sexta-feira, 28 de agosto de 2015


WAR

 

(SEIS VIDAS E SEIS DESTINOS
EM JOGO
NUM TABULEIRO.)

 


 

 

            RENATA MIZRAHI é uma dramaturga que, apesar de muito jovem, já pode ser considerada vencedora na profissão, a julgar pelos vários sucessos, de crítica e de público, já conquistados, os quais lhe renderam muitas indicações a prêmios e algumas conquistas, como o Prêmio Shell de Melhor Texto em 2014, por “Galápagos”.

            O verdadeiro artista vive, sempre, o desafio interior, ainda que inconscientemente, da “obrigação moral” de se superar, na próxima produção artística, assim como parece ser isso, também, uma expectativa do público e da crítica.  Para RENATA, porém, isso se dá naturalmente, sem “forçação de barra”.  Depois do excepcional texto de “Os Sapos”, veio o grande grito contido, em “Silêncio”, uma obra-prima, seguido de “Galápagos”, a menos interessante das três, na minha modesta opinião, e a que lhe rendeu o já citado prêmio.

 


Peça tem direção de Diego Molina (Foto: Renato Mangolin)

Seis personagens à procura de um tabuleiro.

 


            Além de peças para adultos, RENATA também já escreveu, e ganhou prêmios por elas, inúmeras peças infantis, de agrado de filhos e pais, como é o caso de “Joaquim e as Estrelas”, “Coisas Que a Gente Não Vê” (ambas vencedoras do Prêmio Zilka Salaberry), “Nadistas e Tudistas” e “O Jardim Secreto”.   

Agora, somos brindados com outro excelente texto dela: “WAR”, cujo título, que faz referência a um conhecido, e muito apreciado, jogo de tabuleiro, guarda uma ambiguidade, facilmente reconhecida em cena.

            Tratar de temas batidos, já amplamente explorados, porém de uma forma bastante original e pessoal, com toques que a fazem reconhecida, depois de se assistir a uma peça, mesmo antes de se saber quem é o autor do texto, é uma das características da obra de RENATA.  Os conflitos familiares, as relações conturbadas dentro de uma família, foram tratados, de forma brilhante, nas peças “para adultos” acima citadas (nem tanto em “Galápagos”), e, agora, mais uma vez, está presente nesta “WAR”.

 

 


Aparências.

 


Suspeita.

 


Desconfiança.

 

            Para falar sobre um texto de TEATRO escrito por RENATA MIZRAHI, não é necessário gastar adjetivos.  Seu nome, não só para mim, é, hoje, uma referência no panorama dramatúrgico brasileiro, e não é preciso mais nada como motivo para me despertar o interesse por ver uma peça escrita por ela.  Para se escrever sobre um texto de RENATA, só é preciso dizer: TRATA-SE DE UM TEXTO DE RENATA MIZRAHI.  E BASTA!  E acrescentar: NÃO VI E JÁ GOSTEI!

 

 


O elenco masculino:

Camilo Pellegrini, Fabrício Polido e Ricardo Gonçalves.

 

            Com humor ácido e diálogos dinâmicos, a peça apresenta três casais de classe média do Rio de Janeiro, que se reúnem para uma partida do famoso jogo de tabuleiro “War”.  Durante a partida, eles travam um confronto interpessoal, revelando suas personalidades, frustrações e desejos.  São “inimigos” no jogo, nas batalhas travadas, por conquistas de territórios, e “amigos” na vida real, esmerando-se, cada um, por conquistar seu território na batalha pela vida, durante a qual são resgatadas, ou retiradas do fundo de um baú imaginário, memórias, dores, sofrimentos, feridas ainda não cicatrizadas, inveja, frustrações e tudo o que mais faz parte do dia a dia dos seres “humanos” e que são combustíveis na batalha pela sobrevivência.

            A peça marca 10 anos da Companhia Teatro de Nós, liderada por RENATA MIZRAHI e DIEGO MOLINA, respectivamente autora e diretor do espetáculo.

 

 


Diego Molina e Renata Mizrahi.

 

 

 
SINOPSE:
 
Três casais de amigos se reúnem para jogar o famoso jogo de tabuleiro “WAR”. Mas o que era para ser um divertido encontro de velhos amigos traz à tona a dissimulada competição que existe entre eles.
Aos poucos, cada um vai revelando seus desejos e frustrações, em relação a suas realidades financeira, profissional e amorosa, até que se veem obrigados a fazer escolhas essenciais, para saírem das condições em que se encontram.
 

 

 


“Eu NÃO sou feliz neste lugar!!!

 


Felicidade (aparente).

 

 

Do “release” enviado pela assessoria de imprensa:

 

 
“Sexta peça adulta da companhia Teatro de Nós, WAR” parte de um simples jogo de tabuleiro, cujo objetivo é a conquista de territórios, para falar de uma geração de moradores do Rio de Janeiro, frustrados e desorientados, diante de suas realidades financeira, profissional e emocional.
Durante a partida, seis amigos expõem o que pensam de seus relacionamentos, suas amizades e o que, realmente, querem de suas vidas.  
A peça também retrata o delicado momento econômico da cidade, onde a alta dos preços, a dificuldade de manter um apartamento na Zona Sul e a pressão por uma boa qualidade de vida dificultam os relacionamentos amorosos e potencializam o abismo e as frustrações dos personagens.
O texto foi finalizado a partir de leituras dramatizadas abertas ao público.  Ao final das leituras, os espectadores participavam de debates, quando davam seus depoimentos sobre a história e a proposta de direção.  Essa discussão e troca de opinião entre a equipe e a plateia permitiram que a autora pudesse amadurecer a trama e os personagens.  
A primeira versão foi lida em setembro de 2014, no Teatro Dulcina; a segunda, em março de 2015, no Midrash Centro Cultural.  Depois, a equipe fez algumas leituras internas, com o elenco, e o texto foi trabalhado até a sua versão final, pronto para sua montagem.”
 

 




Discussão durante o jogo.

 

A peça surgiu da observação do comportamento das pessoas ao jogarem ‘WAR’.  Gosto de focar a dramaturgia nos diálogos e na construção de personagens com suas angústias, medos e subjetividadesl, explica RENATA.  Tenha a certeza de que conseguiu, RENATA!

“Queremos que o público se sinta participando dessa noite intensa em que um grupo de amigos se junta para refletir sobre suas vidas e suas relações.  Que sinta um pouco dos diversos sentimentos que afloram durante a disputa do jogo, regada a bebida e muita espontaneidade.  É sem dúvida um grande trabalho de RENATA MIZRAHI, em sua melhor fase, desde que fundamos a Companhia”, complementa DIEGO MOLINA.  Não tenha a menor dúvida de que atingiu o objetivo, DIEGO!

 

Além do grande mérito do texto, outros merecem destaque, como:

 

DIREÇÃO: DIEGO MOLINA joga bem em várias posições, como ator, autor e diretor.  É nesta que seu trabalho é aqui comentado.  Considero excelente a leitura que ele fez do texto e a maneira como orientou seus ótimos atores na construção e atuação dos personagens.  Como toda a ação se passa num único cenário, uma pequena sala de estar de um apartamento modesto, localizado num longínquo subúrbio carioca, com seis pessoas dividindo o espaço com móveis e objetos de decoração, torna-se difícil, para um diretor, estabelecer marcações, durante 90 minutos de encenação, sem permitir que a monotonia se torne senhora da situação.  Não acontece isso, nesta peça.  Tudo corre num bom ritmo, graças aos corretos deslocamentos e posicionamentos dos atores no palco.  Infelizmente, não posso revelar um dos pontos mais inteligentes que observei nesta direção, para não subtrair, a quem vai assistir ao espetáculo, algumas excelentes surpresas, relacionadas ao cenário, por conta da brilhante direção.  É só o que eu posso adiantar.  Para aguçar, ainda mais, a curiosidade de quem me lê, deixo, aqui, ao DIEGO, uma sugestão: já pensou em ampliar, à plateia, em alguns setores desta, apenas na cena final, utilizando placas de isopor, o que ocorre no palco, no decorrer da ação?  DIEGO MOLINA é um bom diretor, que deve continuar investindo nessa atividade.

 

 


Registro para a posteridade (Eu disse “posteridade”?)

 

 


A “selfiemania”.

 

 

ELENCO: Comporta-se de uma maneira homogênea e irrepreensível, durante todo o tempo.  E olha que assisti à peça logo na primeira semana da atual temporada (haverá uma segunda), quando todos sabemos que o espetáculo vai se azeitando aos poucos, muito na dependência da reação do público também.  São todos experientes profissionais e assimilaram as características e os comportamentos de seus personagens, os quais são reconhecidos por todos nós.  Conhecemos casais como aqueles.  Ou, até mesmo, podemos formar casais como um daqueles.

 

CAMILO PELLEGRINI é SÉRGIO, companheiro de LAURA, a personagem de CLARA SANTHANA.  Os dois formam o segundo casal a chegar para a noitada de “WAR”, ou seja, para a noite de “batalhas”. 

SÉRGIO vive uma constante luta por um reconhecimento de seu valor pessoal e profissional, que, no fundo, sabe que jamais será aplaudido e festejado, nem mesmo pelos que lhe são mais próximos, à exceção de LAURA.  Apesar de menor tempo em cena, o ator marca, devidamente, seu território.

LAURA mantém-se firme, na sua decisão de não participar do jogo, uma posição metafórica de quem não quer tomar partido nas contendas entre os personagens, velhos conhecidos entre si, demonstrando uma grande cumplicidade com SÉRGIO e apoio a ele.  Uma personagem que poderia não ser tão marcante, na trama, ganha destaque, graças à ótima atuação de CLARA.

 



Clara Santhana e Camilo Pellegrini.

 


FABRÍCIO POLIDO assume o personagem GUSTAVO, casado (Eu disse “casado”?) com ROBERTA, vivida por VERÔNICA REIS.  É o primeiro casal a encontrar o “esconderijo” dos amigos.  Embora anunciem que estão separados, naturalmente e demonstrando um certo alívio por isso, os dois ainda se relacionam, pelo menos na frente dos outros, “civilizadamente”, como se casados ainda fossem, e continuam dividindo a mesma casa, por questões econômicas.  Uma relação bastante artificial e doentia, principalmente quando os quatro, eles e mais os anfitriões, se reencontram, após um longo período de distanciamento, e os interesses, em tempos passados (Eu disse “passados”?) de GUSTAVO por MARÍLIA, a dona da casa, e de ROBERTA por ANDRÉ, o anfitrião, parecem aflorar (Eu disse “parecem”?).

 GUSTAVO vive de aparências e num mundo ilusório, sempre tentando ocultar seus fracassos, pessoais e profissionais, rindo, às fartas, mesmo daquilo que não tem a menor graça.  A sua excessiva extroversão, que chega a ser muito inconveniente, soa falsa, parecendo maquiar uma espécie de autopiedade.  Trata-se de um personagem frágil e completamente alienado, além de muito irônico, batendo às portas do sarcasmo, muito bem representado por FABRÍCIO.

ROBERTA, por sua vez, sobrevive à custa dos chamados “tarja preta”, do que parece se orgulhar, uma vez que vive anunciando, repetindo-se, que se tornou dependente deles, como se houvesse conquistado algum valioso troféu, ao ingressar no universo dos dependentes.  Afogada numa amargura profunda, mostra-se fracassada em seu casamento e guarda um arrependimento, por não ter conquistado ANDRÉ, a quem “perdera” para MARÍLIA.  ROBERTA já inicia o jogo como uma “perdedora”, mas, pelo menos, ali, esforça-se por novas conquistas, nem que sejam de territórios.  Não desperdiça uma oportunidade de alfinetar os outros, com seu humor ferino e agressivo.  Merece todos os elogios o trabalho de VERÔNICA.

 



Verônica Reis e Fabrício Polido.

 

O casal anfitrião é formado por ANDRÉ (RICARDO GONÇALVES) e MARÍLIA (NATASHA COBERLINO).  RICARDO, que, assim como VERÔNICA REIS, já esbanjaram talento na montagem de “Os Sapos”, repete, aqui, uma excepcional atuação, sendo seu personagem o que, talvez, mais consiga a simpatia e cumplicidade do público, por representar uma pessoa insatisfeita, contrariada, sem muitas condições de lutar contra a triste realidade a que foi conduzido, tendo que, praticamente, se satisfazer com o seu “status quo”, embora não se cale e, pelo menos, em palavras, se rebele contra ele.  Faz de tudo a fim de que a mulher cancele o convite aos amigos, para o jogo daquela noite, como se antevisse o tsunâmi que poderia abalar a vida de todos os jogadores.  Cedendo aos argumentos e à pressão da esposa, o casal teve de trocar Copacabana por um distante bairro do subúrbio carioca, o que o transformou num pássaro aprisionado numa gaiola, sem poder cantar, distante de uma vida cultural, que era o seu oxigênio.  Sufocado naquele mísero apartamento, vive reclamando da atual situação, que interfere na sua criatividade para o trabalho – um artista que não consegue criar - e na própria relação afetiva com a mulher, advindo daí uma instabilidade na vida conjugal dos dois.  Brilhante atuação do RICARDO!

NATASHA COBERLINO, MARÍLIA, é quem consegue sustentar a casa, com seu emprego estável, entretanto, se, por um lado, pode-se considerar uma vitoriosa, no campo profissional, sofre a dor de ver escorrendo pelo ralo um casamento.  Feliz no “jogo”, infeliz no amor?  Utiliza-se de muita ironia, para se defender e se vingar, talvez nem ela sabendo do que ou de quem.  Ao convencer ANDRÉ na mudança para um bairro afastado, porém próximo ao seu local de trabalho, do qual ela não pode abrir mão, MARÍLIA se livra do transtorno da difícil e sofrida locomoção diária casa/trabalho/casa, numa atitude decodificada pelo marido como egoísta, procurando resolver o seu problema, enquanto acaba criando um maior, a quase anulação de um ser humano, de um artista.  Provocada pelos outros, aos poucos, MARÍLIA vai perdendo o tom elegante e hospitaleiro, trocando-o, com o auxílio da bebida, por um outro, do “sem-papas-na-língua”, de quem acha que chegou a hora definitiva de conquistar o seu território, custe o que custar.  Ótimo trabalho de NATASHA.

 

 


Natasha Coberlino e Ricardo Gonçalves.

 

 

CENÁRIO: LORENA LIMA foi felicíssima na concepção deste importante elemento, em qualquer peça, especialmente nesta montagem.  Acertou 100% no cenário, nos detalhes simples de uma modesta habitação suburbana de um casal de classe média “quase baixa”, que teve de se adequar a um patamar inferior, em termos socioeconômicos.  Poucos móveis, meio anacrônicos, como uma pequena estante e uma vitrola, além de objetos decorativos de gosto duvidoso, aos quais se vai juntar um quadro, idem, presenteado pelo casal GUSTAVO e ROBERTA, pintado por esta.  Como já disse, acima, muito gostaria de falar mais sobre este elemento e de como ele interage na peça, fruto de uma inteligente ideia da direção, em consonância com a cenógrafa, entretanto isso roubaria, aos que irão assistir à peça, o prazer de uma grande surpresa.

 

 


Cenário.

 


Os amigos trazem um presente.

 


O presente (um quadro) será agregado ao cenário.

 

FIGURINOS: PATRÍCIA MUNIZ é quem assina os figurinos de “WAR”, os quais servem, perfeitamente, a cada um dos personagens, sem detalhes que sobressaiam, além do aspecto de conforto, para que os atores se movimentem em cena.  PATRÍCIA também é responsável pela justa direção de arte.

 

ILUMINAÇÃO: ANDERSON RATTO procurou criar uma luz simples, sem muitas variações, bastante adequada às cenas.

 

TRILHA SONORA: RENATA MIZRAHI brinca, com seriedade, acumulando esta função, de forma satisfatória.

 

DIREÇÃO DE MOVIMENTO: JULIANA MEDELLA.  Esta atividade veio para ficar, auxiliando e facilitando o trabalho da direção.  JULIANA cumpre bem a sua função.

 

 


Concentração no jogo.

 

 


Mais concentração.

 

 

            “WAR”, para mim, tem uma posição garantida entre os dez melhores espetáculos a que já assisti neste ano (2015), motivo pelo qual o recomendo.

 

Fiquem atentos, pois, apesar de encerrar a temporada no dia 30 de agosto, no simpático espaço do Teatro I do SESC Tijuca, a peça fará uma segunda, no Teatro SESI, no Centro do rio de Janeiro, durante o mês de setembro (ver SERVIÇO).

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:

Texto: Renata Mizrahi
Direção: Diego Molina
 
Elenco (por ordem alfabética): Camilo Pellegrini, Clara Santhana, Fabrício Polido, Natasha Corbelino, Ricardo Gonçalves e Verônica Reis
 
Cenário: Lorena Lima
Direção de arte e Figurinos: Patrícia Muniz
Iluminação: Anderson Ratto
Trilha Sonora: Renata Mizrahi
Direção de movimento: Juliana Medella
Assistente de direção: Carolina Godinho
Fotos e Vídeos: Ananda Campana
Programação visual: Ivi Spezani
Intérpretes de Libras: JDL Acessibilidade na Comunicação
Direção de Produção: Maria Alice Silvério
Produção e Realização: Companhia Teatro de Nós
 

 

 

 


Fim de jogo.

 

 


“Game over”!

 

 


Recolhendo cacos.

 

 

 

 
SERVIÇO:

Teatro SESC Tijuca – Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 3238-2072
Lotação: 228 lugares
Temporada: Até 30 de agosto (2015)
Dias e horários: De 6ª feira a domingo, sempre às 20h
Sessões com Libras: Dias 14 e 23 de agosto
Ingressos: Inteira R$20,00; R$10,00 (estudantes e idosos); R$5,00 (associados do Sesc)
Duração: 90min
Classificação Etária: 12 anos
Comédia dramática

 
2ª TEMPORADA:
 
Teatro SESI – Centro - Av. Graça Aranha, 1 – Centro – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2563-4164 (bilheteria)
Lotação: 350 pessoas
Temporada: De 3 a 26 de setembro (2015)
Dias e horários: De 5ª feira a sábados, sempre às 19h30min
Sessões com Libras: Dias 17 e 26 de setembro
Ingressos: Inteira R$30,00; Meia-Entrada R$15,00
 
 

 

 

 


Aplausos!  BRAVO!!!

 

 

(FOTOS: RENATO MANGOLIN)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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