“A MENINA
ESCORRENDO
DOS OLHOS
DA
MÃE”
ou
(QUANDO QUEBRAR
UMA “PAREDE
DE GELO”
É MAIS
DIFÍCIL
QUE UMA
DE
DIAMANTE.)
ou
(RELAÇÃO
DELICADÍSSIMA
E FALTA
DE
EMPATIA.)
Existe
uma “receita”
única para se fazer um bom espetáculo de TEATRO? Acho que sim, muito
fácil de ser seguida, mas nem tanto assim para se atingir o sucesso, de público e de crítica, não importando o tipo
de peça, a sua proposta, as mensagens que deseja passar e o seu público-alvo.
Seja qual for a sua tipificação, alguns “ingredientes” são comuns em qualquer
preparo de um espetáculo teatral, quando se deseja atingir diretamente o público e agradar à
maioria; se possível, a todos. É preciso um bom texto, bem escrito e que facilite
a comunicação com a plateia; um diretor experiente e sensível, capaz de ler o
que está escrito no texto e, com mais importância, o que contêm as entrelinhas;
um elenco competente e generoso, que entenda e saiba valorizar o aspecto
coletivo, intrínseco, do TEATRO; e uma FICHA TÉCNICA invejável,
que reúna o que há de melhor no mercado, em termos de profissionais de apoio, todos
indispensáveis, até o momento de servir a “iguaria”. Quando isso se dá, e eu
sou uma das testemunhas do fato, como no último domingo (04 de fevereiro / 2024),
deixo sempre o Teatro com o coração em festa, na certeza de que valeu muito a
pena ter enfrentado vários obstáculos, como, por exemplo, dirigir 30 quilômetros,
de casa ao Teatro, com a ameaça de um terrível temporal, o qual, graças
aos DEUSES
DO TEATRO, caiu em outras partes da cidade, não por onde passei. A peça
é “A MENINA ESCORRENDO DOS OLHOS DA MÃE”,
em cartaz no Teatro Poeirinha, em Botafogo, Rio de Janeiro. (VER
SERVIÇO.)
(Foto: RB)
Antonia
(SILVIA BUARQUE), aos 50
anos, está num quarto de hotel com sua mãe, Elisa (GUIDA VIANNA), a quem pouco viu ao
longo dos anos.
Elas tentam resgatar
uma relação prejudicada pela dificuldade de Elisa em lidar com o fato
de Antônia
ser lésbica.
Querem desmontar a “parede
de gelo” que as separou por 30 anos.
Nesse reencontro, Antônia
acaba revelando um segredo que a atormentou ao longo de três décadas: ela teve
uma filha que foi entregue para adoção.
Há uma passagem de
tempo, e vemos Antonia (Agora, Guida Vianna.) aos 70
anos.
Ela vai conhecer Helena
(SILVIA BUARQUE), a criança que
entregou para adoção, 50 anos atrás.
A iniciativa partiu
da filha, em busca da própria origem.
O encontro acontece num jantar no restaurante de Helena, quando terão a oportunidade de conversar sobre suas trajetórias e os laços que as unem.
Estamos
diante de uma peça que tinha tudo para dar certo ou para se tornar um fracasso
total, da linha “melodramática novela mexicana de décima categoria”. O enredo,
guardadas as devidas proporções, ainda que verossímil, poderia, facilmente,
fazer parte de um daqueles programas sensacionalistas, exibidos, no final da tarde,
início da noite, em alguns canais de TV de gosto bem duvidoso; os canais e os
programas. “Bem duvidoso” é pouco. DUVIDOSÍSSIMO”! Acontece que
qualquer história, por mais esdrúxula e “torta” que seja, pode ser contada,
no caso, aqui, no TEATRO, de forma brilhante, bastando que o(a) dramaturgo(a) seja
do padrão DANIELA PEREIRA DE CARVALHO,
uma das melhores de sua geração, tantas vezes indicada aos mais importantes
prêmios de TEATRO do Brasil,
tendo vencido alguns. Saíram de sua mente privilegiada textos como os de “Vida, o Filme”, “Renato
Russo – O Musical”, “Um Certo Van Gogh”, “Nem um Dia se Passa sem
Notícias Suas”, “Contra o Vento”, “Um Certo Van Gogh”,
“A
Hora do Boi”, “Uma Revolução dos Bichos”, “Real
Politik” e “Outra Revolução dos Bichos”, entre outros.
(Foto: RB)
Conhecendo bem, e de longa data, a obra
de DANIELA, chego à conclusão de que
um de seus maiores méritos é ser econômica e precisa na escolha do vocabulário,
não desperdiçando tempo com gorduras que possam levar o espectador a se
dispersar. Ao contrário, quem assiste a uma peça com dramaturgia sua se sente atraído, o tempo todo, ao espaço cênico, dividindo-se entre a atenção ao
trabalho de representação de quem diz o texto e no conteúdo vibrante deste.
Seus diálogos são ágeis e diretos, incisivos e naturais, ao mesmo tempo que, a
cada fala de um personagem, já podemos imaginar o que o outro deverá dizer. Ela
é bem reacional, colocando, na boca de suas “personas”, o que,
realmente, cada uma diria, se não se tratasse de uma ficção.
Para esta peça, a autora foi buscar
inspiração num dos temas mais
atemporais e universais, que é a relação entre
pais e filhos, aqui, especificamente, a
de uma mãe e sua filha. O fato de abordar uma temática já tantas vezes
mostrada sobre as tábuas, e em tantas outras mídias também, representa um
desafio maior para a dramaturga, já que era preciso ser diferente, não repetir
fórmulas. DANIELA tinha um mote, mas
era necessário encontrar pontos interessantes que servissem de base para um
confronto entre gerações. Foi por aí que ela se permitiu trazer à tona questões
bem latentes, como homofobia, lutas históricas
feministas e construção de um novo lugar para a mulher na sociedade
contemporânea, de total e necessária importância nos dias de hoje.
Todos sabemos quão difícil, dura e, por vezes, cruel é a
relação entre pais e filhos e conhecemos, não raro, inclusive sob o nosso próprio
teto, histórias de muito sofrimento, algumas, até mesmo, chegando a um final
feliz, envolvendo os dramas familiares, os quais, mais do que por questão de graus
de parentesco, acontecem mais por estarem afetos às diferença de pensamento e
comportamento entre gerações distintas. Isso fica muito patente no texto da
peça, que faz um recorte sobre a relação
entre três gerações de mulheres, atravessada por questões urgentes, num instigante jogo
cênico,
da primeira à última cena, com a plateia ávida por uma remissão, pela recuperação de uma relação, que
nem chegou a ser vivida na intensidade como deveria ter sido. Foi esse o final
pensado pela autora? Confiram!
Por
melhor que possa ser um texto teatral –
e este é um deles -, nenhum bom dramaturgo está livre de ter sua peça
descaracterizada e tornada medíocre nas mãos de um diretor “despreparado” (Adoro eufemismos!). Quando se pensa numa
montagem de TEATRO, é preciso
escolher um diretor que seja muito competente, a ponto de, quase se tornar um
prolongamento da cabeça de quem redigiu o texto. Além, é claro, de ter que
acumular outras qualidades, como “não
querer inventar a roda”, não pensar em coisas mirabolantes, que só ele
entende, ou fazer uma leitura do texto bem distante do que o(a) autor(a) pretende
fazer chegar ao público. E tem que ser muito criativo e esbanjar sensibilidade.
Nesse sentido, foi acertadíssimo o convite a LEONARDO NETTO para dirigir o espetáculo, de uma forma muito delicada, como pede a temática. Repito - vivo a dizer isto - que não é
necessário, obrigatoriamente, para dirigir TEATRO, que a pessoa tenha que ser, antes, ator ou atriz,
entretanto penso que, se o for, leva alguma vantagem sobre quem não tem tal
habilitação. Acho que, dessa forma, a relação entre diretor e dirigidos se
torna mais verdadeira e sincera. Pode ser um devaneio meu, que eu assumo. Além
de um grande ator, LEONARDO já provou
que também saber dirigir, o que comprovam muitas peça que o tiveram como “maestro”, com um destaque
especial para “3 Maneiras de Tocar no Assunto”, encenada em 2019, no mesmo Teatro Poeirinha, que lhe
rendeu os prêmios de “Melhor Texto Nacional Inédito”, “Melhor
Ator” e “Melhor Autor”, em dois prêmios de TEATRO do Rio
de Janeiro.
(Fotos: RB)
A peça não é encenada num palco
italiano. O diretor se decidiu por um espaço cênico estreito e comprido, como
um corredor, o que faz com que as duas atrizes se posicionem, durante bastante
tempo da encenação, bem distantes uma da outra, como foi o relacionamento das personagens. O público é acomodado nas duas laterais do que pode lembrar uma arena ou
um ringue de box, ou qualquer espaço em que aconteçam lutas corporais, as quais
não acontecem na peça; a contenda fica apenas no nível verbal. Como o texto
alterna diálogos com alguns trechos narrativos, a direção encontrou excelentes
soluções para não deixar que o ritmo e o interesse do público arrefecessem
durante as partes narradas. É digno de muitos aplausos o trabalho de iluminação,
de PAULO CESAR MEDEIROS, que entra
como um divisor perfeito entre um momento de conversa e outro de narração dos
fatos. De uma forma geral, o desenho de
luz do espetáculo tem um enorme peso na beleza plástica da encenação,
enriquecida pela cenografia e os figurinos, assinados por RONALD TEIXEIRA.
(Foto: RB)
A
cenografia
chama a atenção do espectador logo ao adentar o auditório. É, no mínimo, “curiosa”,
suscitando ilações diversas, com o chão coberto por folhas secas, “evocando
uma suspensão no tempo”. Poucos móveis ocupam o espaço cênico: apenas
cadeiras de diferentes épocas, com destaque para uma, de bebê, que funciona
como um bar. No alto, pairando sobre o chão em que se representa e a plateia,
há molduras de janelas e algumas portas penduradas, adornadas com folhas e
flores secas. Traços do tempo. Para os figurinos, muito interessantes, RONALD escolheu acompanhar os tons terrosos do
cenário. Duplo acerto. Merecem, também, uma citação o ótimo trabalho de direção
de movimento, de MÁRCIA RUBIN, e a trilha sonora de LEONARDO NETTO.
(Fotos: Gilberto Bartholo.)
Num
trecho do “release”, que recebi, de STELLA
STEPHANY, (Assessoria de Imprensa), LEONARDO
NETTO, ao falar da alegria que foi dirigir esta montagem, diz que se trata
de “um
espetáculo de ator”. Concordo com ele; mas não apenas isso. E
prossegue: “Quero dizer, é um
espetáculo sem pirotecnias, sem grandes distrações para a plateia. Temos duas
ótimas atrizes, um ótimo texto e o espetáculo é todo construído em cima desses
dois elementos. Tudo está a serviço dessas duas atrizes e de transmitir este
texto (...).”.
Sim, é verdade que GUIDA VIANNA e SILVIA
BUARQUE são duas ótimas atrizes, como tantas outras, felizmente, que nos
orgulham, entretanto há um detalhe que pesa muito numa relação profissional no
palco, independentemente da relação amistosa que possa haver entre os artistas
fora de cena. Por mais íntimos que sejam, em suas relações particulares, se não
houver uma “cumplicidade cênica”
entre eles, ou seja, uma espécie de “força
centrípeta”, a “verdade”
não atinge seu clímax. Já vi isso acontecer algumas vezes, entre atores e
atrizes de primeira linha, até mesmo entre casais. “Não deu liga”; não adianta, não funciona.
É evidente que outras
excelentes atrizes poderiam substituir GUIDA
e SILVINHA, mas o que me encantou, no
trabalho de ambas, foi o total entrosamento que há entre elas, a entrega total
das duas às suas personagens, a emoção que transborda em cada fala, em cada
olhar, em cada pausa dramática. A ideia de fazer com que as duas vivessem
personagens diferentes, em idades distintas, é excelente e, sem dúvida, um
desafio para ambas, o que, com maestria, elas “tiram de letra”.
Como Elisa,
aos 70 anos, enxergo a atriz GUIDA mais plena e
convincente, embora também me agrade muito a sua Antonia, aos 50.
Não consigo ter a certeza de que aquela Elisa
se transformara, realmente, em outra mulher ou se é a mesma que se chocou e se
sentiu extremamente ofendida, quando ouviu a confissão da filha, quando esta era bem jovem, de
que era lésbica. Se não foi intenção da autora ou da direção, é exatamente essa
a impressão que me ficou – é muito boa
e providencial essa dúvida -, por total brilhantismo na interpretação
de GUIDA VIANNA, uma atriz que “fala pelos olhos”.
(Fotos: RB)
SILVIA BUARQUE, por outro lado, também mexe muito com o emocional do espetador,
quando, fria e cáustica, aceita, apenas como um gesto “civilizado”, o encontro com a mãe, que não a
aceitou nas suas “diferenças”.
Parece que a tentativa de “quebrar a
parede de gelo” que havia entre ambas, por iniciativa da mãe, não a
convence, e ela parte para cobranças e duras acusações. Creio que fica difícil,
para um espectador – falo por mim –,
sem querer fazer julgamentos e exercitando a empatia, se colocar na defesa de
uma ou de outra, um conflito, sem dúvida, bastante excitante, graças à qualidade
do texto, ao trabalho do diretor e à atuação de GUIDA e SILVIA.
(Fotos: RB)
Ainda que tivesse partido de Helena, a filha de Antônia,
interpretada, de forma tão correta e natural, por SILVIA, o desejo de conhecer a mãe biológica e saber do
passado desta e da avó, na verdade, a personagem passa a impressão de estar
dando um “troco” na mãe, que
a “disponibiizou” para
adoção, pouco tempo depois de nascida. Ficou, para mim, uma ideia clara de que
aquele encontro, no restaurante comandado por Helena, era apenas para saciar uma curiosidade, e não para
resgatar valores de amor familiar perdidos no tempo e supridos por um outra
família não consanguínea. Em ambas as personagens, SILVIA BUARQUE esbanja seu talento inquestionável.
(Fotos: RB)
Texto: Daniela Pereira de Carvalho
Direção: Leonardo Netto
Elenco: Guida Vianna e Silvia Buarque
Cenário: Ronald Teixeira
Figurinos: Ronald Teixeira
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Direção de Movimento: Márcia Rubin
Trilha Sonora: Leonardo Netto
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Fotos: Nil Caniné
Design Gráfico: Gilberto Filho
Direção de Produção: Celso Lemos
Produção: Silvia Buarque
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
(Fotos: RB)
Temporada: de 05 de
janeiro a 31 de março de 2024.
Local: Teatro
Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, nº 104, Botafogo – Rio de
Janeiro.
Telefone: (21)2537-8053.
Dias e
Horários: De 5ª feira a sábado, às 20h; domingo, às
19h.
Valor
dos Ingressos: R$
80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada).
Duração: 75 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Gênero: Drama.
É
programa obrigatório, para quem aprecia um espetáculo teatral da melhor
qualidade, assistir a “A MENINA
ESCORRENDO DOS OLHOS DA MÃE”. Mas não esperem o final da temporada! Por tudo o que escrevi sobre a peça, nem era necessário
dizer que a recomendo com o maior empenho. Em tempo: Desde quando tomei conhecimento da peça, muito antes de assistir a ela, já comecei a gostar do que viria por aí, por conta da originalidade do seu título.
FOTOS: NIL
CANINÉ (Oficiais)
e RICARDO BRAJTERMAN (RB)
(Gentilmente cedidas por RB.)
GALERIA PARTICULAR:
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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