“AZUL”
ou
(A “DIFERENÇA”
QUE NÃO FAZ
A MENOR DIFERENÇA.)
Quando me convidam para
assistir a algum espetáculo da “ARTESANAL CIA. DE TEATRO”, não penso
duas vezes, para aceitar o convite, partindo da seguinte premissa: se vem da
“ARTESANAL”, não vi e já gostei. Até o dia em que me provarem o contrário, o
que acho muito improvável vir a acontecer, continuarei me pautando nesse
raciocínio, que sempre deu certo e continua dando, com o espetáculo “AZUL”,
em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil
(CCBB) – Rio de Janeiro, em temporada a ser encerrada no dia 6
de agosto de 2023.
A “ARTESANAL CIA. DE TEATRO” é uma das mais sérias e
importantes companhias de TEATRO do Brasil, há 28 anos, “investindo em uma linguagem inovadora e
contemporânea (...), agregando (...) diversas indicações, premiações e o
reconhecimento pela imprensa, público e crítica especializada. O foco do
trabalho da CIA. encontra-se na pesquisa de uma linguagem narrativa,
fundamentada na convergência de diversas técnicas de linguagem, como o TEATRO
de animação (bonecos, sombras e máscaras), canto, cinema e videografismo,
explorando a relação do ator com esses elementos”. (Trecho extraído do “release” que
me chegou às mãos, via assessoria de imprensa - Alexandre Aquino).
A “ARTESANAL” prima por
privilegiar trabalhos autorais, de extremíssimo bom gosto e rigor estético, jamais
abrindo mão de textos inteligentes, produções cuidadosas e bem elaboradas, “que
agradam ao público familiar, de todas as faixas etárias. E uma referência tanto
nacional como internacional, com passagens em diversos festivais de TEATRO, pelo
Brasil, China e uma residência artística na Alemanha”.
Antes de iniciar minha modesta análise
desta peça, já a recomendo, principalmente àqueles que ainda não
conhecem o trabalho da “CIA.”. Os que já tiveram a oportunidade de ter
acesso a qualquer espetáculo da “ARTESANAL” já devem ter ido ao CCBB
– RJ, ou se preparam para fazê-lo, na certeza de que não irão se
decepcionar. Muito pelo contrário!
SINOPSE:
A narrativa é transmitida através dos olhos de Violeta, uma
menina de quatro anos, que está ansiosa pela chegada de seu irmãozinho, Azul.
O que ela não imagina, é que ele acabará ocupando um espaço inesperado na
vida da família.
Entre os ciúmes e a aceitação de um irmão tão “diferente”, Violeta
descobre que é preciso aprender a lidar com o que a vida propõe para a solução
natural dos conflitos.
Afinal, o amor entre os irmãos é maior do que qualquer diferença que possa existir entre eles.
Não é a primeira peça que aborda a temática e
espero que outras venham, para ajudar a esclarecer as pessoas sobre como
entender o universo de um indivíduo que tenha tal comportamento, como aceitá-lo
e aprender a conviver, socialmente, com ele, de igual para igual. Valho-me
deste espaço para lembrar um inesquecível espetáculo, versando sobre o mesmo
tema, ao qual assisti no Rio de Janeiro, em 2014, e,
posteriormente, 2015, em Londres, ambas as
montagens muito emocionantes, que nos levam às lágrimas: “O Estranho Caso
do Cachorro Morto” (“The Curious Incident of the Dog in the Night-Time), texto do dramaturgo Simon Stephens,
adaptação, para a as tábuas, do livro homônimo de Mark Haddon. No
caso, o distúrbio recebe, especificamente, o nome de “Síndrome de
Asperger”. A denominação dessa variante do “autismo” foi
dada em homenagem ao psiquiatra e pesquisador austríaco Johann
"Hans" Friedrich Karl Asperger, que, primeiro, a
registrou, mas essa nominação vem gerando grandes controvérsias, após
descobertas de que Hans Asperger esteve, fortemente, envolvido
no regime nazista, tendo enviado, pelo menos,
duas crianças com deficiência para a “Clínica Spiegelgrund”,
sabendo que seriam utilizadas em experiências cruéis e provável eutanásia, sob
o programa eugenista nazista, nomeado "Aktion T4". Em
substituição a esse nome, sugere-se, desde 2013, que a denominação
seja apenas reconhecida como transtorno
do espectro autista (TEA).
Mas deixemos de divagações, ainda que
pertinentes, a meu juízo, e fixemos nosso foco sobre uma análise do espetáculo,
a começar pelo texto, uma dramaturgia, a quatro mãos, de ANDREA BATITUCCI e GUSTAVO BICALHO. Mais
uma vez, a dupla acerta em cheio na escrita, com a produção de um texto
simples, leve, transparente, de fácil comunicação com os pequenos, ainda que o
tema seja bastante profundo.
A grande mola propulsora para que se vá
assistir à peça é o fato de ela “se dirigir a toda a família, trazendo um
olhar de humanização das diferenças e respeito à diversidade”. O foco
do espetáculo “AZUL” recai sobre a temática do transtorno do
espectro autista (TEA),
popularmente conhecido como “autismo”, que se refere a “uma
série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no
comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de
interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma
repetitiva”. O título do espetáculo é o nome dado ao protagonista. “AZUL”
é a cor simbolicamente ligada àquele transtorno, pelo fato de atingir,
majoritariamente, indivíduos do sexo masculino, o que, penso eu, é uma
impropriedade, não só porque acaba criando uma invisibilidade do autismo
feminino, que também existe, como também porque esse conceito de “menino
veste azul, menina veste rosa” só existe na “mente podre”
de alguns... O melhor é deixar isso para lá!
Foto: Gilberto Bartholo.
Na
peça, a questão do TEA não é,
propriamente, o que, necessariamente, seria preciso para a exploração da ideia
de mostrar quão desimportante é o fato de alguém ser “diferente”.
O personagem principal poderia não ser igual a todos por outro motivo. Ter
nascido privado da visão, por exemplo. Ou com deficiência auditiva. Ou portador
de algum mal que o impedisse de se locomover. A questão da “diferença”
e de como conviver com ela é o que importa. “A peça aborda o tema através
das percepções de Violeta, que tenta não só compreender o universo do irmão,
como busca maneiras de interagir com ele. De forma leve, lírica e bastante
incomum, o texto propõe uma visão sobre as relações dentro de uma família, que
tem um integrante que vivencia o mundo de forma singular”.
Por ser uma CIA. muito
comprometida com a seriedade profissional, a “ATESANAL” não abriu mão de
uma consultoria competente, nas áreas médica e técnica, especializada, como os
préstimos de CRIS MUNHOZ, atriz, autista e mãe de uma menina como ela,
para seguir todas as orientações pertinentes ao tema. Para que possam avaliar o
nível de preocupação da “ARTESANAL” com a busca da perfeição, vale dizer
que CRIS tem doutorado e desenvolve uma pesquisa em arte e inclusão.
Com larga experiência nesse tipo de TEATRO,
ainda que a “ARTESANAL” não deva ser considerada uma CIA. de TEATRO
infantil ou, especificamente, de bonecos, GUSTAVO BICALHO e HENRIQUE
GONÇALVES assumem a direção artística deste espetáculo com todos os cuidados
que ele requer, sabendo construir cada cena da melhor forma possível, de forma
a fazer com que as crianças possam compreender, facilmente, o que está se
passando no espaço cênico.
O
texto mistura pequenas inserções narrativas, feitas por CLEITON RASGA e MARISE
NOGUEIRA, como Violeta, com diálogos bem curtos e diretos,
com economia de palavras e abundância de sentido. O “release” que
recebi, de ALEXANDRE AQUINO (Assessoria de Imprensa),
conclama “adultos e crianças, a partir de três anos de idade, ... a adentrar em uma história de amor entre
irmãos, unidos pela diferença”.
A dramaturgia se apoia na questão do TEA
(Transtorno do Espectro Autista), para deixar, na plateia, uma mensagem
de amor, muito mais do que entre irmãos; amor e respeito entre todas as
pessoas. Os autores contam a história do nascimento de AZUL, um menino
com TEA, que, a princípio, não é bem recebido pela irmã, o que,
muitas vezes, acontece fora da ficção. Quando bem pequenas, é considerado até “normal”
crianças sentirem ciúme do novo membro da família, já que as atenções dos pais,
além de serem divididas, recaem mais sobre o bebê. É importante notar que, até
então, eles não sabem da condição do novo filho. Isso é detectado a partir de
um determinado tempo, quando percebendo certos comportamentos “estranhos”
na criança, como ser avesso a toques físicos, desconforto com ruídos acima do
normal e rejeição a lugares com muitas pessoas, por exemplo, via de regra,
procuram a ajuda da Ciência. Isso quer dizer que o ciúme sentido por Violeta
não tem nada a ver com o fato de AZUL “ser diferente”.
O fio da meada vai sendo esticado, mostrando, com o crescimento do menino e, consequentemente, de Violeta também, que as coisas podem ir se acomodando, aos poucos, bastando, para isso, que a família aceite o seu mais novo membro com naturalidade e, acima de tudo, com muito amor. O espetáculo “AZUL” é uma história de enaltação do amor, o mais sublime dos sentimentos humanos. O amor incondicional, de pai e mãe pelo filho, de uma irmã pelo irmão.
Violeta é levada a descobrir
que é preciso aprender a lidar com o que a vida propõe para a solução natural
dos conflitos. Tudo no seu tempo, uma vez que, como o personagem Tempo
(TATÁ OLIVEIRA) mesmo diz, “cada um tem seu tempo”,
embora, na verdade, o que ele deseja dizer é que o tempo é um só e depende de
como fazemos uso dele e conseguimos lidar com “o tempo do outro”.
“O espetáculo é mais uma imersão
do grupo no TEATRO de animação, com uso de bonecos e máscaras, executados pelo
artista visual DANTE”, o “pai” de AZUL e Violeta,
em diferentes idades. DANTE é um dos melhores artistas profissionais
nessa arte. Um espetáculo em que seu trabalho é requisitado, certamente, ganha
em qualidade. Tudo o que, nesta peça, foi criado e confeccionado pelo renomado
artista chama a atenção, pela beleza e criatividade. Tão lindas e expressivas
quanto os bonecos são as máscaras dos pais das duas crianças.
A “ARTESANAL” sempre se cerca de
excelentes profissionais, artistas de criação, em suas montagens, para
atingir belos resultados. E não foi diferente desta vez. O cenário,
assim como todos os objetos e adereços de cena e uma Baleia articulada surgiram do talento de KARLLA DE LUCA. A cenografia é bastante
econômica, no sentido de só conter os elementos mínimos necessários para compor
os diferentes ambientes em que as ações acontecem. Chamou-me a atenção uma “praia”,
montada dentro de uma espécie de mala de madeira, a qual, ao ser aberta e deixar
à mostra seu conteúdo, provoca suspiros de admiração e encantamento no público.
Foto: Gilberto Bartholo.
Foto: Acervo Karlla de Luca.
Os figurinos e seus adereços,
assinados por FERNADA SABINO e HENRIQUE GONÇALVES, seguem um
conceito muito adequado à encenação. Por se tratar de um espetáculo em que os
bonecos ganham protagonismo, todos os atores/manipuladores vestem trajes unissex,
na cor preta, para dar um toque de neutralidade, sem qualquer identificação,
nem mesmo de gênero. Nos figurinos, os adereços ganham um destaque especial, em
cores variadas e bem vivas. São peças que identificam cada personagem da
história, como cintos e colares.
RODRIGO BELAY, outro artista
sempre presente nos trabalhos da “ARTESANAL”, desde um inesquecível
espetáculo para adultos, “Ludwig/2”, de 2015, o seu
primeiro, salvo engano, foi muito feliz em seu desenho de luz,
setorizado, voltado para as áreas em que as ações acontecem, sem, contudo,
ocultar, totalmente, o resto, como o grande relógio do cenário, à frente do
qual fica, na maior parte do tempo, o personagem Tempo, que ganha
destaque luminosos a cada nova aparição. BELAY utiliza uma diversificada
paleta de cores, bem ao gosto e necessidade de um espetáculo com o escopo de “AZUL”.
A encenação conta com uma boa trilha
sonora, escolhida por GUSTAVO BICALHO, a qual contém marchinhas de
carnaval (A peça começa e termina num dia de carnaval.), blues,
clássicos da música erudita e música minimalista, “agindo como elemento
narrativo da cena, oferecendo, ao público, um espetáculo lúdico e engraçado”.
Atentem para esta declaração do autor da trilha sonora: “A música
deste espetáculo é bem peculiar, porque é usada como uma forma de comunicação
com o AZUL. A irmã estuda piano e descobre que ele gosta de ouvir, quando ela
está tocando.”.
O elenco de atores/manipuladores é formado, em ordem alfabética, por ALEXANDRE SCALDINI, BRENDA VILLATORO, BRUNO DE OLIVEIRA, CAROL GOMES (“stand-in”), MARISE NOGUEIRA e TATÁ OLIVEIRA. Eles se alternam, na manipulação e, como personagens fixos, ALEXANDRE é o pai e MARISE, a mãe, ambos com excelentes rendimentos, em termos de postura e voz. BRENDA se destaca na manipulação e voz da menina Violeta. BRUNO, além de manipular o personagem AZUL, atua como uma espécie de curinga – ou coringa -, assumindo várias atividades no decorrer da peça. E TATÁ representa o tempo, um personagem místico, com alguns predicados de um mágico, no que se sai muito bem.
FICHA TÉCNICA:
Texto e Dramaturgia: Andrea Batitucci e Gustavo
Bicalho
Direção Artística: Gustavo Bicalho e Henrique
Gonçalves
Elenco: Alexandre Scaldini, Brenda Villatoro, Bruno
de Oliveira, Carol Gomes ("stand-in"), Marise Nogueira e Tatá Oliveira
Narração: Cleiton Rasga
Concepção, Criação e Confecção de Bonecos e
Máscaras: Dante
Direção de Movimento dos Atores e Preparação
Corporal: Paulo Mazzoni
Direção de Movimento dos Bonecos e Preparação
Técnica Máscara Teatral: Marise Nogueira
Preparação Vocal: Verônica Machado
Cenário, Objetos, Adereços de Cena e Baleia: Karlla
de Luca
Cenotécnico: Antônio Ronaldo
Figurinos e Adereços: Fernanda Sabino e Henrique
Gonçalves
Desenho de Luz: Rodrigo Belay
Operação de Luz: Peder Salles
Trilha Musical: Gustavo Bicalho
Desenho de Som: Luciano Siqueira
Operação de Som: Pedro Quinta
Projeto Gráfico: Dante
Direção de Palco: Alexandre Scaldini e Edeilton
Medeiros
Programação Visual: Dante
Fotografia: Christina Amaral e João Julio Mello
Cinematografia: Chamon Audiovisual
Assessoria de Imprensa: Alexandre Aquino e Cláudia
Tisato
Mídias Sociais: Tatá Oliveira
Relações Públicas: Evandro Rius
Assistência de Produção: Bruno Oliveira e Edeilton
Medeiros
Consultoria para Acessibilidade e Inclusão: Cris
Muñoz
Acessibilidade em Libras: Jadson Abraão – JDL
Traduções
Produção: Marta Paiva
Direção de Produção: Henrique Gonçalves
Fotos: João Julio Mello e Christina Amaral
Idealização: Artesanal Cia. de Teatro
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Patrocínio: Banco do Brasil
SERVIÇO:
Temporada: De 13 de maio a 06 de agosto de 2023.
Local – Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Rio
de Janeiro – Teatro III.
Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Candelária
– Centro – Rio de Janeiro.
Contato: (21) 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br
Mais informações em bb.com.br/cultura
Dias e Horários: Sábados e domingos, às 16h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00
(meia-entrada), emitidos na bilheteria física ou site do CCBB - bb.com.br/cultura - Meia-entrada para estudantes
e professores, crianças com até 12 anos, maiores de 60 anos, pessoas com
deficiência e seus acompanhantes e casos previstos em Lei. Clientes BB pagam
meia-entrada, pagando com Ourocard.
Capacidade: 63 lugares.
Classificação Indicativa: Livre (Recomendado a
partir dos 3 anos.).
Duração: 50 minutos.
Gênero: TEATRO de Animação.
Um espetáculo da Artesanal Cia. de Teatro
Lamento
muito que um espetáculo da importância de “AZUL” não possa cumprir uma temporada
muito mais longa. Sem nenhum exagero, embora saiba se tratar de uma utopia,
penso que “AZUL” deveria ser “comprado”, no sentido denotativo
e conotativo, pelos órgãos responsáveis pela Educação, nas esferas
federal, estadual e municipal, para ser levado a todas as escolas do país e ser assistido pelos alunos e seus pais. Mais que RECOMENDO
O ESPETÁCULO!!!
Foto: Gilberto Bartholo.
FOTOS: JOÃO JULIO MELLO
e
CHRISTINA AMARAL.
GALERIA
PARTICULAR:
Com Henrique Gonçalves.
Com Bruno de Oliveira, Azul e Violeta.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,
SEMPRE!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!
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PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO BRASILEIRO!
Azul é um desafio para compreender este mundo que nos cerca e todas as suas diversidades. Aceitar o outro, entendê-lo e abraça-lo. Amar vindo do coração
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