WAR
(SEIS VIDAS E SEIS DESTINOS
EM JOGO
NUM TABULEIRO.)
RENATA
MIZRAHI é uma dramaturga que,
apesar de muito jovem, já pode ser considerada vencedora na profissão, a julgar
pelos vários sucessos, de crítica e de público, já conquistados, os quais lhe
renderam muitas indicações a prêmios e algumas conquistas, como o Prêmio Shell de
Melhor Texto em 2014, por “Galápagos”.
O
verdadeiro artista vive, sempre, o desafio interior, ainda que
inconscientemente, da “obrigação moral” de se superar, na próxima produção
artística, assim como parece ser isso, também, uma expectativa do público e da
crítica. Para RENATA, porém, isso se dá naturalmente, sem “forçação de barra”. Depois do excepcional texto de “Os Sapos”, veio o grande grito contido,
em “Silêncio”, uma obra-prima,
seguido de “Galápagos”, a menos
interessante das três, na minha modesta opinião, e a que lhe rendeu o já citado
prêmio.
Seis personagens à procura de um tabuleiro.
Além
de peças para adultos, RENATA também
já escreveu, e ganhou prêmios por elas, inúmeras peças infantis, de agrado de
filhos e pais, como é o caso de “Joaquim
e as Estrelas”, “Coisas Que a Gente
Não Vê” (ambas vencedoras do Prêmio
Zilka Salaberry), “Nadistas e
Tudistas” e “O Jardim Secreto”.
Agora, somos
brindados com outro excelente texto dela: “WAR”,
cujo título, que faz referência a um conhecido, e muito apreciado, jogo de
tabuleiro, guarda uma ambiguidade, facilmente reconhecida em cena.
Tratar
de temas batidos, já amplamente explorados, porém de uma forma bastante
original e pessoal, com toques que a fazem reconhecida, depois de se assistir a
uma peça, mesmo antes de se saber quem é o autor do texto, é uma das
características da obra de RENATA. Os conflitos familiares, as relações
conturbadas dentro de uma família, foram tratados, de forma brilhante, nas
peças “para adultos” acima citadas (nem tanto em “Galápagos”), e, agora, mais uma vez, está presente nesta “WAR”.
Aparências.
Suspeita.
Desconfiança.
Para
falar sobre um texto de TEATRO escrito por RENATA MIZRAHI, não é necessário gastar adjetivos. Seu nome, não só para mim, é, hoje, uma
referência no panorama dramatúrgico brasileiro, e não é preciso mais nada como
motivo para me despertar o interesse por ver uma peça escrita por ela. Para se escrever sobre um texto de RENATA, só é preciso dizer: TRATA-SE DE UM TEXTO DE RENATA MIZRAHI. E BASTA!
E acrescentar: NÃO VI E JÁ
GOSTEI!
O
elenco masculino:
Camilo
Pellegrini, Fabrício Polido e Ricardo Gonçalves.
Com
humor ácido e diálogos dinâmicos, a peça apresenta três casais de classe média
do Rio de Janeiro, que se reúnem para uma partida do famoso jogo de tabuleiro “War”. Durante a partida, eles travam um confronto
interpessoal, revelando suas personalidades, frustrações e desejos. São “inimigos” no jogo, nas batalhas
travadas, por conquistas de territórios, e “amigos” na vida real, esmerando-se,
cada um, por conquistar seu território na batalha pela vida, durante a qual são
resgatadas, ou retiradas do fundo de um baú imaginário, memórias, dores,
sofrimentos, feridas ainda não cicatrizadas, inveja, frustrações e tudo o que
mais faz parte do dia a dia dos seres “humanos” e que são combustíveis na
batalha pela sobrevivência.
A
peça marca 10 anos da Companhia Teatro
de Nós, liderada por RENATA MIZRAHI
e DIEGO MOLINA, respectivamente autora e diretor do espetáculo.
Diego
Molina e Renata Mizrahi.
SINOPSE:
Três casais
de amigos se reúnem para jogar o famoso jogo de tabuleiro “WAR”. Mas o que era para ser um divertido encontro de velhos
amigos traz à tona a dissimulada competição que existe entre eles.
Aos poucos,
cada um vai revelando seus desejos e frustrações, em relação a suas realidades
financeira, profissional e amorosa, até que se veem obrigados a fazer escolhas
essenciais, para saírem das condições em que se encontram.
“Eu NÃO sou feliz neste lugar!!!
Felicidade
(aparente).
Do “release”
enviado pela assessoria de imprensa:
“Sexta peça adulta da companhia Teatro de Nós, “WAR” parte de um
simples jogo de tabuleiro, cujo objetivo é a conquista de territórios, para
falar de uma geração de moradores do Rio de Janeiro, frustrados e desorientados,
diante de suas realidades financeira, profissional e emocional.
Durante a partida, seis amigos expõem
o que pensam de seus relacionamentos, suas amizades e o que, realmente, querem
de suas vidas.
A peça também retrata o delicado
momento econômico da cidade, onde a alta dos preços, a dificuldade de manter um
apartamento na Zona Sul e a pressão por uma boa qualidade de vida dificultam os
relacionamentos amorosos e potencializam o abismo e as frustrações dos
personagens.
O texto foi finalizado a partir de
leituras dramatizadas abertas ao público. Ao final das leituras, os espectadores
participavam de debates, quando davam seus depoimentos sobre a história e a
proposta de direção. Essa discussão e
troca de opinião entre a equipe e a plateia permitiram que a autora pudesse
amadurecer a trama e os personagens.
A primeira versão foi lida em setembro
de 2014, no Teatro Dulcina; a segunda, em março de 2015, no Midrash Centro
Cultural. Depois, a equipe fez algumas
leituras internas, com o elenco, e o texto foi trabalhado até a sua versão
final, pronto para sua montagem.”
Discussão durante o jogo.
“A
peça surgiu da observação do comportamento das pessoas ao jogarem ‘WAR’. Gosto de focar a dramaturgia nos diálogos e na
construção de personagens com suas angústias, medos e subjetividadesl”,
explica RENATA. Tenha a certeza de que conseguiu, RENATA!
“Queremos
que o público se sinta participando dessa noite intensa em que um grupo de
amigos se junta para refletir sobre suas vidas e suas relações. Que sinta um pouco dos diversos sentimentos
que afloram durante a disputa do jogo, regada a bebida e muita espontaneidade. É sem dúvida um grande trabalho de RENATA
MIZRAHI, em sua melhor fase, desde que fundamos a Companhia”,
complementa DIEGO MOLINA. Não tenha a menor dúvida de que atingiu o
objetivo, DIEGO!
Além do grande mérito do texto, outros merecem destaque, como:
DIREÇÃO:
DIEGO MOLINA joga bem em várias posições, como ator, autor e diretor. É nesta que seu trabalho é aqui
comentado. Considero excelente a leitura
que ele fez do texto e a maneira como orientou seus ótimos atores na construção
e atuação dos personagens. Como toda a
ação se passa num único cenário, uma pequena sala de estar de um apartamento
modesto, localizado num longínquo subúrbio carioca, com seis pessoas dividindo
o espaço com móveis e objetos de decoração, torna-se difícil, para um diretor,
estabelecer marcações, durante 90 minutos de encenação, sem permitir que a
monotonia se torne senhora da situação.
Não acontece isso, nesta peça.
Tudo corre num bom ritmo, graças aos corretos deslocamentos e
posicionamentos dos atores no palco.
Infelizmente, não posso revelar um dos pontos mais inteligentes que
observei nesta direção, para não
subtrair, a quem vai assistir ao espetáculo, algumas excelentes surpresas,
relacionadas ao cenário, por conta da brilhante direção. É só o que eu posso
adiantar. Para aguçar, ainda mais, a
curiosidade de quem me lê, deixo, aqui, ao DIEGO,
uma sugestão: já pensou em ampliar, à plateia, em alguns setores desta, apenas
na cena final, utilizando placas de isopor, o que ocorre no palco, no decorrer
da ação? DIEGO MOLINA é um bom diretor, que deve continuar investindo nessa
atividade.
Registro para a posteridade (Eu disse “posteridade”?)
A “selfiemania”.
ELENCO:
Comporta-se de uma maneira homogênea e irrepreensível, durante todo o
tempo. E olha que assisti à peça logo na
primeira semana da atual temporada (haverá
uma segunda), quando todos sabemos que o espetáculo vai se azeitando aos
poucos, muito na dependência da reação do público também. São todos experientes profissionais e
assimilaram as características e os comportamentos de seus personagens, os
quais são reconhecidos por todos nós.
Conhecemos casais como aqueles.
Ou, até mesmo, podemos formar casais como um daqueles.
CAMILO
PELLEGRINI é SÉRGIO, companheiro
de LAURA, a personagem de CLARA SANTHANA. Os dois formam o segundo casal a chegar para
a noitada de “WAR”, ou seja, para a
noite de “batalhas”.
SÉRGIO
vive uma constante luta por um reconhecimento de seu valor pessoal e
profissional, que, no fundo, sabe que jamais será aplaudido e festejado, nem
mesmo pelos que lhe são mais próximos, à exceção de LAURA. Apesar de menor tempo
em cena, o ator marca, devidamente, seu território.
LAURA
mantém-se firme, na sua decisão de não participar do jogo, uma posição
metafórica de quem não quer tomar partido nas contendas entre os personagens,
velhos conhecidos entre si, demonstrando uma grande cumplicidade com SÉRGIO e apoio a ele. Uma personagem que poderia não ser tão
marcante, na trama, ganha destaque, graças à ótima atuação de CLARA.
Clara Santhana e Camilo Pellegrini.
FABRÍCIO
POLIDO assume o personagem GUSTAVO,
casado (Eu disse “casado”?) com ROBERTA, vivida por VERÔNICA REIS. É o primeiro casal a encontrar o
“esconderijo” dos amigos. Embora
anunciem que estão separados, naturalmente e demonstrando um certo alívio por
isso, os dois ainda se relacionam, pelo menos na frente dos outros, “civilizadamente”,
como se casados ainda fossem, e continuam dividindo a mesma casa, por questões
econômicas. Uma relação bastante
artificial e doentia, principalmente quando os quatro, eles e mais os anfitriões,
se reencontram, após um longo período de distanciamento, e os interesses, em
tempos passados (Eu disse “passados”?)
de GUSTAVO por MARÍLIA, a dona da casa, e de ROBERTA
por ANDRÉ, o anfitrião, parecem
aflorar (Eu disse “parecem”?).
GUSTAVO vive de aparências e num mundo
ilusório, sempre tentando ocultar seus fracassos, pessoais e profissionais,
rindo, às fartas, mesmo daquilo que não tem a menor graça. A sua excessiva extroversão, que chega a ser
muito inconveniente, soa falsa, parecendo maquiar uma espécie de autopiedade. Trata-se de um personagem frágil e completamente
alienado, além de muito irônico, batendo às portas do sarcasmo, muito bem
representado por FABRÍCIO.
ROBERTA,
por sua vez, sobrevive à custa dos chamados “tarja preta”, do que parece se
orgulhar, uma vez que vive anunciando, repetindo-se, que se tornou dependente
deles, como se houvesse conquistado algum valioso troféu, ao ingressar no
universo dos dependentes. Afogada numa
amargura profunda, mostra-se fracassada em seu casamento e guarda um
arrependimento, por não ter conquistado ANDRÉ,
a quem “perdera” para MARÍLIA. ROBERTA
já inicia o jogo como uma “perdedora”, mas, pelo menos, ali, esforça-se por
novas conquistas, nem que sejam de territórios.
Não desperdiça uma oportunidade de alfinetar os outros, com seu humor
ferino e agressivo. Merece todos os
elogios o trabalho de VERÔNICA.
Verônica Reis e Fabrício Polido.
O casal anfitrião é formado por ANDRÉ (RICARDO GONÇALVES) e MARÍLIA (NATASHA COBERLINO). RICARDO, que, assim como VERÔNICA REIS, já esbanjaram talento na
montagem de “Os Sapos”, repete,
aqui, uma excepcional atuação, sendo seu personagem o que, talvez, mais consiga
a simpatia e cumplicidade do público, por representar uma pessoa insatisfeita,
contrariada, sem muitas condições de lutar contra a triste realidade a que foi
conduzido, tendo que, praticamente, se satisfazer com o seu “status quo”, embora não se cale e,
pelo menos, em palavras, se rebele contra ele.
Faz de tudo a fim de que a mulher cancele o convite aos amigos, para o
jogo daquela noite, como se antevisse o tsunâmi que poderia abalar a vida de
todos os jogadores. Cedendo aos
argumentos e à pressão da esposa, o casal teve de trocar Copacabana por um
distante bairro do subúrbio carioca, o que o transformou num pássaro
aprisionado numa gaiola, sem poder cantar, distante de uma vida cultural, que
era o seu oxigênio. Sufocado naquele mísero
apartamento, vive reclamando da atual situação, que interfere na sua
criatividade para o trabalho – um artista que não consegue criar - e na própria
relação afetiva com a mulher, advindo daí uma instabilidade na vida conjugal
dos dois. Brilhante atuação do RICARDO!
NATASHA COBERLINO, MARÍLIA, é quem consegue sustentar a
casa, com seu emprego estável, entretanto, se, por um lado, pode-se considerar
uma vitoriosa, no campo profissional, sofre a dor de ver escorrendo pelo ralo
um casamento. Feliz no “jogo”, infeliz
no amor? Utiliza-se de muita ironia,
para se defender e se vingar, talvez nem ela sabendo do que ou de quem. Ao convencer ANDRÉ na mudança para um bairro afastado, porém próximo ao seu
local de trabalho, do qual ela não pode abrir mão, MARÍLIA se livra do transtorno da difícil e sofrida locomoção diária
casa/trabalho/casa, numa atitude decodificada pelo marido como egoísta,
procurando resolver o seu problema, enquanto acaba criando um maior, a quase
anulação de um ser humano, de um artista.
Provocada pelos outros, aos poucos, MARÍLIA
vai perdendo o tom elegante e hospitaleiro, trocando-o, com o auxílio da
bebida, por um outro, do “sem-papas-na-língua”, de quem acha que chegou a hora
definitiva de conquistar o seu território, custe o que custar. Ótimo trabalho de NATASHA.
Natasha Coberlino e Ricardo Gonçalves.
CENÁRIO:
LORENA LIMA foi felicíssima na
concepção deste importante elemento, em qualquer peça, especialmente nesta
montagem. Acertou 100% no cenário, nos detalhes simples de uma
modesta habitação suburbana de um casal de classe média “quase baixa”, que teve
de se adequar a um patamar inferior, em termos socioeconômicos. Poucos móveis, meio anacrônicos, como uma
pequena estante e uma vitrola, além de objetos decorativos de gosto duvidoso,
aos quais se vai juntar um quadro, idem, presenteado pelo casal GUSTAVO e ROBERTA, pintado por esta.
Como já disse, acima, muito gostaria de falar mais sobre este elemento e
de como ele interage na peça, fruto de uma inteligente ideia da direção, em consonância com a cenógrafa,
entretanto isso roubaria, aos que irão assistir à peça, o prazer de uma grande
surpresa.
Cenário.
Os amigos trazem um presente.
O presente (um quadro) será agregado ao cenário.
FIGURINOS:
PATRÍCIA MUNIZ é quem assina os figurinos
de “WAR”, os quais servem,
perfeitamente, a cada um dos personagens, sem detalhes que sobressaiam, além do
aspecto de conforto, para que os atores se movimentem em cena. PATRÍCIA
também é responsável pela justa direção
de arte.
ILUMINAÇÃO: ANDERSON RATTO procurou criar uma luz simples, sem
muitas variações, bastante adequada às cenas.
TRILHA SONORA: RENATA MIZRAHI brinca, com seriedade, acumulando esta
função, de forma satisfatória.
DIREÇÃO DE MOVIMENTO: JULIANA MEDELLA. Esta atividade veio para ficar, auxiliando e
facilitando o trabalho da direção. JULIANA
cumpre bem a sua função.
Concentração no jogo.
Mais concentração.
“WAR”, para mim, tem uma posição
garantida entre os dez melhores espetáculos a que já assisti neste ano (2015),
motivo pelo qual o recomendo.
Fiquem atentos, pois, apesar de
encerrar a temporada no dia 30 de
agosto, no simpático espaço do Teatro I do SESC Tijuca, a peça fará uma segunda, no Teatro SESI, no Centro do rio
de Janeiro, durante o mês de
setembro (ver SERVIÇO).
FICHA TÉCNICA:
Texto: Renata Mizrahi
Direção: Diego Molina
Elenco (por ordem alfabética): Camilo Pellegrini, Clara Santhana,
Fabrício Polido, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis
Cenário: Lorena Lima
Direção de arte e Figurinos: Patrícia Muniz
Iluminação: Anderson Ratto
Trilha Sonora: Renata Mizrahi
Direção de movimento: Juliana Medella
Assistente de direção: Carolina Godinho
Fotos e Vídeos: Ananda Campana
Programação visual: Ivi Spezani
Intérpretes de Libras: JDL Acessibilidade na Comunicação
Direção de Produção: Maria Alice Silvério
Produção e Realização: Companhia Teatro de Nós
Fim de jogo.
“Game over”!
Recolhendo cacos.
SERVIÇO:
Teatro SESC Tijuca – Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca – Rio de
Janeiro
Telefone: (21) 3238-2072
Lotação: 228 lugares
Temporada: Até 30 de agosto (2015)
Dias e horários: De 6ª feira a domingo, sempre às 20h
Sessões com Libras: Dias 14 e 23 de agosto
Sessões com Libras: Dias 14 e 23 de agosto
Ingressos: Inteira R$20,00; R$10,00 (estudantes e idosos); R$5,00
(associados do Sesc)
Duração: 90min
Classificação Etária: 12 anos
Comédia dramática
2ª TEMPORADA:
Teatro SESI – Centro - Av. Graça Aranha, 1 –
Centro – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2563-4164 (bilheteria)
Lotação: 350 pessoas
Temporada: De 3 a 26 de setembro (2015)
Dias e horários: De 5ª feira a sábados, sempre
às 19h30min
Sessões com Libras: Dias 17 e 26 de setembro
Ingressos: Inteira R$30,00; Meia-Entrada R$15,00
Ingressos: Inteira R$30,00; Meia-Entrada R$15,00
Aplausos! BRAVO!!!
(FOTOS: RENATO MANGOLIN)
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