AMARGO
FRUTO
– A
VIDA DE
BILLIE
HOLIDAY
(“LADY
DAY” NÃO MORREU
ou
BILLIE
LILIAN HOLIDAY VALESKA
ou
UMA
DIVA POR OUTRA DIVA.)
Qualquer
grande atriz merece um grande papel.
Qualquer
grande atriz merece estrelar um espetáculo, que parece ter sido escrito para
ela, e receber todos os aplausos e elogios do público.
LILIAN VALESKA, apesar de tantos anos
de estrada e de brilhar em todos os trabalhos de que participou – eu disse “TODOS” – não tinha, ainda, visto
chegar a sua hora, o seu grande momento protagonista. Mas ele já chegou, e isso pode, e deve, ser
conferido, atualmente, no espetáculo “AMARGO
FRUTO – A VIDA DE BILLIE HOLIDAY”, em cartaz no Teatro Carlos Gomes, no Rio
de Janeiro, mais propriamente, na emblemática Praça Tiradentes, de tantas boas lembranças ligadas ao TEATRO.
Naquele mesmo
palco, a própria LILIAN já teve a
oportunidade de demonstrar seu talento em outros grandes musicais, em papéis de
menor destaque, porém de grande importância, como em “Godspell” e “Império”,
por exemplo. Mas, agora, é diferente:
ela é, reconhecidamente, uma diva, interpretando outra: BILLIE HOLIDAY.
Fachada do Teatro Carlos Gomes
(Praça
Tiradentes – Rio de Janeiro).
O espetáculo
sobe ao palco no ano em que BILLIE,
nascida Eleonora Fagan Gough, de
pais adolescentes, em 1915, completaria cem anos de idade, se não tivesse
morrido, em 1959, aos 44, de edema pulmonar e insuficiência cardíaca, em Nova
York, no Hospital Metropolitano, onde estava internada, para tratar de
problemas hepáticos e cardíacos, em função de um quadro agudo de cirrose
hepática.
Enquanto
estava no hospital, em tratamento, recebeu voz de prisão, por posse de drogas,
tendo sido seu quarto invadido pelas autoridades, a partir de quando policiais
ficaram de guarda, na porta, até o suspiro final. A humilhação, sua “companheira”, ao longo de
toda a vida, não a poupou nem na hora da morte.
Lilian / Billie.
Billie / Lilian.
BILLIE HOLIDAY passou por todos os
sofrimentos possíveis, tendo sido violentada, por um vizinho, aos 10 anos de
idade, e internada numa casa de correção, para meninas vítimas de abuso. Aos 12, trabalhava, lavando o chão de prostíbulos.
Aos 13 anos, morando com sua mãe em Nova York,
caiu na prostituição.
Sua carreira
de cantora começou em 1930. Estando mãe e filha ameaçadas de despejo, por
falta de pagamento de sua moradia, BILLIE
sai à rua, em desespero, na busca de algum dinheiro. Entrando em um bar do Harlem,
ofereceu-se como dançarina, mostrando-se um desastre. Penalizado, o pianista perguntou-lhe se sabia
cantar. Ela cantou, e encantou, e saiu
com um emprego fixo.
Nunca teve, em
termos musicais, uma educação formal, e seu aprendizado se deu, ouvindo Bessie Smith e Louis Armstrong, seus ídolos. Cantou com algumas das melhores “big
bands” e foi uma das
primeiras negras a cantar com uma banda de brancos, numa época de segregação racial nos Estados Unidos (anos 1930).
Consagrou-se, apresentando-se com as
orquestras de Duke
Ellington, Teddy Wilson, Count Basie e Artie Shaw,
e ao lado de Louis Armstrong.
BILLIE foi uma das mais comoventes
cantoras de “jazz” de sua época. Com uma voz etérea, flexível e levemente
rouca, sua dicção, seu fraseado, a sensualidade à flor da voz, expressando incrível
profundidade de emoção, aproximaram-na do estilo de Lester Young,
com quem, em quatro anos, gravou cerca de cinquenta canções,
repletas de “swing” e cumplicidade. Lester Young foi quem a apelidou de "LADY DAY".
Ladies and gentlemen, “Lady Day”.
A partir de 1940, apesar do sucesso, “LADY DAY” sucumbiu ao álcool e às drogas, passando por
momentos de depressão, o que se refletia em sua voz.
A “dama do jazz” deve ser lembrada como
uma grande defensora dos negros, na luta segregacionista dos brancos
americanos. Destemida, tinha uma coragem
enorme e arriscava o seu prestígio e sua carreira, dizendo, a quem quer que
fosse, o que lhe vinha à cabeça, para honrar e defender a raça que,
orgulhosamente, representava. A cena em
que ela, já famosa, discute com uma mulher branca, que tentava impedi-la de
entrar no famoso Hotel Lincoln, em Nova York, é ótima.
Três anos
antes de sua morte, BILLIE HOLIDAY
publicou sua autobiografia, em 1956, “Lady Sings the Blues”,
a partir da qual foi feito um filme, em 1972, tendo Diana Ross no papel principal.
Foi belíssima,
mas desgastou-se, fisicamente, reduzida a uma grotesca caricatura de si mesma,
devorada pelo álcool e por drogas pesadas.
Morreu pobre,
enganada e explorada por muitas pessoas inescrupulosas, e está enterrada no
Cemitério de Saint Raymonds, em Nova
York.
Um pouco do “release”, fornecido pela eficiente
assessoria de imprensa (leia-se Ney
Motta):
“Mito cultuado, principalmente após a sua morte,
BILLIE HOLIDAY atingiu a fama e a
celebridade ainda viva, não apenas por suas qualidades de canto original e
incomparável, mas também por sua vida tumultuada e seu sistemático envolvimento
com drogas e bebidas.
Sua voz, cujo timbre inconfundível tinha a
perfeição de um instrumento, expressou, além da beleza da arte, a melancolia
que se constituiu na face mais sombria do ‘blues’,
a fenda mais profunda do “jazz”. Foi protagonista de uma época difícil para o
povo americano e, muito pior, para os negros americanos.
BILLIE cantou a tristeza, a derrota, a
tragédia do racismo e os amores impossíveis. E, se a magnitude da sua arte se contrapunha à
sua derrocada pessoal, uma e outra se somaram, para que se edificasse, em torno
de seu nome, um mito
indestrutível.”
Simplesmente, Billie!
SINOPSE:
No drama musical “AMARGO FRUTO - A VIDA DE BILLIE HOLIDAY”, a atriz e cantora LILIAN VALESKA “encarna” BILLIE HOLIDAY, seus pensamentos da
infância, a miséria, a dor, o estupro, aos 11 anos, a prostituição, aos 13, a iniciação com as drogas
pesadas, aos 17, e o abandono em todos os sentidos.
Com quatro músicos, que tocam ao vivo, o
espetáculo é entremeado por canções eternizadas na voz de BILLIE, clássicos, como
“Summertime” e “Strange Fruit”, entre outros. Assim, de maneira emocionante, a história da
grande diva do “jazz” mundial é
apresentada ao público.
Como todo musical biográfico, a
estrutura dramatúrgica do texto não costuma ter grande peso e dela pouco se
exige, a não ser que as informações sejam precisas e que contenha, pelo menos,
um pouco de diálogos interesantes, que ilustrem, de forma dinâmica, passagens
da vida do biografado. Assim tem sido, e
algo diferente disso não há de ser esperado nos que ainda estão por vir. Assim também ocorre neste espetáculo, no qual
predomina a narração.
Isso não significa que seja fácil escrever um
musical biográfico. Pelo contrário, para
que o texto não se torne monótono, estendendo essa monotonia, por consequência,
ao espetáculo, faz-se necessário que o autor, ou autores, da dramaturgia
dominem a carpintaria criativa do texto teatral, como se vê no roteiro de “AMARGO FRUTO…”. A pesquisa sobre a vida da cantora e a
codificação verbal disso são excelentes.
O texto é de JAÚ SANT’ANGELO,
de quem partiu a ideia da realização deste espetáculo, contando com a
participação de TICIANA STUDART, que também assina a
competente direção da peça.
JAÚ se diz “fascinado”, desde sempre,
pela história de BILLIE e sua voz, o
que, convenhamos, não é “privilégio” dele, uma vez que qualquer pessoa de bom
gosto musical, sensibilidade apurada e paixão pela boa música, principalmente o
“jazz”, também o é. Sendo assim, resolveu falar de BILLIE, suas memórias trágicas, seus
desastres íntimos e, claro, sua música.
TICIANA STUDART, mais uma vez, revela-se criativa,
assinando uma direção, trabalho facilitado
pelo time de competentes profissionais que dirigiu, mas que, em nada, diminui
seu mérito. Ao contrário, o bom trabalho
do(a) diretor(a) começa na seleção dos que vão trabalhar com ele(a).
Os atores que vivem, no palco, celebridades,
principalmente as do mundo artístico, não gostam de que, quando fazem um
trabalho que chega, por vezes, a confundi-los com os interpretados, se diga que
“reencarnaram” o personagem, uma vez
que, para chegar àquele nível de interpretação, tiveram que dedicar muitas horas,
dias, semanas de pesquisa, para a sua composição. Que o digam Cláudia Netto, e sua Judy
Garland; Emílio Dantas, e seu Cazuza; Tiago Abravanel, e seu Tim
Maia; e Laila Garin, e sua Elis Regina!
Com LILIAN,
não está sendo diferente. É a “própria” BILLIE HOLIDAY “reencarnada”! É a atriz quem diz: “Não tento ser um clone ou uma
imitadora de BILLIE HOLIDAY. No máximo,
recorro a algumas inflexões, a certos timbres característicos dela. Quando fui
convidada, aceitei na hora. Não tive
muito tempo para me preparar, mas li livros, vi vídeos, tentei aprender com a
própria BILLIE, sem imitá-la. Escolhi o
caminho do sentimento. Sou uma preta
muito brasileira, musicalmente, de modo que tentei entrar no mundo de BILLIE. Ou em como
BILLIE interpretava suas letras”.
Faça sempre assim LILIAN, que
dá certo!
Na TV.
LILIAN VALESKA é uma das mais completas
e perfeitas “cantrizes” dos nossos musicais, dona de uma voz lindíssima, de
alta extensão e canta sem fazer o menor esforço físico. Sabe explorar o potencial artístico que lhe
foi conferido por Deus e que ela tanto preserva e exercita. A sua interpretação, à capela, para uma canção,
quando fica sabendo da morte do pai, é de arrepiar. O mesmo pode ser dito, quando canta “Don’t Explain”, de sua autoria, ao
descobrir que um dos maridos a traía. A
propósito, BILLIE só se juntou a
homens, maridos, de má índole.
LILIAN está, simplesmente, exuberante
no papel.
Acabou de vencer o Prêmio Referência 2015, na categoria Melhor Atriz Coadjuvante, por sua
interpretacão no espetáculo “Todos os
Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos”, da dupla Charles Möeller e Cláudio
Botelho.
Sua formação musical teve início em
casa. Seus pais cantavam em coral e ela
cresceu, ouvindo todo tipo de música, tendo cantado em coro , da infância à juventude, na Igreja
Presbiteriana da Penha.
Não poderia
ser outra atriz/cantora a interpretar BILLIE. Parabéns, TICIANA STUDART, pela acertada escolha de LILIAN, para viver a protagonista!
Completando o elenco, duas presenças marcantes, em
cena, dois coadjuvantes de luxo, que se desdobram em vários papéis: MÍLTON FILHO
e VILMA MELLO. Os dois, com vasta experiência em TEATRO, incluindo musicais, estão
“abusadamente” excelentes, em todos os personagens menores que interpretam,
valorizando cada um deles, com seus talentos de atores e cantores.
Pouca vezes, num palco, um(a) ator/atriz
protagonista pode contar com um suporte de tão alto gabarito, como LILIAN VALESKA está tendo a oprtunidade
de vivenciar, contando com os trabalhos de MÍLTON
e VILMA, esta impagável, com sua
veia cômica, principalmente quando vive uma camareira, que intervém, nas falas
de BILLIE, para desmenti-la; ou
melhor, para corrigir os seus exageros e as suas “meias-verdades’, ao contar,
ao público, a sua vida. “BILLIE
mente muito!”, repete ela, algumas vezes. MÍLTON
não faz por menos.
Mílton Filho e Vilma Mello.
Não posso deixar de mencionar,
também, os números em que os dois cantam e dançam, obedecendo a uma ótima coreografia, de SUELI GUERRA, que também assina a direção de movimento.
Para acompanhar LILIAN/BILLIE, uma banda, formada por quarto ótimos músicos: BERVAL MORAES (baixo acústico), EMILE SAUBOLE (bateria), GABRIEL GABRIEL (saxophone) e RODRIGO DE MARSILLAC (piano), com
direção musical e arranjos do sempre
competentíssimo MARCELO ALONSO NEVES.
Banda.
Os arranjos, de MARCELO,
são fantásticos, apresentando inovações, sem, contudo, descaracterizar a linha
melódica das canções, que formam o rico, vasto e maravilhoso repertório da
cantora.
Vale a pena lembrar que BILLIE HOLIDAY, das grandes cantoras
americanas de seu tempo, não é tão popular e conhecida, como Ella
Fitzgerald e Sarah Vaughan, por
exemplo. Talvez seja um pouco mais sofisticada,
principalmente pelo fato de, como uma cantora de “jazz”, basicamente, primar pelas
improvisações, no entanto, mesmo quem não a conhece a fundo irá se deliciar com
as canções da peça, por causa das irrepreensívis interpretações de LILIAN, mas também porque foi muito bem
selecionado o repertório utilizado em cena, composto, basicamente por “hits”, “standards” da canção
norte-americana, muitos deles tornados conhecidos e populares, na voz de outros
intérpretes. Isso é um grande fator que
aproxima o público dessa “não muito conhecida” BILLIE.
O cenário foi idealizado pela premiadíssima AURORA DOS CAMPOS, que dividiu o grande palco do Teatro Carlos Gomes em quatro áreas físicas,
para a realização das cenas. No canto
esquerdo, em relação à visão do público, fica a banda, requisitada em grande
parte do espetáculo. No outro lado, um
camarim, com todos os detalhes a ele pertinentes. No centro, ao fundo, um bar, espaço onde BILLIE passou muito tempo de sua
vida. Ainda no centro, mais à frente do
palco, quase no proscênio, apenas um
microfone, com pedestal, utilizado, abundantemente, por BILLIE, para cantar suas belíssimas canções e para se dirigir à
plateia, narrando os momentos mais marcantes de sua vida.
Panorâmica do cenário.
Cenário e iluminação: combinação perfeita.
Os figurinos (muitos), de MARCELO
MARQUES, são uma atração à parte, nesta montagem. Todos, sem exceção, são de uma beleza
estonteante e de um acabamento poucas vezes visto em figurinos de TEATRO. Os detalhes que há em cada um deles, principalmente,
é óbvio, nos que são usados por LILIAN,
são dignos de todos os elogios.
Alguns dos muitos figurinos.
Infindáveis, também, devem ser os
elogios dirigidos à belíssima iluminação
de PAULO
CÉSAR MEDEIROS, um dos nossos melhores profissionais na área e que, a cada
trabalho, parece se superar. Não
titubeio, ao afirmar que a luz de “AMARGO FRUTO…” é um dos mais lindos
trabalhos assinados pelo PAULINHO.
O que dizer sobre esta maravilha de luz?!
Um musical, durante sua preparação,
os ensaios, precisa de quem se responsabilize pela preparação vocal do elenco.
A produção do espetáculo
confiou essa tarefa a MONA VILARDO, “expert” nesse “métier”.
É frustante, para um espectador,
assistir a um musical e sair reclamando do som. Aqui, ninguém correrá esse risco, uma vez que
BRANCO FERREIRA se empenhou – e conseguiu
– em nos oferecer, com seu desenho de
som, uma perfeita nitidez, em tudo o que se diz ou se canta.
Haveria alguma possibilidade de este espetáculo não dar certo? Claro que NÃO!!!
Entrar no Teatro Carlos Gomes, sentar-se numa de suas poltronas, até mesmo na
última fileira do balcão, fechar os olhos e ouvir LILIAN VALESKA, cantando BILLIE
HOLIDAY, já vale o preço do ingresso, bastante barato, diga-se de passagem,
para os padrões brasileiros, pela qualidade do que o público recebe em
contrapartida.
“AMARGO FRUTO – A VIDA DE BILLIE HOLIDAY”
é um espetáculo inesquecível, daqueles que marcam a vida da gente. São noventa minutos de puro encantamento, menos
pela triste realidade da vida da BILLIE
e mais pelo conjunto de acertos que o espetáculo nos proporciona.
Já estou me
programando, para uma segunda vez. Quem
sabe uma terceira, uma quarta, uma quinta...?
FICHA TÉCNICA:
Texto: Jaú Sant’Angelo
e Ticiana Studart
Direção: Ticiana
Studart
Elenco: Lilian
Valeska, Mílton Filho e Vilma Mello
Músicos: Berval Moraes
(baixo acústico), Emile Saubole (bateria), Gabriel Gabriel (saxofone) e Rodrigo
de Marsillac (piano)
Direção Musical e
Arranjos: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Paulo
César Medeiros
Cenografia: Aurora dos Campos
Figurino: Marcelo
Marques
Desenho de Som: Branco
Ferreira
Visagismo: Ernane
Pinho
Preparação Vocal: Mona
Vilardo
Coreografia e Direção
de Movimento: Sueli Guerra
Preparadora de Língua
Inglesa: Alma Thomas
Programação Visual:
Clara Melliande
Assessoria de Imprensa:
Ney Motta
Direção de Produção:
Maria Inês Vale
Coordenação Geral:
Maria Vitória Furtado
Idealização: Jaú Sant’Angelo
Realização: Vitória Produções
Aplausos!
Bravo!
SERVIÇO:
Local: Teatro Carlos
Gomes - Rua Pedro I, nº 4, Praça Tiradentes, Centro – Rio de Janeiro - (tel. (21)
2224-3602).
Temporada: Até 27 de
setembro.
Dias e Horários: De 5ª
feira a sábado, às 19:30h, e domingos, às 18h.
Valor do ingresso: R$
60,00.
Classificação
indicativa: 12 anos.
Duração: 90 minutos.
Gênero: Drama Musical
(FOTOS:
DANIEL LÔBO,
ANDREA
ROCHA
e CLÁUDIA
RIBEIRO.)
(Algumas informações sobre a vida de BILLIE HOLIDAY
foram extraídas da WIKIPÉDIA.)
Que maravilha de matéria! Gostaria tanto de poder assistir esse espetáculo.
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