VAN GOGH
POR GAUGUIN
(E NÃO É QUE OS
OPOSTOS
SE ATRAEM MESMO?
ou
AMANTES OU RIVAIS?)
Os compositores brasileiros Tunai e Sérgio
Natureza já diziam, nos primeiros versos de sua canção “As Aparências Enganam”:
“As aparências enganam aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e o
ódio se irmanam na fogueira das paixões”. Essa verdade, assim como o
que diz o primeiro subtítulo desta crítica, estão presentes no
palco do Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, até o dia 27 de
outubro (2019) (VER SERVIÇO.), na peça “VAN GOGH POR GAUGUIN”,
espetáculo que, já de saída, recomendo bastante.
THELMA
GUEDES, conhecida e consagrada como autora de novelas para a TV, é a
responsável por um excelente texto, por meio do qual nos dá uma ideia da
complexa e conturbada relação entre dois dos maiores gênios da pintura
universal de todos os tempo: VINCENT VAN GOGH e PAUL GAUGUIN, tratada
poeticamente e de forma fictícia, a partir de um fato real, numa montagem
que tem muitos méritos. Não se trata de um espetáculo biográfico, mas, sim,
de um encontro ficcional entre os dois pintores.
SINOPSE:
Escrito
por THELMA GUEDES, para o diretor ROBERTO LAGE, o espetáculo “VAN
GOGH POR GAUGUIN”, é uma ficção, na qual GAUGUIN, num agonizante
delírio, vive sob o peso de sua responsabilidade, no final de vida trágico do
amigo VAN GOGH.
A peça
personifica, de forma poética, simbólica e onírica, os conflitos e a admiração
incondicional entre os pintores.
De outubro
a dezembro de 1888, na pequena Arles, na França, dá-se um
encontro explosivo entre aqueles que viriam a ser considerados, futuramente,
como dois dos maiores artistas da história da humanidade: o holandês VINCENT
VAN GOGH (1853-1890), ROBERTO MORENNO, e o francês PAUL GAUGUIN
(1848-1903), AUGUSTO ZACCHI).
Em um febril
período de apenas dois meses, em que eles dividem a pequena Casa Amarela,
numa isolada região rural francesa, vivendo e pintando juntos, as profundas
diferenças de temperamento e de visão artística provocam embates, muitas vezes,
violentos, culminando no famoso e terrível desfecho no qual, após uma forte
discussão, PAUL decide partir de volta a Paris e VINCENT
reage, intempestivamente, decepando a própria orelha.
A montagem
chega ao Rio, após grande sucesso em São Paulo, e mostra um GAUGUIN
atormentado, sentindo-se responsável, ainda que de forma indireta, pelo final
de vida trágico do amigo VINCENT, o qual se mostra um apaixonado
contumaz pela obra daquele, e “mestre”, não sendo correspondido. VAN GOGH
diz “amar” GAUGUIN, que já fora casado e tinha cinco filhos, e o
faz de uma maneira contundente. Desde semanas anteriores à
chegada de GAUGUIN à Casa Amarela, VAN GOGH, preocupado em
agradar ao amigo, em lhe proporcionar uma boa impressão e uma ótima recepção,
pôs-se a tentar colocar a casa em ordem, tendo decorado as paredes do quarto de
hóspedes com muitos quadros, pintados freneticamente. Dentre eles, estavam
vários, com a temática de uma de suas marcas registradas, os girassóis, que GAUGUIN
detestava e pelos quais vivia criticando o outro. Não fica claro, entretanto,
se esse amor era restrito a uma admiração pelo artista ou se, além disso, havia
implicações de outra ordem. Há controvérsias acerca de uma possível relação
homossexual entre os dois. Não devemos nos esquecer de que o texto é uma
ficção e a dramaturga tem ampla liberdade de criar.
Extraído do rico “release”, enviado
por RIBAMAR FILHO (MERCADO COM – ASSESSORIA DE IMPRENSA), “Em
1890, o atormentado VAN GOGH tenta suicídio, com um tiro na barriga, que o
levaria à morte no dia seguinte. GAUGUIN, por sua vez, em 1891, depois de uma
bem-sucedida exposição, realiza o sonho de ir morar no Taiti. Lá, produz,
vigorosamente, até que, abatido por uma sífilis não diagnosticada, vai sendo
excluído da sociedade e abandonado pelos seus. É sobre esse episódio malsucedido
que se pauta o espetáculo...”. Segundo o diretor, ROBERTO
LAGE, “A intenção é trazer para cena um VAN GOGH espectral, fruto do
inconsciente delirante de GAUGUIN, que, sofrendo com as consequências da
sífilis, acredita estar morrendo”. E isso é feito de forma brilhante. O
efeito do arsênico sobre GAUGUIN leva-o a crer que VAN GOGH, já
morto, “está ao seu lado, acompanhando o instante de sua morte e, ao
mesmo tempo, forçando-o a se lembrar dos momentos que passaram juntos. Em um
ambiente decadente, deteriorado e sujo, ele sente fome e muita dor. E seus delírios
colocam o público frente às diferenças entre eles, tanto no modo de ver a vida,
de agir e de fazer arte, como na evidente admiração de um pelo outro - assumida
por VAN GOGH, mas dissimulada por GAUGUIN, numa mistura de inveja com incômoda
admiração”. Isso leva a momentos de “flash back”, em
cenas muito interessantes e marcantes.
VAN GOGH, considerado um artista maldito, louco, um homem
incompreendido pelo seu tempo, sofreu deveras, experimentando duros golpes,
tendo passado por miséria, fome, frio e solidão, apesar de ter deixado um
legado de pinturas e desenhos não compreendidos, em sua época de vida; na
verdade, o grande artista das telas e dos pincéis só teve seu talento
reconhecido após sua morte, o que, aliás, também aconteceu com outros grandes geniais
artistas, seja na pintura, seja em ouras artes. VINCENT
foi um artista “ávido por um amor que nunca foi correspondido, fosse ele
a prima que não o quis, o amigo PAUL GAUGUIN, por quem tinha profunda admiração,
ou mesmo a fé, que, durante muito tempo, buscou, mas acabou se rendendo à arte
como forma de expressão”. Havia nele um grande vazio interior, que o
levava, constantemente, à busca de um amor verdadeiro. Ele sofria de episódios psicóticos e
alucinações, temendo por sua estabilidade mental e, frequentemente,
negligenciando sua saúde física, não comendo direito e bebendo muito.
Por sua vez, GAUGUIN, arrogante
e dominador, bastante invejoso e cruel, quando o queria ser, frustrou VAN
GOGH, tratando-o com um ser e um artista abaixo de seu – de GAUGUIN
- nível, de sua qualificação, o que os levava, após os primeiros dias de
convivência “feliz” e “pacífica”, na Casa Amarela, a contendas verbais,
algumas evoluindo para ameaças físicas. Essa situação, de brigas e disputas
constantes, levavam VAN GOGH a uma instabilidade emocional crescente e o
faziam temer que GAUGUIN, a qualquer momento, pudesse cometer o “desatino”
de abandoná-lo. Criou-se, entre os dois, uma situação que VINCENT
descreveu como “tensão excessiva”, rapidamente chegando às consequências
danosas de que já temos conhecimento.
GAUGUIN
levou uma vida de aventuras, desregrada e boêmia. Negligente, também, com
relação à própria saúde. Era extremamente irônico e sutil, nas suas críticas a VINCENT,
pessoais e à sua obra, embora, vez por outra, atingisse o nível de cáustico e
ríspido, agressivo. Até seu suspiro final, carregava uma culpa, pela morte
trágica do amigo, a quem magoou tanto, desprezou tanto, humilhou tanto, a ponto
de ter se esquecido dele, depois de tê-lo abandonado à própria sorte. Era isso
que mais o atormentava e, certamente, foi uma das causas que o levaram ao
suicídio. A “presença”
e a “memória” de VAN GOGH, em seus últimos dias de vida, foram, para
ele, terríveis. PAUL, por sua natureza, sua incapacidade de comunicação
e afeto, principalmente com relação a VAN GOGH, levou uma vida infeliz, pode-se
dizer, e a culpa a que me referi fazia com que alternasse sentimentos intensos,
profundos e contraditórios, como o amor, o arrependimento e a repulsa.
Em comum, VAN GOGH e GAUGUIN só tinham o
dom e o talento para a pintura. VAN GOGH preferia pintar ao ar livre, o que, segundo ele,
lhe rendia mais a possibilidade de enxergar detalhes, ao passo que, para GAUGUIN,
os lugares fechados eram mais propícios à criação e à imaginação. Aquele primava
pelo acabamento, enquanto este não valorizava tal detalhe e, ainda por cima,
criticava o outro. E mais tantas outras diferenças, tanto no campo da arte
como no temperamento. Transcrevo, abaixo, um trecho de uma das cartas de
GAUGUIN, destinada a Théo, irmão de VAN GOGH, o qual
estava “patrocinando” a sua carreira, para justificar a volta a Paris:
"Sou
obrigado a voltar para Paris. VINCENT e eu não podemos, de modo algum,
continuar vivendo lado a lado, sem atritos, devido à incompatibilidade de
nossos temperamentos e porque nós dois precisamos de tranquilidade para nosso
trabalho. Ele é um homem de inteligência admirável, que tenho em grande estima,
e deixo, com pesar, mas, repito, é necessário que eu parta."
Uma coisa,
talvez, os dois tivessem em comum: ambos procuravam um ideal, uma busca da perfeição,
cada um a seu modo e acreditando estar seguindo o melhor caminho, para atingir
seu objetivo.
É excelente o texto, de THELMA
GUEDES, a qual, com muita competência, conseguiu reunir fragmentos da vida
e da obra dos dois artistas e, principalmente, é claro, o que teria acontecido durante
os cerca de sessenta dias de convivência direta de ambos, gerando uma ótima
dramaturgia, tudo muito bem organizado, sem obedecer, porém, a uma
cronologia, fazendo uso de cenas em forma de memórias, mesclando, a contento,
os tempos cronológico e psicológico, com prevalência deste.
Destaca-se a qualidade dos diálogos, que não contêm “gorduras”, bem
diretos e de fácil compreensão, além de prender bastante a atenção do
espectador.
Esta peça é um grande desafio
para a direção e os atores, principalmente. O diretor ROBERTO
LAGE, a meu juízo, fez um excelente trabalho, que deve ter levado a
dupla de atores à exaustão, até atingir o nível de excelência do espetáculo.
LAGE, exatamente pelo fato de não ter compromisso com o factual, pôde
exercitar a sua imaginação e criatividade, elegendo, como prioridade, o trabalho de interpretação,
com base numa profunda pesquisa, para fazer sua proposta de direção a ALEX
MORENNO (VAN GOGH) e AUGUSTO ZACCHI (GAUGUIN). O foco maior desta
encenação recai sobre como a dupla construiu seus personagens e como
eles agem, o mais próximo possível do que nos chega, sobre eles, por meio de
seus biógrafos e especialistas na obra dos dois pintores.
PAULA DE PAOLI se divide no
trabalho de criação do cenário e dos figurinos. Estes me
pareceram bem adequados à personalidade de cada um dos pintores, refletindo,
também, os momentos em que se passam as cenas. Já o cenário me
impressionou muito, positivamente. Uma reprodução, bem realista, de um único
ambiente, que se alterna: ora a Casa Amarela, ora o quarto em que morreu
GAUGUIN; um ateliê, predominantemente, onde impera o caos, tudo a ver
com as conturbações que a trama nos mostra. Espalhados, pelo espaço cênico,
cada elemento disposto nele serve de apoio para as duas interpretações. São
muitas molduras, telas, tintas, pincéis, cavaletes, garrafas, muito papel
picado e amassado e tantos detritos espalhados pelo chão...
O cenário dialoga, em total
harmonia e sintonia, com o bom desenho de luz, assinado por KLÉBER
MONTANHEIRO, fiel às sugestões que o texto deseja passar, criando
detalhes que valorizam e enriquecem, plasticamente, a montagem.
Com relação ao trabalho da dupla de atores,
tenho a dizer que um deles, AUGUSTO ZACCHI, com o qual já assisti a vários
trabalhos, só fez ratificar o que eu já esperava. ZACCHI é muito
competente, no seu ofício, e explora, sem exageros, todas as fraquezas de seu personagem,
maquiadas de uma fortaleza, que, na verdade, não existia; era só para
impressionar e se sobrepor ao outro, de constituição psicológica mais fraca que
a sua. É mais um ótimo trabalho em seu currículo. Nos primeiros momentos da peça,
com muita sinceridade, confesso que achei que ele iria se destacar, com relação
a seu colega de cena, ALEX MORENO, a quem eu não conhecia, como ator,
salvo esteja sendo traído pela memória, e, portanto, não poderia adivinhar qual
fosse seu potencial de interpretação. Humildemente, reconheço que me deixei levar por um
inaceitável “pré-conceito”, uma vez que o ator é iniciado, na peça,
com uma atuação sóbria, parcimoniosa, meio “apagada”, é verdade, todavia por
conta do personagem, naquele momento, entretanto este vai crescendo, com
o desenrolar da trama e o desenvolvimento da contenda entre os dois, e MORENO
vai se revelando, também, um excelente ator, com “cheiro de ator de
TEATRO”, muito seguro e convincente no papel, como também ocorre a ZACCHI.
Há uma interação muito grande entre os dois, o que os nivela, em termos de interpretação,
cada um deles se revelando e se fazendo destacar, de uma cena para outra.
Uma
boa trilha sonora (ALINE MEYER) embala as cenas e ajuda a criar o clima exigido
por cada uma delas.
“A ideia desse projeto partiu do desejo de ALEX
MORENNO, ROBERTO LAGE e da diretora assistente, JOANAH ROSA, em retratá-lo no
palco.” MORENNO
“sempre se interessou em falar sobre loucura, solidão e inquietação
artística”, três coisas que, segundo ele, lhe vêm à cabeça, sempre que
pensa em VAN GOGH.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Thelma
Guedes
Direção:
Roberto Lage
Diretora
Assistente: Joanah Rosa
Elenco: Alex
Morenno e Augusto Zacchi
Cenografia e Figurino:
Paula De Paoli
Iluminação: Kléber
Montanheiro
Trilha Sonora:
Aline Meyer
Projeto gráfico:
Paula De Paoli
Fotos e Vídeos:
Leekyung Kim
Produção Executiva:
Regilson Feliciano
Operação de Luz:
Matheus Macedo
Operação de Som:
Anderson Franco
Direção de Produção
e Administração: Maurício Inafre
Assessoria de Imprensa:
MercadoCom / Ribamar Filho
Realização: Roberto
Lage Produções Artísticas
SERVIÇO:
Temporada: De 04
a 27 de outubro de 2019.
Local: Teatro
Laura Alvim (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço:
Avenida Vieira Souto, 176 – Ipanema – Rio de Janeiro.
Telefone: (21)
2332-2015.
Dias e Horários:
6ªs feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.
Valor dos Ingressos:
R$50,00 e R$25,00 (meia entrada).
Horário de Funcionamento
da Bilheteria: De 3ª a 6ª feira, das 16h às 21h, sábados, das 15h às 21h; domingos,
das 15h às 20h.
Duração: 75
minutos.
Classificação
Etária: 14 anos
Lotação: 186
pessoas
Gênero: Drama.
Numa época
em que, apesar da grave crise por que vem passando o TEATRO, no Brasil, em
função da total falta de interesse dos governantes, nas três esferas, vimos
sendo presenteados com tantas excelentes produções, levantadas à custa de muita
garra e coragem. “VAN GOGH POR GAUGUIN” é uma dessas produções, a qual merece ser
vista pelo maior número possível de espectadores. No dia em que eu assisti à
peça, o público reagiu muito satisfatoriamente, aplaudindo o espetáculo de pé,
com bastante euforia, complementada pelos meus gritos de “BRAVI!”.
Recomendo
muito a peça e espero que os que me leem possam ajudar na sua divulgação, visto
que é um trabalho que honra e enobrece o TEATRO BRASILEIRO.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: LEEKYUNG
KIM.)
(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS: VINÍCIUS OLIVEIRA.)
Com Maurício Inafre, Alex morenno e Augusto Zucchi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário