O
HOMEM
DE
LA MANCHA
(UMA
OBRA-PRIMA!
BELEZA
E EMOÇÃO À FLOR DA PELE!
ou
A
POSSIBILIDADE DE UM SONHO IMPOSSÍVEL!)
Parte
1
Cleto Baccic (Miguel de
Cervantes / Dom Quixote).
Cleto e Jorge Maia (Sancho).
O
que me levou a São Paulo, no início deste mês de dezembro de 2014, foi o enorme
desejo de assistir a um espetáculo pelo qual tenho o maior apreço: O HOMEM DE LA MANCHA.
Jamais escondi
minha paixão por essa peça, por ter, como eixo central, o meu personagem
universal preferido: DOM QUIXOTE DE LA
MANCHA, obra máxima do grande escritor espanhol MIGUEL DE CERVANTES.
Demorou
42 anos, para que alguém, de muita coragem e extrema competência e bom gosto,
como MIGUEL FALABELLA, e duas
instituições, como a FIESP e o SESI-SP, por meio do seu projeto TEATRO MUSICAL, nos brindassem com uma
verdadeira obra-prima, que nos orgulha e ao TEATRO BRASILEIRO.
A primeira
montagem desse texto, de DALE WASSERMAN, com música de MITCH LEIGH e letras de JOE DARION, baseado no livro DOM QUIXOTE, de CERVANTES, ocorreu no início dos anos 70, traduzida pelos saudosos Paulo
Pontes e Flávio
Rangel, dirigida por este. A adaptação, para o português, das canções foi feita por Chico Buarque e Ruy
Guerra. Estreou, em 15 de
agosto de 1972,
no Teatro Municipal de Santo André, com Paulo
Autran, Bibi
Ferreira e Dante Rui
nos papéis de MIGUEL DE CERVANTES / DOM QUIXOTE,
ALDONZA / DULCINEIA e SANCHO
PANÇA, respectivamente. A
seguir, a peça passou a ser encenada no Teatro Anchieta, ainda em São Paulo.
Em 15 de
janeiro de 1973,
inaugurou o Teatro Adolpho Bloch, no Rio de Janeiro, quando o personagem SANCHO PANÇA passou a ser interpretado
por Grande Otelo, permanecendo oito
meses em cartaz. Três grandes gênios do TEATRO BRASILEIRO lideravam um grande e
competente elenco. Em 1974, O
HOMEM DE LA MANCHA fez temporada popular, de janeiro a março, no Teatro João Caetano, também no Rio de Janeiro. Para os padrões e recursos da época, já foi
considerado uma superprodução, grande sucesso de público e de crítica.
Na Broadway, o musical foi apresentado, pela primeira vez, em 1965, teve 2.329
apresentações e
ganhou cinco prêmios Tony. Foi reapresentado inúmeras vezes, tornando-se
um dos mais vistos espetáculos de teatro musical e uma das escolhas mais
populares das companhias teatrais. Uma
de suas canções, The Impossible Dream (O Sonho Impossível),
tornou-se um clássico internacional, e continua a sê-lo até hoje.
Logo
nas primeiras cenas, sentimos uma vontade imensa de nos beliscarmos, para
termos a certeza de que não estamos delirando, embalados por um “sonho
impossível”, mas é profundamente gratificante, tanto quanto surpreendente,
quando nos damos conta de que estamos vendo, de verdade, uma encenação teatral
magnífica, uma verdadeira obra de arte.
MIGUEL FALABELLA foi de uma felicidade
ímpar, estupenda, ao associar o universo do espetáculo ao de Arthur Bispo do Rosário, um artista plástico brasileiro,
falecido em 1989. Considerado louco, por alguns,
e gênio, por
outros, a sua figura insere-se no debate sobre o pensamento eugênico, o preconceito
e os limites entre a insanidade e a arte, no Brasil, assemelhando-se aos sentimentos da época com
relação a MIGUEL DE CERVANTES,
criador de um personagem que não era o que se podia rotular como um indivíduo
são, do ponto de vista mental. A obra
mais conhecida do Bispo do Rosário é
o Manto
da Apresentação, que, segundo ele, deveria vestir no dia do Juízo
Final.
De forma genial, FALABELLA põe, em cena, um personagem,
o GOVERNADOR, uma espécie de líder
no manicômio onde CERVANTES fora
internado, à espera de seu julgamento, que não é outro, senão o próprio Bispo, vestido com o manto acima
referido, um primor de figurino. Uma
imagem belíssima. Curioso é que essas
informações, da ligação do personagem da peça com o Bispo, podem ser encontradas no lindo programa do espetáculo, que
eu não li, antes do início da peça, entretanto, ao ver aquela figura em cena, logo
ao abrir das cortinas, pensei alto: “É o
Bispo do Rosário?!...”
“Eu sou eu, Dom Quixote,
Senhor de La Mancha...”
SINOPSE
Um manicômio brasileiro no final dos anos 30. Um paciente é anunciado para internação. Chega a bordo de uma caravela, talvez a “nau
dos insanos”.
Apresenta-se como
MIGUEL DE CERVANTES, poeta, ator de
teatro e coletor de impostos. Chega na
companhia de seu criado, SANCHO.
Ele é abordado pelo GOVERNADOR, louco, que comanda os internos do hospital psiquiátrico.
O grupo o ataca e se apropria de seus
parcos pertences.
CERVANTES não se preocupa em perder o pouco que lhe
é de posses, apenas não aceita que lhe tomem um manuscrito, que é arremessado
entre eles e passa de mão em mão.
Para dar a CERVANTES
a oportunidade de reaver seu manuscrito, o GOVERNADOR
instala um julgamento.
O DUQUE
faz a acusação. CERVANTES organiza sua defesa, convidando os loucos a encenarem,
com ele, uma peça de teatro.
É a história de D. ALONSO QUIJANA, um velho fazendeiro, aposentado, ávido leitor,
desgostoso com os maus-tratos dos homens para com seus semelhantes. Melancólico
com as injustiças do mundo e tomado pela loucura, depois de ter lido tantas
novelas de cavalaria, imagina ser D.
QUIXOTE, SENHOR DE LA MANCHA, um Cavaleiro
Errante, o futuro Cavaleiro da
Triste Figura, após sua “sagração”, atrás de aventuras que lhe permitam
combater o mal, assistir os indefesos, os fracos e oprimidos, os injustiçados,
e praticar o bem.
A chegada do novo interno.
Cervantes é saqueado pelos
internos.
FICHA TÉCNICA:
Texto: DALE WASSERMAN
Música: MITCH LEIGH
Letras: JOE DARION
Direção e Versão: MIGUEL FALABELLA
Direção Cênica Associada: FLORIANO NOGUEIRA
Direção Musical, Preparador Vocal, Arranjos Extras
e Percussão Corporal: CARLOS BAUZYS
Diretor Musical Associado, 1º Regente e Preparador
Vocal: RONNIE KNEBLEWSKI
Regentes Substitutos: BRUNO SOARES e RENATO FARIAS
Músicos: MARCELO MANFRINATO, AMINTAS BRASILEIRO,
JOCA ARAÚJO, CLÁUDIA MONTIN, PAULO JORDÃO, BRUNO SOARES, VAGNER SILVA, RAFAEL
NASCIMENTO, RENATO FARIAS, LEANDRO MANRIQUE, YURI CAYRES, JEF DE LIMA, ANDRÉ
SANTOS, KIKO ANDRIOLI, LEANDRO LUI e RUBENS ALVES
Coreografia: KÁTIA BARROS
Cenografia: MATT KINLEY
Cenógrafo Associado: DAVID HARRIS
Pintura do Cenário: VINCENT GUILMOTO
Figurino: CLÁUDIO TOVAR
Aderecistas: PEDRO PINOTTI, KARINA DIGLIO e MARCOS
TADEU
Direção de Produção de Figurinos e Adereços: LÍGIA
ROCHA
Desenho de Luz: DRIKA MATHEUS
Desenho de Som: GABRIEL D’ANGELO
Designer de Som Associado: MARTIM CRAWFORD
Visagismo: DICKO LORENZO
Diretor Técnico: GABRIEL AMATO
Chefe de Gerência de Palco: LESLIE PIERCE
Fotos: JOÃO CALDAS (oficial)
Design Gráfico: ESTÚDIO MEZANINO
ELENCO: D. Quixote / Cervantes – CLETO
BACCIC; Aldonza
/ Dulcineia – SARA SARRES; Sancho – JORGE MAIA; Governador
– GUILHERME SANT’ANNA; Duque
– CARLOS CAPELETTI; Cover Quixote / Ensemble – FRED SILVEIRA; Antônia – KIARA SASSO; Padre
– IVAN PARENTE; Criada
– IVANNA DOMENYCO; Dr. Sansão Carrasco – FREDERICO REUTER; Hospedeiro
– EDGAR BUSTAMANTE; Barbeiro – ARÍZIO MAGALHÃES; Cigana – FABI BANG; Maria
– LUCIANA MILANO; Ensembles: CAROL ISOLANI, CLARTY GALVÃO, INGRID
GAIGHER, JANA AMORIM, MARIANA SARAIVA, NAOMY SCHÖLLING, DITTO
LEITE, ELTON TOWERSEY, FELIPE GUADANUCCI, JESSÉ
SCARPELLINI, JOHNNY CAMOLESE, JULIO
MANCINI, LÁZARO MENEZES, MARCELO GÓES, PEDRO
ARRAIS, PHILIPE AZEVEDO, TIAGO KALTENBACHER, TONY
GERMANO, VANDSON PAIVA, YGOR ZAGO; Dance Capitain – ANELITA GALLO
Realização: FIESP e SESI-SP
Colaboração: SENAI-SP
Produção: Atelier de Cultura
Assessoria de Imprensa: MORENTE FORTE COMUNICAÇÕES
Tive a
grande sorte e a grata felicidade de poder assistir ao espetáculo duas vezes,
em três dias, a segunda das quais a convite do protagonista, CLETO BACCIC. Se não tivesse havido essa segunda
oportunidade, provavelmente, eu não teria condições de escrever os comentários
abaixo, uma vez que só pude fazer anotações, para não me esquecer de nenhum
detalhe importante, na segunda vez, visto que, na primeira, o meu estado de
êxtase total não permitiu que eu me fixasse em nada, a não ser no TODO.
Aqui estão algumas das minhas anotações:
1) Um dos méritos do
espetáculo, não do ponto de vista técnico, evidentemente, é o fato de ser
iniciado, pontualmente, no horário previsto, o que é tão raro em terras
brasileiras e que precisaria ser imitado por todas as produções. Iniciar um espetáculo com atraso é um grande
desrespeito para com quem se programou para ser pontual.
2) A visão do personagem GOVERNADOR, vestido com seu manto, logo
no início do espetáculo, é deslumbrante.
Já é um prenúncio do que se verá ao longo de quase duas horas de
espetáculo.
Guilherme Sant’anna (Governador).
3) O posicionamento dos músicos,
vestidos de médicos ou enfermeiros, distribuídos no alto das duas laterais do
palco é uma excelente solução, para a questão do espaço cênico, como também
equivale e um interessante elemento plástico na encenação.
4) Uma das mais belas cenas
do espetáculo é aquela em que CERVANTES
se transforma em QUIXOTE, enquanto
vai convencendo os demais internos a atuar na sua peça. Gosto muito da ideia de abrir, ao grande
público, a técnica de transformação de um “ator” em personagem, dividir, com o
público, a magia do TEATRO.
A transformação.
Do mundo real para a fantasia.
5) Outra cena muito
interessante, que, a despeito de ser puxada para a comédia, gera grande emoção,
é a da “sagração” do protagonista em Cavaleiro
da Triste Figura. Apesar de hilária,
fui levado a “acreditar” naquela alucinação, tão convincente é o trabalho de CLETO BACCIC. Chorei.
A “sagração”.
6) Marcante é a cena do
encontro entre QUIXOTE, SANCHO e a horda de ciganos, os quais
lhes roubam tudo. É uma cena de grande
destaque no espetáculo, pela inserção de elementos da cultura cigana ao
cenário, com figurinos exuberantemente coloridos e uma coreografia alegre e
muito bem executada
Ciganos.
7) É brilhante e criativa a
solução encontrada pela direção para encenar a luta do herói contra os “moinhos
de vento”, representados por dois ventiladores de teto, que tomam a posição
vertical, para simular as pás dos tais moinhos.
Efeito fantástico!
Hei de vencer o inimigo invencível!
8) A utilização da metalinguagem, no espetáculo, uma
história dentro de outra, é, certamente, um dos pontos altos deste texto e
confere a ele um grande dinamismo, já que o espectador é conduzido a percepções
de realidade e sonho, alternadamente.
9) É linda a cena entre SANCHO e ALDONZA / DULCINEIA, quando aquele entrega a esta uma “missiva”, da
parte de DOM QUIXOTE, oferecendo, à
“formosa dama”, seus atos de bravura, em defesa dos fracos e oprimidos.
Sancho e Aldonza / Dulcineia.
10) Um detalhe
interessante, que observei desde a primeira vez em que vi a peça, é que, no
alto do cenário, bem no centro, há uma porta, com a inscrição SAÍDA, entretanto ela só serve para dar
“entrada” a alguns personagens. Todos os que são levados para julgamento, o
real, com a possível, e quase certa, condenação à fogueira, saem por uma saída
lateral, superior, à esquerda do palco, para o público, o que nos faz entender
que, para os que estão internados naquela instituição, não há SAÍDA.
SAÍDA “sem saída”.
11) Nas falas de DOM QUIXOTE, podem ser pinçadas algumas
“pérolas”, como, por exemplo, quando ele se recusa a chamar os débeis mentais
de “loucos”, preferindo o eufemismo “homens de ilusão”. Achei lindo!
Ou quando diz que “Talvez, abrir
mão dos seus sonhos pode ser um ato de loucura”. Ou, ainda, que “O excesso de lucidez pode ser considerado loucura”.
12) Na cena em que o
protagonista se encontra muito doente e debilitado, deitado no que poderia vir
a ser o seu leito de morte, chamaram-me a atenção três biombos que entram em
cena, para compor o cenário, nos quais estão aplicados, em cada um deles,
respectivamente, enormes botões, desenhos variados de navios e diverso tipos de
pentes. Penso se tratar de alguma
simbologia a utilização de tais objetos e desenhos. Se há, não a alcancei, mas não tenho dúvidas
de que gerou um belo efeito plástico.
13) Chegou a hora em que MIGUEL DE CERVANTES é convocado para um
interrogatório, que o levará, na ficção,
para a fogueira. O ator remove a
maquiagem de DOM QUIXOTE, despoja-se
do figurino do personagem e retoma o manuscrito da sua história, para delírio
geral da plateia, na qual me incluo, com dificuldade para visualizar
perfeitamente a cena, em função dos meus olhos cheios d’água.
14) É memorável um dueto
entre FREDERICO REUTER e FRED SILVEIRA, dois dos melhores atores
de musicais, ambos com belas vozes, na canção Passarinho Cantor. A
combinação das duas vozes e um belo arranjo vocal resultam numa sonoridade
muito agradável aos ouvidos.
15) Em todas as vezes em
que a canção Sonho Impossível é
cantada, em solo ou com o auxílio do coro, a plateia se emociona (e eu lá), não
só pela força e beleza da letra e da melodia, mas, principalmente, por ela
estar inserida em momentos de grande apelo emocional, principalmente na cena
final. Encharquei um lenço, nas duas
vezes em que fui ao Teatro do SESI.
“Sonhar mais um sonho impossível...”
(FOTOS:
JOÃO CALDAS,
BETO MOUSSALLI, LENISE PINHEIRO, MARCELLA BRAUN, ROBERTO IKEDA e GRAZIELA
VIEIRA.)
Uau! Resenha maravilhosa😀
ResponderExcluir