KID
MORENGUEIRA – OLHA O BREQUE!
(JUSTA HOMENAGEM
FEITA POR
QUEM TEM
GABARITO PARA FAZÊ-LA.)
Uma
das mais concorridas estreias deste ano, com muito merecimento, aliás,
aconteceu no dia 3 de novembro, no Teatro I do SESC Tijuca: “KID
MORENGUEIRA – OLHA O BREQUE!”, que promete ser uma das grandes atrações deste
final de temporada de 2017.
O
espetáculo é um antigo projeto de ÉDIO
NUNES, sonho que se tornou realidade – uma feliz realidade – graças ao
empenho próprio do grande artista e de alguns de seus amigos, com os quais ÉDIO vem trabalhando, há algum tempo, e
com quem tem grande afinidade, pessoal e profissional.
Apoderando-me
do “release” da peça, um monólogo musical, enviado por ALESSANDRA COSTA (DUETTO COMUNICAÇÃO),
tenho a dizer que “o espetáculo homenageia MOREIRA DA SILVA (1902–2000), o cantor que popularizou o samba de breque,
tornando-se um ícone da música (popular) brasileira.
O samba permitiu, a ele, criticar, sempre com muito bom humor, os poderosos,
com seus desmandos; os malandros, que conheceu na noite; e os compositores que
ajudou a tornar conhecidos.
Vivendo em meio à malandragem, MOREIRA
DA SILVA imortalizou centenas de canções, com letras que retratavam situações pitorescas; muitas vezes,
parecidas com as que viveu.
Inventou o KID MORENGUEIRA, um
verdadeiro personagem de si mesmo, um malandro à moda antiga, daqueles que não
existem mais e que se entranhou na alma de MOREIRA, a tal ponto de que ninguém
mais arriscaria distinguir onde começa um e termina o outro”.
Não há nenhuma forma nova ou mirabolante
na estrutura do espetáculo. É o “feijão com arroz’, simples e trivial, feito,
porém, de uma forma muito cuidadosa e especial, muito bem temperado, o que
torna a iguaria popular saborosíssima, deixando os comensais com gostinho de “quero mais”.
Sim, é um monólogo musical biográfico, o que assusta e desagrada a muita
gente, inclusive a mim. Já ando meio calejado desse tipo de espetáculo, no qual, geralmente, a dramaturgia fica prejudicada; é
“capenga”, fica a desejar, tornando o musical ruim. Não é, porém, o caso aqui,
e os responsáveis por isso são muitos, a começar pelo bom texto, de ANA VELLOSO e ANDREIA FERNANDES, que mistura, no seu
corpo, fatos
biográficos, bastante importantes e curiosos, com elementos de ficção, alguns
muito engraçados, “bem à maneira das letras que MOREIRA DA SILVA interpretou”,
sem falar que cutuca algumas feridas, com críticas bem acentuadas e justas,
fazendo alusão à atual situação política brasileira. Apesar de ser um texto narrativo, é tão bem escrito, do
ponto de vista teatral, e, melhor ainda, dito, por ÉDIO, que é gostoso de se ouvir e atrai a atenção do público, do
princípio ao fim. Afinal, todos vão ao Teatro
I do SESC Tijuca para conhecer a
vida de MOREIRA DA SILVA, contada
“por ele mesmo”.
“MOREIRA se transporta para a obra. É como se ele
estivesse na dificuldade. Ele faz a crônica, mas também se coloca como
personagem. E aí, de forma criativa, dá uma outra cara para a situação”, diz ÉDIO NUNES, que executa um trabalho brilhante, sem a preocupação de
fazer uma imitação fidedigna do “malandro”, mas, sim, reproduz, com muita
naturalidade, traços da sua “malandragem”, sem vícios nem exageros.
MOREIRA DA SILVA, o KID MORENGUEIRA, apelido / personagem criado por Miguel Gustavo, era um malandro “fake”,
um personagem inventado, que trocava as bebidas alcoólicas por leite, não era
de viver na madrugada, tinha um comportamento bastante pacato e poderia ser
considerado totalmente “família”, casado por cerca de cinquenta anos.
Por conta de uma temporária relação
de amizade com o meu pai, surgida do acaso, tive a oportunidade de, na minha
infância, ter algum contato com “SEU MOREIRA”
e o achava muito engraçado, simpático e educado - um “sujeito legal”. Papai
vivia cantarolando seus sambas e eu os aprendia e os repetia também.
MOREIRA, encarnado por ÉDIO,
está de volta ao bairro onde nasceu, a Tijuca,
mais propriamente, no Morro do Salgueiro,
tendo sido iniciado nos estudos apenas aos nove anos de idade. Foi empregado de fábricas, tecelagens e chofer de praça e de ambulância,
trabalhado, até a aposentadoria, como servidor público, o que o fazia acumular,
por muito tempo, portanto, seus outros ofícios com o de cantor e compositor.
Tirando “cola”
do já citado “release”, “considerado
o criador do samba de breque (Segundo ele, inventado pelo cantor e compositor
Luiz Barbosa, na década de 30, como diz na peça), MOREIRA
DA SILVA iniciou sua carreira em 1931, com “Ererê” e “Rei da Umbanda” (disco de 78 rotações por minuto).
Em 1992,
foi tema do enredo da escola de samba Unidos de Manguinhos. Em 1995, gravou "Os 3 Lanadros In Concert" com Dicró e Bezerra da Silva, aos 93 anos de idade”. Esse disco foi uma inteligente
e rendosa brincadeira, proposta pela gravadora, sobre o álbum, de grande sucesso
universal, “Os Três Tenores”,
gravado por Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo.
“Participou
do histórico disco de Chico Buarque de Holanda, a ‘Ópera do Malandro’, de 1979,
fazendo dueto com o próprio Chico. Em 1996, foi tema do
livro ‘Moreira da Silva - O
Último dos Malandros’. Com 98 anos de idade, ainda se apresentava
em 'shows'”.
Foi quando morreu, no ano 2000.
Sobre o tipo
de música que tornou MOREIRA célebre,
o samba de breque, sua principal característica
é a pausa no acompanhamento, acentuadamente sincopado, para uma intervenção
declamatória do intérprete, geralmente muito jocosa. Essas paradas bruscas
são chamadas “breques”, um aportuguesamento
abrasileirado do inglês “break”,
ou seja, queda, rompimento, freada, parada.
Os "breques" são frases rápidas, a
maioria, apenas faladas, que conferem, à canção, graça e malandragem.
Em cena,
entremeando alguns fatos pitorescos, como um, envolvendo a cantora Elza Soares, e outros, poucos, sérios, o
ator / cantor interpreta, com muita propriedade, alguns dos sucessos
que imortalizaram MOREIRA DA SILVA,
como “Paraíso de Malandro” (Sereno); “Amigo Urso” (Henrique Gonçalez); “Na Subida do Morro” (Moreira da
Silva e
Ribeiro Cunha); “Acertei no Milhar” (Wilson
Batista e Geraldo Pereira); “O Rei do Gatilho!” (Miguel
Gustavo); “Morengueira Contra 007” (Miguel
Gustavo); “O Último dos Moicanos” (Miguel
Gustavo), sequência de “O Rei do
Gatilho”; “Esta Noite, Eu Tive Um
Sonho” (Moreira da Silva e Wilson Batista); “Lapa da Década de
Trinta” (Dalmo de Niterói e M. Micelli) e “Piston de Gafieira”
(Jorge Veiga e Billy Blanco). Muitos grandes sucessos ficaram fora do roteiro, o que deve ter sido um grande
problema para a dupla de dramaturgas.
Assistindo a ÉDIO,
em cena, aqueles que não tiveram o privilégio de ver MOREIRA cantando (Com ele, era melhor ver do que, simplesmente,
ouvir.), poderão inferir que, assim como este, aquele também pode ser
considerado um cantor / ator, uma
vez que ambos cantam teatralizando, tirando partido das letras das canções.
E, aqui, já abro parênteses para falar da excelente direção, de SÉRGIO MÓDENA, que procurou fazer um espetáculo simples, que
atingisse qualquer tipo de público, explorando o lado lúdico e ator de MOREIRA, tudo com muita simplicidade e
criatividade.
MÓDENA tira partido dos objetos do cenário, chamado, na ficha
técnica, de “ambientação cênica”,
de MARCELO MARQUES - uma cadeira.
quatro cabideiros e um microfone, num pedestal - e os utiliza na dramatização
de algumas canções. Assim, um cabideiro vira uma mocinha, uma viúva, um
desafeto, um bandido ou outros “personagens”, que aparecem nas letras das canções.
Uma ideia simples, não original, é verdade, mas tão bem aproveitada... É o “antigo”,
maravilhosamente repaginado e tornado “novidade”.
SÉRGIO MÓDERNA não ousou; foi, simplesmente, natural e descomplicado,
fazendo, por isso mesmo, um trabalho que encanta. São excelentes, por exemplo,
as soluções encontradas para a interpretação das canções “Na Subida do Morro”, o maior clássico do samba de breque, “Amigo
Urso” e as canções relativas aos filmes, contando, também com algumas
participações de elementos da banda, que acompanha ÉDIO, ao vivo: ADAURY MOTHÉ (teclado), RICARDO RENTE (sopro) e Sérgio Conforti (bateria e percussão). A banda se posiciona ao fundo do palco.
Um dos momentos mais hilários é quando ÉDIO canta o “Fui ao
Dentista”, fazendo, ao mesmo tempo, o papel do paciente medroso e do
odontólogo. Também agrada muito a interpretação do “Faustina”, o “samba da
sogra”, quando o ator desce à plateia e interage com os espectadores.
Gosto da ideia de ÉDIO
ir compondo o personagem aos poucos, vestindo-se por partes. Quando surge em
cena, traja, apenas, uma calça branca, sapatos idem e uma camisa social num tom
cereja (Será que me enganei com a paleta?). Aos poucos, vai incorporando, ao
belo e bem talhado figurino, também
obra de MARCELO MARQUES, o
tradicional colete, o paletó, a gravata e o chapéu, tudo branco, cada uma das
peças em exibição num dos quatro já citados cabideiros.
Voltando à atuação de ÉDIO,
não há um senão, sequer, no que ele executa em cena. Canta bem; dança (leia-se “samba”) como poucos passistas de
escolas de samba; domina o “miudinho”; tem um domínio total de seu corpo, preparado
por ele mesmo, para esta montagem, já que também assina a direção de movimento; tem um poder de empatia invejável e domina a
plateia o tempo todo. Comanda o espetáculo, com maestria e graça. Merece todos
os louros desta montagem.
ÉDIO valoriza o texto,
quando, por exemplo, diz trechos deste (não os “breques”), durante o solo da banda, no meio de uma canção, ou quando
fala de uma figura que aterrorizou a vida dos rapazes cariocas, nas décadas de 50 e 60, o famoso Delegado
Padilha, responsável pela criada Delegacia
da Vadiagem, que não admitia, entre outras coisas, para homens, calças
apertadas. Estava na molda a calça bem apertada, de “boca funil”. Quando
cismava com alguém, colocava uma laranja, pelo cós, para que a fruta descesse
livremente, pela perna, e saísse no pé. Se isso não acontecesse, a calça era
cortada com uma tesoura, a arma que usava, para combater os “meliantes”, os que
“não eram homens”. E os cabeludos também não escapavam: acabavam com a cabeça raspada.
Sempre
combatido pela imprensa, adorado por uns e odiado por outros, Deraldo Padilha – esse era o seu nome –,
sempre com um indefectível par de óculos “rayban”,
mesmo à noite, quando mais atuava, virou música, na voz de MOREIRA, também no “setlist”
do espetáculo, e foi “aposentado”, pelos gorilas da ditadura, após, um dia, ter
criado um atrito com um general e sua esposa. Está explicada a sua “cassação”.
Os irmãos
MANTOVANI, FERNANDA e TIAGO, se
encarregam de valorizar todas as cenas do espetáculo, com uma competente iluminação.
FICHA TÉCNICA:
Idealização e Interpretação: Édio Nunes
Texto: Andreia Fernandes e Ana Velloso
Direção: Sérgio Módena
Direção Musical e Arranjos: Ricardo Rente
Músicos: Ricardo Rente, Sérgio Conforti e Fernando Leitzke
Ambientação Cênica e Figurino: Marcelo Marques
Iluminação: Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani
Direção de Movimento: Édio Nunes
Projeto Gráfico: Cacau Gondomar
Fotos: Débora Garcia
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação e Produções Artisticas
Direção de Produção: Ana Velloso e Vera Novello
Produtoras Associadas: CLG e Lúdico Produções Artísticas
Direção: Sérgio Módena
Direção Musical e Arranjos: Ricardo Rente
Músicos: Ricardo Rente, Sérgio Conforti e Fernando Leitzke
Ambientação Cênica e Figurino: Marcelo Marques
Iluminação: Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani
Direção de Movimento: Édio Nunes
Projeto Gráfico: Cacau Gondomar
Fotos: Débora Garcia
Assessoria de Imprensa: Duetto Comunicação e Produções Artisticas
Direção de Produção: Ana Velloso e Vera Novello
Produtoras Associadas: CLG e Lúdico Produções Artísticas
SERVIÇO:
Temporada – De 03 de novembro a 03
de dezembro
Local
– Teatro Sesc Tijuca – Teatro I
Endereço:
Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca Rio de Janeiro
Telefone: (21) 3238-2167
Dias
e Horário: de 6ª feira a domingo, às 20h
Preço:
R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00 (meia entrada) e R$7,50 (associados do SESC)
Capacidade: 228 lugares
Duração:
75 minutos
Classificação
Etária: 12 anos
Gênero:
Monólogo Musical
O
espetáculo termina com uma sequência de imagens de MOREIRA DA SILVA, projetadas, no fundo do palco, enquanto ÉDIO / MOREIRA interpreta uma canção “a
capella”. Final emocionante, depois de
tanto divertimento!
Devemos todos
agradecer a ÉDIO NUNES pela
oportunidade de relembrar o trabalho de um grande artista, certamente, já
esquecido por muitos de sua época e não conhecido das gerações mais novas,
visto que, infelizmente, isso é uma péssima prática do povo brasileiro.
MOREIRA DA SILVA recebeu uma bela,
oportuna e merecida homenagem e esta não poderia ser feita por outra pessoa
mais gabaritada que ÉDIO NUNES.
“KID MORENGUEIRA – OLHA O BREQUE!” é um
dos espetáculos que estavam faltando, para fechar, com chave de ouro, a boa
safra de espetáculos de 2017.
Recomendo-o com o maior empenho e alegria!!!
(FOTOS: DÉBORA GARCIA
e
CLÁUDIA RIBEIRO.)
GALERIA PARTICULAR:
Muito orgulho desta amizade.
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