção da história, por conta dos próprios preconceitos, recalques e visões de mundo diferentes acerca do tema “diversidade sexual”, o que os leva a solicitar a participação do público, na hora de decidir sobre o desfecho da trama, se o casal “gay” deve ficar junto ou não.  Se fosse na TV, a discussão giraria em torno do tão discutido e adiado “beijo gay”.

            Enquanto os personagens RODRIGO e FABINHO encaram sua sexualidade de forma natural, os dois personagens/atores/anônimos que os interpretam se constrangem, confrontam-se e se atrapalham na condução da peça que está sendo criada, em cenas carregadas de um humor leve, muito interessante, inteligente e nada apelativo.

            É muito curioso esse detalhe.  É um fato muito próximo à realidade que nos cerca, no momento em que ouvimos pessoas “esclarecidas” dizerem que aceitam muito bem, sem quaisquer restrições, a homossexualidade (alheia, é claro), mas ficam embaraçados e constrangidos quando perguntados sobre qual seria sua reação diante de uma possível revelação de um(a) filho(a) de que é “gay”.  Como reagiriam a uma “saída do armário”?

            O espetáculo, totalmente didático, o que é uma de suas maiores qualidades, sem ser panfletário – não há nele, absolutamente, qualquer vestígio de apologia à causa “gay” –, começou a ser representado, desde novembro de 2011, em apresentações gratuitas, na rede escolar de Salvador e periferia, tendo sido muito bem recebido pelos alunos.  Teve sua estreia, em temporada comercial, em janeiro de 2012, também em Salvador, e, de lá para cá, já viajou por boa parte do Brasil, sempre com grande sucesso de público e de crítica, e até já ultrapassou as nossas fronteiras, chegando a ser apresentado no XXVIII Festival Internacional de Teatro Hispano (FITH), em Miami.

            Apesar de ser vendido como uma “comédia musical”, ENTRE NÓS não tem o formato de “musical”, como concebemos as peças que recebem essa classificação.  É, sim, um espetáculo de TEATRO, uma “comédia com músicas”, já que toda a ação, do princípio ao fim da peça, é sublinhada e pontuada por uma excelente guitarra, esplendidamente executada por LEONARDO BITTENCOURT, que também assina a direção musical do espetáculo.  Uma ótima trilha sonora, que ajuda a aproximar o público do texto.



 

Leonardo Bittencourt.

 


            JOÃO SANCHES é o autor do texto, fez a direção da peça e assinou os figurinos e a iluminação.  Acertou o jovem talento nas quatro posições.  Conheço-o desde a sua assistência de direção ao grande João Falcão, no sucesso que foi o projeto Clandestinos.  Depois, vi mais dois ou três trabalhos de direção dele, aqui, no Rio, com destaque para Eu Te Amo Mesmo Assim, outro musical, que serviu para apresentar ao público carioca o talento da grande cantriz Laila Garin, hoje mais conhecida como “a Elis”.

            Os dois atores, ambos protagonistas, ANDERSON DY SOUZA (FABINHO) e IGOR EPIFÂNIO (RODRIGO), são ótimos, principalmente por serem muito jovens e já demonstrarem grande domínio de palco.  Sabem dosar o humor e têm a difícil e vitoriosa missão de representar personagens “gays”, sem que cedam a estereótipos e apelações caricaturais.  Como o espetáculo tem um cunho didático, sem ser enfadonho, e um certo objetivo de tentar combater a homofobia e fazer valer e respeitar a diversidade sexual, atuam como dois brilhantes “professores”.  Esperamos que os “alunos” tenham aprendido bem a lição dos excelentes “mestres”.  Além de atuar, os dois fantásticos atores operam a iluminação, numa mesa ao fundo do palco nu e que faz parte do “quase nenhum cenário” de DANIELA STEELE.



 

Anderson dy Souza.


Igor Epifânio.




 



            Estamos acostumados, no Rio de Janeiro, a ter contato, quase que exclusivamente, ou em dose maciça, com produções teatrais locais e paulistas.  Raramente, recebemos boas montagens de outros estados; mas elas existem e é preciso lembrar que o Brasil, principalmente o cultural, não se resume ao eixo Rio-São Paulo e que muita coisa boa, em TEATRO, é produzida em outras praças, como é o caso desta ótima produção baiana.

            “entre nós”, tomara que esta produção volte ao cartaz no Rio de Janeiro.  Se isso ocorrer, que os professores incentivem seus alunos, ou mesmo os levem, como tenho o hábito de fazer, a assistir a este espetáculo.  Ele pode ser muito útil à formação de sua cidadania e deveria ser encampado (comprado) pelos governos, municipal e estadual, com o objetivo de ser levado às escolas, gratuitamente, como veículo de educação e de promoção ao respeito à diversidade, de uma forma geral, mas, principalmente, a sexual.  Tudo em prol de um futuro mais feliz para a humanidade.

 


 


Anderson e Igor.


 

 


Igor, Anderson e Leonardo (de pé) e o autor e diretor João Sanches (sentado).

 

 



Foto tirada pela produção, ao final de cada sessão.

 

 

 

 

 

(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO e PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK.)

 

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