quarta-feira, 2 de julho de 2014


AS TRÊS IRMÃS

 

(CABE TUDO NUM JARDIM?)

 


 


 

     Alguém, ou um grupo de amigos, que se propõe a encenar um clássico da dramaturgia universal já merece todo o meu respeito.  Se for uma peça de um senhor chamado Anton Pavlovitch TCHEKHOV, o respeito é maior ainda.

Para se montar TCHEKHOV, é preciso muita coragem, ousadia, determinação e criatividade.  Tudo isso pode ser encontrado na montagem que está ocupando o Jardim do Casarão Austregésilo de Athayde.

No tocante à criatividade, esta montagem leva uma grande vantagem em relação a outras a que assisti, ao longo de algumas décadas de dedicação ao TEATRO.  É que, em geral, o texto, dividido em quatro atos, é assim representado, com intervalos, nas salas convencionais, contando, normalmente, com muitos cenários e figurinos pomposos. 

O toque criativo desta produção, muito pelo fato de ser modesta, do ponto de vista orçamentário, é que os quatro atos foram condensados em apenas um, com 120m de duração, aproximadamente, e todas as cenas acontecem nos jardins de uma uma linda e aconchegante construção do século XIX, em pleno Come Velho, quase ao lado da estação do trem que leva ao Corcovado.  Nesse mesmo Casarão, já assisti a três ou quatro outras belas produções.

 

 

 

CHICO LIMA/divulgaçÃo
As três irmãs: Gisela de Castro, Paulo Sandroni e Julia Deccache.
 

 

 

astresirmas

Além das três irmãs, o irmão Andrei, Rodrigo Cirne.

 

 

Alguns críticos apontam AS TRÊS IRMÃS como a obra-prima do dramaturgo russo, e eu – hoje, não entendo por quê -, durante muito tempo, também fui da mesma opinião, entretanto, já faz um bom tempo, deixo-me encantar mais por A GAIVOTA, TIO VÂNIA e O JARDIM DAS CEREJEIRAS.

Qualquer sinopse deste texto ocuparia um longo espaço.  Tentarei fazê-lo da forma mais enxuta, não garantindo que isso aconteça, sem prejuízo para quem não conhece a história.

Nesta peça, as estações do ano têm um papel de destaque, uma vez que, metaforicamente, estão relacionadas aos momentos que vivem os personagens.  A história tem início no dia do aniversário de IRINA, a mais nova das três irmãs, um ano após a morte do pai das moças, e bem poderia ser chamada, também, sem nenhuma impropriedade, de OS QUATRO IRMÃOS, por causa de ANDREI, o irmão das três protagonistas, peça também importante no enredo. 

A peça se inicia, quando é primavera, estação do renascimento, quando há um despertar da natureza, bem como das esperanças das três irmãs PROZÓROV - IRINA, OLGA e MACHA.  As três revivem os seus sonhos, entre os quais está o desejo de voltar a Moscou, onde nasceram e viveram os primeiros anos de suas vidas, desejo este mais forte em IRINA e OLGA.  MACHA não considera possível tal regresso, mas sonha com uma mudança na sua vida, uma vez que vive, com dificuldade, a “normalidade” do casamento.  O quarto e último ato passa-se no outono, estação que prepara o corpo e a alma para o inverno, o qual traz o frio da morte, o desalento, o fim de um ciclo.  No outono, também ocorre a emigração das aves, cujos cantos tanto alegram a nossa vida, durante a primavera e o verão, e o cair das folhas, com o levar dos sonhos das irmãs.

As três falam, o tempo todo, em voltar para Moscou, onde acham que tudo tem algum propósito, já que, onde vivem, levam uma vida muito monótona, sem ter nada de interessante para fazer o dia todo.  É uma peça cuja história deve ser deduzida, exclusivamente, dos diálogos entre os personagens, uma vez que não há nada que nos dê maiores explicações sobre o passado ou a personalidade de cada um deles.  Mas, aos poucos, pelo que dizem e por suas atitudes, vão sendo delineados seus perfis, o que levará os espectadores a entender o comportamento de cada um dos actantes.

As personagens são extremamente superficiais, reclamam o tempo todo de tédio e os diálogos são desconexos.  Cada um está tão envolvido em si mesmo, que falam, simplesmente, o que pensam e não, necessariamente, o que a conversa pede, e isso até gera situações constrangedoras. 

ANDREI sonha em ser professor em uma grande universidade de Moscou e está noivo de uma mocinha, que as irmãs não aprovam.  Sonhos e tédio resumem o que seria o primeiro ato da peça.

Passam-se alguns anos e quase nada mudou.  Continuam as reclamações diárias das três personagens principais.  Agora, OLGA e IRINA encontraram um trabalho, o que, naturalmente, seria motivo para que parassem as lamúrias, já que teriam com o que se ocupar, no entanto elas continuam em suas lamentações, por terem de trabalhar em empregos que não lhes agradam.  ANDREI está casado com NATACHA, tem um filho e está obeso, um dos  indícios de decadência.  Não se tornou professor, como era seu desejo, e sim secretário do Setor Rural.  Tudo continua na mesmice, um tédio só, e os sonhos estão quase morrendo, enquanto uma nova e cruel realidade começa a ser desenhada: NATACHA, a cunhada não bem aceita pelas três irmãs, tão fútil superficial e aparentemente amistosa, no princípio, numa virada de personalidade, aproveita-se do estado de ânimo, de fraqueza, dos quatro irmãos e passa a dominar a propriedade, de forma autoritária, inclusive com maus tratos direcionados a ANFISSA, uma velha ama octogenária, que ajudou a criar as moças e o irmão, defendida por OLGA, que promete à anciã serviçal, no final da peça, cuidar dela até o fim de seus dias.

Com relação a ANDREI, ele, que, no início da trama, é mais profundo e poético nas suas intervenções e no seu amor por NATACHA, com o avançar da ação, depois de abandonar suas pretensões a uma carreira acadêmica, passa a ser totalmente dominado pela mulher e perde-se no jogo e na bebida, com TCHEBUTÍKIN, endividando-se ao extremo, chegando ao ponto de ter de hipotecar a casa.

MACHA, esposa de um ex-professor, aos poucos, percebe a mediocridade do marido e se deixa levar pelos encantos do comandante VERCHININ, o qual chegara àquela província com o seu destacamento, enquanto dois de seus oficiais fazem a corte a IRINA.  O comandante, casado e pai de duas filhas, lamenta-se pelo mau casamento feito, reclama muito da mulher, e isso faz com que MACHA, igualmente infeliz no matrimônio, alimente, cada vez mais, uma relação séria com ele, o que acaba por não ser levado a efeito, pois o destacamento se retira da cidade, levando a esperança de MACHA e também de IRINA, cujo pretendente morre num duelo, enquanto OLGA se conforma, aceitando o cargo de diretora da escola, que ela não queria.  As três abdicam, assim, de seus sonhos de mudança. 

Todas as principais personagens da peça sonham com uma vida melhor, mas não chegam a tomar a iniciativa para concretizar os seus objetivos, não compreendem os seus próprios sentimentos e os seus discursos revelam-se um misto de emoções confusas.

O texto de TCHEKHOV acaba por ser uma reflexão sobre a posição vulnerável das três irmãs que, no final, são incapazes de enfrentar a arrogância de NATACHA ou de se determinarem a voltar para Moscou.

Enquadrar AS TRÊS IRMÃS numa única categoria de TEATRO não é tarefa das mais fáceis, entretanto, numa balança, um dos pratos penderia mais para o drama, ainda que possam ser detectadas, no texto, pitadas de humor, como é o caso de TCHEBUCHKIN, o médico velho, amigo da família, que, a despeito de viver se culpando pela morte de uma paciente, quando, ao lhe fazer um atendimento, estava bêbado, é bastante engraçado, toda vez que diz não se lembrar mais nada sobre medicina.  O texto também contempla bastante a ironia, principalmente por parte das três irmãs com relação à indesejada cunhada.

 

            A montagem me agradou pelo todo e aqui vão alguns comentários particulares, que julgo necessários a um melhor resultado e a apresentação da ficha técnica:

            1) Quanto ao elenco, à exceção de CASSIO PANDOLF (TCHEBUTYKIN), GISELA DE CASTRO (MACHA), PAULA SANDRONI (OLGA), JULIA DECCACHE (IRINA) e RODRIGO CIRNE (ANDREI), os quais sustentam o mesmo bom nível de interpretação durante todo o desenrolar da trama (gostei do quinteto), os demais oscilam um pouco de cena para cena.  É o caso, por exemplo, de NATASHA CORBELINO (NATACHA), que me pareceu um pouco “fria”, inexpressiva e "forçada", em suas primeiras aparições, entretanto eleva bastante seu nível de interpretação, quando sua personagem “bota as unhas de fora”, ou seja, quando revela sua verdadeira personalidade, austera, agressiva, déspota.  Os demais que compõem o elenco cumprem bem suas funções, sem destaques especiais.

 

 

Cassio, Gisela e Paula.

 

Julia e Rodrigo.

 

 

            2) Com relação à direção, não vejo nenhum grande deslize, mas, por se tratar de algo incomum no TEATRO, uma encenação ao ar livre, num jardim de grandes proporções, acho que alguns detalhes simultâneos, em algumas cenas, se perdem do público, em função de ultrapassarem o ângulo de visão do espectador.  Também é um pouco grande a distância entre a plateia e algumas ações.  É preciso, também, orientar os atores no sentido de projetar melhor a voz, num ambiente totalmente hostil a qualquer técnica relacionada ao assunto, porquanto, ali, as condições de acústica podem ser consideradas quase zero.  Confesso que perdi alguns trechos de algumas falas, e já me antecipo, dizendo que fiz, recentemente, uma audiometria, a qual me revelou uma excelente saúde auditiva.  O texto é muito longo e foi ótima a resolução de concentrar os quatro atos num só, contudo creio que daria para serem feitos mais alguns cortes, tornando a peça menos monótona, o que também pode ser alcançado, exigindo-se, do elenco, um ritmo mais acelerado, embora o “tempo arrastado” seja uma das características das obras de TCHEKHOV.  Mas aplaudo a diretora, MORENA CATTONI e o seu diretor-assistente, DANIEL CHAGAS, pela coragem, pela iniciativa e por todo o empenho voltado à realização de um belo espetáculo.

            3) Parabéns ao elenco: AMANDA VIDES VERAS (não assisti ao espetáculo com ela; está substituindo JULIA DECCACHE, no papel de IRINA), ARTHUR ROZAS (FEDOTIK - o fotógrafo), CARLOS NEIVA (SOLIONI), CASSIO PANDOLPH (TCHEBUTYKIN), CHICA OLIVEIRA (ANFISSA), GISELA DE CASTRO (MACHA), JEAN MACHADO (BARÃO TUZENBACH), JOSÉ GOMIDE (FERAPONTE – o velho surdo), JULIA DECCACHE (IRINA), MARCELO MORATO (KULYGUIN), NATASHA CORBELINO (NATACHA), PAULA SANDRONI (OLGA), PAULO ROQUE (VERCHININ) e RODRIGO CIRNE (ANDREI).

            4) Preparação vocal: VERÔNICA MACHADO.  Acho que ainda deveria trabalhar um pouco mais com os atores, considerando o fato de a peça ser feita ao ar livre, contando, ainda, com os inevitáveis e desagradáveis ruídos externos.  No dia em que assisti, volta e meia, ouvíamos urros e toques de vuvuzelas, já que estava acontecendo um jogo de futebol desta malfadada Copa do Mundo.

            5) Direção de arte: LUCIANA FOCALUCI. 

            6) Assistência de Cenografia: MONIQUE ROSA e FERNANDA CORREIA.  Curiosamente, a ficha técnica não fala em “cenografia”, pois o cenário é fornecido pela própria natureza e pelos demais componentes artificiais do belíssimo jardim do Casarão.  Essa assistência deve estar relacionada a alguns objetos que são agregados à cena; simples, baratos, mas que ajudam a compor as diversas ambientações.

 


Cenário natural.

 


Outra visão do cenário natural.

 


            7) Figurinos: CÉSAR SOARES.  Modestos, porém ajustados aos personagens e à época em que se passa a trama.

            8) Assistência de figurino: VALENTINA FARRAH.

            9) Produção do CASARÃO AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE, CLARA SANDRONI.

            10) Idealização: GISELA DE CASTRO, MORENA CATTONI e PAULA SANDRONI.

 

 


Olha o passarinho!

 

 


Olha o resultado!

 

 

            Louvo, imensamente, a iniciativa e gostaria de ver muitos outros espetáculos “alternativos!” encenados naquele simpático espaço.  Quem sabe outros textos do próprio TCHEKHOV, já que, na minha visão, cabe tudo nesse jardim?! 

 

 


Natasha Corbelino, eu e Gisela de Castro.

 


Paula Sandroni, eu e Rodrigo Cirne.

 


Cassio Pandolph e eu.










O espetáculo é apresentado GRATUITAMENTE e ficará em cartaz de 6ª feira a domingo, até 20 de julho, às 16h, no Casarão Austregésilo de Athayde, rua Cosme Velho, 599, quase ao lado da estação do trem para o Corcovado.  Reservas: email astresirmasnojardim@gmail ou telefone (21)97321-3133.

 

 


 

(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO; PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK e MARISA SÁ.)

 

 

 

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Um comentário:

  1. Espetáculo é denso, belo.
    Apesar de não ser uma especialista, concordo com sua resenha.

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