sexta-feira, 12 de setembro de 2014


ÓPERA
DO MALANDRO
 
 
 
(NEM MELHOR, NEM PIOR; APENAS UMA MONTAGEM DIFERENTE.)
 
PARTE 2
 
 
Comentários que podem ser feitos sobre o espetáculo:
            1) Com relação ao texto, é mais uma das geniais criações de uma mente privilegiada: CHICO BUARQUE DE HOLANDA. 
            2) JOÃO FALCÃO, mais uma vez, acertou na direção e adaptação.  Sem se preocupar com as montagens anteriores, vestiu o texto com os trajes que ele julgou que poderiam lhe cair bem.  E caíram, segundo o meu pensamento.  Não que seja original, em TEATRO, homens fazendo papéis femininos, entretanto, nesta ÓPERA, esse detalhe se reveste de uma originalidade enorme, acrescido do fato de que os mesmos atores que interpretam as prostitutas se revezam em personagens totalmente opostos, masculinos, os capangas do chefe contrabandista.  Não me agradou muito o “gancho”, nesta adaptação, para que a personagem GENI possa fazer o seu aplaudidíssimo solo.  Fica meio “solto”, sem sentido, o texto que anuncia a interpretação da canção, a qual leva o mesmo nome da personagem.  Seria isso um senão, de pouca relevância no contexto geral.  Também me incomodou, um pouco, uma constante passagem, de uma coxia a outra, de uns praticáveis sobre rodas, cujo propósito não consegui atingir,  detalhe que também não compromete o conjunto da obra.
            2) BETO LEMOS faz um bom trabalho na direção musical e nos arranjos.  Por estarmos acostumados a ouvir, por quase 40 anos, os arranjos originais das canções da peça, que se tornaram sucessos, e o são até hoje, na primeira vez em que assisti ao espetáculo, não gostei muito de alguns arranjos, que me pareceram descaracterizar um pouco as canções, entretanto, ao ouvi-los, na segunda vez em que vi a peça, passei a admirá-los também.
            3) RODRIGO MARQUES merece aplausos pelas coreografias do espetáculo.  Em poucas vezes, um espectador mais assíduo de musicais pode identificar alguns clichês nos passos coreografados, porém, no geral, seu trabalho é muito bom e algumas das coreografias são até um pouco sofisticadas, o que valoriza, também, o trabalho dos atotres/cantores/dançarinos.
 
 
 
João Falcão dirige nova montagem de ‘Ópera do Malandro’, de Chico Buarque
 
            4) ANDRÉA ALVES é uma referência na parte de direção de produção e idealização.  Seu nome está ligado a vários sucessos dos últimos anos, com destaque para a premiadíssima Gonzagão, a Lenda, também dirigida por JOÃO FALCÃO e de onde saiu boa parte (acho que a maioria) do elenco desta ÓPERA.  Parabéns!
            5) AURORA DOS CAMPOS, sempre ela, idealizou um ótimo cenário, composto de plataformas de madeira, montadas em vários níveis, sobre uma estrutura de tubos metálicos, formando andaimes, por onde os atores circulam, com grande agilidade, compondo ótimas imagens.  Além dos praticáveis móveis, já citados, ainda ocupam o espaço cênico, em algumas cenas, longos bancos de madeira e alguns móveis que caracterizam o “escritório” de DURAN, além de uma simples grade, para identificar as cenas de MAX na cadeia.  Cenário simples e interessante.
 
 
            6) KIKA LOPES foi muito feliz na criação dos figurinos, em tons bem quentes e puxados, sem exagero, para o aspecto caricatural e “torto” de todos os personagens.  (A propósito, ali, não se salva ninguém.  “Caráter” é verbete que não consta no léxico de nenhum dos personagens.)  Um detalhe que não pode deixar de ser mencionado é a praticidade, certamente intencional, na confecção dos figurinos, o que facilita a vida dos atores.  É impressionante o pouco tempo de que dispõem para a transformação de prostitutas em capangas, e vice-versa.
            7) CESAR DE RAMIRES assina um bela iluminação, com cores bem fortes e quentes, valorizando bastante as cenas.  Em algumas delas, a iluminação se destaca bastante, como no solo de GENI e na iluminação voltada para todas as cenas que acontecem nas plataformas do fundo do palco.  Linda plasticidade!
            8) MARIA TERESA MADEIRA é a responsável pela peparação e arranjos vocais.  Muito bom o resultado do seu trabalho.
            9) CLAYTON MARQUES é o assistente de direção e pesquisa.  Trabalho minucioso.
            10) FERNANDO FORTES tem a grande responsabilidade de responder pelo desenho de som, elemento fundamental em musicais.  No Theatro Municipal, percebi algumas falhas, mas, no Theatro Net Rio, o verdadeiro espaço para o qual o espetáculo foi estruturado e idealizado, tudo fnciona muito bem, com relação ao som.  Bem ajustados e equalizados os volumes dos instrumentos e o das vozes dos atores/cantores.
            11) UIRANDÊ DE HOLANDA merece um aplauso destacado pelo brilhante trabalho de visagismo.
            12) Quanto ao elenco, pode-se dizer que todos, sem exceção, parecem ter sido talhados para os papéis, de acordo com a visão do diretor.  Cabem, aqui, algumas menções, por ordem alfabética:
            a) ADRÉN ALVES (VITÓRIA) – Já em Gonzagão, o ator já se destacava; não pelos cabelos exageradamente alaranjados, mas por seu completo domínio de corpo, expressividade, carisma e uma voz marcante, que atinge as mais altas notas, inclusive em falsete, e, em frações de segundo, desce a notas graves, com uma facilidade de causar espanto.  Repete a dose na ÓPERA.  Excelente trabalho!
 
Adrén Alves.
 
Vitória fazendo “comprinhas” com Geni.
 
            b) ALFREDO DEL PENHO (INSPETOR CHAVES / TIGRÃO) – Veterano em musicais, ainda que jovem, creio que, nesta ÓPERA, ele, por puro mérito, conseguiu o seu melhor papel e o defende de forma brilhante, como também já fazia em Gonzagão.  Sou um grande admirador do seu trabalho.
 
Foto: Leo Aversa
O Malandro e o Chefe de Polícia, “fazendo troca-troca”.
 
 
            c) BRUCE DE ARAÚJO (JOHNNY WALKER / SHIRLEY PAQUETE) – Não destoa do grupo e também se sai muito bem em cena.
 
 
d) DAVI GUILHERMME (BIG BEN / MIMI BIBELÔ) – A trajetória deste jovem ator, em musicais, desde O Despertar da Primavera, é belíssima.  Sempre se supera, a cada nova produção, e, aqui, mais uma vez, é destaque.  Penso, porém, que deveria se distanciar um pouco, no que se refere à voz do personagem masculimno que interpreta na ÓPERA, da que fazia para o pernonagem no seu último trabalho, Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos.
 
 
 
e) EDUARDO LANDIM (GENI) – Uma atração à parte neste espetáculo.  O/A personagem carrega, em si, um carisma muito grande e já ganha a simpatia do público logo em sua primeira aparição.  Assim acontecia com os dois consagrados atores das duas versões anteriores, Emiliano Queirós e Sandro Christopher, respectivamente na primeira e na segunda.  Pois não é que o jovem ator, que tanto se destacava em Clandestinos, também da lavra de JOÃO FALCÃO, não fica atrás?!  EDUARDO faz uma GENI irretocável, tanto na interpretação quanto no seu grande momento, quando canta, sob o total silêncio e atenção da plateia, a sua emblemática GENI, plateia esta que o aplaude, freneticamente, ao final de seu número.  Não sei se pelo nervosismo, achei-o bastante contido, parado, no Municipal, na hora em que canta.  Cheguei a ouvir, posteriormente, que era orientação do diretor, o que, depois, foi desmentido pelo próprio ator.  No Net Rio, porém, está bastante à vontadse em cena, solto, quase parado no lugar, mas expressando o sentimento contido na letra da canção por meio de uma gesticulação muito expressiva.  EDUARDO, felizmente, recebeu um papel à altura do seu talento e o defende com unhas e dentes.  O resultado é o melhor possível.
 
Eduardo Landim.
 
 
Geni entre os homens...  Que felicidade!!!
 
 
f) EDUARDO RIOS (GENERAL ELETRIC / DORINHA TUBÃO) – Bom o trabalho do ator, que conta, a seu favor, com sua compleição física, tanto na interpretação, bem caricatural - como a de todas as outras “meninas” - da sua prosituta, como no desengonçado capanga de MAX.
 
 
 
g) FÁBIO ENRIQUEZ (TERESINHA) - FABINHO é um dos melhores atores da sua geração e já o demonstrou em vários trabalhos, nos palcos e na TV.  Sua TERESINHA, curiosamente, ou, por outra, por força de sua talentosa interpretação, é feminina, delicada, sem ser uma “mulher”.  Complicado?  Talvez eu não consiga mesmo explicar.  É uma “mulher”, muito bem caracterizada, mas não é caricatural; ao contrário, é de uma naturalidade, de uma perfeição incríveis.  Acho que encontrei a definição: é “enganosamente feminina”.  Ficou melhor assim?  Adoro o seu trabalho na ÓPERA.
 
Fábio Enriques / Teresinha.
 
Fábio ou Teresinha?
 
h) LARISSA LUZ (JOÃO ALEGRE) – A única presença feminina em cena, interpretando um homem, sem a preocupação de se mostrar homem.  Sai-se bem no que lhe cabe fazer.
 

          
Larissa Luz / João Alegre.
 
Larissa.
 
i) LÉO BAHIA (LÚCIA) – Fico muito à vontade para comentar o trabalho do LÉO, porque vi seu talento desabrocahar no grande fenômeno The Book of Mormon, a que assisti umas seis ou sete vezes, e, desde lá, tive a certeza de que, ali, existia um grande talento, um grande ator, um grande artista, que, sem a menor sombra de dúvidas, por sua tão pouca idade, ainda vai estrelar grandes musicais, para o nosso deleite.  LÉO compôs uma LÚCIA muito fora dos padrões de beleza estética, longe de ser uma concorrente para a sensual e sedutora TERESINHA.  Mas não se acovarda, na luta pelo seu homem, de quem chega a esperar um filho.  Para fazer justiça, o visagista também tem seu mérito nessa caracterização, por aproveitar o “physique du rôle” do ator.  Mais um sucesso no currículo do LÉO.
 
Léo Bahia / Lúcia
 
 
j) MOYSEIS MARQUES (MAX OVERSEAS / O MALANDRO) – Até onde sei, este é o seu primeiro trabalho como ator, que, até esta ÓPERA, quando foi descoberto por JOÃO FALCÃO, vivia de música.  Apropriei-me de alguns dados bibliográficos, extraídos de seu “site”: Começou a fazer da música profissão em 1998.  Em 2001, começou a tocar em bares na Lapa.  De lá para cá, são 15 anos de carreira, 6 anos dando aulas de música brasileira para cantores, na Califórnia, 3 bandas fundadas (Forró na Contramão, Casuarina e Tempero Carioca), 3 cds gravados ("Moyseis Marques", 2007, "Fases do Coração, 2009 e "Pra Desengomar, 2012), duas indicações para o Prêmio da Música Brasileira e inúmeras parcerias com vários compositores de sucesso.  Mas como fica o MOYSEIS ator?  Fica muito bem na fita.  Quem o vê em cena, na pele de MAX, há de pensar que ele já carrega muitos trabalhos de ator nas costas, em função de sua excelente interpretação.  Virei fã.
 
Moyseis Marques.  O Malandro pede passagem.
 
k) RAFAEL CAVALCANTI (DÓRIS PELANCA) – Também me agradou a construção da personagem decadente, mas dependente do sexo para sobreviver.  Boa a atuação do RAFAEL.
 
 
l) RENATO LUCIANO (BARRABÁS / FICHINHA) – Que delícia é ver esse rapaz em cena!  Dos coadjuvantes, é o que mais me agradou.  Gosto do seu BARRABÁS, mas é como FICHINHA que ele provoca gargalhadas na plateia.  Sua aparição, logo no início da peça, já faz o espectador pensar que valeu a pena ter ido ao teatro.  Gosto muito de suas máscaras cômicas, da voz, com sotaque nordestivo, dada à personagem.  E a sua história, contada pela própria a MAX, quando vai ao cafetão pedir emprego, uma figura bizarra, é de fazer rolar de rir.  Não tenho a menor dúvida de que o ator terá um futuro brilhante pela frente, explorando sua veia cômica.  Parece-me que nasceu para a comédia.
 
 
         
Renato Luciano.
 
 
m) RICCA BARROS (DURAN) – É o mais velho do elenco, o que tem mais experiência em musicais e, por conta de seu talento e de sua voz singular, grave e possante, é muito requisitado para bons papéis em espetáculos do gênero musical, como o que representa na ÓPERA.  É muito “rica” (não pude resistir ao trocadilho, embora “infame”) a construção do seu personagem.  O ator consegue passar, com total domínio, o lado cafajeste e explorador de seu personagem, ao mesmo tempo que consegue não ser odiado pelo público.  É uma espécie de anti-herói, um herói sem nenhum caráter.  Um Macunaíma da Lapa?  Ótima a atuação do RICCA.
 
 
Ricca Barros.
 
n) THOMÁS AQUINO (PHILLIP MORRIS / JUSSARA PÉ-DE-ANJO) – Também cumpre, com desembaraço e competência a função de representar dois personagens tão díspares.
 
 
13) A banda, muito atuante neste musical, é formada por BETO LEMOS (rabeca, viola, bandolim e guitarra), DANIEL SILVA (violoncelo e baixo elétrico); RICK DE LA TORRE (bateria e percussão); ROBERTO KAUFFMANN (teclado e acordeão); FREDERICO CAVALIERI (clarinete e clarone); DUDU OLIVEIRA (flauta, sax soprano e pandeiro).  Todos são ótimos músicos, com destaque para BETO LEMOS, que já me impressionara bastante, quando o vi à frente dos músicos que atruavam em Gonzagão.
14) Seria terrivelmente enfadonho - mais do que já possa estar sendo – falar das dezenas de outros nomes que fazem parte da longa ficha técnica do espetáculo.  Sim, porque, para apresentar um trabalho da qualidade desta ÓPERA, muitos profissionais têm de estar envolvidos num grande trabalho de equipe.  Aplausos para todos!
Em 1961, o saudoso carnavalesco FERNANDO PAMPLONA, cenógrafo, que, antes de tudo, era um homem de / do TEATRO e das artes, em geral, referindo-se às inovações que implantara no desfile da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro, cunhou uma frase, que se tornou célebre: “NEM MELHOR, NEM PIOR; APENAS UMA ESCOLA DIFERENTE”.  Faço minhas as palavras de PAMPLONA, ao classificar esta ÓPERA DO MALANDRO, versão JOÃO FALCÃO:
NEM MELHOR, NEM PIOR; APENAS UMA MONTAGEM DIFERENTE.
 
Na pré-estreia – Theatro Municipal do Rio de Janeiro
 
Com Alfredo Del Penho.
 
Com Davi Guilhermme.
 
Com Eduardo Landim.
 
Com Fábio Enriques.
 
Com Léo Bahia.
Com Ricca Barros.
 
Foto histórica.  Generosidade total.  Criador (CHICO BUARQUE DE HOLANDA) e criaturas (ELENCO) reverenciando-se mutuamente.
 
 
(FOTOS: SILVANA MARQUES –  programação visual; LEO AVERSA – cena; e MARISA SÁ – pessoais.)
 

Um comentário:

  1. Amo Chico, amo a Ópera, amei seu trabalho de pesquisa e o cuidado em destacar todos em seus respectivos trabalhos.
    Valeu mesmo!!!!!

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