sexta-feira, 10 de novembro de 2017

KID MORENGUEIRA – OLHA O BREQUE!



(JUSTA HOMENAGEM 
FEITA POR QUEM TEM 
GABARITO PARA FAZÊ-LA.)





            Uma das mais concorridas estreias deste ano, com muito merecimento, aliás, aconteceu no dia 3 de novembro, no Teatro I do SESC Tijuca: “KID MORENGUEIRA – OLHA O BREQUE!”, que promete ser uma das grandes atrações deste final de temporada de 2017.

            O espetáculo é um antigo projeto de ÉDIO NUNES, sonho que se tornou realidade – uma feliz realidade – graças ao empenho próprio do grande artista e de alguns de seus amigos, com os quais ÉDIO vem trabalhando, há algum tempo, e com quem tem grande afinidade, pessoal e profissional.

            Apoderando-me do “release” da peça, um monólogo musical, enviado por ALESSANDRA COSTA (DUETTO COMUNICAÇÃO), tenho a dizer que “o espetáculo homenageia MOREIRA DA SILVA (1902–2000), o cantor que popularizou o samba de breque, tornando-se um ícone da música (popular) brasileira. O samba permitiu, a ele, criticar, sempre com muito bom humor, os poderosos, com seus desmandos; os malandros, que conheceu na noite; e os compositores que ajudou a tornar conhecidos. 









Vivendo em meio à malandragem, MOREIRA DA SILVA imortalizou centenas de canções, com letras que retratavam situações pitorescas; muitas vezes, parecidas com as que viveu.

Inventou o KID MORENGUEIRA, um verdadeiro personagem de si mesmo, um malandro à moda antiga, daqueles que não existem mais e que se entranhou na alma de MOREIRA, a tal ponto de que ninguém mais arriscaria distinguir onde começa um e termina o outro”.

Não há nenhuma forma nova ou mirabolante na estrutura do espetáculo. É o “feijão com arroz’, simples e trivial, feito, porém, de uma forma muito cuidadosa e especial, muito bem temperado, o que torna a iguaria popular saborosíssima, deixando os comensais com gostinho de “quero mais”.

Sim, é um monólogo musical biográfico, o que assusta e desagrada a muita gente, inclusive a mim. Já ando meio calejado desse tipo de espetáculo, no qual, geralmente, a dramaturgia fica prejudicada; é “capenga”, fica a desejar, tornando o musical ruim. Não é, porém, o caso aqui, e os responsáveis por isso são muitos, a começar pelo bom texto, de ANA VELLOSO e ANDREIA FERNANDES, que mistura, no seu corpo, fatos biográficos, bastante importantes e curiosos, com elementos de ficção, alguns muito engraçados, “bem à maneira das letras que MOREIRA DA SILVA interpretou”, sem falar que cutuca algumas feridas, com críticas bem acentuadas e justas, fazendo alusão à atual situação política brasileira. Apesar de ser um texto narrativo, é tão bem escrito, do ponto de vista teatral, e, melhor ainda, dito, por ÉDIO, que é gostoso de se ouvir e atrai a atenção do público, do princípio ao fim. Afinal, todos vão ao Teatro I do SESC Tijuca para conhecer a vida de MOREIRA DA SILVA, contada “por ele mesmo”.

“MOREIRA se transporta para a obra. É como se ele estivesse na dificuldade. Ele faz a crônica, mas também se coloca como personagem. E aí, de forma criativa,  dá uma outra cara para a situação”, diz ÉDIO NUNES, que executa um trabalho brilhante, sem a preocupação de fazer uma imitação fidedigna do “malandro”, mas, sim, reproduz, com muita naturalidade, traços da sua “malandragem”, sem vícios nem exageros.

MOREIRA DA SILVA, o KID MORENGUEIRA, apelido / personagem criado por Miguel Gustavo, era um malandro “fake”, um personagem inventado, que trocava as bebidas alcoólicas por leite, não era de viver na madrugada, tinha um comportamento bastante pacato e poderia ser considerado totalmente “família”, casado por cerca de cinquenta anos.









Por conta de uma temporária relação de amizade com o meu pai, surgida do acaso, tive a oportunidade de, na minha infância, ter algum contato com “SEU MOREIRA” e o achava muito engraçado, simpático e educado - um “sujeito legal”. Papai vivia cantarolando seus sambas e eu os aprendia e os repetia também.

MOREIRA, encarnado por ÉDIO, está de volta ao bairro onde nasceu, a Tijuca, mais propriamente, no Morro do Salgueiro, tendo sido iniciado nos estudos apenas aos nove anos de idade. Foi empregado de fábricas, tecelagens e chofer de praça e de ambulância, trabalhado, até a aposentadoria, como servidor público, o que o fazia acumular, por muito tempo, portanto, seus outros ofícios com o de cantor e compositor.

Tirando “cola” do já citado “release”, “considerado o criador do samba de breque (Segundo ele, inventado pelo cantor e compositor Luiz Barbosa, na década de 30, como diz na peça), MOREIRA DA SILVA iniciou sua carreira em 1931, com “Ererê” e “Rei da Umbanda” (disco de 78 rotações por minuto). Em 1992, foi tema do enredo da escola de samba Unidos de Manguinhos. Em 1995, gravou "Os 3 Lanadros In Concert" com Dicró e Bezerra da Silva, aos 93 anos de idade”. Esse disco foi uma inteligente e rendosa brincadeira, proposta pela gravadora, sobre o álbum, de grande sucesso universal, “Os Três Tenores”, gravado por Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo.

“Participou do histórico disco de Chico Buarque de Holanda, a ‘Ópera do Malandro’, de 1979, fazendo dueto com o próprio Chico. Em 1996, foi tema do livro ‘Moreira da Silva - O Último dos Malandros’. Com 98 anos de idade, ainda se apresentava em 'shows'”. Foi quando morreu, no ano 2000.

Sobre o tipo de música que tornou MOREIRA célebre, o samba de breque, sua principal característica é a pausa no acompanhamento, acentuadamente sincopado, para uma intervenção declamatória do intérprete, geralmente muito jocosa. Essas paradas bruscas são chamadas “breques”, um aportuguesamento abrasileirado do inglês “break”, ou seja, queda, rompimento, freada, parada. Os "breques" são frases rápidas, a maioria, apenas faladas, que conferem, à canção, graça e malandragem.












Em cena, entremeando alguns fatos pitorescos, como um, envolvendo a cantora Elza Soares, e outros, poucos, sérios, o ator / cantor interpreta, com muita propriedade, alguns dos sucessos que imortalizaram MOREIRA DA SILVA, como “Paraíso de Malandro” (Sereno); “Amigo Urso” (Henrique Gonçalez); “Na Subida do Morro” (Moreira da Silva e Ribeiro Cunha); “Acertei no Milhar” (Wilson Batista e Geraldo Pereira); “O Rei do Gatilho!” (Miguel Gustavo); “Morengueira Contra 007” (Miguel Gustavo); “O Último dos Moicanos” (Miguel Gustavo), sequência de “O Rei do Gatilho”; “Esta Noite, Eu Tive Um Sonho” (Moreira da Silva e Wilson Batista); “Lapa da Década de Trinta” (Dalmo de Niterói e M. Micelli) e “Piston de Gafieira” (Jorge Veiga e Billy Blanco). Muitos grandes sucessos ficaram fora do roteiro, o que deve ter sido um grande problema para a dupla de dramaturgas.

Assistindo a ÉDIO, em cena, aqueles que não tiveram o privilégio de ver MOREIRA cantando (Com ele, era melhor ver do que, simplesmente, ouvir.), poderão inferir que, assim como este, aquele também pode ser considerado um cantor / ator, uma vez que ambos cantam teatralizando, tirando partido das letras das canções.

E, aqui, já abro parênteses para falar da excelente direção, de SÉRGIO MÓDENA, que procurou fazer um espetáculo simples, que atingisse qualquer tipo de público, explorando o lado lúdico e ator de MOREIRA, tudo com muita simplicidade e criatividade.

MÓDENA tira partido dos objetos do cenário, chamado, na ficha técnica, de “ambientação cênica”, de MARCELO MARQUES - uma cadeira. quatro cabideiros e um microfone, num pedestal - e os utiliza na dramatização de algumas canções. Assim, um cabideiro vira uma mocinha, uma viúva, um desafeto, um bandido ou outros “personagens”, que aparecem nas letras das canções. Uma ideia simples, não original, é verdade, mas tão bem aproveitada... É o “antigo”, maravilhosamente repaginado e tornado “novidade”.






SÉRGIO MÓDERNA não ousou; foi, simplesmente, natural e descomplicado, fazendo, por isso mesmo, um trabalho que encanta. São excelentes, por exemplo, as soluções encontradas para a interpretação das canções “Na Subida do Morro”, o maior clássico do samba de breque, “Amigo Urso” e as canções relativas aos filmes, contando, também com algumas participações de elementos da banda, que acompanha ÉDIO, ao vivo: ADAURY MOTHÉ (teclado), RICARDO RENTE (sopro) e Sérgio Conforti (bateria e percussão). A banda se posiciona ao fundo do palco.

Um dos momentos mais hilários é quando ÉDIO canta o “Fui ao Dentista”, fazendo, ao mesmo tempo, o papel do paciente medroso e do odontólogo. Também agrada muito a interpretação do “Faustina”, o “samba da sogra”, quando o ator desce à plateia e interage com os espectadores.
Gosto da ideia de ÉDIO ir compondo o personagem aos poucos, vestindo-se por partes. Quando surge em cena, traja, apenas, uma calça branca, sapatos idem e uma camisa social num tom cereja (Será que me enganei com a paleta?). Aos poucos, vai incorporando, ao belo e bem talhado figurino, também obra de MARCELO MARQUES, o tradicional colete, o paletó, a gravata e o chapéu, tudo branco, cada uma das peças em exibição num dos quatro já citados cabideiros. 



                                  


Voltando à atuação de ÉDIO, não há um senão, sequer, no que ele executa em cena. Canta bem; dança (leia-se “samba”) como poucos passistas de escolas de samba; domina o “miudinho”; tem um domínio total de seu corpo, preparado por ele mesmo, para esta montagem, já que também assina a direção de movimento; tem um poder de empatia invejável e domina a plateia o tempo todo. Comanda o espetáculo, com maestria e graça. Merece todos os louros desta montagem.

ÉDIO valoriza o texto, quando, por exemplo, diz trechos deste (não os “breques”), durante o solo da banda, no meio de uma canção, ou quando fala de uma figura que aterrorizou a vida dos rapazes cariocas, nas décadas de 50 e 60, o famoso Delegado Padilha, responsável pela criada Delegacia da Vadiagem, que não admitia, entre outras coisas, para homens, calças apertadas. Estava na molda a calça bem apertada, de “boca funil”. Quando cismava com alguém, colocava uma laranja, pelo cós, para que a fruta descesse livremente, pela perna, e saísse no pé. Se isso não acontecesse, a calça era cortada com uma tesoura, a arma que usava, para combater os “meliantes”, os que “não eram homens”. E os cabeludos também não escapavam: acabavam com a cabeça raspada.

            Sempre combatido pela imprensa, adorado por uns e odiado por outros, Deraldo Padilha – esse era o seu nome –, sempre com um indefectível par de óculos “rayban”, mesmo à noite, quando mais atuava, virou música, na voz de MOREIRA, também no “setlist” do espetáculo, e foi “aposentado”, pelos gorilas da ditadura, após, um dia, ter criado um atrito com um general e sua esposa. Está explicada a sua “cassação”.

            Os irmãos MANTOVANI, FERNANDA e TIAGO, se encarregam de valorizar todas as cenas do espetáculo, com uma competente iluminação.











FICHA TÉCNICA:

Idealização e Interpretação: Édio Nunes

Texto: Andreia Fernandes e Ana Velloso
Direção: Sérgio Módena
Direção Musical e Arranjos: Ricardo Rente
Músicos: Ricardo Rente, Sérgio Conforti e Fernando Leitzke
Ambientação Cênica e Figurino: Marcelo Marques
Iluminação: Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani
Direção de Movimento: Édio Nunes
Projeto Gráfico: Cacau Gondomar
Fotos: Débora Garcia
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação e Produções Artisticas
Direção de Produção: Ana Velloso e Vera Novello
Produtoras Associadas: CLG e Lúdico Produções Artísticas












SERVIÇO:

Temporada – De 03 de novembro a 03 de dezembro
Local – Teatro Sesc Tijuca – Teatro I
Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca Rio de Janeiro
Telefone: (21) 3238-2167
Dias e Horário:  de 6ª feira a domingo, às 20h
Preço:  R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00 (meia entrada) e R$7,50 (associados do SESC)
Capacidade: 228 lugares
Duração: 75 minutos
Classificação Etária: 12 anos
Gênero: Monólogo Musical
















            O espetáculo termina com uma sequência de imagens de MOREIRA DA SILVA, projetadas, no fundo do palco, enquanto ÉDIO / MOREIRA interpreta uma canção “a capella”. Final emocionante, depois de tanto divertimento!

Devemos todos agradecer a ÉDIO NUNES pela oportunidade de relembrar o trabalho de um grande artista, certamente, já esquecido por muitos de sua época e não conhecido das gerações mais novas, visto que, infelizmente, isso é uma péssima prática do povo brasileiro.

MOREIRA DA SILVA recebeu uma bela, oportuna e merecida homenagem e esta não poderia ser feita por outra pessoa mais gabaritada que ÉDIO NUNES.

“KID MORENGUEIRA – OLHA O BREQUE!” é um dos espetáculos que estavam faltando, para fechar, com chave de ouro, a boa safra de espetáculos de 2017.

Recomendo-o com o maior empenho e alegria!!!


           




(FOTOS: DÉBORA GARCIA
e
CLÁUDIA RIBEIRO.)



GALERIA PARTICULAR:

Muito orgulho desta amizade.







































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