ÓPERA
DO
MALANDRO
(NEM MELHOR, NEM PIOR; APENAS
UMA MONTAGEM DIFERENTE.)
PARTE 1
Começo por
dizer que falarei sobre o espetáculo ÓPERA
DO MALANDRO, assinado por JOÃO
FALCÃO, ora em cartaz, sem fazer
comparações.
A ÓPERA DO MALANDRO do Luís Antônio Martinez Corrêa, encenada
em 1978, não foi; é única.
A ÓPERA DO MALANDRO da dupla CHARLES MÖLLER e CLÁUDIO BOTELHO, montada em 2003, também não foi; é, e continua sendo, única.
Algumas outras
montagens que andei vendo por aí foram apenas outras versões da ÓPERA DO MALANDRO.
A ÓPERA DO MALANDRO do JOÃO FALCÃO é, e continuará sendo,
única.
Tudo isso
porque a ÓPERA DO MALANDRO e seu
autor, CHICO BUARQUE DE HOLANDA, são
únicos.
E basta ser um
grande diretor e contar com um magnífico elenco e equipe técnica de primeira
linha, para se chegar aos três resultados supracitados. Excelência transbordando de formas, e por
caminhos, diferentes.
A ÓPERA DO MALANDRO é a ÓPERA DO MALANDRO, e as três montagens
a que tive o grande prazer de assistir são igualmente únicas, cada uma com suas
características singulares.
A que está em
evidência, neste momento, motivo desta resenha, é a montagem dirigida por um
dos nossos melhores encenadores, JOÃO
FALCÃO, com três ou quatro apresentações no palco sagrado do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a
título de pré-estreia, apenas para convidados (tive o privilégio de assistir a
uma delas), e que entrou em cartaz no Theatro
NET Rio, onde está fazendo uma belíssima carreira, sempre com lotação
esgotada, sendo que os interessados em comprar ingressos têm de fazê-lo com
muita antecedência. Aconselho a quem a
viu apenas no Municipal que reveja a
peça no Net Rio. São dois espetáculos diferentes, em função
das diferenças entre os dois espaços.
Insisto em não estabelecer comparações, mas apenas a título de
refrescar a memória dos mais velhos e ilustrar o conhecimento dos mais jovens,
a primeira montagem, um grande acontecimento, à época, 1978, teve a direção do
saudoso Luís Antônio Martinez Corrêa. Assisti a ela no antigo Teatro Ginástico Português, hoje Teatro SESC Ginástico.
O elenco reunia nomes de destaque, como Ary Fontoura, Maria Alice
Vergueiro, Marieta Severo, Otávio Augusto, Elba Ramalho, Emiliano
Queirós, Ilva Niño e muitos
outros, sendo que, no final da ficha técnica, constava o nome de uma estreante:
Cláudia Jimenez.
Na parte técnica, um naipe dos melhores profissionais atuantes naquele
tempo.
Ainda para falar da trajetória desse texto, uma das muitas obras-primas
de CHICO BUARQUE, em 2003, ele
voltou aos palcos do Rio de Janeiro, no Teatro
Carlos Gomes, sob a responsabilidade da grande dupla Charles Möller e Cláudio
Botelho, numa montagem que se tornou um estrondoso sucesso de público e crítica, no Rio, São
Paulo e em Portugal, onde o espetáculo foi apresentado em duas temporadas. Essa montagem já veio com uma
roupagem totalmente diferente da primeira versão, com a marca inconfundível do
talento da dupla de diretores. Era uma
releitura mais na linha da Broadway, porém com “sotaque” brasileiro, mais
propriamente, da Lapa, e utilizando uma tecnologia bem mais próxima da que se
emprega hoje, com uma ousada cenografia, reproduzindo os Arcos da Lapa, palcos
giratórios e um figurino que demorou três meses para ser confeccionado. Além de todas as canções originais da primeira
versão, e que são sucessos até hoje, foram inseridas mais algumas, que haviam
sido compostas pelo próprio CHICO,
para a versão cinematográfica, de 1985, dirigida por Ruy Guerra.
No elenco, brilhavam, dentre outros, atores e atrizes do potencial de Alexandre
Schumacher, Soraya Ravenle, Mauro Mendonça, Lucinha Lins, Cláudio Tovar, Thelmo Fernandes, Alessandra Maestrini, Sandro Christopher, Fernando Eiras, Ada Chaseliov, Sabrina Korgut, Ivana Domenico, Renata Celidônio, Marya Bravo, Lilian Valeska, Ester Elias, Claudio Lins, Renato Rabelo, Ricca Barros, Mauricio Baduh, Cristiano Gualda, Betto Serrador e Chris Penna, a grande maioria, até
hoje, fazendo sucesso nos musicais da dupla e de outros diretores. Desse elenco, RICCA BARROS participa da atual montagem.
E,
como um bom espetáculo musical não pode abrir mão de um apoio técnico
extremamente profissional, lá estavam, dando suporte aos atores e diretores,
nomes como Liliane Secco, Paulo César Medeiros e Renato Vieira, também, até hoje,
presentes nas fichas técnicas dos grandes musicais. Foi um outro grande momento do TEATRO
MUSICAL BRASILEIRO.
Este ano, como parte das
comemorações pelos 70 anos de um gênio da arte, no Brasil e no exterior, CHICO
BUARQUE DE HOLANDA, JOÃO FALCÃO, igualmente gênio, resolveu mostrar a sua versão da
ÓPERA, desta vez com uma grande novidade: todos os papéis femininos estão
sendo representados por homens, que se revezam, de forma brilhante, entre as
“meninas de vida fácil dos bordéis de DURAN” e os capangas de um
contrabandista, MAX OVERSEAS. É
sobre este grande espetáculo que ouso fazer alguns comentários.
A ÓPERA em três momentos.
Antes, porém, não será
perda de tempo dizer que, quando da primeira montagem, ainda sob um regime de exceção,
imposto pelo nefasto golpe militar de 1964, que fez o país retroceder em todos
os setores – e a arte não poderia ficar de fora –, os produtores do espetáculo
tiveram de fazer malabarismos para driblar a estúpida censura da época (“censura”
é estúpida em qualquer época e sob qualquer regime político), a fim de conseguir a
liberação da peça, para o que contribuiu muito o advogado João Carlos
Muller Chaves, junto à famigerada Censura Federal.
Entretanto, ainda que tenha conseguido autorização para a montagem do
texto, esta se deu com muitos cortes e alterações. Como exemplo, cito a canção O Meu Amor, que ilustra um fascinante
duelo musical entre duas rivais, lutando por seu homem, cuja letra original
dizia: “O meu amor tem um jeito de me beijar o sexo / e o mundo sai rodando / e tudo
vai ficando solto e desconexo”, que passou a ser, como hoje é conhecida pelo grande público, “O meu amor tem um jeito... de me
beijar o ventre / e me deixar em brasa / desfruta do meu corpo como se o meu
corpo fosse a sua casa”.
O texto da peça é
baseado na Ópera dos Mendigos (1728),
de John Gay, e na Ópera
dos Três Vinténs (1928), de Bertolt
Brecht e Kurt Weill.
O enredo serve
de pretexto para que se discuta o poder do dinheiro, a corrupção e o embrião da
entrada das multinacionais no país.
Fica patente,
no texto, que, para garantir a
sobrevivência, vale tudo, inclusive romper com o que possa se relacionar a
valores éticos e humanos, a julgar pela exploração que sofrem as prostitutas e
toda sorte de conchavos que desfilam pela narrativa. A hipocrisia predomina, do início ao fim do
texto.
Teresinha baila com Max.
No Brasil, principalmente durante o perído negro
da ditadura militar, iniciada em 1964, o TEATRO
sempre serviu de veículo para denúncias e críticas, para provocar reflexões, e,
com a ÓPERA, não é diferente. Não foi por acaso que, quando da primerira
montagem, o general ditador de plantão e seus asseclas tudo fizeram para
impedir que a peça fosse encenada, como já foi dito. E também não é à toa que as sessões estavam
sempre com ingressos esgotados, pois o povo encontrava lá uma válvula de escape
para fazer mais leve o peso da ditadura sobre os ombros. Alguém falava por ele. E não foi diferente, em 2003, como também não
o é agora, embora a opressão ditada pelo governo atual seja menor, porém
“enriquecida” com doses sufocantes de uma imunda e vergonhosa corrupção.
Sem correr nenhum risco de errar, pode-se dizer
que a ÓPERA DO MALANDRO é uma peça atualíssima, ou seja, continua
fazendo parte de um Brasil
que não é o que merecemos nem o que gostaríamos de deixar para as futuras
gerações.
SINOPSE (com
créditos da atual versão):
A trama situa-se na década de 1940,
já na fase final do Estado Novo, quando havia a legalidade do jogo, tendo a prostituição e o contrabando
como panos de fundo.
A história
se passa num bordel e conta a história de um malandro carioca, tentando
sobreviver, nos anos 40, final da ditadura de Getúlio Vargas – clima bem
parecido com o de 1978, quando a peça foi encenada pela primeira vez, e não
muito diferente dos dias de hoje, guardadas as devidas proporções.
O enredo gira
em torno de um malandro, MAX OVERSEAS,
ídolo dos bordéis. A temática, como não
poderia deixar de ser, retrata a malandragem brasileira no submundo da cidade
do Rio de Janeiro, com todos os ingredientes desse universo.
O cenário é
a Lapa das prostitutas e da pancadaria; o período é conturbado, com uma Guerra
Mundial assolando a população do planeta.
A peça
mostra a rivalidade entre o mal e o mal, o contrabandista MAX OVERSEAS (MOYSEIS
MARQUES) e FERNANDES DE DURAN (RICCA
BARROS). Este se passa por um grande
comerciante, mas, na verdade, é o dono dos prostíbulos da Lapa. No centro da briga, e como seu pivô, TEREZINHA (FÁBIO ENRIQUEZ), a filha
única de DURAN e de VITÓRIA (ADRÉN ALVES). Esta, antes
de se casar com DURAN, era uma
cafetina, que também vivia da comercialização do corpo.
TERESINHA se casa, às escondidas, com MAX, com a proteção do INSPETOR CHAVES, o TIGRÃO, com quem o contrabandista vive de golpes e conchavos. TIGRÃO,
por sua vez, "trabalha" para os dois contraventores e fica no meio do
fogo cruzado.
A partir
daqui, para que se possa acompanhar, com clareza, o desenvolvimento da
história, passaremos a indicar os fatos, passo a passo, cronologicamente:
1) É GENI (EDUARDO LANDIM), um travesti
“muambeiro”, quem conta aos pais de TERESINHA
que o misterioso namorado da moça não era um homem de bem e de posses, como
pensavam, nem pertencia à sociedade carioca, e, pior ainda, que já passara da
condição de namorado à de marido.
2) O casal DURAN resolve, então, eliminá-lo, “para
salvar a honra da filha”, contando, para isso, com o Chefe de Polícia, TIGRÃO
(ALFREDO DEL PENHO), o qual lhes deve dinheiro. Este, porém, é convidado para ser padrinho de
casamento, já que também tem negócios escusos com MAX, motivo pelo qual promove a união do casal no esconderijo do
noivo.
3) Descoberto tudo, através de GENI,
DURAN resolve chantagear o delegado,
no dia 1º de maio, durante as comemorações do Dia do Trabalho, tornando público
o envolvimento deste com o “fora-da-lei”.
4) Diante da iminência de um escândalo, CHAVES não vê outra saída, senão “engaiolar o passarinho”.
5) TERESINHA assume, então,
o controle dos “negócios” do marido e expulsa do bando um dos seus capangas, BARRABÁS (RENATO LUCIANO). Quando vai visitar MAX, na delegacia, conta-lhe
que pretende “legalizar” o negócio ilegal. Nessa visita, descobre o envolvimento amoroso
de seu amado com LÚCIA (LÉO BAHIA),
filha do delegado TIGRÃO.
“O meu amor tem um
jeito manso, que é só meu...”
“Eu sou sua menina,
viu? E ele é o meu rapaz.”
6) LÚCIA conta a MAX que está grávida dele. Soterrada por falsas juras de eterno amor, mas
convencida disso, a rival de TERESINHA
furta as chaves do pai e acaba por libertar MAX.
7) MAX vê-se, então, livre,
para comercializar o contrabando, comandar os malandros, transar com as
prostitutas e promover um quebra-quebra nos bordéis de DURAN. Descobre, nesse
momento, que os seus negócios estão péssimos, devendo à praça e, só aí, percebe
que a mulher, uma principiante nos negócios, estava levando-o à ruína.
8) DURAN, contrariado pelo
fato de o malandro estar ainda vivo e solto, se enfurece com o delegado e lança
um ultimato: exige MAX morto ou o
delegado seria execrado publicamente. Diante
das alternativas, CHAVES / TIGRÃO,
mais uma vez, resolve prender o infrator e executá-lo.
9) Quando MAX está preso,
descobre que o carcereiro é um antigo comparsa, BARRABÁS. Segue-se uma
conversa entre os dois, em que o segundo explica como foi colocado para fora da
quadrilha por TERESINHA e que se
tornara um “homem da lei”. O malandro
tenta suborná-lo, sem sucesso. Chega o
dia em que o delegado resolve matar o contraventor. Após um breve diálogo, TIGRÃO dispara sua arma contra MAX,
só que as balas não o atingiram, porque BARRABÁS
havia trocado a arma do delegado.
10) TERESINHA aparece para
dizer ao marido que fechara um grande negócio com os americanos e que iriam
ganhar muito dinheiro com as importações e distribuições para todo o Brasil,
com uma fachada de legalidade.
11) DURAN, que detestava o
malandro, antevendo os lucros que a filha e o genro teriam, oferece-se para uma
sociedade, junto com CHAVES / TIGRÃO.
Todos, então, começam a cantar e a
sambar, com grande euforia, capitaneados por JOÃO ALEGRE (LARISSA LUZ), uma espécie de mestre-de-cerimônias.
E, COMO ATÉ HOJE, NO BRASIL,
TUDO ACABA EM PIZZA!!!
A peça traz,
ainda, outros personagens inesquecíveis, como as prostitutas, “funcionárias” de
DURAN, que se passam por “vendedoras
de butique”, e os “funcionários” de MAX,
cada um especialista em algum segmento do contrabando (relógios, cigarros,
perfumes...).
(FOTOS: SILVANA
MARQUES – programação visual; LEO AVERSA
– cena.)
Adorei!
ResponderExcluirDemais, assisti duas vezes, apaixonante <3
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