“LADY
TEMPESTADE”
ou
(“QUEM SABE
FAZ A HORA,
NÃO ESPERA
ACONTECER”
– GERALDO
VANDRÉ.)
A cada
aula de TEATRO a que assisto, como ocorreu no último sábado (19
de janeiro / 2024), mais eu valorizo o artista brasileiro e agradeço a Deus,
por me permitir testemunhar isso e fazer parte de cada um desses momentos.
Neste exemplo específico, falo de “LADY
TEMPESTADE”, um monólogo, escrito por SILVIA GOMEZ, com direção
de YARA DE NOVAES, trazendo, como
estrela única e absoluta do espetáculo, ANDREA
BELTRÃO. Só tenho a lamentar, e muito, o fato de a temporada ser tão curta,
já que a atriz, para atender a compromissos na
televisão, não teve disponibilidade para cumprir a longa temporada que gostaria
de fazer, e a peça merecia. A atual jornada do solo se encerra no próximo dia 04 de
fevereiro, para a qual, salvo engano, todos os ingressos já estão
esgotados, sobrando apenas alguns lugares extras, na plateia superior, vendidos
no dia de cada sessão, pelo que me informaram. Mas, tão logo a atriz esteja
liberada das gravações de uma novela, “No Rancho Fundo”, e esperamos que
seja em breve, o espetáculo deverá voltar ao cartaz, a fim de dar, a centenas
ou milhares - sei lá – de amantes do bom TEATRO, a oportunidade de
conferir a montagem, ávidos que estão por assistir ao espetáculo. Esperemos que
o tempo passe logo, pois sou o primeiro a querer revê-lo.
SINOPSE:
Numa madrugada estranha,
uma mulher atende a uma chamada telefônica e um desconhecido lhe avisa que ela
receberá, em três ou quatro dias, pelo correio, os manuscritos do diário da
advogada pernambucana Mércia Albuquerque, defensora de
presos políticos durante a ditadura civil-militar brasileira, inaugurada com o
inadmissível, truculento e cruel GOLPE de 1964.
A Dra. Mércia foi uma
mulher, aparentemente comum, que salvou a vida de muita gente, durante aqueles
terríveis “anos de chumbo”.
Numa jornada de reflexão e
encontro com histórias escondidas da nossa própria história, a dramaturgia
explora o espaço de invenção entre o documento e a ficção e a colisão entre o
passado e o presente para pensar o futuro.
Quem
está acostumado a um TEATRO mais “leve” ou prefere
assistir a peças com o único intuito de se divertir, o TEATRO “digestivo”,
como uma mera forma de lazer, o que sempre é válido e bem-vindo, deve pegar
outro rumo – Não quero enganar ninguém. -, porque “LADY TEMPESTADE” não é para isso; é, antes, um espetáculo que
presta uma justa homenagem a uma ilustre mulher, corajosa e humana, a lhe
enaltecer os gestos de humanidade, seu altruísmo, se não for exagero utilizar
tal vocábulo. É uma peça que faz pensar e nos obriga a abraçar reflexões sobre
violências e injustiças no presente e no futuro.
Mas
quem foi Mércia Albuquerque? Seria ela merecedora mesmo de ser tema para
um espetáculo de TEATRO? Num país “desmemoriado”, é até compreensível
que o nome como o da Dra. Mércia soe como
desconhecido para a grande maioria das pessoas. Eu mesmo, que me considero uma “pessoa de luzes”, circulando nos mundos artístico e acadêmico, acostumado a
ler bastante e sendo um indivíduo bem informado, confesso, com uma certa dose
de vergonha e de “mea-culpa”, que muitíssimo pouco sabia acerca da militância de
Mércia,
em favor dos que precisavam de sua ajuda. Mas o TEATRO serve, também,
para resgatar valores, mormente os positivos. Felizmente, basta “dar
um Google”, que uma enxurrada de informações sobre ela se abrem na tela
do computador ou do celular.
Mércia Albuquerque
(Foto: Fonte Desconhecida.)
Mércia Albuquerque, morta em 29 de
janeiro de 2003, é considerada a maior advogada nordestina de presos
políticos da ditadura militar de 1964. “Os dados ainda estão em fase de
levantamento, mas estima-se que ela tenha defendido mais de 500 pessoas, sendo
cerca de 10% do Rio Grande do Norte”, como detalha Roberto Monte, diretor do
“Centro
de Direitos Humanos e Memória Popular no RN”. O acervo de Mércia
Albuquerque é formado por diários, cartas e pastas com material
jurídico, tudo relativo ao período da repressão militar. Seus diários abarcam os anos de 1973 e 1974.
Naquela
época de prática profissional de Mércia,
em que as pessoas estavam sendo ameaçadas, perseguidas, presas, desaparecidas e
mortas pelo regime ditatorial, de extrema direita, era difícil um preso político
encontrar advogados que aceitassem defendê-los, uma vez que todos estavam
preocupados em resguardar suas próprias vidas e as de suas famílias, porém, Mércia, uma humanista de
formação, jamais se negava a abraçar mais uma causa e não se limitava a atuar
apenas para ministrar o “remédio
jurídico”, no dizer de
Roberto Monte; ela ia além, visitando seus clientes, na cadeia,
levando-lhes um pouco de conforto material também, representado por comidas e
outros pequenos “mimos”.
Pode-se
considerar o marco de início da sua atuação junto àqueles presos o dia em que,
vendo, pelas ruas de Recife, “gorilões” do Exército arrastando, como não se
deve fazer nem com um animal irracional, Gregório
Bezerra, um destacado dirigente comunista brasileiro, membro do PCB, tendo participado dos Levantes da ANL (Aliança Nacional Libertadora),
deputado constituinte de 1946 e ferrenho opositor da ditadura militar brasileira ,
Mércia, ainda muito jovem,
tomou a decisão de ser quem foi, no campo da Justiça, exclamando: “A
partir de hoje, vou defender esse povo!”.
O excelente texto da
peça, fruto do talento da dramaturga SILVIA
GOMEZ, gira, exatamente, em torno dos diários da ilustre advogada, no que diz
respeito à sua atuação em defesa de centenas de presos(as) políticos(as) do nordeste,
principalmente entre 1973 / 1974, período considerado dos mais graves do
regime ditatorial de então. No texto, sem obedecer a uma cronologia, mesclam-se
o passado, o presente e o futuro; misturam-se falas de uma personagem, A.,
a mulher que recebe os diários da advogada e fica impactada com o testemunho
pela busca de justiça — ou, ao menos, o
paradeiro de desaparecidos, a partir das súplicas de mães desesperadas — com as de outra, a própria Mércia,
em narrativas repletas de violência e coragem.
No
formato de um “diário dentro do diário”, A.
“encara
o dilema de se envolver com aquela história, mas acaba mergulhando nela. Aos
poucos, vai revelando uma personagem feminina importante, que começa a ser
reconhecida a partir da publicação de suas memórias em livro, em 2023”.
Logo no início da peça, uma fala da atriz já deixa bem claro o que o público
vai encontrar no palco do Teatro Poeira. Acreditando estrar
sendo fidedigno ao que escreveu a autora, aqui vai a tal fala: “Mércia
dizia que era uma contadora de histórias de pessoas que reconstruíram a
liberdade. Eu sou uma contadora de histórias. Eu acredito que contar histórias
é uma maneira amorosa de pensarmos juntos no nosso passado, nosso presente e
nosso futuro. Contar histórias amorosamente, para nunca esquecer. Para
tentarmos responder às perguntas que fazemos a nós mesmos, aqui e agora,”.
Histórias duras de se ouvir, mas necessárias de se contar, para que não
voltemos a “assistir a filmes indesejáveis, de péssima qualidade”.
Felizmente, muito recentemente, um “livramento” permitiu que aquelas
ameaças não voltassem a acontecer. Mas é sempre bom estarmos atentos a uma
frase que, durante a peça, é repetida pela personagem A.: “Essas coisas acontecem,
aconteceram, acontecerão”. Que fiquemos só na conjugação do verbo no
pretérito perfeito, deixando de lado o presente e o futuro!
“Atenção, ao dobrar uma esquina!
Uma alegria, atenção, menina!
Você vem, quantos anos você tem?
Atenção, precisa ter olhos firmes
Pra este sol, para esta escuridão!
Atenção!
Tudo é perigoso!
Tudo é divino, maravilhoso
Atenção para o refrão!
É preciso estar atento e forte!
Não temos tempo de temer a morte.”
(“Divino, Maravilhoso”, Caetano Veloso e Gilberto Gil)
SILVIA GOMEZ deu forma à sua dramaturgia, partindo de
uma ideia da diretora, YARA DE NOVAES,
de narrar a história como se fosse o diário de A. lendo o diário de Mércia,
que ganha a minha modesta aprovação. Muito oportuno é dizer
que a
pessoa que envia a encomenda para A., os diários, na vida real, citado,
na peça, como R., Roberto Monte, já identificado como diretor do “Centro
de Direitos Humanos e Memória Popular no RN”, de fato, mandou
os escritos da pernambucana para YARA
e ANDREA, antes mesmo de
publicá-los, em meados de 2023, no livro “Diários de Mércia Albuquerque:
1973-1974), pela editora “Potiguariana”, que já estou me apressando
em comprar e ler.
Os relatos que
desfilam nas tábuas do Teatro Poeira são comoventes,
totalmente reais, e chegam a provocar repugnância, como o que se refere a uma
das 12
prisões de Mércia, quando, sozinha em casa, com seu bebê, viu-se
obrigada a mandar uma mensagem em uma garrafa, presa numa cordinha, para a
vizinha de baixo, pedindo para ela cuidar da criança, enquanto não fosse
liberada pelos malditos “gafanhotos”, uma das alcunhas que
usava para chamar os militares; quer dizer, os “milicos” ou “gorilas”,
como prefiro me referir a eles (Não confundir “MILITARES” com “milicos”.)
O título da peça
surgiu em função da atuação heroica de Mércia e de uma frase em que ela se
compara à sua mãe: “Minha mãe é bonança; eu não, sou tempestade.”.
Não há muito o que
falar sobre o excelente texto de SILVIA
GOMEZ, além de que a autora foi muito feliz na garimpagem das informações e
na sua costura, valorizando, em minúcias, cada detalhe da vida da homenageada. Uma encenação de qualidade, o seu sucesso, depende de uma boa dramaturgia; tudo começa nela. SILVIA contribui, substancialmente, para que "LADY TEMPESTADE" venha agradando tanto ao público e à crítica especializada.
Todos os elementos
que entram na construção de uma montagem teatral são harmônicos aqui: a cenografia,
de DINA SALEM LEVY; o figurino,
criado por MARIE SALLES; a luz,
desenhada por SARAH SALGADO e RICARDO VÍVIAN; e a trilha
sonora, criação de CHICO B, o personagem F., no espetáculo, filho de ANDREA, o qual acompanha a atriz, em alguns trechos do solo.
Dialogam, em mesmo
nível de qualidade, o texto, a direção e o trabalho
de interpretação. Sobre aquele, já disse o suficiente. YARA DE NOVAES, por trás de uma proposta
de direção bem simples, à primeira vista, revela, mais uma vez, seu talento na
função, com detalhes de marcação e soluções bastante criativos. Como exemplo, a luz entra como
um forte elemento, nesta criação da diretora, até fora do espaço cênico, na
cena em que, vindo do fundo de uma das laterais do palco, temos a impressão de
que, a qualquer momento, aparecerá o veículo mencionado naquela situação.
Quanto a ANDREA BELTRÃO, será sempre uma
redundância dizer que se trata de uma das mais brilhantes atrizes de sua
geração. Ela circula, com conforto, segurança e talento, tanto no drama quanto
na COMÉDIA,
e não sei em qual dos dois gêneros a atriz se sai melhor. Acho que nos dois. ANDREA – jamais me esquecerei – me fez
quase explodir de tanto gargalhar, na peça “Jacinta” (2012 / 2013), à qual assisti por três vezes, com texto
de Newton
Moreno e direção do saudoso e querido Aderbal Freire-Filho, no mesmo
Teatro
Poeira, a história de uma atriz portuguesa, a “pior atriz do mundo”.
Mas também foi ela quem me levou às lágrimas, no ano passado, no espetáculo “Antígona”,
a história da princesa que desafiou um rei, para
que o corpo do próprio irmão pudesse ser sepultado, como são merecedores todos os seres humanos, personagem aquela que guarda grandes
semelhanças com Mércia Albuquerque. Há de ser ressaltada
a sua capacidade de passar de uma personagem a outra com muita naturalidade.
Que aula de interpretação!
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia:
Silvia Gomez
Direção:
Yara de Novaes
Assistência
de Direção: Murillo Basso
Interpretação:
Andrea Beltrão
Cenografia:
Dina Salem Levy
Assistente
de Cenografia: Alice Cruz
Figurinos:
Marie Salles
Desenho
de Luz: Sarah Salgado e Ricardo Vívian
Criação
e Operação de Trilha Sonora: Chico BF
Desenho
de Som: Arthur Ferreira
Identidade
Visual: Fábio Arruda e Rodrigo Bleque (Cubículos)
Fotografia:
Nana Moraes
Assessoria
de Comunicação: Vanessa Cardoso (Factoria Comunicação)
Assessoria
de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Comunicação
Digital: Bruna Paulin
Produção:
Quintal Produções
Temporada:
De 04 de janeiro a 04 de fevereiro de 2024.
Local: Teatro Poeira
Endereço: Rua São João Batista, nª 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21) 2537-8053.
Dias
e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia-entrada).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 15h às 21h, e domingo, das 15h às 19h.
Vendas
também pela plataforma SYMPLA.
Capacidade: 171 lugares.
Acessibilidade:
SIM.
Duração:
70 minutos.
Classificação
Etária: 12 anos.
“LADY
TEMPESTADE”, ainda que no início da temporada teatral de 2024,
já se apresenta como uma produção que merece - e deve constar nas listas - indicações
em várias categorias, nos prêmios der TEATRO do Rio de Janeiro, os que
merecem crédito, naturalmente.
Recomendo,
com total empenho, o espetáculo!
FOTOS: NANA MORAES
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTE TEXTO, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
Nenhum comentário:
Postar um comentário