ELOGIO
DA
PAIXÃO
(UÍSQUE COMBINA COM CHURROS
OU
VINÍCIUS COM NIETZSCHE OU SCHOPENHAUER?
ou
“SÃO
DEMAIS OS PERIGOS DESTA VIDA,
PARA QUEM TEM PAIXÃO...”
PARA QUEM TEM PAIXÃO...”
– VINÍCIUS
DE MORAES.)
Três
horas e meia, preso num engarrafamento, sob uma chuva fina e fria do outono
carioca, adiaram, por um dia, o meu prazer de assistir a um espetáculo que, de
saída, já recomendo, aos que amam ou não, aos que já amaram ou pensam em, aos
que gostam da boa música popular brasileira, principalmente de VINÍCIUS DE MORAES e TOM JOBIM: “ELOGIO DA PAIXÃO”, em cartaz no Centro Cultural dos Correios, até
o dia 5 de junho (2016 (Ver SERVIÇO.).
Recomendo, mais ainda, a quem não tem medo
de se apaixonar.
Vendido
como um “musical”, a peça não é,
propriamente, o que entendemos por um espetáculo de tal gênero. Não há músicos
nem banda, ou orquestra, em cena (os acompanhamentos são feitos em “playback),
não há canções originalmente compostas para a peça, não há coreografias nem
cantores tecnicamente merecedores de assim serem chamados. Mas há muitos outros
detalhes, que compensam tudo isso e nos fazem esquecer que, ali fomos, para
assistir a um MUSICAL, mas acabamos
por nos deliciar com um ótimo espetáculo teatral, “pontuado por músicas”, todas
sucessos consagrados, dos mestres inesquecíveis TOM e VINÍCIUS, com ligeiras
pinceladas de TOQUINHO e BADEN POWELL, selecionadas para
valorizar e complementar algumas cenas, canções cujas letras, algumas, se
encaixam no contexto, como se tivessem sido compostas para aqueles momentos,
embora haja uma ou outra dispensáveis ou que poderiam ser trocadas por outros
títulos. O público se delicia (eu, especialmente) - cantarola, baixinho - com “Samba Do Avião”, “A Vida Tem Sempre Razão”, “Como
Dizia O Poeta”, “Samba Em Prelúdio”,
“Pela Luz Dos Olhos Teus”, “Onde Anda Você”, “Se Todos Fossem Iguais A Você”, “Minha Namorada”, “Apelo”
e “A Felicidade”.
Embate entre a
razão e a paixão.
Amor,
sentimento duradouro X paixão, fogo
efêmero.
Como
qualquer pessoa que se considera “normal”, se é que elas existem, gosto das
boas surpresas, como a que tive recentemente. A expectativa era “plus”, mas o resultado chegou muito
perto, precisando, talvez, de um “up”,
uma vez que a peça ficaria melhor, a meu juízo, com algumas alterações. A
primeira já foi mencionada e se refere à natureza das canções que fazem parte
da trilha sonora. A segunda é uma
sugestão para que se “enxugasse” o texto.
O “release” e a divulgação do espetáculo atribuem a ele 110 minutos, mas eu marquei, porque sempre tenho essa curiosidade, 130. Em três ou quatro momentos, tive a
sensação de que a trama terminaria ali, mas enganava-me. Para mim, bastava
menos, há algumas “gorduras”, mas, se o autor
achou necessário escrever tudo o que vemos encenado, deve ter lá seus motivos,
que respeito totalmente e que, de forma alguma, diminui a qualidade do bom
espetáculo.
Ela esperava uma cantada tradicional, mas...
Tirante
a extensão do texto, gostei muito
dos diálogos, de sua força expressiva e capacidade de tornar o espetáculo leve
e, ao mesmo tempo, profundo. Como dizia Billy
Blanco, “o que dá pra rir dá pra chorar;
questão só de peso e medida”. Mais interessante, ainda, achei a ideia do autor, MARCELO PEDREIRA,
que também dirige a peça. Não há
nenhuma invenção, nada de novo, na utilização de metalinguagem, num espetáculo teatral. Muitos já o fizeram, mas o
que importa é a maneira como isso é colocado, a criatividade, a sensibilidade e
a inteligência de quem faz uso de tal recurso. MARCELO soube fazê-lo, inclusive com a genial “sacada” de levar,
para a cena, ADRIANO GARIB, o ator,
como personagem, Sobre isso, não falarei mais, para não quebrar o fator surpresa,
reservado, ao espectador, no final da peça.
Acho
que MARCELO PEDREIRA marcou pontos,
quer como dramaturgo, quer como diretor, neste espetáculo e merece os
meus aplausos.
Declaração de amor.
Esperando
não ser mal compreendido, acho que “ELOGIO
DA PAIXÃO” é um espetáculo que pode ser considerado, além de intimista,
despretensioso, como um “musical”,
mas, para cuja montagem, todas as pessoas envolvidas no projeto não economizaram
um ingrediente, que é tema da peça, indispensável ao ofício de quem deseja
fazer TEATRO: a paixão. Se a peça trata da paixão
entre um homem e uma mulher, faz um “elogio”
a ela, em cena, o que se vê, em cena, é a paixão
pelo TEATRO, brotando de cada ponto do palco, de cada foco de luz, de cada detalhe do cenário, de cada palavra ou gesto do trio de atores: ANDRIANO GARIB, ANDRÉ
ARTECHE e MARINA PALHA. TEATRO como se fazia antigamente.
Paixão! Paixão! Paixão!
Julgo
necessário dizer que a ideia da
peça, gerando sua futura concretização, surgiu
em função de uma experiência pessoal do autor, segundo o qual , neste texto, os dois personagens masculinos expressam
facetas da sua própria personalidade, que convivem num abraço apertado, porém,
mais do que uma característica pessoal, representam pulsões universais. De um
lado, a visão trágica da vida, que coloca o foco no sofrimento e na dor; do
outro, a afirmação incondicional desta, com a exaltação de suas infinitas
possibilidades de encantamento. (Palavras, “roubadas”,
de MARCELO PEDREIRA, com adaptações.).
Por oportuno,
quero registrar as várias citações interessantes, ao longo da peça, de frases
de artistas e pensadores famosos, como DOMINGOS
DE OLIVEIRA, VINÍCIUS DE MOARES, NIETZSCHE e SCHOPENHAUER, por exemplo, como “A alegria é a prova
dos nove.” e “Nada é mais subversivo que a alegria.”.
Cantando, antes da bebedeira.
Cantando, após a bebedeira.
SINOPSE:
Na trama, um consagrado
ator, de 60 anos, CHARLES (ADRIANO
GARIB), contrata um escritor de 29, DANIEL
(ANDRÉ ARTECHE), o qual confessa nunca ter vivido uma paixão, para escrever
aquele que seria, sem o contratado saber, seu último espetáculo, uma peça de TEATRO que faça uma apologia à paixão.
CHARLES é um personagem irreverente, intenso, que se casou nove
vezes, movido por irresistíveis paixões. Ator de carreira bem sucedida, no TEATRO, encontra-se com a saúde
debilitada, devido aos anos de excessos, incluindo o álcool, e com dificuldade
de conseguir trabalho.
DANIEL, por sua vez, é um jovem e promissor dramaturgo, obcecado
pelo filósofo alemão Schopenhauer,
típico intelectual, que não acredita no amor, nem nos códigos românticos que
norteiam a vida de CHARLES.
Os encontros de trabalho
acabam se tornando embates insolúveis entre a natureza poética do velho e
experiente ator e o racionalismo pessimista do jovem e incipiente dramaturgo.
Dois pontos de virada, no
entanto, acabam interferindo na dinâmica desse embate, sem saída, e desviando a
trama para caminhos inusitados.
O primeiro é a entrada, em
cena, da filha de CHARLES, FABIANA (MARINA PALHA). DANIEL se encanta, irremediavelmente,
pela moça, que cuida do pai com extrema dedicação.
O segundo ponto de virada
é a proposta de trabalho que DANIEL
faz a CHARLES: a de que o argumento
da peça por escrever seja exatamente a reprodução da situação que os dois
vivenciam diariamente. Ou seja: um escritor racional é contratado para escrever
uma peça, sobre paixão, para um ator veterano, absolutamente passional.
“E por falar em paixão...”
Além da qualidade do texto
e do acerto da direção, contribuem, para o encantamento do público, os
excelentes trabalhos de ADRIANO GARIB, ANDRÉ ARTECHE e MARINA
PALHA.
GARIB interpreta
um personagem que, aparentemente, é amoral, porém, com o decorrer
da trama, percebe-se nele apenas uma pessoa que nasceu para viver,
intensamente, o presente. Em alguns momentos, revela uma faceta, ainda que parcimoniosa,
de saudosismo e não demonstra a menor preocupação com o futuro, já que sabe que
sofre de um mal que poderá matá-lo, a qualquer momento. Seu único olhar para o
adiante se concentra na obsessão pela montagem de uma peça de TEATRO.
Adriano Garib.
Confesso que, nos dez primeiros minutos, mais
ou menos, comecei a desconfiar de que o bom ator, que é GARIB, fosse me
decepcionar, numa construção caricata de um personagem, um ator, meio chegado
ao “pervertido”, monocórdio na sua interpretação, muito histriônico, falando
num tom de voz que me pareceu um pouco exagerado, entretanto, compreendi,
passada a primeira impressão, que estava enganado. Era exatamente aquilo mesmo
que ele tina de fazer em cena. Tudo creditado à natureza do seu personagem, opondo-se ao de ANDRÈ ARTECHE, o
que acaba resultando num excelente trabalho interpretativo, principalmente na
segunda metade da peça.
Charles, o passional.
ARTECHE, apesar de jovem, já tem
bastante experiência em TEATRO, destaca-se
entre os atores da sua geração, e, aqui, se revela como um grande ator, sabendo
agarrar, com unhas e dentes, a oportunidade de representar um bom personagem,
talvez o melhor em sua carreira. Creio que, por ter sido aluno de GARIB, os dois já tenham criado uma boa
intimidade, uma cumplicidade exigida num palco, principalmente nas cenas de
maior impacto, com relação aos embates entre os dois. Muito seguro, no papel, agradou-me
bastante o seu trabalho. Seu maior mérito, nesta peça, é saber representar um
personagem que vai se modificando, ao longo da encenação, mudando,
radicalmente, seu pensamento e comportamento, com o fechar do pano e o
“blackout” final.
André Arteche.
MARINA tem uma
participação menor na peça. Ao contrário de GARIB e ARTECHE, que
representam um único personagem, se bem que há um detalhe, quanto a GARIB,
que só conhecerá quem for assistir à peça, ela, além de FABIANA, filha
de CHARLES, tem algumas pequenas aparições, em flasbacks”, como mulheres
do velho ator. Em todas as personagens, a atriz se sai bem, explorando uma
sensualidade que enriquece algumas cenas. Seu grande momento, na peça, é quando
tenta livrar o pai do vício do álcool, que, inevitavelmente, o levaria a morte.
Marina Palha.
Na ficha técnica, ainda há os nomes de
FELIPE HABIB, na boa direção musical e nos interessantes
arranjos; BEATRIZ BERTU, como assistente de direção; DUDA
MAIA, em mais um de seus bons trabalhos de direção de movimento; PAULO
DENIZOT e JANAÍNA WENDLING, que assinam o simples, porém ajustado, cenário
(a sala de estar de um apartamento de classe média baixa, com móveis e objetos
de decoração, além de ícones religiosos, já que o dono da casa, CHARLES,
cultua o espiritismo, “com um pé na umbanda”, além de “dar consultas” a pessoas
ingênuas, que não observam o seu lado charlatão); PAULO DENIZOT, na iluminação,
com alguns equívocos, acertando mais no cenário do que na luz; e
o próprio MARCELO PEDREIRA, responsável pelo figurino, bem
adequado ao espetáculo, ainda que o personagem DANIEL, quando volta à
casa de CHARALES, no dia seguinte ao da primeira visita, use o mesmo
figurino (se não me engano, também ocorre no terceiro encontro entre os dois),
detalhe que poderia ser facilmente corrigido, mas que não chega a comprometer o
todo.
André Arteche e Marina Palha.
Diferentes pontos de vista.
Recomendo o espetáculo,
como uma grande celebração à vida, um grande incentivo à teoria do “carpe
diem” (aproveite o dia, a vida; viva, intensamente, o momento presente, já
que o fim pode estar adiante, no dobrar da primeira esquina), sem esquecer os
versos do “Poetinha”, com relação ao amor, num de seus poemas mais
lindos e conhecidos, no qual expressa toda a sua filosofia de vida: “Soneto
de Fidelidade”: “QUE NÃO SEJA IMORTAL, POSTO QUE É CHAMA, MAS QUE SEJA
INFINITO, ENQUANTO DURE”.
FICHA TÉCNICA:
Texto, Direção e Figurino: Marcelo
Pedreira
Assistência de Direção: Beatriz
Bertu
Elenco: Adriano Garib, André
Arteche e Marina Palha
Direção Musical: Felipe Habib
Músicos (em gravação): João
Bittencourt (piano e acordeão), Felipe Habib (acordeão), Fernando Carvalho
(guitarra) e Alfredo Del-Penho (violão de sete cordas)
Direção de Movimento: Duda Maia
Cenografia: Paulo Denizot e Janaína
Wendling
Luz: Paulo Denizot
Vídeo e Projeção: Paulo Denizot
Designer Gráfico: Thiago Ristow
Fotografia: Rodrigo Turazzi
Produção Executiva: Aline Mohamad e
Héder Braga
Direção de Produção: Marcelo
Chaffin
Assessoria de Imprensa: Silvana
Cardoso e Juliana Feltz (assistente) - Passarim Com & Mkt
Realização: Criaturas Criativas
Não é bem isso o que eu quero.
Paixão!
Amor”
Mais do que
para os olhos e os ouvidos, “ELOGIO DA
PAIXÃO” é uma peça para tocar o coração.
Numa das
cenas, CHARLES deixa bem claro, ao
jovem dramaturgo, o que lhe está encomendando:
“Quero
uma peça, que faça as pessoas saírem do teatro embriagadas por uma alegria
irracional, com vontade de cantar, de dançar, de escrever poesia em guardanapo
de restaurante. Eu quero uma peça que seja uma celebração da vida. Da vida
vivida com intensidade, com paixão”.
Foi assim que
eu deixei, naquela noite de 6ª feira, 20 de maio de 2016, o teatro do Centro Cultural dos Correis, MARCELO
PEDREIRA, ADRIANO GARIB, ANDRÉ ARTECHE e MARINA PALHA. Caminhei, até a estação do metrô (Uruguaiana), com
aquelas sensações e desejos.
Vocês me tocaram.
Observação final:
uma garrafa de “Ballantine's” me
acompanhou nesta deliciosa “tarefa” de escrever sobre TEATRO. Não a garrafa inteira. Que isso fique bem claro!
SERVIÇO:
Temporada: De 14 de abril a 5 de
junho (2016).
Local: Centro Cultural dos Correios.
Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro - Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2253-1580 (Recepção).
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, sempre às 19h.
Valor do Ingresso: R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia-entrada).
Classificação Etária: 12 anos.
Duração do Espetáculo: 110 minutos.
Lotação do Teatro: 200 pessoas.
Horário da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 15h às 19h.
(FOTOS:
RODRIGO TURAZZI.)
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