[nome do espetáculo]
(“DESCONSTRUIR O QUE ESTÁ
ENGESSADO”
ou
ASSIM TAMBÉM SE FAZ UM ÓTIMO MUSICAL.
ou
NEM SÓ COM MUITAS LUZES
E BRILHOS SE CONSEGUE BRILHAR
NUM PALCO.)
Outra
vez, vejo-me no dever de escrever sobre um espetáculo que vi, na última semana
de novembro do ano passado, e que, por estar em final de carreira (era a última
semana da temporada), comecei a escrever sobre ele, porém não deu tempo de publicar
a crítica. Resolvi aguardar sua volta, para, então, tecer comentários sobre a
peça.
Chama-se
“[nome do espetáculo]” (exatamente como está grafado) e acabou
se tornando um “azarão”, na linguagem turfística, que deu certo, na corrida em
busca de destaque entre os melhores espetáculos do ano, no gênero musical. A grande surpresa (AGRADÁVEL) de 2017.
Fiquei
totalmente encantado com o que vi, diverti-me à farta e torci muito para que
ele voltasse logo à cena, o que está ocorrendo, no teatro do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) (VER
SERVIÇO.)
SINOPSE:
O
espetáculo é a história real (ou quase real) de JEFF (JUNIO DUARTE) e HUNTER
(CAIO SCOT).
Para
participar de um festival de TEATRO,
de setembro, os dois escritores, com a ajuda de SUSAN (INGRID KLUG), HEIDI
(CAROL BERRE) e LARRY (GUSTAVO TIBI),
precisam criar um musical, em apenas
três semanas.
Através
da metalinguagem, o espetáculo, além
de, ao mesmo tempo, satirizar e homenagear o gênero musical, aborda o próprio fazer artístico e todas as etapas
de se produzir arte de maneira independente, tudo isso impregnado de
referências da cultura “pop”.
O espetáculo é, acima de tudo, sobre sonhar e
fazer acontecer.
Uma
sinopse curta não diz da importância
e da grandeza deste espetáculo, que surgiu como um ilustre desconhecido e
acabou por ser, merecidamente, incensado pelo público, pela crítica e por grandes
“celebridades” ligadas às artes cênicas.
Um espetáculo
que se revelou uma grande opção para quem aprecia o bom TEATRO MUSICAL, independentemente das grandes cifras que giram em
torno da produção da grande, quase total, maioria das montagens do gênero.
Um espetáculo
erguido com muito sacrifício, mas, acima de tudo, com extrema seriedade e
competência, a ponto de receber várias indicações a prêmios e estar disputando
a posição de vencedor.
Um espetáculo
daqueles que conseguem agradar logo no primeiro número musical, “Só o Número de Abertura”, em cuja
letra se destaca um trecho, que é a proposta principal da peça: “desconstruir
o que está engessado”.
Sim,
isso é o que pretendem. E conseguem. Isso é o que se vê em cena. Isso é o que
garante o sucesso do musical. Isso é
o seu grande diferencial, que o torna um espetáculo hilário, feito com um humor
inteligente e interpretado por um quinteto fantástico de craques, que não têm
seus nomes em destaque, cercados de lâmpadas piscando, na fachada dos teatros,
nem dividem o seu tempo entre o palco e a gravação de novelas pata a TV. Não vivem na, e da, mídia; não são “superstars”.
São super artistas.
Sem
incentivo privado, embora a corrida por patrocínios, durante dois anos, via Lei Rouanet, tenha sido insana, porém
infrutífera, o elenco, de, apenas, dois atores, duas atrizes e um pianista,
contrastando com os numerosos elencos de
musicais, contando, ainda, com TAUÃ
DELMIRO, que dirige a peça, e
mais alguns companheiros de labuta, que acreditaram no projeto, com recursos
próprios, partiram todos para uma empreitada, que, embora ainda não esteja se
pagando, está dando para sobreviver e, o melhor (ou quase isso, porque é
preciso dinheiro, para se sobreviver dignamente), recebendo o reconhecimento
geral.
O
título da peça (um achado), a qual é
considerada “cult”, uma excelente
jogada de “marketing”, é original da
Broadway, onde nasceu, em 2008 (Está comemorando, portanto, dez
anos.), e chega aqui com uma tradução literal: “[nome do espetáculo]” (“[title of show”]), grafado,
intencionalmente, com letras minúsculas e dentro de colchetes, o que pode ser decodificado (por mim, pelo menos) como uma maneira de demonstrar “humildade” ou “descrença”, por parte
de seus próprios criadores, no produto que oferecem. É como se nem eles acreditassem
na maravilha que estavam produzindo.
O título fica sendo uma incógnita: Que diabos será isso? E provoca
questionamentos: Mas qual é o nome da peça? Esqueceram-se de dizer ou ela não
foi, ainda, batizada?
A montagem brasileira foi
idealizada pelo ator e cineasta CAIO SCOT e pelo ator JUNIO
DUARTE. Montado, originalmente, na Broadway, o
musical recebeu uma indicação
ao Tony Award de Melhor
Libreto de Musical, em 2009.
Segundo o “release” da peça, que me foi enviado
por CAIO SCOT, “Além
da diversão, o espetáculo suscita reflexões importantes para o atual momento
teatral brasileiro. Ele mostra que há a possibilidade de se criar e investir em
projetos próprios. ‘[nome do espetáculo]’ é,
acima de tudo, uma carta de amor para o TEATRO”.
Na adaptação para a nossa realidade, seus
responsáveis, de forma mais que inteligente, fizeram uso, e abuso (no bom
sentido) de referências ao universo que nos cerca, citando nomes de musicais montados no Brasil, assim como
os de produtores, diretores e atores neles envolvidos. Até mesmo nomes de críticos, como o deste, que, modestamente, vos fala, são citados.
Tudo dentro do maior respeito e espírito jocoso – uma sincera homenagem àqueles
que fazem com que o TEATRO MUSICAL BRASILEIRO já ocupe destaque
internacional. Não pode deixar de ser dito que tais adaptações contaram com o aval dos autores da versão original.
É bem
verdade que, embora entendido e aceito pelo grande público, o texto é coalhado, apinhado, cheio de
piadas muito inteligentes, direcionadas a iniciados, gente que frequenta teatros,
e algumas das brincadeiras só são alcançadas por pessoas da classe artística, o
que, de forma alguma, interfere no brilhantismo da peça.
“[nome
do espetáculo]” consegue provar que é
possível se produzir um espetáculo
musical de extrema qualidade com parcos recursos financeiros. Estes são
substituídos por competência e
criatividade.
Creio ser
desnecessário falar da acertada tradução
e adaptação da obra, feita em
equipe: CAIO SCOT, CAROL BERRES, JUNIO DUARTE, LUÍSA VIANNA
e TAUÃ DELMIRO. Passemos, então, aos
demais elementos que merecem ser analisados.
TAUÃ DELMIRO, ainda que incipiente em direção, uma vez que atua mais e,
também, escreve para o TEATRO,
demonstra uma maturidade impressionante, na condução do espetáculo.
Infelizmente, não assisti à peça, na Broadway,
mas penso que TAUÃ conseguiu
assimilar, totalmente, o espírito da proposta original e lhe deu pinceladas, nas
cores da bandeira nacional, um ótimo toque de brasilidade, conseguindo com que
se possa perceber um quê de Broadway
na Cinelândia, mas com cheirinho e
gosto da feijoada do Teatro Rival, no lugar de sanduíches plastificados.
“Micos e Programas” é o nome de uma canção da peça, que serve para ilustrar uma
das melhores cenas do espetáculo, quando, enquanto interpretam a interessante
música – aliás, todas são muito interessantes -, exibem, os quatro atores, numa
ótima coreografia, programas e
cartazes dos grandes musicais já encenados no Brasil. Um ótima sacada da direção.
Outra é a cena em que as duas atrizes “trabalham”
como “guias espirituais” dos dois dramaturgos, incentivando-os a não desistir
do desafio, num momento de fraqueza dos dois.
Duas
outras cenas também ficam na memória do espectador. Uma delas é desenvolvida
durante a execução da canção “Sai,
Vampiro”, que é uma forma de exorcizar e expulsar tudo o que há de
negativo, tentando impedir que a criatividade e o poder de criação dos dois
dramaturgos sigam adiante. A outra é uma em que os quatro postulantes a
“famosos” discutem qual deveria ser o título da peça.
A direção musical, excelente, por sinal,
fica a cargo de GUSTAVO TIBI, que pode
ser considerado “o quinto Beatle”,
pois, além de executar, ao piano, a dificílima partitura da peça, ainda tem
esporádicas participações, como ator,
uma vez que, de acordo com o roteiro,
é mais um “audacioso e pretensioso” parceiro a se comprometer com a montagem de
um certo musical no prazo exíguo de
três semanas. Esse rapaz é de uma competência incrível, como músico, e diverte
bastante a plateia, nas suas raras aparições.
Para um espetáculo modesto, em termos de
orçamento, que nada contra a correnteza, que foge, totalmente, aos padrões das
montagens do gênero, que consegue quebrar paradigmas, não combinam cenários e figurinos caros e pomposos, cheios de brilho, para ajudar na
provocação do “glamour”. Este é um
conceito mais interior do que à mostra, por fora. Pelo menos, aqui.
Apenas quatro cadeiras - três de escritório,
de modelos distintos, e uma poltrona, todas em quatro cores diferentes e bem “quentes”
-, quatro persianas verticais, ao fundo, e um teclado fazem parte do cenário, assinado por CRIS DE LAMARE.
Os figurinos, de TAUÃ DELMIRO,
são todos do dia a dia de jovens como os personagens. Pareceu-me que cada um
levou, de casa, peças dos seus próprios guarda-roupas, bem “descoladas”, e o figurinista e diretor selecionou o que pensou ser mais adequado a cada um dos
quatro atores/personagens, numa
acertada escolha. Além de cada traje ajudar bastante na caracterização dos
personagens, as roupas deixam os atores
bem à vontade, para os rápidos deslocamentos no palco e para executar as coreografias.
Por falar em coreografias, não existe, na ficha
técnica, o nome de um responsável por elas, pois não foi contratado um profissional
do ramo, para criá-las, surgindo, em consequência, uma obra quase de criação coletiva, entre elenco e direção, com mais a responsabilidade de TAUÃ DELMIRO. Elas, ainda que interessantes, propositalmente –
pareceu-me – seguem uma linha clichê, porém com o intuito de criticar (melhor
dizendo, brincar com) as complicadas, por vezes, coreografias vistas nas grandes produções musicais. Algumas, porém, trazem uma pitada de inovação e
são divertidas.
Quando fiz referência à direção musical, perdi a oportunidade,
recuperada agora, de mencionar o nome de RAFAEL
VILLAR, na direção vocal. É muito
bom o trabalho desse profissional, principalmente quanto aos arranjos vocais para os duetos.
Como não poderia deixar de acontecer, numa peça como esta, a crítica
também se aplica às técnicas vocais utilizadas, via de regra, pelos atores/cantores de musicais,
principalmente com relação ao tão discutido “belting”, que consiste numa “técnica
vocal, utilizada para se produzir uma voz mais clara, projetada, em volume alto
e notas musicais agudas e extremamente agudas, sem danificar as cordas vocais.
Pode-se dizer que o ‘belting’ é a forma saudável de gritar aplicada ao canto”. Os atores
não utilizam tal técnica e fazem piadas sobre ela, mas sabem explorar seu
potencial vocal.
PAULO CÉSAR MEDEIROS, de consagrado
reconhecimento, como iluminador,
vencedor de tantos prêmios e já tendo assinado a iluminação de tantos e tantos consagrados espetáculos, neste modesto
“[nome do espetáculo]”, apresenta um
de seus melhores trabalhos que tive a oportunidade de ver ultimamente.
O
desenho de som, a cargo de GABRIEL D’ÂNGELO, elemento da maior
importância num musical, aqui, é
executado com correção, embora, às vezes, torna-se difícil perceber alguma
coisa que os atores dizem ou cantam,
porém isso deve ser creditado a problemas de dicção de alguns, em determinadas
cenas, que exigem a fala ou o canto mais acelerado. Um pouquinho mais de atenção,
para isso, faz-se necessário. Embora tenha assistido à peça duas vezes,
confesso que perdi detalhes do texto
e das letras das canções. Acho que
isso vai me obrigar a ver a peça pela terceira vez (momento descontração).
Para
encerrar esta análise, reservei as últimas palavras ao elenco, ao formidável elenco,
que, além de intrépido, é muito competente e encara, com firmeza, este grande
desafio. Sim, o espetáculo é um grande
desafio para qualquer ator. Seria de causar preocupação aos mais tarimbados
no gênero; imagina para os quatro quase iniciantes... O quarteto, porém, não
decepciona; antes, os quatro nos dão uma aula de como fazer TEATRO com a alma à flor da pele, cada
um com suas características particulares de interpretação, todas convergindo
para o acerto. Não cabe ressaltar o nome
de ninguém, pois todos brilham na mesma intensidade, sendo merecedores da calorosa
recepção do público e da crítica especializada. A cada final de uma sessão, as plateias
se manifestam, durante muito tempo, com aplausos, gritinhos e outras formas
de carinho e reconhecimento do talento de todos, e em agradecimento ao espetáculo
que eles nos proporcionam.
Não
falarei se os personagens conseguiram o seu intento; se participaram do tal
festival; se tiveram seu trabalho reconhecido; se fizeram uma temporada
comercial, depois; se tinham grandes ambições de ocupar um dos maiores teatros
do Brasil, situado em São Paulo; e o que aconteceu a cada um,
depois de toda essa saga, para não ser acusado de estragar tudo com um “spoiler”. Quer saber? Assista à peça!!!
FICHA TÉCNICA:
Texto Original: Hunter Bell
Letras e Músicas Originais: Jeff Bowen
Letras e Músicas Originais: Jeff Bowen
Versão Brasileira (texto e músicas): Caio Scot, Carol Berres, Junio
Duarte, Luísa Vianna e Tauã Delmiro
Direção Artística: Tauã Delmiro
Elenco: Caio Scot (Hunter), Carol Berres (Heidi), Junio Duarte (Jeff),
Ingrid Klug (Susan) e Gustavo Tibi (Larry)
(Stand In): Catherine Henriques
Cenário: Cris De Lamare
Figurino: Tauã Delmiro
Iluminação: Paulo César Medeiros
Direção Musical: Gustavo Tibi
Direção Vocal: Rafael Villar
Designer de Som: Gabriel D’Angelo
Operador de Som: Cidinho Rodrigues
Operador de Luz: Dans Souza
Designer Gráfico: Thiago Fontin
Fotos do Programa e Divulgação: Bárbara Lopes
Fotos de Cena: Manuela Hashimoto
Produção: Alessandro Zoe e Manuela Hashimoto
Idealização: Caio Scot e Junio Duarte
Realização: Caju Produções
SERVIÇO:
Temporada: De 19 de janeiro a 4 de fevereiro de 2018
Local: Centro Cultural Justiça Federal
Endereço: Avenida Rio Branco, 241 - Centro (Cinelândia) - Rio de Janeiro (Em
frente às estações do metrô e do VLT)
Telefone: (21) 3261-2550
Dias e Horários: De 6ª feira a domingo, às
19h
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada)
Classificação Etária: 14 anos
Duração: 90 minutos
Gênero: Musical
Num
determinado momento da peça, sai esta pérola: “A gente quer fazer arte, mas
quer ser famoso também.”. Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que
ARTE eles já fazem; a fama será consequência
deste magnífico trabalho. Nem sempre, infelizmente, a fama existe na relação
direta com a arte. Muito melhor é ser um grande artista, não famoso, mas
reconhecido, como são CAIO, JUNIO, INGRID, CAROL E GUSTAVO. E eles mesmos, ao final da
peça, na ótima canção “Preferido de Alguém”,
cantam: “Prefiro ser o favorito de alguém que o nono preferido de cem.”.
Meninos, vocês são os meus favoritos. Está
bom para vocês?
Terminando:
Em plena 6ª feira, a quinze dias do carnaval, a Cinelândia não pulava, ao som do Cordão do Bola Preta, ou do Monobloco, ou do Bloco da Preta, da branca
ou da amarela... A Cinelândia
superlotava (lotação esgotada) o teatro do CCJF, para aplaudir “[nome do espetáculo]”, que, por merecimento,
deveria ficar em cartaz por muitas outras temporadas, por sua proposta
corajosa, inteligente e vencedora.
Recomendo, com o maior empenho, o
espetáculo!!!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS
SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
(FOTOS: BÁRBARA LOPES
e
MANUELA HASHIMOTO.)
GALERIA PARTICULAR:
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