BOCA
DE
OURO
(DE COMO SE VALORIZAR
UM TEXTO TEATRAL.
ou
UMA RELEITURA GENIAL
DE UM TEXTO TEATRAL
DE MÉDIA PROFUNDIDADE.)
Poucas
coisas, na vida, são tão gratificantes e podem ser comparadas ao prazer de se
deixar um teatro em total “estado de graça”, após ter assistido a
uma OBRA-PRIMA. É uma sensação que,
em mim, pelo menos, se prolonga por muito, muito, muito tempo...
Vivenciei,
no último sábado, dia 27 de janeiro
(2018), essa experiência, algumas vezes já sentida, mas que foi a primeira
da atual temporada teatral, no Rio de
Janeiro, mais propriamente, no Teatro
SESC Ginástico (VER SERVIÇO.), onde está em cartaz “BOCA DE OURO”, numa encenação
primorosa e inesquecível de GABRIEL
VILLELA e seu fantástico grupo de atores,
criadores e técnicos. Um trabalho em equipe, que não abre nenhuma brecha para
críticas negativas.
Para
um não admirador assumido, quase
contumaz, da obra de NELSON RODRIGUES,
como eu, sem medo dos apedrejamentos, sinto que faltavam diretores competentes,
para começar a me fazer enxergar a dita e tão proclamada genialidade do
consagrado dramaturgo, que não
consigo assimilar, totalmente, e que só reconheço em meia dúzia de seus 17 textos para o palco. Já cruzei com um
ou outro desses diretores.
Se
há o que me agrada bastante, na obra de NELSON,
é a sua capacidade de ironizar cruelmente o que bem lhe aprouver e o seu vocabulário, com gírias e
frases de efeito, que servem para um estudo antropológico do carioca das décadas
de 40 e 50, principalmente. Acho uma delícia ouvir coisas como Carambolas!; Papagaio!; É de arder!; Acho pau!; É espeto!; É fogo na roupa!; É de morte!; Ora, que pinoia!;
Será o Benedito?;
Batata!; Uma teteia!; Bacana!; Estou frito!; Algum bode?; Fizeram minha
caveira!; No duro!; Chispa!; O gabola era garganta pura!; Um espirro de gente.; Entrar de sola.; Sossega o periquito!;
Comigo não, violão!; Desembucha, anda!; Faz fé com tua cara.; Pode dar em cima!; Não me venhas com chiquê, com nove horas! Nem todas estão presentes em “BOCA...”, mas se encontram espalhadas
na sua vasta obra, inclusive nos livros de outros gêneros, que não o dramático.
Outro detalhe
de que gosto bastante, e que é melhor, ainda, explorado em “Beijo no Asfalto”, é a crítica
à imprensa, principalmente a dita “marrom”,
da qual CAVEIRINHA (CHICO CARVALHO),
neste “BOCA...”, é um típico
representante. A imprensa, como formadora de opinião, não tem o direito de
manipular as notícias e fugir ao seu compromisso com a veracidade dos fatos e o
respeito aos leitores.
Confesso que “BOCA DE OURO” nunca esteve na minha
lista de “tops rodriguianos”,
entretanto, GABRIEL VILLELA mexeu
com os meus conceitos, fez uma releitura da obra de tal monta, que me fez
ampliar a minha lista de peças, escritas pelo Anjo Pornográfico, de que passei a gostar. Até a página cinco.
Estou falando, exclusivamente, do texto.
Quem toma o original de “BOCA DE OURO” para ler, como foi o meu primeiro contato com a
peça, não pode imaginar o que uma cabeça privilegiada, como a de GABRIEL, pode enxergar nele e como ele
consegue transformar aquelas palavras numa montagem esplendorosa e criativa.
O espetáculo, ao qual não consegui
assistir, no final do ano passado, em São
Paulo, por incompatibilidade de agendas, é motivo de orgulho para quem ama o TEATRO e vê nele uma excelente
forma de modificar o ser humano, quer fazendo-o mais culto, quer ampliando-lhe
a capacidade crítica, quer fazendo-o mergulhar no seu interior e descobrir e
libertar os seus fantasmas, quer desenvolvendo-lhe o reconhecimento de seu
papel na sociedade da qual faz parte.
GABRIEL VILLELA é um dos meus preferidos
diretores de TEATRO brasileiro, um
gênio, um homem dotado de uma criatividade, de uma sensibilidade e um senso de
bom gosto, que não podem ser enxergados dentro de um poço sem fundo. A imagem
metafórica se explica pelo fato de seu talento não ter limites; nem ele os
reconhece e está, sempre, nos surpreendendo, positivamente, a cada trabalho
criado. Quando eu penso que não será capaz de se superar, lá vem GABRIEL com uma nova montagem, mais
arrebatadora, mais inquietante que as anteriores. E assim segue a vida: GABRIEL VILLELA nos dando motivos para nos ufanarmos, com relação
ao nosso TEATRO.
Ele
tira, da manga, cartas que jamais imaginaríamos ver sobre a mesa. Suas ideias
são extremamente ricas e totalmente ligadas aos textos que ele encena. Busca elementos ligados ao universo contido
nos roteiros e, a partir daí, uma
enxurrada de excelentes resoluções começam a surgir, resultando em montagens
que são verdadeiras obras-primas,
como “Os Gigantes da Montanha”, com
o Grupo Galpão ,
além de “Romeu e Julieta”, este bem
mais antigo; “Um Réquiem Para Antônio”;
“A Tempestade”; “Peer Gynt” e “Rainhas do
Orenoco”, para citar apenas seus mais recentes trabalhos. Guardo mínimos detalhes de
cada uma dessas montagens, todas geniais.
Para
este “BOCA...”, ambientado no
subúrbio carioca de Madureira, GABRIEL, também cenógrafo da peça, pensou numa gafieira, que se alterna com a
redação de um jornal ou o interior das residências de alguns personagens, com
muitas mesas ao fundo do palco, puxando para um semicírculo, adaptação para o
formato de palco italiano, já feita, anteriormente, em apresentações nas
cidades de Campinas e Ribeirão Preto. Para a estreia
nacional, no aprazível e bem emblemático Tucarena,
em São Paulo, onde fez uma brilhante
carreira, cumprindo uma extensa temporada de quatro meses, ele dispunha as
referidas mesas ao redor da arena.
Seu
currículo é riquíssimo, incluindo um sem-número de prêmios – todos muito
merecidos – e tantas indicações a outros. Incluído no corpo do detalhadíssimo “release” de “BOCA...”, enviado por STELLA
PONTES (JSPONTES COMUNICAÇÃO), “Tornou-se um dos mais renomados diretores
teatrais com reconhecimento internacional, sendo convidado a participar de
Festivais nos EUA, Europa e América Latina. Com o Grupo
Galpão (Romeu e Julieta), GABRIEL VILLELA foi convidado para
uma temporada no Globe Theatre, em Londres, conquistando a crítica e o exigente
público londrino. O espetáculo voltou a Londres, em 2012, para participar da Olimpíada
Cultural, evento paralelo aos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres”.
SINOPSE:
BOCA DE OURO (MALVINO SALVADOR) é um lendário bicheiro
carioca, figura temida e megalomaníaca, que tem esse apelido, porque trocou
todos os dentes sadios por uma dentadura de ouro.
Quando BOCA é assassinado, seu passado é
vasculhado pelo repórter CAVEIRINHA
(CHICO CARVALHO), que vai até a casa da ex-amante GUIGUI (LAVÍNIA PANNUNZIO), em busca de
alguma revelação bombástica, que pudesse ser associada à morte do marginal,
podendo render frutos concretos (maior venda do jornal). Queria saber de algum
crime marcante, cometido pelo marginal.
Lá, ouve a versão, ou
melhor, as versões da ex-amante, que desanca o bicheiro ou o põe num pedestal
de honra, de acordo com seu “estado emocional”.
Em primeiro lugar, logo de
cara, ainda sem saber que BOCA estava
morto, GUIGUI descreve-o como um
cruel e vingativo sanguinário, um facínora, um cafajeste, que assassinou o
marido de uma mulher, a qual ele ambicionava ter com amante, para se livrar
dele e poder saciar seu desejo sexual. O tal marido era LELECO (CLÁUDIO FONTANA) e a mulher, CELESTE (MEL LISBOA). O suposto motivo teria sido uma ofensa do pobre
infeliz homem, quando este fez, a BOCA,
menção de sua origem, qual seja o fato de o poderoso bicheiro ter sido parido
na pia de um imundo banheiro de uma rudimentar gafieira, o que o enlouquecia, a
ponto de executar, sem dó nem piedade, de forma crudelíssima, quem o lembrasse
de seu nascimento ou falasse mal de sua “santa” mãezinha.
Ao saber de seu
assassinato, porém, GUIGUI se
arrepende do que revelara ao repórter e muda o foco, passando a exaltar BOCA, como uma figura amorosa e um
benfeitor. Reconhece-o como um matador, sim, mas “justo, nunca sem ter motivos
para seus crimes hediondos”. Não perde tempo para fazer comentários críticos,
negativos, ao atual marido, de quem BOCA
a havia tomado e para o qual retornara, “por causa dos filhos”, após ter sido
abandonada pelo bicheiro, trocada por uma nova “presa”. Nesta versão, GUIGUI acusa CELESTE, “uma esposa infiel”, amante de BOCA, de ter assassinado LELECO.
Já no que seria o terceiro
ato da peça, após o marido de GUIGUI, AGENOR (LEONARDO VENTURA), ofendido,
ter feito as malas, para abandonar o “lar”, aquela volta a espinafrar (baixou NELSON RODRIGUES) o bicheiro,
pois temia ser abandonada pelo marido. Ela põe em relevo a onipotência cruel do
morto, acusando-o, inclusive, de feminicida.
É interessante ressaltar
que, nas três versões relatadas por GUIGUI,
o casal CELESTE e LELECO assume relevante importância,
nos fatos, como “pivôs”, sempre relacionados, diretamente, ao assassinato de BOCA DE OURO.
Seria esta uma obra aberta?
O
original, escrito em 1959 foi representado, pela primeira
vez, em 1960, tendo sido um grande
fracasso, atribuído, principalmente, ao fato de o papel-título ter sido
interpretado pelo grande diretor e ator Ziembinski, que, com seu marcante sotaque polonês, não conseguiu
convencer ninguém, como um típico malandro de Madureira. Na versão do autor, a peça é dividida em três atos, condensados, nesta montagem,
num só, com 110 minutos de duração,
sendo que o tempo cronológico “não bate” com o psicológico; temos a impressão
de que não dura nem uma hora, pois não sentimos o tempo passar e, subconscientemente,
torcemos para que não passe mesmo. Comigo, foi assim e creio que com toda a
plateia. Ainda sobre o tempo, este
não é linear, na narrativa, com idas e vindas, em forma de “flashbacks”.
Sábato Magaldi, um dos maiores nomes da
crítica teatral brasileira e grande
conhecedor da obra de NELSON RODRIGUES,
estudou-a, profundamente - todas as suas peças -, e as catalogou em quatro categorias, de acordo com suas
características temáticas: Peças Psicológicas;
Peças Míticas; Tragédias Cariocas I, na qual “BOCA
DE OURO” está incluída; e Tragédias
Cariocas II.
É
interessante destacar, na estrutura do texto,
que apenas dois fatos existem, de concreto, na peça, e que somente um, na
primeira cena, é verdadeiramente explicitado, considerado real. Nesta,
ocorre a ida do bicheiro a um dentista, para exigir, no lugar dos dentes
perfeitos, uma dentadura de ouro. Digo “exigir”,
porque o odontólogo não concordava com aquela aberração, tendo-se rendido,
porém a executá-la, mediante uma polpuda quantia. O outro fato é a sua morte, sendo que o primeiro é o único realmente factual; o segundo fica por conta da imaginação e interpretação de cada
espectador, já que as três diferentes versões são narradas pelo olhar de uma terceira pessoa, GUIGUI, que se deixa levar pela emoção
e seus desvarios.
Sobre
o personagem, magnificamente interpretado por MALVINO SALVADOR, deve ser dito que era seu desejo ser enterrado
num caixão também de ouro, como prova maior de sua onipotência e seu
comportamento esdrúxulo, e havia uma crença, passada de boca a boca, de que,
para a confecção do ataúde, BOCA
utilizava as alianças, derretido o seu ouro, de todas as mulheres que passavam
por sua alcova, por seu covil.
BOCA DE OURO, uma figura popular e
lendária, temida e megalomaníaca, também era conhecido pela alcunha de Drácula de Madureira. GABRIEL VILLELA se valeu do apelido do
protagonista, para fazer com que os personagens “assassinos” utilizem sangue
cenográfico, nos pescoços de suas vítimas, lançando olhares de deboche para o
público, bem anárquicos, fingindo morder-lhes essa parte do corpo, numa atitude
quase antropofágica.
Sobre a
fixação de BOCA, pela dentadura de
ouro, ouso fazer uma analogia metafórica com um possível pensamento do “herói”.
Os dentes naturais têm uma vida útil determinada; não são eternos. Já os de
ouro são para sempre. Temos notícia, em outras tramas, de que personagens fazem pacto
de sangue com forças do mal, para que estas lhes garantam vida eterna. Não
poderia haver uma associação entre aquilo e isto? Além de ser uma forma de expor
seu poderio, também não poderia haver uma relação de força, para ter o corpo
fechado? Será que flutuei demais? Quem topar pode vir comigo, viajando neste
balão.
Penso ser
importante, para aguçar a curiosidade de quem está lendo este texto e pretende assistir à peça (Espero.), transcrever um trecho do já
citado “release”, que me foi
enviado: “Dentro das iconografias do subúrbio carioca, GABRIEL se utiliza da
simbologia do candomblé e das mascaradas astecas, no espetáculo. A casa de CELESTE
e LELECO traz muitas representações de orixás sincretizados. A figura de Iansã
(GUILHERME BUENO) aparece, toda vez que uma cena de morte acontece - ela faz a
contrarregragem das mortes. O Brasil retratado na cena: a política, as
narrativas contraditórias, a libido, a festa da gafieira, o jogo do bicho, a fé
e a música. Retratos de uma época que nos mostram que o Brasil pouco mudou, e
que o dramaturgo, nascido em Pernambuco, em 1912, e radicado no Rio de Janeiro,
nunca foi tão atual”.
NELSON RODRIGUES era um grande
observador do comportamento humano, de onde extraía material para as suas
peças. “BOCA DE OURO”, por exemplo,
surgiu da fusão de duas ideias. A primeira inspiração foi um chofer de ônibus,
da linha 115 – Laranjeiras / Estrada de
Ferro, que gostava de exibir seus 27
dentes, todos de ouro maciço. O dramaturgo
costumava pegar aquele coletivo, diariamente, para ir almoçar na casa da mãe. A
segunda veio da fama de um personagem, muito contraditório, do submundo carioca,
o bicheiro Arlindo Pimenta, que
dominava a região da Leopoldina,
morto em 1954, em combate com a
polícia (Alguma relação com os dias de
hoje?).
BOCA era um exemplo do típico malandro
carioca, com muita ginga e poder de sedução, totalmente amoral e irresponsável,
inconsequente e violento, além de outros atributos negativos, para cuja
representação seria necessário um bom ator, que não permitisse que o personagem caísse na categoria do
caricatural. A direção foi buscar,
em MALVINO SALVADOR, esse
profissional, ator talhado para o papel. Outros, de igual talento, poderiam,
certamente, ocupar-lhe o posto, entretanto MALVINO
entendeu, na íntegra, a proposta anárquica e carnavalesca de GABREIL VILLELA e compôs um personagem capaz de extrair risos, reações
de raiva e, até mesmo, paradoxalmente, de piedade, por parte do espectador,
tudo na dose certa. Ponto mais que positivo na peça.
Ah! Já ia me
esquecendo que, morto o homem poderoso, findo seu reinado, desaparecido o seu
significado, roubam-lhe a dentadura, atitude que pode ser decodificada como uma
libertação ou uma vingança, vista por mais de um ângulo.
Creio ser
desnecessário falar mais de GABRIEL
VILLELA, como diretor, nesta
obra, e penso que já está na hora de celebrar seus méritos como cenógrafo e figurinista, na peça.
A cenografia já foi citada, no início
destes comentários. Devem ser acrescentados os detalhes de uma poltrona,
colocada no centro do palco, sobre um pequeno praticável circular, de madeira,
giratório, servindo de cadeira do dentista e, ao mesmo tempo, de uma espécie de
trono para um “rei”, além dos detalhes de objetos de decoração, tanto os que
estão sobre as mesinhas como outros, muito necessários aos demais ambientes.
Uma escada de abrir também é bem utilizada e apropriada em cena.
Os figurinos, todos bem estilizados,
fogem, completamente, aos padrões de “normalidade” e ganham as cores, as formas
e bordados, estes uma das marcas registradas dos trabalhos de GABRIEL, tudo executado com muito bom
gosto e esmero, estendendo-se esses elogios aos acabamentos. São fantasias; não são roupas do dia a dia. Um detalhe: o figurino do BOCA vai se tornando mais sofisticado, mais rico, mais imponente, mais acrescido de elementos dourados e decorativos, à medida que a trama vai se desenvolvendo.
Uma montagem
de GABRIEL VILLELA não precisa, do
ponto de vista da plasticidade, de muita luz,
para se destacar, entretanto WAGNER
FREIRE, um dos melhores profissionais do ramo, criou uma iluminação, ao mesmo tempo, lúdica, onírica
e funcional, privilegiando detalhes e criando belas imagens, com seu excelente desenho de luz.
“BOCA DE OURO”, além do excelente protagonismo de MALVINO SALVADOR, conta com uma coadjuvacão de luxo, todos
os atores com um excelente rendimento, com destaque para quatro, que são MEL LISBOA (CELESTE), LAVÍNIA PANNUNZIO (GUIGUI), CLAUDIO FONTANA (LELECO) e CHICO CARVALHO (CAVEIRINHA e MARIA LUÍSA). Os demais colegas de
cena, também merecedores de aplausos, são LEONARDO
VENTURA, CACÁ TOLEDO, GUILHERME BUENO, MARIANA ELISABETSKY e JONATAN
HAROLD.
MEL vive seu melhor momento num palco,
chamando a atenção para o fato de que a vi brilhar, mais de uma vez, nos
últimos anos, principalmente em “Peer
Gynt”. De todos os personagens da peça, orientados a impor, na sua
interpretação, uma roupagem intencionalmente melodramática, exagerada, caricata
mesmo, ela parece ser a que melhor explora essa orientação, o que provoca boas
gargalhadas, no público, tornando, por vezes, mais leves certas situações que
não se prestariam a isso. Uma brilhante
atuação.
LAVÍNIA faz um belo trabalho, que lhe
exige mudar o tom da voz e as máscaras faciais, de acordo com as versões, para
a morte de BOCA, que vai revelando.
Consegue, dependendo da necessidade e do que exige a cena, demonstrar detalhes
de cinismo, pitadas do grotesco, tons do farsesco, nuances do burlesco,
seguindo, bem de perto, o tom de interpretação de MEL, no que diz respeito à valorização do melodramático, sem poder
fugir, intencionalmente – repito -, ao caricato. A falsidade é a tônica maior
da personagem.
FONTANA compõe um excelente LELECO, mistura de “macho” e “covarde”,
mais para este do que para aquele. No fundo, é um fraco, submisso e,
principalmente, de caráter bastante duvidoso. O ator consegue chegar a isso com
uma ótima atuação.
CHICO é, para mim, a cereja do bolo, um
dos nossos melhores atores, tão pouco conhecido do público carioca, infelizmente,
por atuar mais em São Paulo, mas
ocupante de um lugar de destaque nas minhas preferências, pelo seu
incomensurável potencial criativo. Em “BOCA...”
ele faz dois personagens, totalmente opostos, em tudo, e desmonta um, para
montar o outro, com uma agilidade, facilidade e uma total entrega... Seu CAVEIRINHA é sagaz, malandro, perspicaz,
um perfeito representante do repórter rodruiguiano,
encontrado em outras obras do autor, como já foi dito. Quando se traveste em MARIA LUÍSA, fica completamente irreconhecível,
pândego. Sua postura corporal, de uma mulher (quase) fina e a voz, que imita a
da jornalista Marília Gabriela, são
dois pontos de destaque na interpretação da personagem. Confesso, publicamente,
despudoradamente, a minha paixão pelo trabalho desse ator, já incorporada, em mim, desde outros trabalhos, como a sua
incrível participação em “A Tempestade”
e seu protagonista, em “Peer Gynt”.
Quero atribuir
um destaque ao trabalho de MARIANA
ELISABETSKY, que, muito bem acompanhada pelo piano de JONATAN HAROLD, discretamente, porém de forma marcante, atua como
uma espécie de “lady crooner” da
gafieira, com excelentes inserções, utilizando sua belíssima voz delicada, suave e
afinada, interpretando 14 canções, que
fazem parte da perfeita e eclética trilha
sonora, de BABAYA, cuja relação aqui
segue: “Cidade Maravilhosa” (André Filho), “Vingança” (Lupicínio
Rodrigues), “Ave Maria do Morro” (Herivelto Martins), “Lencinho Branco” (J. C. Filiberto e C. G. Peãzola, versão de Maugeri Neto), “A Noite do Meu Bem” (Dolores Duran), “Na Cadência do Samba” (Ataulfo Alves), “Ne Me
Quittes Pas” (Jacques
Brel), “Última Estrofe” (Orlando Silva), “Eu
Dei” (Ary Barroso), “O Ouro e a Madeira” (Ederaldo Gentil), “Hino
ao Amor” (Edith
Piaf e M. Monnot), “Não Deixe o Samba Morrer” (Édson Conceição e Aloísio Silva), “Bang Bang - My Baby Shot Me Down” e “De Frente Pro Crime” (João
Bosco). A maioria das canções remete a décadas passadas e algumas
são do repertório da cantora Dalva de
Oliveira, que tinha uma maneira ímpar de interpretar suas canções, aqui
meio que imitada, creio que intencionalmente, por ELISABETSKY, o que é muito bom.
Eu dou um passo para a frente e
volto dois, para falar da direção de
GABRIEL VILLELA, já que, ao me
lembrar de um detalhe ou outro importante, do trabalho, não posso deixar de
falar deles.
Adoro, na peça, algumas soluções
surgidas da criatividade do diretor,
outra marca de seus trabalhos, como a utilização, alternada, dos espaços cênicos;
a participação, como “voyeurs”, dos
atores que não estão atuando, diretamente, nas cenas; a genial ideia de pôr
dedais de metal, em todos os dedos dos atores, para a produção de sons que
imitassem o bater nas teclas de uma máquina de escrever; a utilização de copos
e taças, para fazer as vezes de telefone, como aqueles modelos antigos; a
substituição de punhais e facas por grandes varas de bambu; a proposta, para
todo o elenco, de uma interpretação melodramática, puxando para o caricato.
Quanto ao último aspecto, só havia me limitado ao trabalho de duas atrizes.
Um detalhe, na ficha técnica, me chamou a atenção: Espacialização Vocal e Antropologia
da Voz, a cargo de FRANCESCA DELLA
MONICA. Não a conheço, mas FRANCESCA
deve ser, acredito, piamente, uma excelente profissional naquilo que faz, uma
vez que, se não encontrei defeitos na montagem, seu trabalho também contribuiu
para o quilate do espetáculo, entretanto devo ter faltado à aula em que
ensinaram o que sejam Espacialização
Vocal e Antropologia da Voz. É
claro que só pode ser algo ligado a uma das principais ferramentas de trabalho
do ator, que é a voz, entretanto
gostaria de que alguém me explicasse o que sejam, exatamente, esses dois elementos,
em que consiste tal trabalho, que a minha ignorância me impede de saber, sem eu
precisar da ajuda do Tio Google (Preguiça...).
FICHA TÉCNICA:
Texto: Nelson Rodrigues
Direção, Cenografia e
Figurinos: Gabriel Villela
Elenco: Malvino Salvador (Boca de Ouro),
Mel Lisboa (Celeste),
Cláudio Fontana (Leleco),
Lavínia Pannunzio (Guigui), Leonardo
Ventura (Agenor),
Chico Carvalho (Caveirinha e Maria Luísa), Cacá Toledo, Guilherme
Bueno, Mariana Elisabetsky e Jonatan Harold (ao piano).
Iluminação: Wagner Freire
Direção Musical e Preparação
Vocal: Babaya
Espacialização Vocal e
Antropologia da Voz: Francesca
Della Monica
Diretores Assistentes:
Ivan Andrade e Daniel Mazzarolo
Fotos: João Caldas
Produção Executiva: Luiz Alex Tasso
Direção de Produção: Cláudio Fontana
Realização: SESC Rio
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e
Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada:
de 19 de janeiro a 25 de fevereiro (com parada no período de carnaval, entre os
dias 9 e 18 de fevereiro)
Local:
Teatro SESC Ginástico
Endereço: Avenida Graça Aranha, 187 - Centro - Rio de Janeiro
Telefone:
(21) 2279-4027
Dias
e Horários: Às 6ªs feiras e sábados, às 19h; domingo, às 18h
Valor
dos Ingressos: R$30,00 (inteira), R$15,00 (meia entrada) e R$7,50 (associados
SESC
Horário
de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 13h às 20h
Capacidade:
513 lugares
Duração:
110 minutos
Classificação
Etária: 14 anos
Gênero:
Tragicomédia
Já
me estendi bastante nas minhas observações, restando-me, apenas, a alegria de
saber que estamos no primeiro mês do ano e, já, de cara, nos deparamos com uma
produção teatral da melhor qualidade, certamente, candidata a muitos prêmios e
que espero que isso seja um prenúncio de um excelente ano teatral de 2018.
Parabéns
a todos os envolvidos no projeto e, em especial, à genialidade de GABRIEL VILLELA!
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO
BRASIL!!!
DIVULGUEMOS O TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: JOÃO CALDAS.)
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