domingo, 22 de maio de 2016


ELOGIO

DA

PAIXÃO

 

 

 

(UÍSQUE COMBINA COM CHURROS

 OU

VINÍCIUS COM NIETZSCHE OU SCHOPENHAUER?

 

ou

 

“SÃO DEMAIS OS PERIGOS DESTA VIDA,
PARA QUEM TEM PAIXÃO...”

– VINÍCIUS DE MORAES.)


 

 


 


            Três horas e meia, preso num engarrafamento, sob uma chuva fina e fria do outono carioca, adiaram, por um dia, o meu prazer de assistir a um espetáculo que, de saída, já recomendo, aos que amam ou não, aos que já amaram ou pensam em, aos que gostam da boa música popular brasileira, principalmente de VINÍCIUS DE MORAES e TOM JOBIM: “ELOGIO DA PAIXÃO”, em cartaz no Centro Cultural dos Correios, até o dia 5 de junho (2016 (Ver SERVIÇO.).

 

Recomendo, mais ainda, a quem não tem medo de se apaixonar.

 

            Vendido como um “musical”, a peça não é, propriamente, o que entendemos por um espetáculo de tal gênero. Não há músicos nem banda, ou orquestra, em cena (os acompanhamentos são feitos em “playback), não há canções originalmente compostas para a peça, não há coreografias nem cantores tecnicamente merecedores de assim serem chamados. Mas há muitos outros detalhes, que compensam tudo isso e nos fazem esquecer que, ali fomos, para assistir a um MUSICAL, mas acabamos por nos deliciar com um ótimo espetáculo teatral, “pontuado por músicas”, todas sucessos consagrados, dos mestres inesquecíveis TOM e VINÍCIUS, com ligeiras pinceladas de TOQUINHO e BADEN POWELL, selecionadas para valorizar e complementar algumas cenas, canções cujas letras, algumas, se encaixam no contexto, como se tivessem sido compostas para aqueles momentos, embora haja uma ou outra dispensáveis ou que poderiam ser trocadas por outros títulos. O público se delicia (eu, especialmente) - cantarola, baixinho - com “Samba Do Avião”, “A Vida Tem Sempre Razão”, “Como Dizia O Poeta”, “Samba Em Prelúdio”, “Pela Luz Dos Olhos Teus”, “Onde Anda Você”, “Se Todos Fossem Iguais A Você”, “Minha Namorada”, “Apelo” e “A Felicidade”.

 

 


Embate entre a razão e a paixão.

 

(Foto: Rodrigo Turazzi)

 

Amor, sentimento duradouro X  paixão, fogo efêmero.

 

            Como qualquer pessoa que se considera “normal”, se é que elas existem, gosto das boas surpresas, como a que tive recentemente. A expectativa era “plus”, mas o resultado chegou muito perto, precisando, talvez, de um “up”, uma vez que a peça ficaria melhor, a meu juízo, com algumas alterações. A primeira já foi mencionada e se refere à natureza das canções que fazem parte da trilha sonora. A segunda é uma sugestão para que se “enxugasse” o texto. O “release” e a divulgação do espetáculo atribuem a ele 110 minutos, mas eu marquei, porque sempre tenho essa curiosidade, 130. Em três ou quatro momentos, tive a sensação de que a trama terminaria ali, mas enganava-me. Para mim, bastava menos, há algumas “gorduras”, mas, se o autor achou necessário escrever tudo o que vemos encenado, deve ter lá seus motivos, que respeito totalmente e que, de forma alguma, diminui a qualidade do bom espetáculo.

 



 

Ela esperava uma cantada tradicional, mas...

 

 

            Tirante a extensão do texto, gostei muito dos diálogos, de sua força expressiva e capacidade de tornar o espetáculo leve e, ao mesmo tempo, profundo. Como dizia Billy Blanco, “o que dá pra rir dá pra chorar; questão só de peso e medida”. Mais interessante, ainda, achei a ideia do autor, MARCELO PEDREIRA, que também dirige a peça. Não há nenhuma invenção, nada de novo, na utilização de metalinguagem, num espetáculo teatral. Muitos já o fizeram, mas o que importa é a maneira como isso é colocado, a criatividade, a sensibilidade e a inteligência de quem faz uso de tal recurso. MARCELO soube fazê-lo, inclusive com a genial “sacada” de levar, para a cena, ADRIANO GARIB, o ator, como personagem, Sobre isso, não falarei mais, para não quebrar o fator surpresa, reservado, ao espectador, no final da peça.

 

            Acho que MARCELO PEDREIRA marcou pontos, quer como dramaturgo, quer como diretor, neste espetáculo e merece os meus aplausos.


 


 

Declaração de amor.

 

 

            Esperando não ser mal compreendido, acho que “ELOGIO DA PAIXÃO” é um espetáculo que pode ser considerado, além de intimista, despretensioso, como um “musical”, mas, para cuja montagem, todas as pessoas envolvidas no projeto não economizaram um ingrediente, que é tema da peça, indispensável ao ofício de quem deseja fazer TEATRO: a paixão. Se a peça trata da paixão entre um homem e uma mulher, faz um “elogio” a ela, em cena, o que se vê, em cena, é a paixão pelo TEATRO, brotando de cada ponto do palco, de cada foco de luz, de cada detalhe do cenário, de cada palavra ou gesto do trio de atores: ANDRIANO GARIB, ANDRÉ ARTECHE e MARINA PALHA. TEATRO como se fazia antigamente.



 


 

Paixão! Paixão! Paixão!

 

 

            Julgo necessário dizer que a ideia da peça, gerando sua futura concretização, surgiu em função de uma experiência pessoal do autor, segundo o qual , neste texto, os dois personagens masculinos expressam facetas da sua própria personalidade, que convivem num abraço apertado, porém, mais do que uma característica pessoal, representam pulsões universais. De um lado, a visão trágica da vida, que coloca o foco no sofrimento e na dor; do outro, a afirmação incondicional desta, com a exaltação de suas infinitas possibilidades de encantamento. (Palavras, “roubadas”, de MARCELO PEDREIRA, com adaptações.).

 

Por oportuno, quero registrar as várias citações interessantes, ao longo da peça, de frases de artistas e pensadores famosos, como DOMINGOS DE OLIVEIRA, VINÍCIUS DE MOARES, NIETZSCHE e SCHOPENHAUER, por exemplo, como “A alegria é a prova dos nove.” e “Nada é mais subversivo que a alegria.”.



 

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Cantando, antes da bebedeira.

 

 


 

Cantando, após a bebedeira.

 

           

 

 
SINOPSE:
 
Na trama, um consagrado ator, de 60 anos, CHARLES (ADRIANO GARIB), contrata um escritor de 29, DANIEL (ANDRÉ ARTECHE), o qual confessa nunca ter vivido uma paixão, para escrever aquele que seria, sem o contratado saber, seu último espetáculo, uma peça de TEATRO que faça uma apologia à paixão.
 
CHARLES é um personagem irreverente, intenso, que se casou nove vezes, movido por irresistíveis paixões. Ator de carreira bem sucedida, no TEATRO, encontra-se com a saúde debilitada, devido aos anos de excessos, incluindo o álcool, e com dificuldade de conseguir trabalho.  
 
DANIEL, por sua vez, é um jovem e promissor dramaturgo, obcecado pelo filósofo alemão Schopenhauer, típico intelectual, que não acredita no amor, nem nos códigos românticos que norteiam a vida de CHARLES.
 
Os encontros de trabalho acabam se tornando embates insolúveis entre a natureza poética do velho e experiente ator e o racionalismo pessimista do jovem e incipiente dramaturgo.
 
Dois pontos de virada, no entanto, acabam interferindo na dinâmica desse embate, sem saída, e desviando a trama para caminhos inusitados.
 
O primeiro é a entrada, em cena, da filha de CHARLES, FABIANA (MARINA PALHA). DANIEL se encanta, irremediavelmente, pela moça, que cuida do pai com extrema dedicação.
 
O segundo ponto de virada é a proposta de trabalho que DANIEL faz a CHARLES: a de que o argumento da peça por escrever seja exatamente a reprodução da situação que os dois vivenciam diariamente. Ou seja: um escritor racional é contratado para escrever uma peça, sobre paixão, para um ator veterano, absolutamente passional.
 

 




 

“E por falar em paixão...”

 

 

            Além da qualidade do texto e do acerto da direção, contribuem, para o encantamento do público, os excelentes trabalhos de ADRIANO GARIB, ANDRÉ ARTECHE e MARINA PALHA.

 

            GARIB interpreta um personagem que, aparentemente, é amoral, porém, com o decorrer da trama, percebe-se nele apenas uma pessoa que nasceu para viver, intensamente, o presente. Em alguns momentos, revela uma faceta, ainda que parcimoniosa, de saudosismo e não demonstra a menor preocupação com o futuro, já que sabe que sofre de um mal que poderá matá-lo, a qualquer momento. Seu único olhar para o adiante se concentra na obsessão pela montagem de uma peça de TEATRO.


 


 

Adriano Garib.

 
 

Confesso que, nos dez primeiros minutos, mais ou menos, comecei a desconfiar de que o bom ator, que é GARIB, fosse me decepcionar, numa construção caricata de um personagem, um ator, meio chegado ao “pervertido”, monocórdio na sua interpretação, muito histriônico, falando num tom de voz que me pareceu um pouco exagerado, entretanto, compreendi, passada a primeira impressão, que estava enganado. Era exatamente aquilo mesmo que ele tina de fazer em cena. Tudo creditado à natureza do seu personagem, opondo-se ao de ANDRÈ ARTECHE, o que acaba resultando num excelente trabalho interpretativo, principalmente na segunda metade da peça.


 


 

Charles, o passional.

 

 

            ARTECHE, apesar de jovem, já tem bastante experiência em TEATRO, destaca-se entre os atores da sua geração, e, aqui, se revela como um grande ator, sabendo agarrar, com unhas e dentes, a oportunidade de representar um bom personagem, talvez o melhor em sua carreira. Creio que, por ter sido aluno de GARIB, os dois já tenham criado uma boa intimidade, uma cumplicidade exigida num palco, principalmente nas cenas de maior impacto, com relação aos embates entre os dois. Muito seguro, no papel, agradou-me bastante o seu trabalho. Seu maior mérito, nesta peça, é saber representar um personagem que vai se modificando, ao longo da encenação, mudando, radicalmente, seu pensamento e comportamento, com o fechar do pano e o “blackout” final.

 


André Arteche.

 

 

            MARINA tem uma participação menor na peça. Ao contrário de GARIB e ARTECHE, que representam um único personagem, se bem que há um detalhe, quanto a GARIB, que só conhecerá quem for assistir à peça, ela, além de FABIANA, filha de CHARLES, tem algumas pequenas aparições, em flasbacks”, como mulheres do velho ator. Em todas as personagens, a atriz se sai bem, explorando uma sensualidade que enriquece algumas cenas. Seu grande momento, na peça, é quando tenta livrar o pai do vício do álcool, que, inevitavelmente, o levaria a morte.


 


 

Marina Palha.

 

 

Na ficha técnica, ainda há os nomes de FELIPE HABIB, na boa direção musical e nos interessantes arranjos; BEATRIZ BERTU, como assistente de direção; DUDA MAIA, em mais um de seus bons trabalhos de direção de movimento; PAULO DENIZOT e JANAÍNA WENDLING, que assinam o simples, porém ajustado, cenário (a sala de estar de um apartamento de classe média baixa, com móveis e objetos de decoração, além de ícones religiosos, já que o dono da casa, CHARLES, cultua o espiritismo, “com um pé na umbanda”, além de “dar consultas” a pessoas ingênuas, que não observam o seu lado charlatão); PAULO DENIZOT, na iluminação, com alguns equívocos, acertando mais no cenário do que na luz; e o próprio MARCELO PEDREIRA, responsável pelo figurino, bem adequado ao espetáculo, ainda que o personagem DANIEL, quando volta à casa de CHARALES, no dia seguinte ao da primeira visita, use o mesmo figurino (se não me engano, também ocorre no terceiro encontro entre os dois), detalhe que poderia ser facilmente corrigido, mas que não chega a comprometer o todo.

 


 Marina Palha completa o elenco do espetáculo

 

André Arteche e Marina Palha.

 

 


 

Diferentes pontos de vista.

 

 

            Recomendo o espetáculo, como uma grande celebração à vida, um grande incentivo à teoria do “carpe diem” (aproveite o dia, a vida; viva, intensamente, o momento presente, já que o fim pode estar adiante, no dobrar da primeira esquina), sem esquecer os versos do “Poetinha”, com relação ao amor, num de seus poemas mais lindos e conhecidos, no qual expressa toda a sua filosofia de vida: “Soneto de Fidelidade”: “QUE NÃO SEJA IMORTAL, POSTO QUE É CHAMA, MAS QUE SEJA INFINITO, ENQUANTO DURE”.

 

 

 


 

 

 


 

 

 


FICHA TÉCNICA:
 
Texto, Direção e Figurino: Marcelo Pedreira
Assistência de Direção: Beatriz Bertu
 
Elenco: Adriano Garib, André Arteche e Marina Palha
 
Direção Musical: Felipe Habib
Músicos (em gravação): João Bittencourt (piano e acordeão), Felipe Habib (acordeão), Fernando Carvalho (guitarra) e Alfredo Del-Penho (violão de sete cordas)
Direção de Movimento: Duda Maia
Cenografia: Paulo Denizot e Janaína Wendling
Luz: Paulo Denizot
Vídeo e Projeção: Paulo Denizot
Designer Gráfico: Thiago Ristow
Fotografia: Rodrigo Turazzi
Produção Executiva: Aline Mohamad e Héder Braga
Direção de Produção: Marcelo Chaffin
Assessoria de Imprensa: Silvana Cardoso e Juliana Feltz (assistente) - Passarim Com & Mkt
Realização: Criaturas Criativas
 

 

 

 


 

Não é bem isso o que eu quero.

 

 


 

Paixão!

 

 


Amor”

 

 

Mais do que para os olhos e os ouvidos, “ELOGIO DA PAIXÃO” é uma peça para tocar o coração.

 

Numa das cenas, CHARLES deixa bem claro, ao jovem dramaturgo, o que lhe está encomendando:

 

“Quero uma peça, que faça as pessoas saírem do teatro embriagadas por uma alegria irracional, com vontade de cantar, de dançar, de escrever poesia em guardanapo de restaurante. Eu quero uma peça que seja uma celebração da vida. Da vida vivida com intensidade, com paixão”.

 

Foi assim que eu deixei, naquela noite de 6ª feira, 20 de maio de 2016, o teatro do Centro Cultural dos Correis, MARCELO PEDREIRA, ADRIANO GARIB, ANDRÉ ARTECHE e MARINA PALHA. Caminhei, até a estação do metrô (Uruguaiana), com aquelas sensações e desejos.

 

Vocês me tocaram.

 

Observação final: uma garrafa de “Ballantine's” me acompanhou nesta deliciosa “tarefa” de escrever sobre TEATRO. Não a garrafa inteira. Que isso fique bem claro!

 

 

 


 

 

 


SERVIÇO:
 
Temporada: De 14 de abril a 5 de junho (2016).
Local: Centro Cultural dos Correios.
Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro - Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2253-1580 (Recepção).
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, sempre às 19h.
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia-entrada).
Classificação Etária: 12 anos.
Duração do Espetáculo: 110 minutos.
Lotação do Teatro: 200 pessoas.
Horário da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 15h às 19h.
 

 

 

 


 

 

 

 

 

(FOTOS: RODRIGO TURAZZI.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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