terça-feira, 23 de maio de 2023

“O CASO”

ou

(UMA COMÉDIA

NADA “CHATA”.)


 


        Esta crítica está sendo escrita como uma forma de provar quão criterioso e justo procuro ser neste meu ofício de analisar espetáculos de TEATRO. A peça aqui comentada fez uma temporada de grande sucesso, com lotações esgotadas, no Rio de Janeiro, e acabou de estrear em São Paulo, para uma nova temporada, que deve repetir o resultado obtido na capital fluminense. Assisti a ela, no “Teatro das Artes”, e não gostei do que vi. Ou seria “do que não vi e deveria ter visto”?



   O texto foi escrito por JACQUES MOUGENOT, o mesmo dramaturgo que nos deliciou com sua COMÉDIA “O Escândalo Philippe Dussaert”, um dos maiores sucessos, de bilheteria e de crítica, dos últimos tempos, com todo merecimento, diga-se de passagem. O diretor, FERNANDO PHILBERT, era o mesmo. O casal de atores, OTÁVIO MÜLLER e LETÍCIA ISNARD, está entre os melhores de sua geração. O espetáculo fizera muito sucesso na Europa. Tudo para dar certo, mas eu “não gostei”. Havia algo estranho a ser pesquisado e, se possível, explicado. É certo que um bom dramaturgo não tem a obrigação de só escrever peças excelentes. Não se pode esperar, de um bom diretor de TEATRO, que ele o seja em todos os seus trabalhos. O mesmo também se aplica aos atores. O senso de humor do europeu é bem diferente do nosso. Mas o fato é que a peça estava sendo recebida com rasgados elogios de críticos e de pessoas em cujo bom gosto confio. Então o problema seria meu? Ou eu?



      Sim, mas só “até a página cinco”. E posso explicar. Por um motivo que já não vale mais a pena vir à tona agora, mas que me aborreceu bastante, fui alocado, pela produção do espetáculo, num péssimo lugar, na penúltima fila do Teatro, de onde era difícil ver o que se passava no palco e ouvir tudo o que era dito pelo casal de atores. Acrescente-se a isso o desagradabilíssimo fato de, por uma terrível infelicidade, eu estar cercado, pela frente, por trás e pelos lados, de senhoras super mal educadas, que falavam sem parar, fazendo comentários mais que ridículos, impertinentes e absurdos, sobre os figurinos e a aparência dos atores, que "parecem mais novos que na televisão" e "a televisão engorda muito as pessoas", por exemplo, sem falar no uso dos malditos celulares, conversando pelo “zap” e comentando, entre si, as conversas.



Um verdadeiro horror, que faz qualquer um, com a melhor intenção de gostar de uma peça teatral, sentir vontade de se levantar e voltar para casa, arrependido de ter ido ao Teatro. E eu ainda havia convidado uma querida amiga, que mora em outro estado, em visita no Rio. Poderia eu ter gostado da peça? Era exigir demais do crítico ou do simples espectador.



       Mas, tão logo compreendi o porquê da minha reação, que não poderia ter sido outra, solicitei à assessoria de imprensa do espetáculo, na pessoa da querida amiga STELLA STEPHANY, que me permitisse rever a peça, o que, por uma questão de incompatibilidade na agenda, infelizmente, só foi possível acontecer no último dia da temporada carioca. Voltei ao “Teatro das Artes” e, como era de se esperar, de acordo com as probabilidades positivas, gostei muito do que vi e assumi, primeiramente, comigo mesmo, e, depois, com a assessoria de imprensa e com o diretor, o compromisso de escrever uma crítica da peça, para ser publicada quando de sua estreia na capital paulista. Promessa cumprida. 



 

 SINOPSE:

Arnaldo (OTÁVIO MÜLLER), um homem, aparentemente, comum, procura uma psiquiatra, (LETÍCIA ISNARD), alegando sofrer de um distúrbio desconhecido: é tomado, constantemente, por uma sensação de desinteresse completo por, absolutamente, tudo e todos ao seu redor.

Acha tudo muito “chato” e não consegue prestar atenção em nada do que as pessoas dizem.

A terapeuta, por sua vez, intrigada, tenta, de todas as maneiras, decifrar a patologia, chegar a um diagnóstico real e propor um tratamento para aquele mal.

Quando crê que começa a entender o que se passa, o caso toma um novo rumo.

 



       Percebam que a SINOPSE termina “em aberto”, e o motivo é que seria um grande “furo”, de péssimo gosto, revelar o desenlace da trama, roubar, ao público, o prazer de se surpreender com um final inesperado, que sempre arranca muitas gargalhadas dos espectadores. Aliás, motivo para boas gargalhadas não faltam, no decorrer desta deliciosa “COMÉDIA”, nada “chata”, construída por meio de diálogos bem arquitetados, um “texto ágil, repleto de humor e diálogos rápidos”. O tema da peça é bem atual e universal, motivo pelo qual é sucesso em qualquer cultura e língua em que o texto é montado. São tratadas questões bem contemporâneas, da “era da comunicação”, como a “dificuldade de concentração, em meio à avalanche de informações e estímulos que chegam sem parar, e da falta de interesse pelo outro e pelo coletivo”. Um verdadeiro paradoxo que ocorre dentro da nossa “aldeia global” (Salve Marshall McLuhan!)



      O texto era inédito no Brasil, até agora, no original “Le Cas Martin Piche” (“O Caso Martin Piche”), tendo recebido uma redução de palavras, na versão brasileira, batizado, simplesmente, como “O CASO”, e sua relevância é determinada pelo emprego do artigo definido “O”, em lugar do indefinido “UM”. Não se trata de “qualquer caso”, mas de um em especial, que merece destaque. Um “caso” bastante insólito, tanto quanto desagradável – para o paciente e para a médica.



       Todos os seres humanos já experimentaram, por várias vezes, o sentimento do tédio, passaram pela apatia diante de tanta mesmice, entretanto isso ocorre em determinados momentos de nossas vidas. São apenas fases, geralmente superadas, até chegar um outro momento de desinteresse por tudo e por todos. E assim, sucessivamente, tais momentos vão se alternando com outros, de desejo de viver a vida. Essa situação é considerada normal, entretanto, nesta peça, o personagem procura ajuda, porque se sente vivendo num constante estado de “letargia”, em relação ao mundo em que vive, ou sobrevive, o que extrapola o limite da normalidade e passa a ser encarado como uma “doença”. O homem que acha tudo “chato” passa a ser uma pessoa inconveniente, impertinente, aborrecida e maçante, aos olhos da pobre terapeuta, que já se sente incomodada e “contaminada” pelo paciente, o qual lhe teria sido encaminhado por um afamado psiquiatra.



Destarte, o personagem Arnaldo “está mergulhado no enigma de se chatear pela eternidade dos dias”. Partindo-se daí, o divertimento está garantido, por 80 minutos, duramente os quais o “comportamento quase excêntrico” do paciente permite que sejam discutidos “o todo das nossas relações e modos de conviver em sociedade”. A saborosa COMÉDIA chega a flertar, um pouco, com o TEATRO do Absurdo, o que muito me agrada, da mesma forma como gostei deveras da direção de FERNANDO PHILBERT, um dos mais requisitados e competentes diretores teatrais do momento.



OTÁVIO MÜLLER, que conheci ainda um pré-adolescente/adolescente (Foi meu aluno na segunda fase do nível fundamental.) é um excelente ator cômico e sabe explorar, eficientemente, as pausas dramáticas exigidas pela COMÉDIA e as máscaras faciais que podem ser exploradas nesse gênero teatral, assim como os silêncios expresasivos, o que o ator faz à farta. O personagem dá o tom da COMÉDIA e LETÍCIA ISNARD, que tanto desfila bem na passarela do riso como na do drama, acompanha-lhe os passos e a dupla demonstra um grande entrosamento e deixa transparecer uma profícua cumplicidade em cena.



Toda a trama se passa durante o tempo de uma única sessão de terapia, no consultório de uma psiquiatra, construído com as tradicionais referências desse tipo de espaço, com destaque para o “divã do analista”, que não poderia faltar. A responsável pela cenografia é a premiada NATÁLIA LANA. Os figurinos, bem ajustados aos dois personagens, são de outra artista premiada, CAROL LOBATO. O terceiro vértice de triângulo das artes de criação, que ajudam a sustentar uma peça teatral, a iluminação, foi criado por VILMAR OLOS e cumpre, corretamente, sua função no espetáculo.   

 



 FICHA TÉCNICA:

Texto: Jacques Mougenot

Tradução: Marilu de Seixas Corrêa

Direção: Fernando Philbert

 

Elenco: Otávio Müller e Letícia Isnard

 

Cenografia: Natália Lana

Figurino: Carol Lobato

Iluminação: Vilmar Olos

Trilha Original: Francisco Gil - Gilsons

Arte Gráfica: @orlatoons

Fotografias: Ricardo Brajterman

Direção de Produção: Carlos Grun

Uma produção Bem Legal Produções

Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany 

 

 



 


 SERVIÇO:

Temporada: De 20 de maio a 9 de julho de 2023.

Local: Teatro Bravos.

Endereço: Rua Coropé, nº 88, Pinheiros – São Paulo. (Complexo Aché Cultural, entre as Avenidas Faria Lima e Pedroso de Morais.).

Dias e Horários: Sábados, às 20h, e domingos, às 17h.

Valor dos Ingressos: Plateia Premium = R$120,00 e R$60,00 (meia entrada); Plateia Inferior = R$100,00 e R$50,00 (meia entrada); Balcão R$80,00 e R$40,00 (meia entrada).

Ingressos à venda na bilheteria do Teatro ou pela plataforma SYMPLA -  https://bileto.sympla.com.br/event/82142

Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 13h às 19h, ou até o início do último espetáculo.

Capacidade: 611 lugares.

(Com acessibilidade.).

Estacionamento: MultiPark.

Classificação Etária: 12 anos.

Duração: 80 minutos.

GÊNERO: COMÉDIA. 

 


 


 Depois de tanto sofrimento e desesperança, impostos por quatro anos de obscurantismo e retrocesso pelos quais o país passou, vencido o horror de uma pandemia, que parecia não ter mais fim, é tão bom, gratificante, ver as pessoas voltando a lotar os Teatros, quando lhes é apresentado um espetáculo da qualidade de “O CASO”, e vê-las sorrindo e gargalhando, felizes e prontas a seguir em frente.



Tenho a plena certeza, a julgar pela primeira semana da temporada em "Sampa", que a peça repetirá o mesmo sucesso obtido no Rio de Janeiro. Que os DEUSES DO TEATRO digam “amém”! Eu ouvi um “amém”?!

 

 



 


FOTOS: RICARDO BRAJTERMAN

 

 

 

 

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