“SOBREVIVENTE”
ou
(PARA APAGAR
APAGAMENTOS.)
ou
(“PREPARE O
SEU
CORAÇÃO
PRAS COISAS
QUE EU VOU CONTAR...”
- GERALDO VANDRÉ e
THEO DE BARROS.)
Em 2019, no Rio de Janeiro, vi, no palco do Teatro Poeirinha, NENA INOUE deixar uma plateia boquiaberta, com seu talento, presença de palco e energia vigorosa, num solo, o primeiro, que fazia parte de uma, “Trilogia para Adiar o Fim”, espetáculo pelo qual a atriz recebeu muitas indicações a prêmios e a conquista de alguns. O espetáculo era “PARA NÃO MORRER”, uma peça baseada no livro do escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), com dramaturgia do curitibano Francisco Mallmann, direção da própria Nena e direção de texto de texto de Babaya. O espetáculo apresentava temáticas femininas e feministas, atreladas a questões políticas, especialmente da América Latina. Uma mulher, apropriando-se da palavra, dava voz e vez a muitas outras. Diferentes lugares, vidas e momentos históricos se mesclavam num “clamor que trazia a coragem de narrar, a urgência de ser dito e de compartilhar essas histórias”. Por ter gostado tanto do monólogo, assisti a ele mais duas vezes, num curto prazo de duas semanas.
(Para Não Morrer" - 2019.)
No ano passado, participando,
ativamente, do “Festival de Curitiba”, em sua 31ª edição, tive a
oportunidade de assistir à estreia de “SOBREVIVENTE”,
o segundo espetáculo da “Trilogia”, peça aqui analisada. Ao todo, no período compreendido entre 27 de
março e 9 de abril, assisti a 25 espetáculos, os mais diversos
possíveis, e gostei de 19, incluindo o solo de NENA. E escrevi críticas para 18,
ficando de fora apenas “SOBREVIVENTE”, porque não houve
tempo hábil para terminar de escrevê-la e publicá-la e também por outro motivo.
Como não trabalho com “laptops”, quando viajo, rascunho
as críticas, a mão, para não me esquecer de detalhes, e ponho-me a dar-lhes forma
definitiva quando volto a casa. De volta ao Rio, depois de ter
iniciado o processo de trabalho de escrita da minha apreciação crítica, pelo computador, acabei perdendo todo o material já produzido, por conta
de um “bug” na minha máquina. Fiquei muito triste, porém não perdi a
esperança de rever a peça, no Rio, como aconteceu na última segunda-feira (20 de janeiro / 2024), no Teatro Firjan Sesi Centro, com o firme propósito de realizar a minha profunda vontade de expressar meu parecer sobre a montagem.
SINOPSE:
Conhecemos as
mulheres que vieram antes de nós?
Quais histórias foram apagadas?
“SOBREVIVENTE”,
uma
“comédia-tragédia”, aciona as micro e macro histórias de nossas origens
e desperta, no público, a reflexão sobre os apagamentos das mulheres que vieram
antes de nós.
A atriz NENA INOUE, adota o TEATRO DOCUMENTAL, em diálogo vivo com a ficção, para potencializar a história apagada das mulheres de sua família e mergulha em suas raízes orientais e latino-americanas, na busca de sua ancestralidade indígena.
Inicio os trabalhos, dizendo que “SOBREVIVENTE” é mais que uma simples
peça de TEATRO; “é um relato documental em
diálogo vivo com a ficção, que resgata histórias apagadas de mulheres
ancestrais da família de Nena Inoue”. Mais propriamente, de sua mãe
e de sua avó materna. Nos últimos três ou quatro anos, por aí, salvo engano, NENA teve sua curiosidade aguçada por
querer saber de sua ancestralidade, conhecer mais da vida de duas mulheres: a
mãe e a avó materna. Pouco sabia sobre as suas origens, e havia uma possibilidade de
ela ter uma ascendência indígena, o que muito lhe interessava. Partiu, então,
para uma apuradíssima pesquisa, viajando pelo país, na tentativa de resgatar
sua “genuinidade”,
fazendo contatos, de todas as formas, com pessoas que poderiam lhe auxiliar na
montagem do “quebra-cabeças”, com as pistas que iam surgindo, ainda sem o
propósito de produzir uma peça de TEATRO.
Reunido o material, resolveu contar seu "périplo" nos palcos e
convidou o amigo HENRIQUE FONTES, para
trabalhar com ela, escrever e dirigir um espetáculo teatral. HENRIQUE é um manauara, radicado em Natal,
ator, diretor, dramaturgo
e produtor,
com 32
anos dedicados ao TEATRO. Atuou em mais de 25 montagens e faz parte,
atualmente, do “Grupo Carmin”, da capital potiguar, do qual é co-criador, companhia
que reputo como uma das melhores do país, na qual assina direções e dramaturgias,
além de atuar em vários espetáculos. Com “A Invenção do Nordeste”, com estreou em 2017 e trilhando o
sucesso até hoje, foi vencedor de muitos prêmios. Além de sócio-fundador do “Espaço Cultural Casa da Ribeira,
HENRIQUE FONTES também passou pelas
companhias “Atores à Deriva e Beira de Teatro” e “Grupo de Teatro Clowns de
Shakespeare”. Não poderia perder a oportunidade de dizer que o Rio
Grande do Norte, leia-se Natal, é um dos maiores celeiros
teatrais do Brasil.
(Foto: fonte desconhecida.)
(Foto: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
(Foto: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
O
processo de “incubação” da peça foi demorado e bastante minucioso,
revestido de muito afeto e intenções convergentes, por parte de NENA e FONTES, o qual, logo no início de 2023, se mudou para a
casa da atriz, em Curitiba, onde, por mais de dois meses de muito trabalho, o
solo foi tomando forma, até ficar pronto para a sua estreia.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
E
NENA INOUE, quem é? Tendo tido a
oportunidade de acompanhar, de perto, intensamente, durante duas semanas, seus
movimentos, em sua cidade, tempo que durou o já citado “Festival”, pude
constatar quão importante essa mulher é, para o TEATRO local e para o Brasil,
cada vez mais. Ela chega “comendo pelas beiradas”, mas sempre
muito decidida a “marcar terreno”. E “agitando” o tempo todo, “parecendo
ligada a uma tomada de 220 volts”. Naquele “Festival”, além da tão
aguardada estreia de “SOBREVIVENTE”,
NENA não parou, desdobrando-se em
outras atividades e projetos em TEATRO, literatura, música e performance, valorizando o artista
local e, principalmente, os mais jovens. Sem falar que é uma pessoa
muito querida e respeitada entre seus pares.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
NENA, com outro nome de pia, é atriz, diretora,
produtora,
ativista
e agitadora
cultural. Achei pertinente transcrever sua apresentação, feita por ela
mesma, com cortes, extraída de seu “site” oficial: “A primeira vez que vi TEATRO, tinha
treze anos. Foi em Santos, durante um ‘castigo familiar’, quando me levaram para
morar com minha avó paterna, japonesa, pra ver se ela ‘me dava jeito’. Não sei
se era esse ‘jeito’ que meus pais queriam, mas acho que ‘me dei jeito’, pois
descobri o TEATRO. E, na sequência, quando fui morar em Curitiba, para cuidar
da irmã menor e de minha mãe, que estava doente e recém-separada de meu pai,
acabei entrando no Curso de Teatro do Guaíra e, desde então, nunca mais parei.
Faço teatro há 40 anos, ininterruptamente, atuando, produzindo, dirigindo, ‘levantando
o circo’, em mais de 80 espetáculos. Fui Diretora Artística do Teatro Guaíra.”.
E eu acrescento que ela nasceu em Córdoba, Argentina.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
O
foco central da peça é “dar luz ao
apagamento da história vivida por várias de nós”. Através do TEATRO DOCUMENTAL, é intenção comum
à atriz e ao autor e diretor, compartilhar a busca da ancestralidade dela,
tendo descoberto, recentemente que haveria uma possibilidade de sua avó ter
sido indígena. Fosse qual fosse a sua verdadeira origem, NENA não sabia nem entedia por que essa história fora apagada,
assim como acontece a muitas outras mulheres. E isso a incomodava bastante; e
incomoda até hoje.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
Embora a impressão que me fique seja a de que cada plateia
inteira deixa os Teatros por onde o espetáculo passa em total “estado
de graça”, depois de ter assistido a “SOBREVIVENTE”, é bem possível que algumas poucas
pessoas, as que preferem assistir a um “TEATRO convencional”, “comme
il faut” (Todas as formas de TEATRO são boas, quando este é bem feito.),
possam não sair tão satisfeitas, por conta do formato e da proposta do solo,
mas uma coisa ninguém vai negar: NENA INOUE, nas funções de atriz e comunicadora,
merece muitos aplausos. O solo é conduzido dentro de uma dinâmica tal,
de modo a estabelecer uma conexão direta com o público, provocando, em cada
espectador, mais em uns do que em outros, reflexões sobre a ancestralidade de
cada um. Na verdade, muita coisa dos “nossos porões” não vem a lume, durante
as nossas vidas, e morremos “ignorantes”. Eu mesmo sou um exemplo
disso, com relação aos meus avós e, depois de ter assistido a “SOBREVIVENTE”, senti uma pontinha de
curiosidade por saber o máximo possível das origens de dois casais: Joaquim
(português) e Leonor, avós maternos, e Álvaro
(italiano) e Maria, os paternos. Oxalá eu consiga ter 10%
da determinação de NENA, na busca da
história da minha família!
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
O
texto da peça, bastante natural e descontraído, nos mostra uma história
feminina e feminista, com enfoque em informações verídicas, por meio de uma narrativa
documental, feita a partir da uma frenética busca, uma investigação que acabou
por revelar descobertas surpreendentes, trazidas para este “TEATRO-verdade”. Sinto
que a dramaturgia foi surgindo concomitantemente a ideias de direção,
função, competentemente, acumulada por HENRIQUE FONTES,
todas muito criativas, que utilizam a tecnologia a favor das tábuas. Da
primeira à última cena, são projetadas muitas imagens, num telão, ao fundo do
palco, como a contracenar com a atriz. São imagens, signos concretos, que, muitas
vezes, falam mais alto que palavras, um rico e diversificado material garimpado
por NENA.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
Junto
com a artista, também está no palco, numa de suas laterais, operando toda a
parafernália eletrônica utilizada na encenação, seu filho, PEDRO INOUE, também ator, que não se limita a apenas operar as
teclas e os botões. PEDRO também
participa, ativamente, da montagem, em vários momentos, dialogando com a mãe,
colocando-se na posição de um “coadjuvante de luxo”, sempre muito
preciso nas suas intervenções - e nos seus silêncios também -, as quais mais valorizam
o fabuloso trabalho da protagonista. O rapaz ainda se destaca, ostensivamente,
num momento de sapateado, como raramente se vê num palco. A interação mãe / filho
é perfeita e dá margem a improvisações sempre muito bem-vindas.
(Foto: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
(Foto: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
O
espetáculo ganhou uma cenografia bastante interessante e
pouco convencional, de CARILA
MATZENBACHER, também responsável pelos figurinos e adereços da peça. Não
poderia deixar de valorizar o trabalho de MARINA
ARTHUZZI, que assina uma luz intimista e totalmente inserida
na proposta desta montagem.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Henrique Fontes
Direção:
Henrique Fontes
Assistência
de Direção: Pedro Inoue
Atuação:
Nena Inoue e Pedro Inoue
Ator
Operador: Pedro Inoue
Direção de
Texto: Babaya
Cenografia / Figurino / Adereços: Carila Matzenbacher
Iluminação: Marina Arthuzzi
Operador de Luz: Vitinho Amaral
Músicas: Lilian Nakahodo
Cenotécnico: Nietzsche
Relato Voz "Off": Dráusio Galante, João Paulo de Souza
Relato
Vídeo: Dulce Cândida de Souza
Costureira:
Sandra Francisca Canonico
Fotografia (Oficial):
Daniel Sorrentino, Humberto Araujo, Maringas Maciel
Registros
Digitais: Igor Marotti, Trópico Audiovisual
“Designer” Gráfico: Martin Castro
Assessoria
de Imprensa: Ricardo Albuquerque e Juliana Aquino
Redes Sociais: Com Leite Comunicação
Colaboração
de Produção: Marcos Trindade
Produção
Local: Viviane Falkembach
Produção
Executiva: Amora Pinheiro
Idealização
e Coordenação Geral: Nena Inoue
Realização:
Teatroca e Espaço Cênico
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
SERVIÇO:
Temporada: De 15 de janeiro a 07 de
fevereiro de 2024.
Local:
Teatro Firjan SESI Centro.
Endereço:
Avenida Graça Aranha, nº 1 – Centro - Rio de Janeiro.
Telefone:
(21) 2563-4163.
Dias e
Horários: De 2ª a 4ª feira, às 19h.
Duração:
70 minutos.
Classificação
Etária: 14 anos.
Valor dos Ingressos:
R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada), pela plataforma Sympla.
Gênero:
Teatro Documental.
(Fotos: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
Recomendo,
sem pestanejar, o espetáculo e já estou ansioso pelo terceiro, da “Trilogia”,
já em fase de pesquisa, com estreia prevista para o próximo ano, visto que,
assim como “Para não Morrer”, que pode ser visto, esporadicamente, até
hoje, “SOBREVIVENTE” ainda tem muito
chão a cumprir.
(Foto: GB - Festival de Curitiba - 2023.)
FOTOS (OFICIAIS):
DANIEL
SORRENTINO,
HUMBERTO ARAÚJO
e
MARINGAS
MACIEL.
GALERIA PARTICULAR:
(FOTOS DE GILBERTO BARTHOLO - GB -
e JOÃO PEDRO BARTHOLO.)
(Foto: João Pedro Bartholo.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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