A
OUTRA CASA
(UMA
BELA METÁFORA TEATRAL.)
Quando
vou ao teatro, como qualquer pessoa, creio eu, sempre me municio de
expectativas, as melhores, em geral. A diferença entre mim e um espectador
“comum” é que vou com a missão de, além de qualquer outro propósito, fazer uma
análise crítica do espetáculo, do ponto de vista técnico e, obviamente, de
acordo com o meu gosto particular pelo texto, pelo gênero, pela temática, pelos
atores...
Quando
fui assistir a “A OUTRA CASA” (“The Other Place”, no original), que
está em cartaz no Centro Cultural
Justiça federal (Ver SERVIÇO.), além de qualquer outro atrativo, vibrava
com a oportunidade de ver, mais uma vez, em cena, HELENA VARVAKI, uma grande atriz dos palcos, que tenho na conta das
melhores. A última vez em que a vi atuando, em “Um Estranho no Ninho”, peça a que assisti cinco ou seis vezes, na
pele da enfermeira Ratched, fiquei
encantado com seu trabalho, como já o ficara em outros. Lá, HELENA brilhava, embora não fosse a
protagonista, porém seus embates, alguns violentos, com o protagonista, R. P. McMurphy, esplendidamente vivido
por Tatsu Carvalho, faziam com que
seu talento fosse notado, porém não tanto, em função do protagonismo do
personagem masculino. Em “A OUTRA CASA”,
porém, HELENA VARVAKI brilha, absoluta, como a DRA. JULIANA SMITHTON.
Alexandre Dantas e Helena Varvaki.
SINOPSE:
Uma neurologista de
sucesso, psiquiatra, a DRA. JULIANA
SMITHTON (HELENA VARVAKI), por ironia do destino, é acometida de um lapso
de memória, exatamente durante uma apresentação para uma plateia de médicos,
prática tão comum para ela, sempre requisitada para tais palestras e aulas
especiais. O motivo para aquele encontro seria a apresentação um novo
medicamento contra a demência, desenvolvido por ela.
A partir desse episódio,
ela vai sendo impulsionada a rastrear sua lucidez, procurando um equilíbrio
mental. Esse rastreamento é feito através de diálogos impetuosos com seu marido,
com sua médica, com as lembranças de sua filha desaparecida e consigo mesma.
No decorrer da trama, o
espectador vai sendo levado, junto com a protagonista, à compreensão do que está,
de fato, ocorrendo. Ele é convidado a montar o quebra-cabeça, por meio de
pistas, que vai recebendo, direta ou indiretamente, acompanhando a trajetória
de aceitação e transformação de JULIANA,
ao relembrar e assimilar os acontecimentos de seu passado.
O
texto, um thriller emocional, do dramaturgo norte americano, contemporâneo, pouco
entrado na casa dos 40 anos, SHARR WHITE,
explora a vulnerabilidade do ser humano, diante dos transtornos da memória.
O espetáculo
estreou, na Broadway (também foi a
estreia do autor na “meca” do TEATRO),
em janeiro de 2013, com prêmios e nomeações, e fez uma brilhante carreira.
Inédito, entre nós, a peça trata de um tema bastante interessante, problema do
qual qualquer espectador poderia ser vítima, já que conta a história de uma
neurologista de sucesso (poderia ser de qualquer outra profissão e, até mesmo,
uma pessoa de pouca, ou nenhuma, notoriedade), que se vê desafiada pelos
próprios lapsos de memória.
Nos Estados Unidos, a peça mereceu ótimas críticas, dentre as quais
destaco um trecho de uma, publicada pelo New
York Times, com o qual concordo plenamente: “A sensação de desorientação une
audiência e protagonista”. O drama da DRA. JULIANA, realmente, comove o espectador, provoca um sentimento
de comiseração, como se cada um se pusesse no lugar dela, se projetasse na
intimidade da sua dor, de seu sofrimento, transformado em ferida exposta. Uma
vida, pessoal e profissional, iluminada, construída, com esforço e dedicação,
ao longo de algumas poucas décadas, ruindo, tornado-se pó. Seu marido, ainda que
procurasse atingir o máximo de sua paciência e compreensão, pediu o divórcio;
sua filha tinha fugido com um homem muito mais velho; e sua própria saúde,
física e mental, estava em perigo, uma ameaça terrível.
Helena Varvaki.
Para mim, um
dos fatores mais interessantes, na peça, responsável por prender a atenção do
espectador e fazer com que palco e plateia se aproximem, cada vez mais, até o
apagar da última luz, é o fato de o espetáculo ir sendo construído através de
um quebra-cabeça, que envolve protagonista, público e personagens, desde a
primeira cena. Nem barulho de papelzinho de bala se ouve, durante os 90 minutos
de pura ação e de depuração.
É preciso que
o espectador esteja ligado, o tempo todo, no que vê e ouve, para tentar acompanhar
tudo e procurar entender o que possa ser verdade ou fruto da imaginação da
protagonista (Ou do autor?), o que está acontecendo em tempo real ou é mostrado
em “flashback”. A peça é um desafio para o espectador e eu o aceitei, com
coragem, mas sem a certeza de que sairia vencedor daquela “batalha”. Confesso,
humildemente, que ainda tenho muitas dúvidas e que pretendo rever a peça, com
um olhar mais atento ainda – se é que isso seja possível – do que o que me
prendeu ao palco, quando vi o espetáculo.
Sombras.
HELENA agradece à atriz Marjorie Estiano e a DIEGO TEZA, tradutor do original, por
lhe terem apresentado ao texto e, creio, à obra do seu autor. Ato contínuo,
tratou de convidar GABRIELA MUNHOZ, para
atuar, e o marido, MANOEL PRAZERES,
para a direção. Juntos, escolheram o
restante do elenco, ALEXANDRE DANTAS
e DANIEL ORLEAN; este também assina
a assistência de direção.
Momento de ira (ou
lucidez?).
Para se ter
uma ideia da complexidade e da potência do desafio que “A OUTRA CASA” propõe, transcrevo um depoimento, sobre a peça, que
encontrei, do autor do texto, em entrevista à publicação teatral “PLAYBILL”: “Costumo dizer que a peça é sobre a
mulher mais inteligente na Terra, que descobre que nada é o que ela pensa que
é. É um pouco de mistério, na
forma como o jogo se desenrola. É uma história que é
contada muito de perto, através de sua perspectiva. É, realmente, sobre JULIANA
ser um narrador confiável, e nós ficarmos com ela, enquanto ela começa a
entender que seu mundo não é o que ela pensa que é.
Eu tenho um amigo que me
desafiou a escrever uma peça sobre o assunto que está lá, no texto de “A OUTRA
CASA”. Eu fui resistente, de
início. Não achava que poderia funcionar. Mas ele foi muito
insistente. E, quanto mais eu começava
a olhar para a estrutura da construção de uma peça de teatro na forma como este
jogo é construído, mais animado eu ficava.”.
Sharr White (o autor).
(Foto: Revista PLAYBILL.)
(Foto: Revista PLAYBILL.)
Houve vários
momentos, realmente, em que fiquei bastante perturbado, confuso, sem a certeza
de que o que a DRA. JULIANA dizia ou
aquilo em que ela acreditava pertencia ao plano do real. A
separação do marido aconteceu ou, apenas, estava prestes a se concretizar e
ficou só na intenção? As conversas, por telefone, com a filha, existiram, e teriam
sido naquele tom? Como justificar a presença enigmática de uma moça de biquíni
amarelo, sempre presente na mente da DRA.
JULIANA. na plateia da palestra, naquele “resort”? E a “outra casa” era real, fora construída em “outro terreno”?
Vejo, na minha “viagem” (Também tenho direito a uma.),
a “outra casa” como uma imagem
metafórica de uma outra situação, de uma “zona de conforto”, de um “porto
seguro”, um contexto de “normalidade”,
no qual a personagem pudesse ser feliz.
Apesar
de todas as dúvidas com as quais o texto vai instigando espectador, o autor, de
forma brilhante, cria um final que justifica o encaixe de todas as peças do
quebra-cabeça.
Ainda que não
conheça o original, em inglês, posso afirmar que a tradução, de DIEGO TEZA,
é muito boa, com diálogos ágeis e muito bem construídos, e deve se aproximar,
ao máximo, do que o dramaturgo teve a intenção de dizer. Gostaria, porém, preferência
pessoal, de que o título mantivesse a tradução literal, “O OUTRO LUGAR”, pelo que já expus anteriormente, uma vez que,
embora a personagem faça referências, o tempo todo, a uma outra “casa”, penso que, semanticamente, o
que ela buscava era um outro “lugar”,
não físico, mas “situacional”, que
lhe mostrasse sua verdadeira identidade, que pudesse pôr fim a uma busca,
surgida não se sabe a partir de quando.
Gabriela Munhoz e Helena Varvaki. A hora da
verdade?
Um texto complexo é bom, para que o diretor possa demonstrar sua competência, e isso é, facilmente,
perceptível no trabalho de direção
de Manoel Prazeres.
Imagino o quanto de leituras e releituras ele deve ter feito, do texto, para
chegar ao formato, excelente, como a peça nos é apresentada.
Quanto ao elenco, não há muito mais o que dizer da magnífica interpretação de
HELENA VARVAKI. A atriz faz com que
a personagem apresente uma variação de expressões, faciais e corporais, e de
modulação de voz, relativas às diferentes emoções e situações, reais ou não,
por que passa a DRA. JULIANA,
intensa em todas as cenas, nos embates com o marido e sua psiquiatra,
principalmente. Cenas inesquecíveis!
Helena Varvaki.
O Elenco: Alexandre Dantas, Helena Varvaki,
Daniel Orlean e Gabriela Munhiz.
Para os demais atores do elenco, ainda
que gabaritados profissionais, é um grande desafio contracenar com HELENA, mas ALEXANDRE DANTAS (IAN),
o marido da protagonista e, também, médico, e GABRIELA MUNHOZ,
que se multiplica em mais de um personagem, como a MÉDICA PSIQUIATRA, a FILHA,
e uma ENIGMÁTICA MULHER, fazem bons
trabalhos, edificantes. ALEXANDRE, que,
nos últimos aos, vem se dedicando a papéis mais puxados para o cômico, a
maioria em musicais, demonstrou que também se sai bem num drama. GABRIELA, bela presença em cena, consegue
estabelecer as diferenças entre as diversas personagens que vive. Em função da
pouca participação dos personagens que interpreta, RICHARD e um HOMEM, DANIEL ORLEAN não tem
a oportunidade de se expor muito na vitrine, mas seu trabalho é bastante
coerente.
O cenário, de DÓRIS ROLLEMBERG,
é simples, como deveria mesmo ser, deixando bastante espaço livre, para que os
atores possam fazer seu trabalho no acanhado palco do teatro do CCJF. Painéis claros, que se movem,
abrindo-se e fechando-se, como janelas (As
que deixariam à mostra a “outra casa” ou que poderiam ser puladas, para o
acesso a ela?), valorizados, plasticamente, pela bela iluminação, sempre correta, do competente RENATO MACHADO.
Detalhes do cenário e da iluminação.
Idem.
Também estão de acordo com o
contexto os figurinos, de LETÍCIA PONZI, sem maiores destaques.
Ajuda, bastante, a criar “climas” a
boa trilha sonora, sob a
responsabilidade de RICK YATES.
Um detalhe plástico, bastante
importante e de excelente qualidade, que vem sendo muito explorado nas
montagens teatrais, ultimamente, são os vídeos,
criados por RODRIGO TURAZZI e RENAUD LEENHARDT.
“A OUTRA CASA”, além de, como TEATRO, ser um espetáculo belíssimo,
dos melhores deste primeiro trimestre, no Rio de Janeiro, traz à tona um tema
instigante, tratado com muita coragem e profundidade. Tudo isso justifica uma
ida ao Centro Cultural Justiça Federal.
E, com HELENA VARVAKI,
protagonizando, aí, então, não há justificativa para perder esta peça.
FICHA
TÉCNICA:
Texto: Sharr
White
Tradução:
Diego Teza
Direção:
Manoel Prazeres
Assistente de
Direção: Daniel Orlean
Elenco:
Helena Varvaki, Alexandre Dantas, Gabriela Munhoz e Daniel Orlean
Cenografia:
Dóris Rollemberg
Figurinos:
Letícia Ponzi
Iluminação:
Renato Machado
Trilha Sonora:
Rick Yates
Captação de Imagens:
Rodrigo Turazzi e Renaud Leenhardt
Edição de Vídeo:
Rodrigo Turazzi
Fotografias:
Guido Argel
Programação
Visual: Flávio Luiz Pereira
Direção de Produção:
Rafael Fleury e Manoel Prazeres
Administração:
Rosa Ladeira
Realização:
Helena Varvaki, Gabriela Munhoz, Daniel Orlean e LMPR Serviços Tecnológicos e
Culturais Ltda
Divulgação:
Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Alexandre
Dantas, Helena Varvaki e Daniel Orlean.
Mosaico.
SERVIÇO:
Temporada: De
27 de fevereiro a 3 de abril – EXCEPCIONALMENTE, NÃO HAVERÁ SESSÃO NO DIA 25 DE MARÇO.
Local: Teatro
do Centro Cultural Justiça Federal.
Endereço: Av.
Rio Branco, 241 – Centro (Cinelâdia) (estação do metrô Cinelâdia) – Rio de Janeiro.
Dias e
Horário: De 6ª feira a domingo, às 19h.
Valor do
Ingresso: R$40,00 (inteira); R$20,00 (meia-entrada)
Telefone da Bilheteria:
(21) 3261-2565
Horário de
Funcionamento da Bilheteria: De 4ª feira a domingo, das 16h às 19h.
Duração: 90
minutos
Classificação
Etária: 16 anos
Gênero: Drama
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“...finale”.
(FOTOS:
GUIDO ARGEL.)
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