terça-feira, 8 de outubro de 2019


3 MANEIRAS
DE TOCAR
NO ASSUNTO



(E MUITO MAIS QUE TRÊS MOTIVOS
PARA SE ASSISTIR AO ESPETÁCULO.)







            Para quem aprecia o bom TEATRO e sabe reconhecer que uma peça será boa, ao final, logo nos primeiros cinco minutos de ação, não há como não assistir a “3 MANEIRAS DE TOCAR NO ASSUNTO”, indiscutivelmente, um dos melhores monólogos a que assisti, neste ano de 2019, e, por que não dizer, na minha vida de “rato-de-TEATRO”, em cartaz no Teatro Poeirinha (VER SERVIÇO.).

            E, se a peça se propõe a mostrar apenas três maneiras para se abordar uma temática das mais importantes a ser visitada e revisitada, nos dias de hoje, o que não faltam são motivos para se conferir o espetáculo, escrito e interpretado por LEONARDO NETTO, sob a direção de FABIANO DE FREITAS.

            Dizer, como está no “release”, enviado por PAULA CATUNDA (ASSESSORIA DE IMPRENSA), que o solo aborda a homofobia na sociedade moderna” seria muito pouco. No mesmo “release”, porém, há um trecho que apresenta o espetáculo como “um manifesto contra a intolerância”. Talvez seja, até, muito mais do que isso.










SINOPSE:


Interpretado por LEONARDO NETTO, o espetáculo se apresenta sob a forma de três solos independentes, os quais colocam em pauta questões relacionadas à homossexualidade e ao preconceito e à intolerância contra o homossexual e a comunidade LGBT, em geral.

No primeiro, uma “aula” de como se praticar o “bulliyng”, baseado em histórias reais de crianças e jovens, que sofreram com a intolerância e o preconceito na escola, sem falar no depois, na vida.

O segundo parte do depoimento ficcional de um dos participantes da “Revolta de Stonewall”, ocorrida em junho de 1969, em Nova York, marco fundamental da luta pelos direitos da comunidade LGBT, que completou 50 anos, em 2019.

Para fechar a tríade, o último texto foi construído a partir de falas do ex-deputado federal Jean Wyllys, proferidas entre janeiro de 2011 e dezembro de 2018,







            Como se pode notar, o que desfila, em cena, não é fruto da imaginação do dramaturgo, não é uma alucinação, uma fantasia. A ficção se alimenta de fatos reais e muito tristes, além, obviamente, de intoleráveis, inaceitáveis, sob todos os pontos de vista.

            Um tema para três solos curtos, entretanto poderia ser abordado numa infinidade de outros, infelizmente, uma vez que a temática está presente, de forma negativa, no dia a dia de todos nós, no Brasil e, creio que, em todas as partes do mundo, em maior ou menor escala. Entre nós, a temática passou a ganhar um destaque maior ainda, a partir da eleição do atual presidente da república, um ser assumidamente homofóbico e instigador do ódio contra a grande massa que forma a população LGBT, no Brasil, país em que se mata, em que se ASSASSINA o maior número de homossexuais no mundo.

O espetáculo, inédito, “é um manifesto artístico contra a homofobia na sociedade moderna”. É um grito de alerta e de revolta contra a discriminação e toda a sorte de maldades praticadas contra cidadãos de bem, que trabalham, cumprem seus deveres, pagam seus tributos, impostos pela lei, e TÊM todo o direito de cuidar da sua vida sexual, íntima, que só a cada um interessa e diz respeito. E todos merecem e TÊM de ser respeitados, por todo mundo, porque, antes de sua orientação sexual, são seres humanos.





Que bom é ter, de volta, o grande ator LEONARDO NETTO, acumulando dois ofícios (Viva DONA FERNANDA MONTENEGRO, que adora usar este vocábulo: OFÍCIO!!!), o de intérprete e de dramaturgo, na escritura de uma dramaturgia, depois do grande sucesso que fez, em 2018, com “A Ordem Natural das Coisas”, texto que foi indicado a vários Prêmios de TEATRO, tendo saído vencedor num deles.





O texto é bastante denso e cheio de citações de fatos reais, ocorridos no Brasil, que tiveram alguma, ou grande, repercussão, cada um à sua época, mas que acabaram por cair no esquecimento. E é muito bom que LEONADO volte a eles, para dar uma “sacudida” em todos nós, mesmo os que compreendemos a dor e o sofrimento por que passam os homossexuais e para que nos coloquemos ao seu lado, na luta contra a discriminação a essa grande concentração de cidadãos brasileiros, que é o que nos interessa, em primeiro lugar, mas que tem a ver com gente do mundo inteiro. Durante o espetáculo, num mergulho ao passado recente, voltamos a nos lembrar de fatos escabrosos, trazidos à luz pelo autor: “Homofobia mata todo mundo: o pai, que teve a orelha arrancada, por beijar o filho; os irmãos, que foram linchados, por andarem abraçados. Não adianta achar que você está livre, porque você não é ‘gay’. Estamos vivendo um retrocesso de entendimento sobre isso, um conservadorismo estúpido. A população LGBT, no Brasil, está alijada de quase setenta direitos previstos na Constituição”.

O autor escolheu abordar o tema por três vieses diferentes e todos muito fortes, um para cada texto: Escola, Lei e Estado. Foi muito acertada a escolha, por se tratarem, as instâncias eleitas por ele, de três suportes para a formação e o sustento da cidadania.


O primeiro solo recebe o título de “O HOMEM DE UNIFORME ESCOLAR”, e, nele, é mostrada, de forma bastante real, a prática de “bullying” homofóbico, que, por incrível que possa parecer, começa, muitas vezes, em casa, ganha força na escola e chega ao ápice, quando o homossexual, já totalmente abatido, enfraquecido, fragilizado, humilhado, chega à idade adulta. Muitos não chegam a esse estágio da vida (“VIDA”?), porque são assassinados ou cometem suicídio, ainda quando crianças e adolescentes, alguns. É de estarrecer!!! O público fica sabendo o que é o “bulliyng”, de que forma é praticado e quais as suas consequências físicas e emocionais, por meio – e isso é o mais triste - de histórias reais de crianças e jovens, marcadas, emocionalmente, para o resto de suas vidas (Eu disse “vidas”?). Quero acrescentar que, dos três, o primeiro solo foi o que mais me marcou e incomodou, já que, como professor, da segunda fase do ensino fundamental até a graduação, na universidade, por 47 anos de magistério, fui testemunha de muito o que é relatado na peça, já tendo, inclusive, em várias oportunidades, de ter de intervir a favor das vítimas dessa prática cruel, covarde e “fascista”.   





No segundo, “O HOMEM COM A PEDRA NA MÃO”, que se baseia num fato real, a “Revolta de Stonewall”, na ótica  ficcional do depoimento de um dos participantes do movimento, salta aos olhos a capacidade de o personagem narrar os fatos de uma forma tão crível, nos mínimos detalhes descritivos, que nos levam a “ver” as cenas. Somos transportados à madrugada do dia 28 de junho de 1969, à cena do crime, e conseguimos “enxergar”, sem piscar os olhos, completamente presos à “imantável” interpretação do ator, a ação dos frequentadores de um reduto “gay” (“gays”, lésbicas, travestis, “drag queens”), o bar “Stonewall Inn”, no bairro do Village, contra a truculência da polícia, defendendo, os "gays", o seu sagrado direito de se divertir à sua maneira, de forma privada, sem incomodar ninguém nem invadir a privacidade de outrem. Vale lembrar que o bar funcionava de forma clandestina, graças aos subornos pagos a uma polícia corrupta (Já havia naquela época, e nos Estados Unidos da América. Quem diria, não é?), e que, até 1962, “qualquer prática homossexual era considerada crime em todos os estados americanos e a punição variava entre longa pena em regime fechado, trabalhos forçados ou mesmo a pena de morte” (Vítor Paiva, via internet.).



IMAGENS DA "REVOLTA DE STONEWALL"
(Fotos de autoria desconhecida, encontradas na internet.)














                                          (Fachada atual do prédio.)


Já no último solo, parece que, com “pena” de nós, o autor nos premia, com um delicioso momento de catarse. Chama-se este “O HOMEM NO CONGRESSO NACIONAL”, construído a partir de falas do ex-deputado federal Jean Wyllys, entre janeiro de 2011 e dezembro de 2018, tempo em que durou sua atuação no Congresso e que culminou com a renúncia ao cargo eletivo e um autoexílio, por receio de drásticas consequências, a partir das graves ameaças de que vinha sendo vítima; inclusive de morte. “Para criar o texto, LEONARDO assistiu (a) e transcreveu discursos, pronunciamentos, entrevistas e declarações do Jean e, cuidadosamente, criou o depoimento de um deputado ‘gay’ e ativista, na tribuna da Câmara”. Nunca fui eleitor desse senhor, mas respeito-o, antes, como cidadão, mas, também, pela sua luta em defesa própria e de seus pares. Creio que qualquer pessoa, pertença ela à comunidade LGBT ou não, que preza o respeito às diferenças e à liberdade e o sagrado direito de elas existirem, todos aqueles que não julgam o outro e aceitam as pessoas como elas são hão de, como eu, dizer que esse ex-parlamentar me representa. Com este último texto, o espetáculo é encerrado com chave-de-ouro e consegue “lavar a nossa alma”, aliviando, um pouco, a forte tensão a que somos submetidos, nos dois anteriores.

Reparem que, de forma muito correta e coerente, o autor faz questão de utilizar o vocábulo “HOMEM”, nos títulos dos três solos, já que, independentemente da orientação ou preferência sexual dos três personagens, eles são HOMENS, no sentido de gênero masculino e de ser humano.  





Extraído do “release” e muito oportuno: “Os textos propõem uma interlocução direta com o público: o que há, afinal, de tão incômodo, maléfico e repugnante na homossexualidade? Por que, através dos tempos, ela teve sempre de ser punida? Por que a orientação sexual de uma pessoa a transforma num cidadão de segunda classe, com menos direitos que o resto da população?”.

           O texto é brilhante, todo escrito - muito bem escrito, diga-se de passagem - numa linguagem fácil de ser entendida, para que as mensagens possam ser absorvidas sem muito esforço. É direto, denso, verdadeiro, construído com um vocabulário sem rebuscamentos e com construções sintáticas muito simples, diretas; refinadas, porém. LEONARDO mostra-se, mais uma vez, um grande conhecedor da língua portuguesa, o que não é tão comum, nos dias de hoje. Tudo é dito com muita lucidez, sem o menor nível de agressão ou vitimização exacerbada e o autor se mostra detalhista ao extremo, para que nada fique subentendido ou varrido para debaixo do tapete. Ele não nos poupa do sofrimento, em solidariedade aos personagens.





            Eu e LEONARDO somos ligados, há muito tempo, pela mesma paixão, o TEATRO, e creio que nunca deixei de assistir a uma montagem em que seu nome estivesse impresso na ficha técnica, em qualquer que fosse a função. Como ator, acho-o muito competente e prova disso ele já me deu em muitas ocasiões, porém confesso que nunca vi um LEONARDO NETTO representando com tanta força, verdade, profundidade, visceralidade. LÉO se agiganta em cena, nos três monólogos, principalmente no último, se bem que, no segundo, é impressionante a sua capacidade de nos envolver no relato dos fatos, como se estivéssemos presentes ao triste episódio, o qual acabou se tornando positivo, por gerar um certo empoderamento da população LGBT. Até a página 5, pelo menos, porque, apesar de alguns avanços, ainda somos obrigados a conviver, infelizmente, com o desrespeito e a agressão aos nossos parentes e amigos “diferentes”.

            Na direção da peça, está o ator, dramaturgo e diretor FABIANO DE FREITAS, “um artista-pesquisador dos temas LGBTI+”. Assisti a “O Homossexual ou a Dificuldade de se Expressar” e “Balé Ralé”, os dois espetáculos que abordavam a mesma temática da montagem em tela, a homossexualidade, ambos dirigidas por FABIANO, totalmente diferentes da atual, em termos de estrutura, mas encontrei, nesta encenação, o mesmo vigor e inteligência que ele empregou naquelas. Um bom diretor completa o trabalho de um bom ator, e vice-versa.





A direção optou, sabiamente, por uma economia na cenografia (ELSA ROMERO) e concentrou mais o foco das atenções no ator e seu magnífico trabalho. O pouco de concreto que há em cena é mais do que suficiente para LEONARDO expressar as intenções do texto. Uma cenografia simples, porém muito importante e integrada à proposta de encenação.

LUIZA FARDIN é outro acerto, na ficha técnica, como figurinista, havendo por bem vestir o ator-narrador-personagem com um traje de passeio completo, um sóbrio e elegante terno cinza, risca de giz, que atribui, ao personagem, um ar de seriedade e respeito, dentro dos padrões convencionais da sociedade moderna, em contraste com o modo de se vestir, mais descontraído, da maioria dos homossexuais, o que, por sinal, não faz a menor diferença. Ou não deveria fazer. O caráter de ninguém não pode ser avaliado por sua sexualidade nem por seu jeito de se trajar. Mas achei muito boa a proposta.

Outro ponto alto da montagem se concentra na ótima iluminação, assinada por RENATO MACHADO.

Para sublinhar alguns dos mais importantes momentos da peça, entra uma ótima trilha sonora, criada por RODRIGO MARÇAL e LEONARDO NETTO.

MÁRCIA RUBIM é a responsável pela direção de movimento, que deixa o ator muito à vontade e impede que a peça, que dura 80 minutos, possa gerar algum momento de monotonia ou simples diminuição de ritmo.

Para atingir, externamente, a construção do visual dos personagens, o espetáculo conta com um bom trabalho de visagismo, a cargo de MÁRCIO MELLO.







FICHA TÉCNICA:


Texto e Atuação: Leonardo Netto
Direção: Fabiano de Freitas
Cenografia: Elsa Romero
Figurino: Luiza Fardin
Iluminação: Renato Machado
Direção de Movimento: Márcia Rubin
Trilha Sonora: Rodrigo Marçal e Leonardo Netto
Visagismo: Márcio Mello
Vídeos: Leonardo Netto
"Video Mapping": Renato Krueger
"Design" Gráfico: Lê Mascarenhas
Fotos: Dalton Valério
Assessoria de Imprensa: Paula Catunda
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Operação de Luz: Bruno Aragão
Operação de Som e Vídeo: Rodrigo Marçal
Direção de Produção: Luísa Barros e Rafael Faustini
Realização: Fulminante Produções Culturais, Faustini Produções e Produtora Luísa










SERVIÇO:


Temporada: De 03 de outubro a 22 de dezembro de 2019.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo - Rio de Janeiro.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Informações: (21) 2537-8053.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 19h.
Valor do Ingresso: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).
Duração: 80 minutos.
Capacidade do Teatro: 49 lugares.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: Drama.








           O encerramento do espetáculo é impactante, com o ator imóvel, encostado na parede do fundo e sobre eles são projetadas muitas imagens (fotografias, vídeos e filmes), ligadas aos brutais crimes cometidos contra os homossexuais, num belo trabalho de edição. O responsável pelos vídeos é o próprio LEONARDO NETTO e, pelo "video mapping", RENATO KRUEGER.

            “3 MANEIRAS DE TOCAR NO ASSUNTO” é um grande desafio e uma prova de coragem dos envolvidos no projeto, uma vez que, por motivos diversos, as pessoas procuram não tocar no assunto. Mas é preciso tocar, sim. E muito. É preciso gritar e lutar pelo direito, inquestionável, de qualquer cidadão, de exercer a sua cidadania e viver sua vida sexual da maneira como desejar. Nesse sentido, além de tantos outros motivos, a peça nos apresenta um, em especial: é fundamental na luta para o esclarecimento sobre o que significa a homossexualidade e de como os homossexuais TÊM de ser tratados. É um espetáculo de utilidade pública.

            É preciso dizer que recomendo, sem a menor restrição, a peça e que espero revê-la, muito em breve?



Leonardo Netto e Fabiano de Freitas.




E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

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PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!


CENSURA NUNCA MAIS!!!





(FOTOS: DALTON VALÉRIO.)



(GALERIA PARTICULAR.
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO e
ANA CLÁUDIA MATTOS.)






Com meu amigo Leonardo Netto.








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