terça-feira, 18 de julho de 2023

 “AZUL”

ou

(A “DIFERENÇA”

QUE NÃO FAZ

A MENOR DIFERENÇA.)





         


    Quando me convidam para assistir a algum espetáculo da “ARTESANAL CIA. DE TEATRO”, não penso duas vezes, para aceitar o convite, partindo da seguinte premissa: se vem da “ARTESANAL”, não vi e já gostei. Até o dia em que me provarem o contrário, o que acho muito improvável vir a acontecer, continuarei me pautando nesse raciocínio, que sempre deu certo e continua dando, com o espetáculo “AZUL”, em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de Janeiro, em temporada a ser encerrada no dia 6 de agosto de 2023.




       A “ARTESANAL CIA. DE TEATRO” é uma das mais sérias e importantes companhias de TEATRO do Brasil, há 28 anos, “investindo em uma linguagem inovadora e contemporânea (...), agregando (...) diversas indicações, premiações e o reconhecimento pela imprensa, público e crítica especializada. O foco do trabalho da CIA. encontra-se na pesquisa de uma linguagem narrativa, fundamentada na convergência de diversas técnicas de linguagem, como o TEATRO de animação (bonecos, sombras e máscaras), canto, cinema e videografismo, explorando a relação do ator com esses elementos”. (Trecho extraído do “release” que me chegou às mãos, via assessoria de imprensa - Alexandre Aquino).




     A “ARTESANAL” prima por privilegiar trabalhos autorais, de extremíssimo bom gosto e rigor estético, jamais abrindo mão de textos inteligentes, produções cuidadosas e bem elaboradas, “que agradam ao público familiar, de todas as faixas etárias. E uma referência tanto nacional como internacional, com passagens em diversos festivais de TEATRO, pelo Brasil, China e uma residência artística na Alemanha”.



   Antes de iniciar minha modesta análise desta peça, já a recomendo, principalmente àqueles que ainda não conhecem o trabalho da “CIA.”. Os que já tiveram a oportunidade de ter acesso a qualquer espetáculo da “ARTESANAL” já devem ter ido ao CCBB – RJ, ou se preparam para fazê-lo, na certeza de que não irão se decepcionar. Muito pelo contrário!

 

 




SINOPSE:

A narrativa é transmitida através dos olhos de Violeta, uma menina de quatro anos, que está ansiosa pela chegada de seu irmãozinho, Azul.

O que ela não imagina, é que ele acabará ocupando um espaço inesperado na vida da família.

Entre os ciúmes e a aceitação de um irmão tão “diferente”, Violeta descobre que é preciso aprender a lidar com o que a vida propõe para a solução natural dos conflitos.

Afinal, o amor entre os irmãos é maior do que qualquer diferença que possa existir entre eles. 

 


 


Não é a primeira peça que aborda a temática e espero que outras venham, para ajudar a esclarecer as pessoas sobre como entender o universo de um indivíduo que tenha tal comportamento, como aceitá-lo e aprender a conviver, socialmente, com ele, de igual para igual. Valho-me deste espaço para lembrar um inesquecível espetáculo, versando sobre o mesmo tema, ao qual assisti no Rio de Janeiro, em 2014, e, posteriormente, 2015, em Londres, ambas as montagens muito emocionantes, que nos levam às lágrimas: “O Estranho Caso do Cachorro Morto” (“The Curious Incident of the Dog in the Night-Time), texto do dramaturgo Simon Stephens, adaptação, para a as tábuas, do livro homônimo de Mark Haddon. No caso, o distúrbio recebe, especificamente, o nome de “Síndrome de Asperger”. A denominação dessa variante do “autismo” foi dada em homenagem ao psiquiatra e pesquisador austríaco Johann "Hans" Friedrich Karl Asperger, que, primeiro, a registrou, mas essa nominação vem gerando grandes controvérsias, após descobertas de que Hans Asperger esteve, fortemente, envolvido no regime nazista, tendo enviado, pelo menos, duas crianças com deficiência para a “Clínica Spiegelgrund, sabendo que seriam utilizadas em experiências cruéis e provável eutanásia, sob o programa eugenista nazista, nomeado "Aktion T4". Em substituição a esse nome, sugere-se, desde 2013, que a denominação seja apenas reconhecida como transtorno do espectro autista (TEA).



      Mas deixemos de divagações, ainda que pertinentes, a meu juízo, e fixemos nosso foco sobre uma análise do espetáculo, a começar pelo texto, uma dramaturgia, a quatro mãos, de ANDREA BATITUCCI e GUSTAVO BICALHO. Mais uma vez, a dupla acerta em cheio na escrita, com a produção de um texto simples, leve, transparente, de fácil comunicação com os pequenos, ainda que o tema seja bastante profundo.    



       A grande mola propulsora para que se vá assistir à peça é o fato de ela “se dirigir a toda a família, trazendo um olhar de humanização das diferenças e respeito à diversidade”. O foco do espetáculo “AZUL” recai sobre a temática do transtorno do espectro autista (TEA), popularmente conhecido como “autismo”, que se refere a “uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva”. O título do espetáculo é o nome dado ao protagonista. “AZUL” é a cor simbolicamente ligada àquele transtorno, pelo fato de atingir, majoritariamente, indivíduos do sexo masculino, o que, penso eu, é uma impropriedade, não só porque acaba criando uma invisibilidade do autismo feminino, que também existe, como também porque esse conceito de “menino veste azul, menina veste rosa” só existe na “mente podre” de alguns... O melhor é deixar isso para lá!




Foto: Gilberto Bartholo.


   Na peça, a questão do TEA não é, propriamente, o que, necessariamente, seria preciso para a exploração da ideia de mostrar quão desimportante é o fato de alguém ser “diferente”. O personagem principal poderia não ser igual a todos por outro motivo. Ter nascido privado da visão, por exemplo. Ou com deficiência auditiva. Ou portador de algum mal que o impedisse de se locomover. A questão da “diferença” e de como conviver com ela é o que importa. “A peça aborda o tema através das percepções de Violeta, que tenta não só compreender o universo do irmão, como busca maneiras de interagir com ele. De forma leve, lírica e bastante incomum, o texto propõe uma visão sobre as relações dentro de uma família, que tem um integrante que vivencia o mundo de forma singular”.



    Por ser uma CIA. muito comprometida com a seriedade profissional, a “ATESANAL” não abriu mão de uma consultoria competente, nas áreas médica e técnica, especializada, como os préstimos de CRIS MUNHOZ, atriz, autista e mãe de uma menina como ela, para seguir todas as orientações pertinentes ao tema. Para que possam avaliar o nível de preocupação da “ARTESANAL” com a busca da perfeição, vale dizer que CRIS tem doutorado e desenvolve uma pesquisa em arte e inclusão.



   Com larga experiência nesse tipo de TEATRO, ainda que a “ARTESANAL” não deva ser considerada uma CIA. de TEATRO infantil ou, especificamente, de bonecos, GUSTAVO BICALHO e HENRIQUE GONÇALVES assumem a direção artística deste espetáculo com todos os cuidados que ele requer, sabendo construir cada cena da melhor forma possível, de forma a fazer com que as crianças possam compreender, facilmente, o que está se passando no espaço cênico.



     O texto mistura pequenas inserções narrativas, feitas por CLEITON RASGA e MARISE NOGUEIRA, como Violeta, com diálogos bem curtos e diretos, com economia de palavras e abundância de sentido. O “release” que recebi, de ALEXANDRE AQUINO (Assessoria de Imprensa), conclama “adultos e crianças, a partir de três anos de idade, ...  a adentrar em uma história de amor entre irmãos, unidos pela diferença”.



     A dramaturgia se apoia na questão do TEA (Transtorno do Espectro Autista), para deixar, na plateia, uma mensagem de amor, muito mais do que entre irmãos; amor e respeito entre todas as pessoas. Os autores contam a história do nascimento de AZUL, um menino com TEA, que, a princípio, não é bem recebido pela irmã, o que, muitas vezes, acontece fora da ficção. Quando bem pequenas, é considerado até “normal” crianças sentirem ciúme do novo membro da família, já que as atenções dos pais, além de serem divididas, recaem mais sobre o bebê. É importante notar que, até então, eles não sabem da condição do novo filho. Isso é detectado a partir de um determinado tempo, quando percebendo certos comportamentos “estranhos” na criança, como ser avesso a toques físicos, desconforto com ruídos acima do normal e rejeição a lugares com muitas pessoas, por exemplo, via de regra, procuram a ajuda da Ciência. Isso quer dizer que o ciúme sentido por Violeta não tem nada a ver com o fato de AZUL “ser diferente”.



     O fio da meada vai sendo esticado, mostrando, com o crescimento do menino e, consequentemente, de Violeta também, que as coisas podem ir se acomodando, aos poucos, bastando, para isso, que a família aceite o seu mais novo membro com naturalidade e, acima de tudo, com muito amor. O espetáculo “AZUL” é uma história de enaltação do amor, o mais sublime dos sentimentos humanos. O amor incondicional, de pai e mãe pelo filho, de uma irmã pelo irmão.   



        Violeta é levada a descobrir que é preciso aprender a lidar com o que a vida propõe para a solução natural dos conflitos. Tudo no seu tempo, uma vez que, como o personagem Tempo (TATÁ OLIVEIRA) mesmo diz, “cada um tem seu tempo”, embora, na verdade, o que ele deseja dizer é que o tempo é um só e depende de como fazemos uso dele e conseguimos lidar com “o tempo do outro”.



       “O espetáculo é mais uma imersão do grupo no TEATRO de animação, com uso de bonecos e máscaras, executados pelo artista visual DANTE”, o “pai” de AZUL e Violeta, em diferentes idades. DANTE é um dos melhores artistas profissionais nessa arte. Um espetáculo em que seu trabalho é requisitado, certamente, ganha em qualidade. Tudo o que, nesta peça, foi criado e confeccionado pelo renomado artista chama a atenção, pela beleza e criatividade. Tão lindas e expressivas quanto os bonecos são as máscaras dos pais das duas crianças.



       A “ARTESANAL” sempre se cerca de excelentes profissionais, artistas de criação, em suas montagens, para atingir belos resultados. E não foi diferente desta vez. O cenário, assim como todos os objetos e adereços de cena e uma Baleia articulada surgiram do talento de KARLLA DE LUCA. A cenografia é bastante econômica, no sentido de só conter os elementos mínimos necessários para compor os diferentes ambientes em que as ações acontecem. Chamou-me a atenção uma “praia”, montada dentro de uma espécie de mala de madeira, a qual, ao ser aberta e deixar à mostra seu conteúdo, provoca suspiros de admiração e encantamento no público.


Foto: Gilberto Bartholo.


Foto: Acervo Karlla de Luca.


     Os figurinos e seus adereços, assinados por FERNADA SABINO e HENRIQUE GONÇALVES, seguem um conceito muito adequado à encenação. Por se tratar de um espetáculo em que os bonecos ganham protagonismo, todos os atores/manipuladores vestem trajes unissex, na cor preta, para dar um toque de neutralidade, sem qualquer identificação, nem mesmo de gênero. Nos figurinos, os adereços ganham um destaque especial, em cores variadas e bem vivas. São peças que identificam cada personagem da história, como cintos e colares.



       RODRIGO BELAY, outro artista sempre presente nos trabalhos da “ARTESANAL”, desde um inesquecível espetáculo para adultos, “Ludwig/2”, de 2015, o seu primeiro, salvo engano, foi muito feliz em seu desenho de luz, setorizado, voltado para as áreas em que as ações acontecem, sem, contudo, ocultar, totalmente, o resto, como o grande relógio do cenário, à frente do qual fica, na maior parte do tempo, o personagem Tempo, que ganha destaque luminosos a cada nova aparição. BELAY utiliza uma diversificada paleta de cores, bem ao gosto e necessidade de um espetáculo com o escopo de “AZUL”.



      A encenação conta com uma boa trilha sonora, escolhida por GUSTAVO BICALHO, a qual contém marchinhas de carnaval (A peça começa e termina num dia de carnaval.), blues, clássicos da música erudita e música minimalista, “agindo como elemento narrativo da cena, oferecendo, ao público, um espetáculo lúdico e engraçado”. Atentem para esta declaração do autor da trilha sonora: A música deste espetáculo é bem peculiar, porque é usada como uma forma de comunicação com o AZUL. A irmã estuda piano e descobre que ele gosta de ouvir, quando ela está tocando.”

 


elenco de atores/manipuladores é formado, em ordem alfabética, por ALEXANDRE SCALDINIBRENDA VILLATOROBRUNO DE OLIVEIRACAROL GOMES (“stand-in”)MARISE NOGUEIRA e TATÁ OLIVEIRA. Eles se alternam, na manipulação e, como personagens fixos, ALEXANDRE é o pai e MARISE, a mãe, ambos com excelentes rendimentos, em termos de postura e voz. BRENDA se destaca na manipulação e voz da menina VioletaBRUNO, além de manipular o personagem AZUL, atua como uma espécie de curinga – ou coringa -, assumindo várias atividades no decorrer da peça. E TATÁ representa o tempo, um personagem místico, com alguns predicados de um mágico, no que se sai muito bem.



 

 FICHA TÉCNICA: 

Texto e Dramaturgia: Andrea Batitucci e Gustavo Bicalho

Direção Artística: Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves

 

Elenco: Alexandre Scaldini, Brenda Villatoro, Bruno de Oliveira, Carol Gomes ("stand-in"), Marise Nogueira e Tatá Oliveira

 

Narração: Cleiton Rasga

Concepção, Criação e Confecção de Bonecos e Máscaras: Dante

Direção de Movimento dos Atores e Preparação Corporal: Paulo Mazzoni

Direção de Movimento dos Bonecos e Preparação Técnica Máscara Teatral: Marise Nogueira

Preparação Vocal: Verônica Machado

Cenário, Objetos, Adereços de Cena e Baleia: Karlla de Luca

Cenotécnico: Antônio Ronaldo 

Figurinos e Adereços: Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves

Desenho de Luz: Rodrigo Belay

Operação de Luz: Peder Salles

Trilha Musical: Gustavo Bicalho

Desenho de Som: Luciano Siqueira

Operação de Som: Pedro Quinta

Projeto Gráfico: Dante

Direção de Palco: Alexandre Scaldini e Edeilton Medeiros

Programação Visual: Dante

Fotografia: Christina Amaral e João Julio Mello 

Cinematografia: Chamon Audiovisual

Assessoria de Imprensa: Alexandre Aquino e Cláudia Tisato 

Mídias Sociais: Tatá Oliveira

Relações Públicas: Evandro Rius 

Assistência de Produção: Bruno Oliveira e Edeilton Medeiros 

Consultoria para Acessibilidade e Inclusão: Cris Muñoz

Acessibilidade em Libras: Jadson Abraão – JDL Traduções 

Produção: Marta Paiva

Direção de Produção: Henrique Gonçalves

Fotos: João Julio Mello e Christina Amaral

Idealização: Artesanal Cia. de Teatro

Realização: Centro Cultural Banco do Brasil 

Patrocínio: Banco do Brasil

 

 

 

 


 

 SERVIÇO: 

Temporada: De 13 de maio a 06 de agosto de 2023.

Local – Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Rio de Janeiro – Teatro III.

Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Candelária – Centro – Rio de Janeiro.

Contato: (21) 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br 

Mais informações em bb.com.br/cultura 

Dias e Horários: Sábados e domingos, às 16h.

Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia-entrada), emitidos na bilheteria física ou site do CCBB - bb.com.br/cultura - Meia-entrada para estudantes e professores, crianças com até 12 anos, maiores de 60 anos, pessoas com deficiência e seus acompanhantes e casos previstos em Lei. Clientes BB pagam meia-entrada, pagando com Ourocard.

Capacidade: 63 lugares.

Classificação Indicativa: Livre (Recomendado a partir dos 3 anos.).

Duração: 50 minutos.

Gênero: TEATRO de Animação.

Um espetáculo da Artesanal Cia. de Teatro

 

 

 

 

       Lamento muito que um espetáculo da importância de “AZUL” não possa cumprir uma temporada muito mais longa. Sem nenhum exagero, embora saiba se tratar de uma utopia, penso que “AZUL” deveria ser “comprado”, no sentido denotativo e conotativo, pelos órgãos responsáveis pela Educação, nas esferas federal, estadual e municipal, para ser levado a todas as escolas do país e ser assistido pelos alunos e seus pais. Mais que RECOMENDO O ESPETÁCULO!!!

 

 

Foto: Gilberto Bartholo.

 


FOTOS: JOÃO JULIO MELLO

e

CHRISTINA AMARAL.

 


GALERIA PARTICULAR:



Com o elenco da peça.


Com Henrique Gonçalves.




Com Henrique Gonçalves e Gustavo Bicalho.


Com Bruno de Oliveira, Azul e Violeta.







VAMOS AO TEATRO!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS

DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,

SEMPRE!

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR

NO TEATRO BRASILEIRO!
























































Um comentário:

  1. Azul é um desafio para compreender este mundo que nos cerca e todas as suas diversidades. Aceitar o outro, entendê-lo e abraça-lo. Amar vindo do coração

    ResponderExcluir