“UM FILME ARGENTINO!
ou
(HUMOR
INTELIGENTE
E REFINADO
É OUTRA
COISA.)
ou
(QUEM SABE
APRECIAR UM BOM TEATRO
GOSTA MUITO.)
Inicio este texto, esclarecendo que o
motivo de eu estar publicando esta crítica apenas agora – ELE FOI ESCRITO NO
DIA SEGUINTE AO DA SESSÃO A QUE TIVE O PRAZER DE ASSISTIR. - deve-se ao fato de eu ter ficado sem internet,
DURANTE 35 DIAS, por total incompetência e descaso da operadora VIVO (VIVO
FIBRA), pelo que peço desculpas a todos os envolvidos neste projeto.
Sempre
tive por hábito não me deixar influenciar, quando alguém me diz que “não
vale a pena ver essa peça, porque é ruim”. Da mesma forma, vou ao Teatro
quando tenho interesse pelo espetáculo, pelo elenco, pelo diretor ou por outros
motivos, mas nunca porque alguém me disse para ir, que eu tenho que ver.
Preciso assistir, para firmar uma opinião. No português claro, se fosse me
deixar “emprenhar pelos ouvidos”, no popular, como dizia minha avó, teria deixado de
assistir a muitos excelentes espetáculos, na minha visão. Poderia enumerar
dezenas deles, em mais de 60 anos dedicados ao Teatro. Antes de ir, no dia 08 de
março de 2024, ao Teatro Adolpho Bloch, que já foi Manchete
e Prudential,
um querido amigo me disse ter ouvido, no “foyeur” de um outro Teatro
do Rio de Janeiro, alguns comentários
desabonadores sobre a peça “UM FILME ARGENTINO”,
com texto
e direção
de MICHEL MELAMED, com este e LETÍCIA COLIN no elenco. Um dos que,
segundo o meu amigo, não gostaram da peça é um velho conhecido comum, de gosto
muito duvidoso, a meu juízo, daquelas pessoas bem pudicas, que acham que um
palavrão, numa peça teatral, é o suficiente para depreciá-la. Sim,
infelizmente, ainda existe quem pense dessa maneira, num tempo em que um
mosquitinho ou um vírus podem matar milhares e milhares de pessoas, coisas
muito mais importantes com que se importar. A propósito, essa questão do “palavrão
no TEATRO”, para mim – eu pensava, pelo menos -, é uma
discussão totalmente ultrapassada, que eu julgava já ter sido enterrada, sem
direito a missa de sétimo dia. “Então, a peça abunda em palavrões?”
De
jeito nenhum! E os que existem não são gratuitos ou “para
causar” e estão perfeitamente inseridos no contexto das cenas; e não
são nada ofensivos. Mas respeito a opinião alheia. Só que ela não vai me
convencer, JAMAIS, de que não devo assistir a um determinado espetáculo,
por este ou aquele motivo. Antes de prosseguir nas minhas considerações sobre a
montagem, à qual gostaria muito de rever, se tempo, na
agenda, eu tivesse para isso, já adianto que ADOREI A PEÇA.
SINOPSE:
A trama de “UM FILME ARGENTINO” começa após uma briga do casal Cláudia (LETÍCIA COLIN) e Cláudio (MICHEL MELAMED), quando ela decide dormir na portaria do edifício onde vivem e, por ali, “cria raízes”.
O par de atores encarna vários personagens que habitam o nosso cotidiano urbano, outros arquétipos que permeiam os diversos momentos de um casamento, cada um mais hilário que o outro, com suas idiossincrasias e particularidades.
O objetivo da peça, além de muito
divertir, é tornar possível o “casamento” da “ARTE mais elaborada” com
o “popular”,
sem, contudo, vulgarizá-lo; quebrar o fosso entre “ARTE e entretenimento”.
O título da COMÉDIA
pode provocar alguma inquietação: se é TEATRO, como entra, na história, um “filme”?
Baseei-me no “release” que a assessoria de imprensa – leia-se GUILHERME SCARPA - me enviou. Segundo MICHEL MELAMED, a explicação para o título “vem
de vários lugares”. Primeiro, porque lhe soa poeticamente. E também tem
a ver com a cisão que há no cinema brasileiro: “filmes superpopulares, que são
sucesso de bilheteria, e os “de arte”, que concorrem a prêmios” (Contém
ironia.). “O cinema argentino consegue reunir os dois”.
Sinceramente, não consegui assimilar bem essa segunda justificativa, o que, em
absolutamente nada, interfere na minha apreciação e aprovação do espetáculo, o
qual poderia até se chamar “Cocada de Maracujá” ou “Paquetá
Jamais”. Não faria a menor diferença para mim.
Creio que, talvez,
a proposta da COMÉDIA, de não isolar, em compartimentos estanques, a ARTE
e o entretenimento, seja o que possa ter desagradado a algumas pessoas. Repito que
respeito todas as opiniões, porém isso não me impede, muito menos me proíbe, de
tentar explicar por que vou na direção de uma apreciação contrária à de outros.
Repito: ADOREI A PEÇA! Quem for ao Teatro
Adolfo Bloch na expectativa de encontrar um texto raso, simples, de
fácil compreensão, uma historinha linear, na qual tudo o que se quer ver tem
que ser mostrado nos mínimos detalhes, bem ao gosto popular, sem exigir
raciocínio e muita atenção, voltará para casa lamentando, talvez, a “perda
de tempo” por seu deslocamento até o Teatro. Isso porque não
encontrará o que esperava. Não encontrará mesmo!!!
O texto
da peça é de uma engenhosidade rara, de uma sagacidade robusta, de um bom gosto
a toda prova, por meio do qual MELAMED
escancara sua inteligência invulgar, sua perspicácia, sua maneira muito própria
de, com extremo bom humor, criticar e apontar as fraquezas humanas. A peça é
dividida em duas partes. Chamarei a primeira de “Prólogo”, correspondendo
a segunda ao desenvolvimento da história, propriamente dita.
Esse “Prólogo” não é, como podem pensar, uma espécie de “esquenta”, mas sim uma preparação, um ótimo “aperitivo” para a narrativa a ser contada, em cerca de 80 minutos de puro dinamismo. Durante um bom tempo, na cena inicial, o casal de atores, sentado em duas cadeiras, lado a lado, disserta sobre o casamento e a separação, desfilando teorias, definições e reflexões, utilizando piadas inteligentíssimas e hilárias. O que poderia ser enfadonho, maçante, muito ao contrário, é um dos melhores momentos do espetáculo. A peça já começa “em cima”. E eu, entre uma gargalhada e outra, me dizia: “Isso não tem como não ser muito engraçado, não ser bom. Não há como o espetáculo ‘cair’; será, cada vez mais, ‘para cima’”. E não me enganei.
(Foto: Cristina Granato)
Durante a história, propriamente dita, há muita utilização da linguagem não-verbal, que considero uma forma bem mais difícil para se explorar o humor quando não se tem capacidade para isso, o que não é, absolutamente, o caso de LETÍCIA e MICHEL. A cumplicidade de uma casal, na vida real, é totalmente transferida para o palco, quando estão representando os vários personagens. Não pretendo entrar em detalhes, para não “dar spoilers” e roubar o prazer às pessoas que ainda irão assistir à peça.
(Foto: Cristina Granato)
O par, junto,
idealizou este trabalho e MICHEL se
pôs a escrevê-lo, já sabendo que seria ele o diretor da peça. Isso é um dado
importante, porque parece-me que, à medida que as cenas iam surgindo, ele já “rascunhava”
o desenho de cada uma. Dirigir um texto próprio creio facilitar as coisas e dar
maior liberdade ao diretor. As muitas cenas são rápidas, bem ágeis mesmo, e, a cada nova, uma
surpresa mais agradável e cômica surge, já no visagismo de cada
personagem. A união disso, do texto e do subtexto só nos provoca uma sucessão
de gargalhadas. Ri “a bandeiras despregadas” (Entreguei a idade. Momento descontração.).
Para os “novinhos”: Ri com muita vontade e prolongadamente.
Por vezes, ainda estava rindo de uma situação, quando já havia outra me
provocando.
Tão admirável quanto o texto é a direção de MICHEL MELAMED, que me pareceu ter construído a peça em “takes’, à feitura de um filme, como, aliás, era a ideia quando a COMÉDIA ainda estava na forma de “embrião”. Marcações e resoluções criativas, em todas as cenas, não muito fáceis, talvez, para o espectador “comum”, desfilam diante dos nossos olhos, valorizando o “patético” e num ritmo frenético, que obriga o casal de atores a trocar de figurinos num brevíssimo tempo. Sem querer estabelecer nenhuma comparação, lembrei-me de “O Mistério de Irma Vap”, na inesquecível e genial montagem dirigida pela saudosa Marília Pêra, com Marco Nanini e Ney Latorraca, no elenco. Segundo o diretor, há uma intenção de projetar para a plateia, de forma escancarada, uma relação de “cumplicidade”, totalmente alcançada, e muito pela ótima ideia de, ao adentrar a sala de exibição, o público já encontrar os dois atores no palco, descontraidamente, aquecendo-se. Com as coxias à mostra, outra forma de provocar um clima de intimidade com o auditório, os espectadores vão explorando, com os olhos, toda a parafernália cenográfica, colocada nas laterais do palco, que será levada para a cena, no decorrer do espetáculo, da mesma forma como podem observar boa parte do que faz parte do urdimento de um Teatro. É o momento em que LETÍCIA e MICHEL cumprimentam um amigo ou outro quer vai entrando. Trata-se de um expediente antigo, em TEATRO, porém, se funciona, por que não repeti-lo quantas vezes se quiser?
Numa
postagem que fiz, numa rede social, no dia seguinte ao da minha ida ao Teatro
Adolpho Bloch, disse que o espetáculo contava com uma excelente FICHA
TÉCNICA, dando destaque a quatro elementos: cenografia, iluminação,
adereços
e sonoplastia.
Aqui, quero acrescentar mais um e pedir desculpas, por não tê-lo mencionado no
referido “post”: os figurinos, assinados por LUIZA MARCIER. São criativos e muito
engraçados; alguns ultrapassam a noção do que possa ser considerado “normal”.
Tão
logo cheguei ao Teatro, encontrei uma conhecida que lá trabalha e, conversando
com ela sobre a peça, disse-me a moça que achava que eu iria gostar muito do cenário,
que, segundo ela, era “incrível”. Criei uma expectativa
que, confesso, não ter se confirmado, tão logo me acomodei no lugar que me foi
destinado. Pareceu-me uma cenografia interessante, sim, porém com nada que se
destacasse. Durante a peça, porém, minha primeira impressão foi sendo
transformada numa segunda, numa terceira, numa quarta..., todas as melhores
possíveis, até o final do espetáculo, momento em que ocorre uma “intervenção
cenográfica” fabulosa e totalmente inesperada – também não darei “spoiler” -,
dentro do contexto da peça. Parabéns a MARIETA
SPADA, por seu trabalho de cenógrafa!
ADRIANA ORTIZ foi “cirúrgica”, no desenho
de luz, contribuindo para o acerto da peça, fazendo com que a iluminação
cumpra o seu papel, num espetáculo teatral: realçar o que deve ser
evidenciado; encobrir o que precisa ser escondido, porque não é para ser
mostrado em alguns momentos; valorizar os demais elementos de criação; e, até
mesmo, funcionar como um “personagem” na narrativa. Belo trabalho,
que continuo aplaudindo!
Agindo
em conjunto com a cenógrafa e a figurinista, JOSÉ COHEN e LUCILA BELCIC,
fazem um ótimo trabalho de “adereçagem”, vocábulo ainda não
registrado na língua portuguesa (Criei um neologismo.), cujo
significado seria o “conjunto de adereços”, com dezenas de peças e objetos curiosos,
criativos e interessantes, que ajudam a contar a história.
Pode parecer a alguns que a sonoplastia, numa peça teatral, não seja lá tão importante; um mero elemento “decorativo”. Mas não é bem assim, e, nesta montagem, ela exerce uma importância vital, visto que os inumeráveis sons pesquisados e inseridos na encenação, por ENRICO BARALDI DE FELIPPES, além de serem extraordinários, são fundamentais na construção das cenas e – o que é mais importante – entram com muita precisão, no sentido de tempo e de necessidade, quando são requisitados, valorizando cada momento da montagem.
Para
finalizar esta apreciação do espetáculo, só preciso falar do trabalho de interpretação
de LETÍCIA COLIN e MICHEL MELAMED. Ela, transita,
esplendidamente, pelo drama, da mesma forma como brilha nos musicais, desde quando
a conheci, em 2009 (E lá se vão 15 anos.), marcando
presença, com seu talento e beleza, como a atormentada Ilse, na montagem de “O
Despertar da Primavera” (“Spring Awakening”), uma das
maiores produções da “grife” “Möeller & Botelho”,
no Teatro
Villa Lobos, hoje um escombro só, por culpa da inépcia, desinteresse e
falta de vontade política dos sucessivos (DES)governos do Estado
do Rio de Janeiro. Que eu me recorde, esta é a primeira vez em que a
vejo abraçando, por inteiro, a COMÉDIA, demonstrando uma outra
faceta de suas múltiplas habilidades artísticas, como uma veterana atriz cômica.
A cena em que LETÍCIA, “contracenando
com uma porta”, interpreta, em ritmo de tango – Que ideia genial! – a
canção “O Que É, O Que É?”, de Gonzaguinha, em espanhol castiço, é
um dos pontos altos da peça. Jamais imaginei ouvir alguém cantar “Es
hermosa, es hermosa y es hermosa!”, no estribilho. Acompanha-lhe os
passos MICHEL, com um jeito muito
seu de fazer rir, ambos dizendo o texto com muita naturalidade, como se aquele “non
sense” tivesse todos os sentidos do mundo. A “química” que há entre
os dois é, talvez, a maior responsável pelo ritmo e a dinâmica da peça.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Michel Melamed
Direção: Michel Melamed
Atuação:
Letícia Colin e Michel Melamed
Cenografia: Marieta Spada
Figurino: Luiza Marcier
Iluminação: Adriana Ortiz
Preparação Vocal e Arranjo Tango: Claudia Elizeu
Adereços: José Cohen e Lucila Belcic
Assistência de Direção: Luisa Espíndula
Trilha Sonora: Letícia Colin, Luisa Espíndula e Michel Melamed
Preparação Tango: Neuza Abbes
Fotos: Rael Barja
Arte: Pedro Colombo / Estúdio Vírgula
Sonoplastia: Enrico Baraldi de Felippes
Secretária de Produção: Gabriela Newlands
Cenotécnico: André Salles
Direção de Palco: Lucia Martinusso
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação e Dobbs Scarpa
Direção de Produção: Bianca de Felippes
Produção: Bianca de Felippes, Letícia Colin e Michel Melamed
SERVIÇO:
Temporada:
De 29 de fevereiro a 21 de abril de 2024.
Local: Teatro Adolpho Bloch.
Endereço: Rua do Russel, nº 804, Glória - Rio de Janeiro.
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às 18h.
Valor dos ingressos: R$ 100 (6ª feira) e R$ 120 (sábado e domingo).
Classificação Etária: 12 anos.
Duração: 80 minutos.
Gênero: COMÉDIA.
A depender de mim, a parceria laboral
surgida entre LETÍCIA COLIN e MICHEL MELAMED já está mais que
aprovada e oxalá se repita muitas outras vezes, para a alegria de quem aprecia
um bom TEATRO, feito por quem tem competência e consciência de como
atingir pessoas que sabem apreciar o que é bom. É uma redundância, mas não me
importo de repetir: RECOMENDO MUITO ESTE ESPETÁCUO, e
procurarei revê-lo e me divertir mais ainda. E, só para aqueles que, como eu,
até bem pouco tempo, pronunciava, de forma errada, o sobrenome do MICHEL, é ME-LA-MED,
e não ME-LA-MED. (Segundo momento descontração.)
FOTOS: RAEL BARJA
GALERIA PARTICULAR
(Foto: Ana
Cláudia Matos.)
VAMOS AO
TEATRO!
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA
E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS
SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM
ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO
BRASILEIRO!
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