sábado, 27 de dezembro de 2014


O HOMEM

DE LA MANCHA

 

(UMA OBRA-PRIMA! 

BELEZA E EMOÇÃO À FLOR DA PELE!

ou

A POSSIBILIDADE DE UM SONHO IMPOSSÍVEL!)

 

Parte 1

 

 

 


 

 

O HOMEM de La MANCHA 1 - DNG

Cleto Baccic (Miguel de Cervantes / Dom Quixote).

 

 


Cleto e Jorge Maia (Sancho).

 

 

            O que me levou a São Paulo, no início deste mês de dezembro de 2014, foi o enorme desejo de assistir a um espetáculo pelo qual tenho o maior apreço: O HOMEM DE LA MANCHA. 

 

Jamais escondi minha paixão por essa peça, por ter, como eixo central, o meu personagem universal preferido: DOM QUIXOTE DE LA MANCHA, obra máxima do grande escritor espanhol MIGUEL DE CERVANTES.

 

            Demorou 42 anos, para que alguém, de muita coragem e extrema competência e bom gosto, como MIGUEL FALABELLA, e duas instituições, como a FIESP e o SESI-SP, por meio do seu projeto TEATRO MUSICAL, nos brindassem com uma verdadeira obra-prima, que nos orgulha e ao TEATRO BRASILEIRO.

 

A primeira montagem desse texto, de DALE WASSERMAN, com música de MITCH LEIGH e letras de JOE DARION, baseado no livro DOM QUIXOTE, de CERVANTES, ocorreu no início dos anos 70, traduzida pelos saudosos Paulo Pontes e Flávio Rangel, dirigida por este.  A adaptação, para o português, das canções foi feita por Chico Buarque e Ruy Guerra.  Estreou, em 15 de agosto de 1972, no Teatro Municipal de Santo André, com Paulo Autran, Bibi Ferreira e Dante Rui nos papéis de MIGUEL DE CERVANTES / DOM QUIXOTE, ALDONZA / DULCINEIA e SANCHO PANÇA, respectivamente.  A seguir, a peça passou a ser encenada no Teatro Anchieta, ainda em São Paulo.

 

Em 15 de janeiro de 1973, inaugurou o Teatro Adolpho Bloch, no Rio de Janeiro, quando o personagem SANCHO PANÇA passou a ser interpretado por Grande Otelo, permanecendo oito meses em cartaz.  Três grandes gênios do TEATRO BRASILEIRO lideravam um grande e competente elenco.  Em 1974, O HOMEM DE LA MANCHA fez temporada popular, de janeiro a março, no Teatro João Caetano, também no Rio de Janeiro.  Para os padrões e recursos da época, já foi considerado uma superprodução, grande sucesso de público e de crítica.

 

Na Broadway, o musical foi apresentado, pela primeira vez, em 1965, teve 2.329 apresentações[] e ganhou cinco prêmios Tony.[]   Foi reapresentado inúmeras vezes, tornando-se um dos mais vistos espetáculos de teatro musical e uma das escolhas mais populares das companhias teatrais.  Uma de suas canções, The Impossible Dream (O Sonho Impossível), tornou-se um clássico internacional, e continua a sê-lo até hoje.

 

            Logo nas primeiras cenas, sentimos uma vontade imensa de nos beliscarmos, para termos a certeza de que não estamos delirando, embalados por um “sonho impossível”, mas é profundamente gratificante, tanto quanto surpreendente, quando nos damos conta de que estamos vendo, de verdade, uma encenação teatral magnífica, uma verdadeira obra de arte.

 

            MIGUEL FALABELLA foi de uma felicidade ímpar, estupenda, ao associar o universo do espetáculo ao de Arthur Bispo do Rosário, um artista plástico brasileiro, falecido em 1989.  Considerado louco, por alguns, e gênio, por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a insanidade e a arte, no Brasil, assemelhando-se aos sentimentos da época com relação a MIGUEL DE CERVANTES, criador de um personagem que não era o que se podia rotular como um indivíduo são, do ponto de vista mental.  A obra mais conhecida do Bispo do Rosário é o Manto da Apresentação, que, segundo ele, deveria vestir no dia do Juízo Final.

 

            De forma genial, FALABELLA põe, em cena, um personagem, o GOVERNADOR, uma espécie de líder no manicômio onde CERVANTES fora internado, à espera de seu julgamento, que não é outro, senão o próprio Bispo, vestido com o manto acima referido, um primor de figurino.  Uma imagem belíssima.  Curioso é que essas informações, da ligação do personagem da peça com o Bispo, podem ser encontradas no lindo programa do espetáculo, que eu não li, antes do início da peça, entretanto, ao ver aquela figura em cena, logo ao abrir das cortinas, pensei alto: “É o Bispo do Rosário?!...”

           

 


“Eu sou eu, Dom Quixote, Senhor de La Mancha...”

 

 

 
SINOPSE
Um manicômio brasileiro no final dos anos 30.  Um paciente é anunciado para internação.  Chega a bordo de uma caravela, talvez a “nau dos insanos”.
Apresenta-se como MIGUEL DE CERVANTES, poeta, ator de teatro e coletor de impostos.  Chega na companhia de seu criado, SANCHO.
Ele é abordado pelo GOVERNADOR, louco, que comanda os internos do hospital psiquiátrico.   O grupo o ataca e se apropria de seus parcos pertences.
CERVANTES não se preocupa em perder o pouco que lhe é de posses, apenas não aceita que lhe tomem um manuscrito, que é arremessado entre eles e passa de mão em mão. 
Para dar a CERVANTES a oportunidade de reaver seu manuscrito, o GOVERNADOR instala um julgamento.
O DUQUE faz a acusação.  CERVANTES organiza sua defesa, convidando os loucos a encenarem, com ele, uma peça de teatro.
É a história de D. ALONSO QUIJANA, um velho fazendeiro, aposentado, ávido leitor, desgostoso com os maus-tratos dos homens para com seus semelhantes. Melancólico com as injustiças do mundo e tomado pela loucura, depois de ter lido tantas novelas de cavalaria, imagina ser D. QUIXOTE, SENHOR DE LA MANCHA, um Cavaleiro Errante, o futuro Cavaleiro da Triste Figura, após sua “sagração”, atrás de aventuras que lhe permitam combater o mal, assistir os indefesos, os fracos e oprimidos, os injustiçados, e praticar o bem.
 

 

 


A chegada do novo interno.

 

 


Cervantes é saqueado pelos internos.

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
Texto: DALE WASSERMAN

Música: MITCH LEIGH

Letras: JOE DARION

Direção e Versão: MIGUEL FALABELLA

Direção Cênica Associada: FLORIANO NOGUEIRA

Direção Musical, Preparador Vocal, Arranjos Extras e Percussão Corporal: CARLOS BAUZYS

Diretor Musical Associado, 1º Regente e Preparador Vocal: RONNIE KNEBLEWSKI

Regentes Substitutos: BRUNO SOARES e RENATO FARIAS

Músicos: MARCELO MANFRINATO, AMINTAS BRASILEIRO, JOCA ARAÚJO, CLÁUDIA MONTIN, PAULO JORDÃO, BRUNO SOARES, VAGNER SILVA, RAFAEL NASCIMENTO, RENATO FARIAS, LEANDRO MANRIQUE, YURI CAYRES, JEF DE LIMA, ANDRÉ SANTOS, KIKO ANDRIOLI, LEANDRO LUI e RUBENS ALVES

Coreografia: KÁTIA BARROS

Cenografia: MATT KINLEY

Cenógrafo Associado: DAVID HARRIS

Pintura do Cenário: VINCENT GUILMOTO

Figurino: CLÁUDIO TOVAR

Aderecistas: PEDRO PINOTTI, KARINA DIGLIO e MARCOS TADEU

Direção de Produção de Figurinos e Adereços: LÍGIA ROCHA

Desenho de Luz: DRIKA MATHEUS

Desenho de Som: GABRIEL D’ANGELO

Designer de Som Associado: MARTIM CRAWFORD

Visagismo: DICKO LORENZO

Diretor Técnico: GABRIEL AMATO

Chefe de Gerência de Palco: LESLIE PIERCE

Fotos: JOÃO CALDAS (oficial)

Design Gráfico: ESTÚDIO MEZANINO

ELENCO: D. Quixote / Cervantes CLETO BACCIC;       Aldonza / Dulcineia SARA SARRES;       Sancho JORGE MAIA;       Governador GUILHERME SANT’ANNA;       Duque CARLOS CAPELETTI;       Cover Quixote / Ensemble FRED SILVEIRA;       AntôniaKIARA SASSO;       PadreIVAN PARENTE;  CriadaIVANNA DOMENYCO;       Dr. Sansão CarrascoFREDERICO REUTER;  HospedeiroEDGAR BUSTAMANTE;       BarbeiroARÍZIO MAGALHÃES;  CiganaFABI BANG;       MariaLUCIANA MILANO;       Ensembles: CAROL ISOLANI,  CLARTY GALVÃO,  INGRID GAIGHER,  JANA AMORIM,  MARIANA SARAIVA, NAOMY SCHÖLLING,  DITTO LEITE,  ELTON TOWERSEY,  FELIPE GUADANUCCI,  JESSÉ SCARPELLINI,  JOHNNY CAMOLESE,  JULIO MANCINI,  LÁZARO MENEZES,  MARCELO GÓES,  PEDRO ARRAIS, PHILIPE AZEVEDO,  TIAGO KALTENBACHER,  TONY GERMANO,  VANDSON PAIVA,  YGOR ZAGO;       Dance CapitainANELITA GALLO

Realização: FIESP e SESI-SP

Colaboração: SENAI-SP

Produção: Atelier de Cultura

Assessoria de Imprensa: MORENTE FORTE COMUNICAÇÕES
 

           

Tive a grande sorte e a grata felicidade de poder assistir ao espetáculo duas vezes, em três dias, a segunda das quais a convite do protagonista, CLETO BACCIC.  Se não tivesse havido essa segunda oportunidade, provavelmente, eu não teria condições de escrever os comentários abaixo, uma vez que só pude fazer anotações, para não me esquecer de nenhum detalhe importante, na segunda vez, visto que, na primeira, o meu estado de êxtase total não permitiu que eu me fixasse em nada, a não ser no TODO.  Aqui estão algumas das minhas anotações:

1) Um dos méritos do espetáculo, não do ponto de vista técnico, evidentemente, é o fato de ser iniciado, pontualmente, no horário previsto, o que é tão raro em terras brasileiras e que precisaria ser imitado por todas as produções.  Iniciar um espetáculo com atraso é um grande desrespeito para com quem se programou para ser pontual.

2) A visão do personagem GOVERNADOR, vestido com seu manto, logo no início do espetáculo, é deslumbrante.  Já é um prenúncio do que se verá ao longo de quase duas horas de espetáculo.

 


Guilherme Sant’anna (Governador).



3) O posicionamento dos músicos, vestidos de médicos ou enfermeiros, distribuídos no alto das duas laterais do palco é uma excelente solução, para a questão do espaço cênico, como também equivale e um interessante elemento plástico na encenação.

4) Uma das mais belas cenas do espetáculo é aquela em que CERVANTES se transforma em QUIXOTE, enquanto vai convencendo os demais internos a atuar na sua peça.  Gosto muito da ideia de abrir, ao grande público, a técnica de transformação de um “ator” em personagem, dividir, com o público, a magia do TEATRO.

 


A transformação.

 


Do mundo real para a fantasia.

 

5) Outra cena muito interessante, que, a despeito de ser puxada para a comédia, gera grande emoção, é a da “sagração” do protagonista em Cavaleiro da Triste Figura.  Apesar de hilária, fui levado a “acreditar” naquela alucinação, tão convincente é o trabalho de CLETO BACCIC.  Chorei.

 


A “sagração”.

 

6) Marcante é a cena do encontro entre QUIXOTE, SANCHO e a horda de ciganos, os quais lhes roubam tudo.  É uma cena de grande destaque no espetáculo, pela inserção de elementos da cultura cigana ao cenário, com figurinos exuberantemente coloridos e uma coreografia alegre e muito bem executada

 


Ciganos.



7) É brilhante e criativa a solução encontrada pela direção para encenar a luta do herói contra os “moinhos de vento”, representados por dois ventiladores de teto, que tomam a posição vertical, para simular as pás dos tais moinhos.  Efeito fantástico!

 


Hei de vencer o inimigo invencível!

 

8) A utilização da metalinguagem, no espetáculo, uma história dentro de outra, é, certamente, um dos pontos altos deste texto e confere a ele um grande dinamismo, já que o espectador é conduzido a percepções de realidade e sonho, alternadamente.

9) É linda a cena entre SANCHO e ALDONZA / DULCINEIA, quando aquele entrega a esta uma “missiva”, da parte de DOM QUIXOTE, oferecendo, à “formosa dama”, seus atos de bravura, em defesa dos fracos e oprimidos.

 


Sancho e Aldonza / Dulcineia.

 

10) Um detalhe interessante, que observei desde a primeira vez em que vi a peça, é que, no alto do cenário, bem no centro, há uma porta, com a inscrição SAÍDA, entretanto ela só serve para dar “entrada” a alguns personagens.  Todos os que são levados para julgamento, o real, com a possível, e quase certa, condenação à fogueira, saem por uma saída lateral, superior, à esquerda do palco, para o público, o que nos faz entender que, para os que estão internados naquela instituição, não há SAÍDA.

 


SAÍDA “sem saída”.

 

11) Nas falas de DOM QUIXOTE, podem ser pinçadas algumas “pérolas”, como, por exemplo, quando ele se recusa a chamar os débeis mentais de “loucos”, preferindo o eufemismo “homens de ilusão”.  Achei lindo!  Ou quando diz que “Talvez, abrir mão dos seus sonhos pode ser um ato de loucura”.  Ou, ainda, que “O excesso de lucidez pode ser considerado loucura”.

12) Na cena em que o protagonista se encontra muito doente e debilitado, deitado no que poderia vir a ser o seu leito de morte, chamaram-me a atenção três biombos que entram em cena, para compor o cenário, nos quais estão aplicados, em cada um deles, respectivamente, enormes botões, desenhos variados de navios e diverso tipos de pentes.  Penso se tratar de alguma simbologia a utilização de tais objetos e desenhos.  Se há, não a alcancei, mas não tenho dúvidas de que gerou um belo efeito plástico.

 


 

13) Chegou a hora em que MIGUEL DE CERVANTES é convocado para um interrogatório, que o levará, na ficção, para a fogueira.  O ator remove a maquiagem de DOM QUIXOTE, despoja-se do figurino do personagem e retoma o manuscrito da sua história, para delírio geral da plateia, na qual me incluo, com dificuldade para visualizar perfeitamente a cena, em função dos meus olhos cheios d’água.

14) É memorável um dueto entre FREDERICO REUTER e FRED SILVEIRA, dois dos melhores atores de musicais, ambos com belas vozes, na canção Passarinho Cantor.  A combinação das duas vozes e um belo arranjo vocal resultam numa sonoridade muito agradável aos ouvidos.

15) Em todas as vezes em que a canção Sonho Impossível é cantada, em solo ou com o auxílio do coro, a plateia se emociona (e eu lá), não só pela força e beleza da letra e da melodia, mas, principalmente, por ela estar inserida em momentos de grande apelo emocional, principalmente na cena final.  Encharquei um lenço, nas duas vezes em que fui ao Teatro do SESI.

 


“Sonhar mais um sonho impossível...”

 



 

 

(FOTOS: JOÃO CALDAS, BETO MOUSSALLI, LENISE PINHEIRO, MARCELLA BRAUN, ROBERTO IKEDA e GRAZIELA VIEIRA.)

 

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