sábado, 10 de junho de 2023

 "31º FESTIVAL

DE CURITIBA"


"ODELAIR RODRIGUES

– UMA PEÇA TEATRAL"

ou

(MÉRITO

PELA INICIATIVA

E JUSTA HOMENAGEM

A QUEM BEM A MERECE.)





       Está bem! Serei repetitivo, porém pode ser que, de tanto bater na mesma tecla, um dia, as coisas possam mudar, entretanto, infelizmente, ainda sou obrigado a dizer que “o Brasil não tem memória” e que, via de regra, se valoriza muito mais o que nos chega com a tarja “Made in...” do que o produto nacional. Isso também atinge as ARTES. Muitas vezes, é preciso que um grande artista brasileiro, seja ele representante de qualquer segmento, tenha seu talento reconhecido no exterior, para que, em território brasileiro, isso seja também reconhecido, posteriormente. Poderia dar uma série de exemplos, mas não vejo a menor necessidade disso.




     Uma atriz negra, paranaense, a primeira a se encaixar nessa descrição, chamada ODELAIR RODRIGUES, é um claro exemplo de apagamento, injustificável, pelo tanto que representou para o TEATRO BRASILEIRO. Eu mesmo, um “rato-de-TEATRO”, há mais de 50 anos, sabia de sua existência, mas não conhecia o seu imenso e importante legado para a História do TEATRO BRASILEIRO. Culpa minha? Talvez. Ou seria pelo fato de não se falar dela como o merecia? E isso poderia ter acontecido pelo fato de não ser a atriz carioca ou paulista? Quem há de saber?




(Fotos: Fonte desconhecida.)


      ODELAIR nasceu em Curitiba, em 14 de julho de 1935, e faleceu na sua cidade natal, em 1º de julho de 2003, pouco antes de atingir os 68 anos de idade, e foi uma das pioneiras da televisão paranaense. Mas o assunto, aqui, é TEATRO? Sim, mas ela também atuou na telinha, na telona e no rádio. Tendo cursado ARTES CÊNICAS, no Colégio Estadual do Paraná, fazendo parte do seu "Corpo Cênico", fez sua estreia, pisando as tábuas, na peça "Sinhá Moça Chorou", em 1952, mas a vocação para a profissão sempre esteve presente em ODELAIR, que, desde a infância e adolescência, gostava de representar, por ocasião de peças teatrais, quando ainda estudava no Colégio Xavier da Silva. (As informações contidas neste parágrafo e algumas que virão adiante, referentes à sua biografia e carreira, eu as extraí da “Wikipédia”.).




        ODELAIR foi descoberta para o estrelato por um grande amigo, Ary Fontoura, também paranaense, com quem trabalhou no TEATRO e em radioteatros da Rádio Clube Paranaense, além de atuarem nas primeiras novelas produzidas pela televisão do Paraná. A atriz fez parte do primeiro “cast” de profissionais contratados pela TV Paraná. Também trabalhou na Rede Globo de Televisão (Foi levada, do Paraná para o Rio de Janeiro, por Ary Fontoura.) TV Tupi, entre outros canais, fazendo novelas que foram sucesso nos anos de 1960 e 1970. Com Ary, dividiu o palco em dezenas de produções teatrais, no antigo Teatro de Bolso, que existia na Praça Rui Barbosa, em Curitiba. Ao longo de sua sua carreira, ganhou vários prêmios.




 


SINOPSE:

       Em formato de “metaTEATRO”, documental, de certa forma, “ODELAIR – UMA PEÇA TEATRAL” presta uma homenagem a ODELAIR RODRIGUES, musa do TEATRO paranaense.

     A artista, que é considerada a primeira atriz negra da capital paranaense, também foi pioneira na televisão e nas radionovelas, tendo ficado conhecida, principalmente, por sua personagem “Bidê”, em contracena com Ary Fontoura.

A encenação se propõe a mostrar momentos marcantes e inéditos sobre a trajetória de vida e carreira de ODELAIR, uma das grandes pioneiras na difusão cultural, principalmente do TEATRO, no estado do Paraná. 

 

 



 

        Os que me leem com frequência sabem que só escrevo sobre espetáculos de que gosto, que contribuem para o meu crescimento, como pessoa e amante do TEATRO, peças que me tocam, de alguma forma. Como estou aqui, a destinar boa parte do meu tempo na escrita de uma apreciação crítica sobre “ODELAIR – UMA PEÇA TEATRAL”, os que me honram com sua leitura agora devem ter chegado à conclusão de que a peça me agradou. Sim, mas até uma determinada página, não importa qual. Vou tentar explicar, bem claramente, o que me levou a estar, agora, em frente a um computador, com os “dedos nervosos”, pressionando as sua teclas.




      Antes, quero fazer um registro, que julgo importante, para justificar esta crítica. Ao deixar, na tarde de um sábado chuvoso e frio, no penúltimo dia do “Festival de Curitiba”, o “Espaço Excêntrico Mauro Zanatta”, um lugar alternativo, para a apresentação de espetáculos de TEATRO, aós ter visto a encenação da peça em tela, uma pessoa, que eu não conhecia, mas já havia visto em alguns eventos do “Festival”, se aproximou de mim e me fez três perguntas, emendando uma na outra, não me dando oportunidade de responder a cada uma delas: “Você é crítico, não é? Gostou? Vai escrever?”. Não tive tempo para uma resposta diferente de “Não sei.”, porque o meu carro de aplicativo acabara de chegar.




        Algumas pessoas devem ter saído do espetáculo com o mesmo pensamento que eu. Outros devem ter gostado muito e até adorado a peça. Alguns podem ter gostado tanto quanto, ou menos do que, aquela pessoa. Isso “é do jogo”, cada um tem sua opinião, e todos têm o direito de decodificar uma obra de ARTE de acordo com o que ela lhe causa de prazer; ou não. Isso pode ser feito com a aplicação de conhecimentos técnicos do que seja TEATRO ou, puramente, pelo aspecto emocional, deixando o coração se sobrepor à razão. Eu sempre procuro assistir a uma peça com um olhar duplo, de técnico e de espectador.





       Do ponto de vista artístico, não posso dizer que a montagem, de minha parte, mereça grandes elogios. Nesse aspecto, acho que ficou a desejar, o que acredito seja em função de duas coisas: o fato de KELVIN MILLARCH e CAIO FRANKIU, dois jovens entusiastas do TEATRO, à frente da “CIA. KÀ DE TEATRO”, estarem envolvidos em tantos projetos no “Festival” e, principalmente, por conta da falta de recursos financeiros para uma produção mais bem cuidada. Só que, aqui, para mim, isso é o que menos importa. Diante de tanto amor e dedicação que aqueles jovens artistas, facilmente, transmitem e por se tratar de uma justa homenagem a quem bem a merece, nem pensei duas vezes para me decidir a escrever uma crítica sobre esta encenação.




    “ODELAIR RODRIGUES – UMA PEÇA TEATRAL” foi apresentada dentro da programação do FRINGE”, um dos magníficos “tentáculos” do “Festival de Curitiba”. Paralelamente a isso, a artista foi tema de uma exposição, organizada pelos responsáveis pelo projeto da peça, com curadoria de AMANDA SOARES, sobre a vida e a carreira artística de ODELAIR, no “Café do Teatro”, tradicional ponto de encontro da classe teatral curitibana, durante as duas semanas de duração do “Festival”.



       Um outro grande motivo para justificar esta crítica repousa nas palavras de KELVIN MILLARCH, um dos idealizadores da ideia: “É um projeto que busca preservar a memória da atriz paranaense, de forma a valorizar sua trajetória no TEATRO, rádio e TV. Com ele, pretendemos trazer à cena uma narrativa completa, forte e presente da vida e obra de uma atriz que será representada por também atrizes negras e paranaenses.”. É muito bonito e comovente ver jovens interessados em homenagear aqueles que os precederam, tentando, assim, manter vivo o seu importante legado, para eles e para o público em geral, pelo que lhes sou muito grato.




      O título da peça poderia, a meu juízo, ser outro, o que não interfere na minha apreciação crítica sobre o espetáculo. Em compensação, muito me agradou o da exposição sobre a vida e a obra da artista: “É SER ODELAIR”. O emprego do vocábulo “SER”, normalmente um verbo, é muito interessante. Um artigo definido "O", omitido, pode levar o vocábulo a assumir a forma de um substantivo, no sentido de o “SER” humano ODELAIR, a sua "persona", ou estar relacionado ao ato de alguém ser capaz de "existir como uma ODELAIR". Acho excelente a indução a duas interpretações, por meio de uma ambiguidade, que acredito ter sido intencional.




        A homenagem a ODELAIR é bastante pertinente, não só por sua importância como artista, mas também pelo fato de ser negra, o que lhe rendeu muito preconceito (MULHER, NEGRA e ATRIZ.), desde sua adolescência, um absurdo, que, cada vez mais, deve ser combatido. É mais que oportuno abordar o tema do combate ao preconceito de cor e raça. Esse aspecto é muito bem explorado no texto da peça, que não apresenta nada de especial, limitando-se a ser documental, partindo de uma profunda pesquisa, seguindo a linha do tempo de vida da artista. ODELAIR era formada em contabilidade, entretanto, por conta da cor de sua pele, não logrou êxito na profissão e, para sobreviver, trabalhou até como doméstica, o que não é nenhum demérito, diga-se de passagem, mas aquilo não era para ela. Esse detalhe da vida da atriz está muito presente na peça, cujo texto foi concebido como resultado de um trabalho de criação coletiva do grupo, o qual mergulhou de cabeça nessa empreitada, durante três anos, amparado num “esqueleto” criado por CAIO FRANKIU.





     KELVIN MILLARCH faz uma direção bem discreta, ainda que apresente algumas interessantes soluções para certas cenas, de bom gosto e criatividade, com a utilização de muitas folhas de jornal.




       O elenco parecia estar um pouco “engessado”, talvez por falta de mais ensaios – não sei - ou por conta da limitação espacial, visto que o espaço cênico onde se deu a apresentação é pequeno, sem apresentar coxias, o que confina os artistas e delimita outras ideias que a direção possa ter. Não destaco nenhuma atuação, porém percebi que todos, sem exceção, alternavam bons momentos de interpretação com outros não muito apreciáveis. Reforço que identifiquei potencial interpretativo em todos, o qual pode, e deve, ser estimulado, exercitado e trabalhado com mais afinco. Achei, contudo, que todos se empenharam, o máximo possível, em seus trabalhos.





      Dos elementos de criação, nada a destacar, a não ser o “se virar nos 30”, por parte da “CIA.”, em função dos parcos recursos de que a produção dispunha. Como sempre, FAZER TEATRO, NO BRASIL É UM ATO DE RESISTÊNCIA. A cenografia se limita a uma mesa, uns bancos e uma grande “arara”, com muitas peças de roupas, que vão sendo trocadas, pelo elenco, à vista do público, durante a encenação. Esse “cabideiro gigante” também serve para ocultar detalhes que serão expostos em cenas seguintes, como se fosse uma parede. Naturalmente, por falta de verba, não houve figurinos da época em que viveu ODELAIR, desenhados e confeccionados, especialmente, para a montagem, contudo os atores procuraram, em seus acervos particulares, ou em outras fontes – não sei – peças que pudessem ajudar na caracterização de seus personagens. O resultado disso é bom, ou, pelo menos, satisfatório. Não há uma iluminação muito elaborada, mas o trabalho de IKE ROCHA é bem aceitável, dentro dos recursos que tinha em mãos.





 

FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Criação coletiva, seguindo uma base, proposta por Caio Frankiu

Direção: Kelvin Millarch
Assistência de Direção: Amanda Mattos

 

Elenco (por ordem alfabética): Amanda Soares, Bruno Sanctus, Caio Frankiu, Dani Rocha, Luiz Nogueira e Mattias de Sales

 

Cenário: Caio Frankiu

Figurino: Criação Coletiva

Iluminação: Ike Rocha

Sonoplastia: Kelvin Millarch

Maquiagem e Caracterização: Amanda Soares

Operação de Luz: Ike Rocha 
Operação de Som: Kelvin Millarch

Fotos: Virgínia Benevenuto e Larissa Godoy

Uma Produção da Cia. Kà de Teatro

 




 

O diretor da peça diz que “A proposta inicial vem com uma reflexão sobre por que motivo não ouvimos muito falar sobre ODELAIR. A motivação principal é a vontade de levar o nome da atriz ao público da nossa geração.”. E eu acrescento: de qualquer geração.





        O espetáculo, segundo informação que recebi da “CIA. KÀ DE TEATRO”, estará em cartaz, durante os meses de agosto e setembro, no mesmo local em que aconteceram as apresentações dentro do “Festival de Curitiba”, o “Espaço Excêntrico Mauro Zanatta”. Faço votos de que seja uma bela temporada, de grande sucesso, e acho que o público curitibano deveria prestigiar o trabalho da “CIA.”. Tenho certeza de que todas as arestas que detectei serão aparadas, e o espetáculo ganhará mais características de um trabalho profissional.





        Espero que a pessoa que me abordou, à saída da apresentação, possa estar lendo esta crítica e tenha entendido tudo, sem que eu precise desenhar.





        “E la nave va...”






 

 

FOTOS: VIRGINIA BENEVENUTO

e

 LARISSA GODOY



GALERIA PARTICULAR 

(Fotos: GILBERTO BARTHOLO.)



Coletiva de Imprensa



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