domingo, 11 de março de 2018

A PEÇA ESCOCESA


(UM SHAKESPEARE
DO “SHOW BUSINESS”.)





            Sou movido 50% pela tradição e 50% pela vanguarda (acho um bom equilíbrio), o que, transposto para o TEATRO, significa dizer que adoro montagens que seguem a linha convencional, estando, porém, aberto a novas propostas, mais arrojadas, como é o caso do espetáculo aqui analisado: “A PEÇA ESCOCESA” (VER SERVIÇO.)

Aquelas têm muito mais chance de me agradar; com estas, tenho tido algumas profundas decepções, ultimamente, o que, de modo algum, é o caso da peça em tela.

            Contar uma história escrita há mais de quatro séculos (presumivelmente, entre 1603 e 1607), um clássico da dramaturgia universal, de modo ousado, destemido, intrépido, sob uma ótica genuinamente contemporânea, expondo-se à crítica dos conservadores (Conheci, e ainda conheço, gente que seria capaz de enfartar, ao ver a peça; ou não.) é um ato de muita coragem, que poucos se arriscam a experimentar. MÁRCIA ZANELATTO faz parte desse grupo.

            Depois do brilhante texto de “Ela”, que conquistou o público e a crítica, no ano passado, com direito a prêmios e indicações a outros, MÁRCIA nos brinda com um novo e interessante trabalho, escrito em pouco tempo, quase que, apenas, durante os folguedos momescos, sustentado por muita pesquisa e criatividade.

            Que fique bem claro, antes de mais nada, que é a história do general traidor, que se tornou rei, o que se passa no palco, mas num texto novo, um outro contexto, que só utiliza, em cena, dois personagens, o general MACBETH (PAULO VERLINGS) e sua esposa LADY MACBETH (CAROLINA PISMEL), sendo os demais apenas citados ou, meteoricamente, recebendo as vozes da dupla de atores.

Trata-se de uma arrojada releitura de um dos grandes textos escritos por WILLIAM SHAKESPEARE. Resumindo: trata-se de uma obra original, livremente inspirada na mais curta e contundente tragédia do bardo inglês, “MACBETH”, concebida por PAULO VERLINGS, que também dirige o espetáculo, em seu segundo trabalho como diretor, e atua, ao lado de sua mulher, CAROLINA PISMEL.



           




SINOPSE:

Concebido pelo ator, diretor e produtor PAULO VERLINGS, o espetáculo trata de ambição, jogos de poder, compensação e cobiça, dando um ponto de vista contemporâneo às personagens MACBETH e LADY MACBETH.

VERLINGS se lança em uma investigação, na busca de uma cena fundida entre “a palavra e a música”, pesquisando um ponto de vista contemporâneo sobre a espetacularização da monarquia.

Uma arena de gladiadores contemporâneos se instaura e o público se delicia com um arrojado recorte de um épico contemporâneo.







            Sim, o espetáculo é um “épico contemporâneo”, um clássico, contado, com tintas da modernidade, sob o formato de uma espécie de “Word Concert”, uma apresentação musical pública, na qual participam vários cantores ou instrumentistas, ou ambos; no caso, aqui, são dois atores/cantores, acompanhados pela BANDA DAGDA, sobre a qual falarei oportunamente.

            De acordo com o “release”, enviado por NEY MOTTA (assessoria de imprensa), A dramaturgia original (...) traz à tona vozes subterrâneas, criando uma polifonia, que transcende a ideia de personagem. O jogo exige deslocamentos diversos dos atores, que dão vozes desde os corcéis do Rei Duncan, decepcionados com a humanidade, até o vozerio sobrenatural das bruxas, passando, é claro, pelos protagonistas da obra original”.

               Em seu texto, assim como no original, do século XVII, a dramaturga explora os desejos e sentimentos inerentes ao Homem, até os mais espúrios, sórdidos, como ódio, cobiça, poder, traição, vingança, assim como faz questionamentos sobre o ser humano, o sujeito, e o “ser” humano, o ato de viver e agir como um.

           Ainda nos diz o “release”: “Mas não é a história de Shakespeare que VERLINGS e ZANELATTO estão encenando. Não é a história de SHAKESPEARE que os espectadores vão assistir. Com ‘A PEÇA ESCOCESA’, a dupla procura dar voz ao que SKAKESPEARE não disse, não pôde dizer ou quis dizer nas entrelinhas, nos ‘espaços’, nas ausências de LADY MACBETH. A dramaturga considera que ‘O Bardo’ pode ter sido censurado”. Quanto a o último detalhe, creio ser pertinente, a julgar pela moral e pelas questões sociopolíticas da época, como pensa a autora.




            São palavras de MÁRCIA, transcritas do já citado “release”: (...) “Não quero contar a história ou adaptá-la. Eu quero fazer ouvir a vida interior e arquetípica dos personagens, à luz do nosso tempo (...). Por exemplo, há, na estrutura emocional da peça de SHAKESPEARE, além do problema da ambição desmedida, que reinscrevo como uma necessidade de compensação pelo que não se tem - já que a peça está na transição do feudalismo para o capitalismo, o tempo do TER -, uma forte questão de gênero, na medida em que todo poder é do homem, MACBETH, mas toda potência é da mulher, LADY MACBETH. Meu processo de trabalho foi examinar, em MACBETH, a gênese do homem militar, bélico, talhado para a guerra, chegando ao governo com sua marca de matador profissional e completamente paranoico. E reinscrever LADY MACBETH no lugar feminista, levantando a hipótese de sua ação derivar da caça às bruxas: alçar-se à condição de rainha pode ter sido uma estratégia para escapar da fogueira da inquisição. (...) Pra mim, e o que quero apresentar ao público, há a hipótese de que LADY MACBETH era da linhagem das bruxas e sua ação foi de resistência. Agora, o que temos a examinar em ‘A PEÇA ESCOCESA’, é o que ocorre quando a resistência feminina decide jogar o jogo patriarcal”.






            MÁRCIA desvia, com muita propriedade, o foco do homem para a mulher, no momento em que, de forma mais ativa e organizada - e já não era sem tempo - a mulher luta por um empoderamento, que sempre lhe foi negado; mais que tudo, luta por ser respeitada e valorizada; luta por um reconhecimento de seu valor, na sociedade, e sua capacidade, como ser humano, e no campo profissional. Esse viés, explorado, a fundo, na peça, é assaz interessante. Quanto a uma possível ascendência de LADY MACBETH, no universo das bruxas, confesso que nunca me havia dado conta dessa possibilidade, achando-a, a partir de agora, completamente plausível.

        Gostei da forma como o texto foi construído, principalmente na arquitetura dos diálogos, enxutos e de impacto para o público, embora, para os que não tiveram a oportunidade de conhecer o texto que deu origem ao espetáculo, o desta montagem possa oferecer algum embaraço, para a sua compreensão, por momentos de hermetismo, principalmente as duas cenas iniciais.

             Tendo sido bem sucedido na sua primeira experiência como diretor, na peça “Ela”, a que fiz menção anteriormente, VERLINGS chamou a si a responsabilidade de também dirigir o espetáculo, o que reputo uma excelente ideia. Foi dele a iniciativa do projeto, partiu dele o acertado convite a MÁRCIA, para materializar seu desejo. Sendo assim, considerando, ainda, o pouco tempo para os ensaios, assumir a direção do espetáculo foi uma opção inteligente e prática, que acabou resultando uma boa montagem. Ele já sabia o que desejava e como chegar lá; já havia trabalhado com MÁRCIA outras vezes. Não foi fácil nem simples transportar a peça para o palco, porém, de certa forma, acabou “facilitando” as coisas. PAULO VERLINGS contou com a valiosa assistência de FLÁVIO SOUZA e ORLANDO CALDEIRA.  Um bom trabalho de direção!

        Seguindo a proposta do texto, PAULO partiu para um trabalho totalmente em equipe (TEATRO não se faz sozinho.), em comunhão com a cenografia e a iluminação.

            No que diz respeito à cenografia, de MINA QUENTAL, a opção foi não utilizar cenários convencionais e, como tudo parece um grande concerto musical, MINA obedeceu à proposta de um ”show”, vinda da direção, e deixou as coxias vazadas, unindo a ação aos bastidores, mantendo, em cena, apenas microfones, em seus pedestais, e os instrumentos da banda, além de fitas elásticas, tensionadas, em várias direções, inclusive avançando para a plateia. Segundo a consagrada cenógrafa, existem, no palco, basicamente, dois elementos: um piso quadrado, vermelho, representando um campo de batalhas sangrento, e as linhas elásticas, cruzando o espaço, “como um tabuleiro em 3D, uma trama, planos imaginários”. Tudo funciona bem.






           A iluminação é um elemento que se destaca, na peça. A pedido, também, da direção, TIAGO MANTOVANI e FERNANDA MANTOVANI criaram uma “luz de show”, frenética, que tem, também, seus momentos de menor intensidade (poucos, para não iluminar o que está sendo tramado, às escondidas). Na maior parte do espetáculo, predomina uma variação de tons e arroubos, seguindo a exigência da dramaticidade do texto. Trabalho de mestres!

PAULO VERLINGS e CAROL PISMEL apostam todas as fichas em seus personagens e o resultado é muito bom. Ambos parecem ter armazenado muita energia, para libertá-la no palco, e se comportam como dois “superstars pop”, quando cantam, e como dois atores viscerais, quando representam.

         Um forte apelo visual, com um profundo cheiro de futurismo, “à la “Barbarella”, é o que caracteriza o magnífico figurino, assinado por FLÁVIO SOUZA, na cor preta e com muitos brilhos. Completa o lindo visagismo do casal o trabalho de VINI KILESSE, que mudou, radicalmente, a imagem exterior de VERLINGS e PISMEL, a começar pelos apliques de cabelo (rastafári) e a contundente maquiagem, na qual é, fartamente, utilizado o “glitter”.

            O espetáculo é todo sublinhado por uma trilha sonora eletrizante e de finíssimo bom gosto, originalmente surgida do talento de RICCO VIANA, com sons que evidenciam os sentimentos e as tramas que desfilam no palco, com momentos de um delicioso “rock” progressivo. Segundo me informaram, tudo foi composto durante os ensaios e em tempo recorde, o que valoriza o trabalho de RICCO e dos quatro excelentes jovens músicos da BANDA DAGDA: ANTÔNIO FISCHER-BAND (teclado); ARTHUR MARTAU/KIM FONSECA (guitarras); PEDRO VELHO (baixo); e VICTOR FONSECA (bateria).








FICHA TÉCNICA:

Texto: Marcia Zanelatto 
Direção e Concepção: Paulo Verlings
Diretor Assistente: Flávio Souza 
Assistência de Direção: Orlando Caldeira 

Elenco: Carolina Pismel e Paulo Verlings 

Músicos: Banda Dagda (teclado: Antônio Fischer-Band; guitarras: Arthur Martau e Kim Fonseca; baixo: Pedro Velho; bateria: Victor Fonseca)
Direção Musical: Ricco Viana 
Cenário: Mina Quental 
Figurino: Flávio Souza
Desenho e Técnico de Som: Luciano Siqueira
Visagismo: Vini Kilesse
Iluminação: Tiago e Fernanda Mantovani
Assessoria de Imprensa: Ney Motta 
Fotos: Paula Kossatz
Vídeo: Eduardo Chamon
Projeto Gráfico: Raquel Alvarenga
Produção Executiva e Marketing Cultural: Héder Braga
Direção de Produção: MS Arte & Cultura - Aline Mohamad e Gabriel Salabert








SERVIÇO:

Temporada: De 3 de março a 1º de abril
Local: Caixa Cultural Rio de Janeiro - Teatro Nelson Rodrigues
Endereço: Av. República do Chile, 230, Centro, Rio de Janeiro (Entrada pela Av. República do Paraguai (próximo ao Metrô e VLT Estação Carioca)
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, às 19h
Informações: (21)3509-9600 / 3980-3815
Valor dos Ingressos: R$20,00 (plateia) e R$10,00 (balcão). Além dos casos previstos em lei, clientes CAIXA pagam meia.
Lotação: 400 lugares (mais 08 para cadeirantes). Acesso para pessoas com necessidade especial de locomoção.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 13h às 20h
Classificação Indicativa: 14 anos
Duração: 60 minutos








Já ouvi alguns (poucos) questionamentos acerca do nome da peça. Certamente, foram feitos por pessoas que não têm grandes conhecimentos sobre a obra de SHAKESPEARE. Ocorre que, no mundo teatral anglófono, principalmente, e acabou se espalhando pelos quatro cantos do mundo, muitos acreditam que a peça seja "amaldiçoada", atrai o azar e, por esse motivo, nem mesmo mencionam seu nome em voz alta, referindo-se a ela como "The Scottish Play" ("A PEÇA ESCOCESA"). Daí o título, engenhosamente, sugerido por PAULO VERNINGS, o que pode fazer com que essa superstição acabe sendo colocada sob holofotes.

Quem assistir ao espetáculo, que eu recomendo, haverá de se lembrar dele pelo que traz de ousadia, de valentia e coragem, arrojo e intrepidez, audácia e atrevimento, mas, acima de tudo pelo que ele oferece e deixa para reflexões e pela sua plasticidade.

E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
            
            COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA DIVULGAR E VALORIZAR O TEATRO BRASILEIRO!!!





(Carolina Pismel, Márcia Zanelatto e Paulo Verlings.)


(FOTOS: PAULA KOSSATZ.)


























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