POR
AMOR AO MUNDO
– UM
ENCONTRO COM
HANNAH
ARENDET
(PARA REFLETIR.)
O
elenco.
Para quem não vê o TEATRO apenas como mais uma das possibilidades
de lazer e enxerga nele um veículo político, de abrir mentes, de convocar a
reflexões, recomendo o espetáculo “POR
AMOR AO MUNDO – UM ENCONTRO COM HANNAH ARENDT”, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural do Banco do
Brasil (CCBB) , Rio de Janeiro, até o dia 4 de outubro.
“POR AMOR AO MUNDO” é o título de um dos
livros daquela que é considerada uma das maiores (se não a maior) pensadoras do
século XX, uma mulher muito à frente do seu tempo: HANNAH ARENDT, que, na verdade, foi registrada como Johanna Arendt.
Judia, alemã, nascida em
1906 e falecida em 1975, em Nova Iorque, passou a figurar na História como
uma filósofa política, das mais influentes de sua época e que nos legou sábios
ensinamentos.
Vítima da
perseguição aos judeus, na Alemanha nazista, HANNAH emigrou, depois de ficar presa, por um tempo, em seu país, o
que lhe rendeu a cassação da nacionalidade alemã, fazendo dela uma pessoa
apátrida, por quase duas décadas, até que, em 1951, conseguiu a cidadania
americana.
Para
sobreviver, trabalhou como jornalista e professora universitária e publicou
obras importantes sobre filosofia política, ainda que se recusasse a ser
rotulada como "filósofa"; dizia-se uma “teórica política”.
Detalhe da iluminação.
Uma
de suas principais bandeiras, talvez a maior de todas, era a defesa do “pluralismo”, que ela considerava o
único caminho para que o potencial de uma liberdade e igualdade política
passasse a existir entre as pessoas.
Para ela, o mais importante era a perspectiva da inclusão do Outro. Era adepta de uma “democracia direta”, da qual devessem fazer parte pessoas adequadas
e dispostas a discutir tudo, amplamente, em acordos políticos, convênios e leis.
Foi uma ativa
questionadora, em discussões críticas de filósofos clássicos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Immanuel
Kant, Martin
Heidegger e Karl Jaspers,
além de representantes importantes da filosofia moderna, como Maquiavel e Montesquieu.
Justamente por
conta de seu pensamento independente, a “teoria
do totalitarismo”
e da “banalidade do mal”, seus
trabalhos sobre filosofia
existencial e sua reivindicação
da discussão política livre têm um papel central nos debates contemporâneos.
Como fontes de suas
investigações, ARENDT usa, além de
documentos filosóficos, políticos e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de forma
literal e confrontados com o seu pensamento.
Carolina Ferman e Kelzy Ecard.
Michel Robim e Kelzy Ecard.
A peça
está sendo encenada no ano em que são lembrados os 40 anos de morte de HANNAH, com texto de MÁRCIA ZANELATTO
e direção de ISAAC BERNAT, uma parceria personalística, que já provou dar certo
anteriormemnte. É só puxar um pouco pela
memória recente e se lembrar de “Deixa
Clarear” e “Desalinho”, por
exemplo. Esta rendeu a MÁRCIA o prêmio de Melhor Autor(a), em 2014, no festejado 9º Prêmio APTR de Teatro, dividido com Gustavo Gasparani, pelo musical “Samba, Futebol Clube”.
O
protagonismo do espetáculo é defendido pela excepcional atriz KELZY ECARD, no papel de HANNAH ARENDT, coadjuvada pelos
brilhantes trabalhos de CAROLINA FERMAN
e MICHEL ROBIM.
Na
concepção do diretor, trata-se de “uma peça de câmara, para três atores, um
documentário poético”.
Palavras da autora do texto, que também é a idealizadora do projeto: “Eu
tinha visto o filme sobre HANNAH anos antes. Depois, quando procurava uma peça pra KELZY,
ela me voltou à mente. Fui pesquisar e
vi que eram 40 anos de sua morte. Naquele
momento, achei que HANNAH havia nos escolhido”.
Gosto do texto, que não obedece a uma linha temporal linear e
vai sendo desenvolvido por um narrador, um personagem anônimo e extemporâneo, vivido
pelo ator e bailarino MICHEL ROBIM,
que também assume outros
pequenos papéis. A partir daí, vão surgindo passagens e momentos
marcantes da vida de HANNAH, que
teve, nos Estados Unidos, uma grande amiga, a escritora americana MARY MCCARTHY, personagem interpretada por CAROLINA FERMAN. As duas
trocam muitas cartas, nas quais tratam de temas seriíssimos, como o
totalitarismo, cozinhando e fofocando, o
que torna o diálogo muito leve, no entender da dramaturga, com o que concordo
plenamente, o que serve de “vetor” de integração entre texto e plateia; esta
parece esquecer que se trata de alta filosofia.
As cartas sempre terminam por hilarious conselhos culinários, descontraindo a
tensão que possa ter sido formada no público.
Na dramaturgia, MÁRCIA
ZANELATTO incluiu dois dos
homens mais importantes na vida de HANNAH:
Heidegger, por quem ela se apaixonou, aos 18 anos, e com quem viveu
um romance secreto, por toda a vida, e Heinrich
Blucher, seu marido, com quem ela se casou e viveu até
o fim de sua vida.
De acordo com o “release”
que me foi enviado, “A peça dialoga com a atualidade da banalidade do mal”.
Para isso, a autora se utiliza de fatos e citações do nosso dia a dia, da
vida política atual, uma felicíssima ideia.
Segundo MÁRCIA
ZANELATTO, "A banalidade do mal está nos
nossos calcanhares. Dia desses, um trem
teve autorização para passar por cima do corpo de um homem. Ouvimos frases, como ‘Não posso fazer nada’ ou
‘O sistema não aceita’ ou ‘Bandido bom é bandido morto’, todos os dias. No Brasil, estamos vivendo o risco real da
ascensão do fundamentalismo religioso ao poder. É hora de conversar com HANNAH ARENDT. Ela nos alertou que ‘fazer o mal’ pode não ter
nada a ver com ‘ser mau’. Ou seja,
pessoas boas podem estar fazendo o mal sem se dar por isso".
A direção, de ISAAC BERNAT, mais uma vez, confirma sua vocação para essa
faina. Atento às intenções do texto e
conhecedor do universo arendtiano e do material humano de que dispõe, sendo que
KELZY e CAROLINA já foran dirigidas por ele, ISAAC sabe extrair e dosar a emoção daqueles que dão vida aos
personagens. É muio interessante a ideia
de quebrar a quarta parede do teatro, na cena em que, KELZY, que deixou de fumar e tem de fazê-lo em cena, já que a
personagem era fumante inveterada, e faz uso de um cigarro eltrônico,
dirigindo-se ao público, saindo da personagem, para justificar o uso de tal recurso: “É TEATRO, não é?”
Sou
suspeito para falar do trabalho de KELZY
ECARD, considerada, por mim, uma das nossas melhores atrizes, quer como
protagonista, quer como coadjuvante, roubando, muitas vezes, a cena. Não me recordo de nenhum trabalho que desabone
seu currículo. Ao contrário, a cada novo
desafio, KELZY responde com a força
de seu talento. Busca, nas entranhas,
uma força descomunal para servir às personagens que interpreta. Trata-se de uma atriz visceral, que, para
nosso prazer, de novo, brilha em cena.
O brilho de Kelzy.
CAROLINA FERMAN é uma jovem, que já é
reconhecida, pelo público amante e assíduo de TEATRO, como uma grande atriz, “DE TEATRO”. Acontece, entre
ela e KELZY, uma “química”
necessária para que seja atingida uma cumplicidade tal, que prende a atenção do
espectador durante todo o tempo em que contracenam. Uma ilumina o trabalho da outra. Assim foi, em “Desalinho”; assim está acontecendo agora.
Tive a feliz
e rica oportunidade de conhecer o trabalho de MICHEL ROBIM, com o qual nunca tivera travado conhecimento, e pude,
depois de uma breve pesquisa, saber que, curiosamente, apesar de ser formado em
Engenharia Química, com curso em Engenharia Nuclear, também é formado em terapias psicocorporais, transpessoais e de
desenvolvimento humano, o que lhe permite uma bela participação em cena,
como dançarino, em números,
não sei se coreografados ou de improviso, mas, certamente, de grande beleza
plástica, além de um bom trabalho de ator.
Michel Robim, dançando.
Michel Robim, atuando.
Servem,
ainda, para credenciar “POR AMOR AO MUNDO – UM ENCONTRO
COM HANNAH ARENDT”
como um bom espetáculo, digno de recomendação, o bonito e simples cenário, de DÓRIS ROLLEMBERG, onde se destaca uma curiosa e prática caixa
preta, que se abre, transformando-se em duas cadeiras e uma mesa, para compor
alguns dos ambientes da narrative; a excelente luz, de AURÉLIO DE SIMONI;
a direção musical e trilha original, de ALFREDO DEL-PENHO, a direção de movimento, de MARCELLE SAMPAIO e os figurinos,
discretos e acertados, de DESIRÉE BASTOS.
Confesso que não era “íntimo” de HANNA ARENDT, como ainda não o sou, mas, depois de ter assistido e este instigante
espetáculo, liguei minhas antenas e já estou procurando ler um pouco sobre sua
obra e seu pensamento, procurando inseri-lo na atual conjuntura do país e do
mundo.
Termino com um pensamento de HANNAH ARENDT: “Nunca
se pode parar de pensar”.
Topam?
Paixão entre mestre a
discípula.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia:
Márcia Zanelatto
Direção
Isaac Bernat
Elenco:
Kelzy Ecard, Carolina Ferman e Michel Robim
Cenografia:
Dóris Rollemberg
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Figurinos:
Desirée Bastos
Direção
Musical e Trilha Sonora Original: Alfredo Del-Penho
Direção
de Movimentos: Marcelle Sampaio
Direção
de Produção: Roberto Jerônimo
Idealização
e Realização: Márcia Zanelatto / Transa Arte e Conteúdo
Assessoria
de Comunicação: Bruno Pacheco
SERVIÇO:
Temporada:
Até 4 de outubro (2015).
Local:
Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Endereço:
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone:
3808-2020.
Lotação
172 lugares.
Classificação
Indicativa: 14 anos
Dias
e Horários: De 4ª feira a domingo, às 19h.
Entrada:
R$ 10,00
Meia Entrada: R$ 5,00 (Idosos, Estudantes, Clientes
BB, Cartão Metrô recarregável).
(FOTOS: JOÃO JÚLIO MELLO)
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