segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 “SEU NEYLA”

ou

(TEATRO EM DOIS PALCOS SIMULTANEAMENTE.)

ou

(UM ESPETÁCULO ARROJADO.)



   Acho que, em poucas vezes, fui assistir a um espetáculo teatral com tanta curiosidade, como quando me desloquei, num sábado, dia 20 de agosto de 2022, até o Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, para ver “SEU NEYLA”, um musical que utilizou, pela primeira vez, no Brasil, um formato diferente de TEATRO, ou melhor, fez uso de uma linguagem nova, em espetáculos teatrais, realizado, simultaneamente, em dois espaços físicos diferentes, ligados pela tecnologia. No palco do Teatro, cinco atores - ALOÍSIO DE ABREU, HELGA NEMETIK, THAINÁ GALLO, BRUNO FRAGA e PEDRO HENRIQUE LOPES, ao vivo, contracenam, em tempo real, com o protagonista do espetáculo, NEY LATORRACA, que está em sua casa, num projeto especialmente criado para comemorar os 60 anos de carreira do consagrado ator.





          A princípio, a curiosidade era muita, porém, de volta para casa, fiquei pensando em por que aquilo já não teria acontecido no Brasil – esse tipo de experiência. Era só uma questão de tempo, porque acredito que tal experimento já venha sendo utilizado, no exterior. De uma coisa tenho certeza: deve ser um trabalho de dificílima realização, para que tudo ocorra sem problemas, corretamente, já que, por mais modernas que sejam as opções que a tecnologia nos oferece, sempre podemos esperar uma falha técnica, que pode “derrubar” um espetáculo teatral. Não foi, exatamente, o caso, na sessão na qual estive presente, para assistir a “SEU NEYLA”, quando o microfone de lapela do ator ALOÍSIO DE ABREU sofreu uma pane e NEY, em sua casa, deixou de ouvir o texto do colega, para continuar a cena. Momento tenso.  Primeiramente, um outro ator entrou em cena, encostando-se em ALOÍSIO - sem o menor sentido para a cena, é claro -, a fim de que suas falas pudessem ser captadas pelo microfone de lapela do outro. Logo, alguém entrou em cena e entregou, ao ALOÍSIO, um microfone de mão, e a peça prosseguiu. Não “derrubou” o espetáculo, mas atrapalhou um pouco, daquele momento em diante. Com tecnologia, não se pode brincar. No caso de microfones de lapela, o ideal é a utilização de dois, para cada pessoa, pensando-se na eventualidade de um falhar.







       A despeito de NEY LATORRACA ser um ator vitorioso e da sua bela história de vida e de profissão; apesar do elenco, formado por gente da primeira linha, em musicais; e ainda que a FICHA TÉCNICA fosse recheada de nomes de grandes profissionais do TEATRO BRASILEIRO, confesso que toda a minha curiosidade e meu interesse, nesse musical, estavam focados em conhecer como funcionaria, em cena, tudo o que eu havia lido, no “release” que me foi enviado. Fiquei muito bem impressionado com o funcionamento, a dinâmica, dessa nova linguagem teatral. Num dos cantos do palco, um profissional opera uma pequena câmera, que leva, à casa de NEY LATORRACA, a imagem e o som do que está acontecendo ali. Os atores não contracenam com NEY por meio de uma gravação prévia das falas do ator; é tudo feito em tempo real, com, evidentemente, um pequeno e natural “delay”, quase imperceptível.








 


SINOPSE:

    “SEU NEYLA” é uma comedia musical que narra a trajetória do ator NEY LATORRACA, o qual entrou, na TV Globo, com um contrato temporário, de apenas três meses, e permanece, há 48 anos, na emissora.

    A peça também conta um pouco dos últimos acontecimentos, como pandemia, “lockdown”, reabertura dos Teatros, entre outros assuntos.

    A montagem conta a história de quatro atores e um diretor, que ensaiam um espetáculo sobre a trajetória artística de um dos maiores ícones da cena brasileira.

    A dramaturgia incorpora a realidade.

    Pandemia da Covid 19, “lockdown”; e os espaços culturais são os primeiros a fechar.

    Tempos depois, os Teatros reabrem, e o homenageado não chega, para o recomeço dos ensaios.

    Em um grande telão de “led” - 5 metros de altura por 2,5 de largura -, digitalmente, em tempo real, direto de sua casa, no palco, chega o protagonista: NEY LATORRACA.

    A peça conta como os pais do ator se conheceram, até o NEY se transformar nessa grande referência da nossa ARTE.

    Vai daí... 

 





         Considero bastante importante, e pertinente, um depoimento do diretor, JOSÉ POSSI NETO, que retirei do já citado “release”, por se tratar, infelizmente, de uma grande verdade, ou seja, somos um país “sem memória”: “O mais importante, como conteúdo desse trabalho, é o mergulho na memória nacional e cultural, que, principalmente, as novas gerações não têm. A gente brinca, no texto, que o Brasil sofre de ‘Alzheimer cultural’. Esse passear pela memória da formação do artista brasileiro, do profissional do TEATRO, cinema e televisão, tem um sabor de abrir baú.”. Acho que é muito bom quando alguém, que mereça, é homenageado ainda em vida. Oxalá houvesse sempre esse tipo de espetáculo!





         POSSI e LATORRACA se conhecem há meio século, mas, pela primeira vez, trabalham juntos. Eu também tive o privilégio de conhecer e trabalhar, no palco, com o NEY, há, exatamente, 52 anos, quando entrei no elenco carioca da montagem do icônico musical “Hair”, a primeira no Brasil, no qual ele já atuava, quando a peça veio de São Paulo para o Rio de Janeiro. Ambos fazíamos parte da “tribo” de “hippies”, mas, a partir de um determinado momento, passei a substituir o ator que interpretava Woof, o meu personagem preferido, na peça; e era tudo o que eu desejava. Havia, porém, uma cena em que eu e NEY - ele vestido de mulher; na verdade, era uma travesti, e a personagem não tinha nome -, a minha “esposa”, formávamos um "casal", muito “bizarro”, de turistas, os quais saíam da plateia, “interrompiam” a cena e subiam ao palco, convidados pelo elenco, com muita curiosidade sobre aquela “gente esquisita”, de cabelos muito longos, principalmente. Meu personagem, que apanhava muito da “mulher” – Como levei “bolsadas”! – chamava-se Hubert e fazia muitas fotos da “tribo”.





       Eu e NEY dividíamos o mesmo camarim, com mais três ou quatro atores, como Nuno Leal Maia, Acácio Gonçalves (já falecido), Antônio Pitanga e Medeiros Lima, dos que eu me lembro. Penso que nunca conheci alguém tão “cínico”, sem que, aqui, o adjetivo seja depreciativo. É empregado no sentido de nunca sabermos se ele estava falando sério ou ironizando alguém ou alguma coisa. As caras e as entonações que ele fazia eram hilárias, sem falar naquela voz marcante e no seu modo de falar, no seu ritmo, que não mudaram, até hoje. Infelizmente, perdemos o contato, que eu gostaria de resgatar. Era, e parece que é, até hoje, uma pessoa muito engraçada, espirituosa. A gente entrava em cena “leve”, depois de ter rido muito, com ele, no camarim.





         Agora, vamos falar de “SEU NEYLA”. Gosto muito do título e acho que pouca gente desconhece o porquê do “NEYLA”, uma vez que o ator vive falando que muitas pessoas o abordam, dizendo que “Sou muito fã do senhor, Seu NEYLA”, criando uma “nova identidade jurídica” para o ator, por meio da junção do seu nome e a primeira sílaba do sobrenome. Acho que ele exagera um pouco – isso faz parte da sua maneira de fazer humor -, mas não deixa de ser engraçado. 

  





     A ideia do projeto partiu da diretora artística ANIELA JORDAN, uma das produtoras do espetáculo, representando a “AVENTURA ENTRETENIMENTO”. Segundo ela, “Tudo que o NEY conta fica interessante, instigante e muito divertido.”, com o que concordo plenamente.





         Vou inverter a ordem que costumo utilizar, nas minhas críticas, deixando os comentários sobre o texto para o final – há um motivo para isso – e vou iniciar, falando da atuação do elenco. Como já disse, são cinco ótimos atores, experientes em musicais, no palco, todos cumprindo, corretamente, as suas funções. Eles cantam, dançam e interpretam, sem que haja nenhum destaque, entre os cinco. Talvez um pouco mais para ALOÍSIO DE ABREU, que interpreta um diretor de TEATRO, STAN, justamente, quem é o responsável pela “interface” entre NEY e o espetáculo, em si. “É criada uma dinâmica, com a interação do diretor e os outros atores.”, diz ALOÍSIO. Sua responsabilidade, em cena, é muito grande, e ele “tira de letra” como o faz. Acho que o quinteto ALOÍSIO DE ABREU, HELGA NEMETIK, THAINÁ GALLO, BRUNO FRAGA e PEDRO HENRIQUE LOPES foi muito bem escalado. Mas o protagonismo, como não poderia deixar de ser, vai para o homenageado. NEY LATORRACA sendo NEY LATORRACA: engraçado, “cínico”, irreverente, bom nos improvisos, excelente no “timing” para a COMÉDIA...





        Para mim, o que se destaca, nesta montagem, além da inovação tecnológica, é a parte plástica do espetáculo, abrangendo, principalmente, a cenografia, a iluminação e os figurinos. É um espetáculo muito mais para se ver do que para se ouvir. 





      A parte cenográfica saiu de boas mãos e de uma cabeça privilegiada. Falo de NATÁLIA LANA, um dos nomes mais requisitados pelos produtores e diretores, não sem motivo, por sua incalculável competência na criação de cenários. Sua participação, na construção deste musical, é, como sempre, muito relevante e excelente. A própria NATÁLIA detalha, descritivamente, seu trabalho: “No centro do palco, um grande telão, por onde o NEY vai aparecer, de sua casa. Então, em um fundo preto, mesclamos elementos tradicionais do TEATRO, como as marcações no piso do palco e as cortinas. Realço a tecnologia usada no espetáculo, com um teto de ‘led’ programável. O cenário da casa do NEY será um fundo de ‘Chroma Key’, onde podem ser feitas várias inserções gráficas. Trabalhamos com inovação virtual, aumentando as possibilidades e descobrindo vários desafios”. A cenografia é bastante harmônica, com relação à proposta da montagem. Sempre ligado ao trabalho de NATÁLIA, estão ANDRÉ SALLES e sua equipe de cenotécnicos.





        FELÍCIO MAFRA, o RUSSINHO, assina a iluminação, “basicamente definida pela busca por revelar e isolar momentos da vida do personagem, realismo e sonhos (...)”. Os atores manipulam tripés, garras sanfonadas e outros elementos presentes na vida artística do NEY. Isso é muito bom, para o dinamismo do espetáculo. “Em momentos de música, teremos o descolamento total da realidade, onde (SIC) imagino traçar paralelos com a direção e cenografia, para criar um ambiente de fantasia, comum ao musical, com cores e efeitos”, revela RUSSINHO. Todas as ideias do iluminador funcionam muito bem, em cena, e colaboram para a beleza plástica da peça.





          Gostei dos figurinos, assinados por KAREN BRUSTTOLIN, nome que está, cada vez mais, em evidência e ascensão, por conta de seu inquestionável talento. Eles me agradaram, porém não cheguei a perceber o que KAREN diz, com relação ao seu trabalho, o que não faz a menor diferença, na propriedade como os figurinos nos são apresentados: “O figurino tem como conceito o mundo teatral, com a sofisticação de uma alfaiataria desconstruída. A gente trabalha com sustentabilidade, entendendo esse universo do vestuário sendo transformado e contado de outra forma.”. Amigos, parentes e profissionais, como Walmor Chagas, Tia Néia, Marília Pêra, Jandira Martini, Lauro César Muniz, Maria Della Costa, entre outros, que marcaram a trajetória pessoal e carreira do homenageado, ganham vida e figurino no espetáculo: “Sutileza, realidade e um pouco de surrealismo. As figuras importantes serão amplificadas, como em um sonho, e as outras figuras, mais próximas, minimizadas, mais intimistas. Tem muita veia teatral nesse figurino”, acrescenta KAREN.





        A direção musical e os arranjos, musicais e vocais, estão atrelados a TONY LUCCHESI, o que, sempre é garantia de sucesso. O espetáculo conta com treze números musicais, sendo uma das canções inédita, composta por TONY e HELOÍSA PÉRISSÉ, uma das responsáveis pelo texto. São músicas que vão do romance ao humor. Algumas, antigas, da carreira do NEY, com arranjos modernos. O repertório é eclético, e uma prova disso é um “medley”, que contempla o clássico samba-canção “Meu Mundo Caiu”, eternizado na voz de Maysa, e “Triste com Tesão”, gravação de Pabllo Vittar. Todas as músicas ganharam uma nova roupagem, canções atuais e divertidas, como o “arrocha” “O Médico Chegou”.





       Musical sem coreografia é tudo, menos musical. “SEU NEYLA” conta com uma interessante coreografia e direção de movimento, a cargo de CIÇA SIMÕES, que fazem com que a montagem apresente um bom nível de dinamismo, no palco. Uma coreografia diversificada e divertida, bem no clima do musical.





       Senti, infelizmente, em alguns momentos – e eu não tenho problemas de audição –, que o som ficava um pouco baixo, dificultando a compreensão do que era dito pelos atores, principalmente com relação ao que era captado na casa de NEY, o “segundo palco”. GABRIAL D’ANGELO, responsável pelo desenho de som e que, via de regra, não deixa a desejar, deve atentar para isso.





          Um elemento bastante importante, neste tipo de trabalho, e que funcionou muito bem, é a videografia, assinada por PLÍNIO PIETRO. Além de belas e oportunas, as imagens projetadas conferem um “up” ao espetáculo.





          Para finalizar a análise de todos os elementos de criação que entram nesta montagem, estavam faltando os comentários sobre o texto. Em geral, quando, em outros espetáculos, algum elemento é “simples”, por qualquer que seja a razão, mas funciona bem, costumo dizer que, ali, se aplicou, com muita propriedade, a máxima do “menos é mais”. Infelizmente, em “SEU NEYLA”, sou obrigado a admitir o contrário, muito embora minha opinião não seja absoluta e tantos possam discordar de mim, à vontade. Com relação ao texto, aqui, “mais é menos”. São seis mãos e três cabeças, criando aquilo que eu acho que teria sido muito melhor, se fosse assinado por apenas duas mãos e pensado por apenas uma cabeça. Não vou entrar em detalhes, mas não me agradou a dramaturgia





           Mas não seria apenas por isso, ainda que eu sempre julgue o texto a “espinha dorsal” de qualquer espetáculo teatral, obviamente, que eu deixaria de escrever sobre uma produção que merecia uma crítica, de minha parte, por todos os outros elementos e pela novidade que ela traz e que espero seja seguida por outros produtores e diretores.








FICHA TÉCNICA:


Idealização: Aniela Jordan

Texto: Heloísa Perissé, com colaboração de Aloísio de Abreu e José Possi Neto

Direção: José Possi Neto

Assistente de Direção: Lurryan Nascimento

2ª Assistente de Direção: Theodora França

Direção Musical e Arranjos: Tony Lucchesi

 

Elenco: Ney Latorraca, Aloísio de Abreu, Helga Nemetik, Thainá Gallo, Bruno Fraga e Pedro Henrique Lopes

 

Coreografia e Direção de Movimento: Ciça Simões

Cenografia: Natália Lana

Cenotécnico: André Salles

Assistente de Cenário: Victor Aragão

Figurino: Karen Brusttolin

Assistente de Figurino: Rhenan Queiroz

Desenho de Luz: Felício Mafra (Russinho)

Desenho de Som: Gabriel D'Ângelo

Videografia: Plínio Pietro

Pianista Ensaiador: Caio Pinheiro

Fotos: Bernardo Cartolano

Produção: Aventura Entretenimento

Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação

 











SERVIÇO:

RIO DE JANEIRO:

 

Temporada: De 19 de agosto a 04 de setembro de 2022.

Local: Teatro Riachuelo.

Endereço: Rua do Passeio, nº 38/40 – Cinelândia – Rio de Janeiro - RJ.

Dias e Horários: Sexta-feira, às 20h; sábado, às 17h e às 20h; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: Plateia VIP: R$90,00 e R$45,00 (meia entrada); Plateia: R$70,00 (inteira) e R$35,00 (meia entrada); Balcão: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada); Balcão Popular (R$10,00 (preço único).

Acesse https://bit.ly/33ybNpG

Lotação: 999 lugares.

Classificação Etária: 12 anos.

Duração: 90 minutos.

Gênero: Comédia Musicada


 

SÃO PAULO:

 

Temporada: De 09 a 25 de setembro de 2022.

Local: Teatro da FAAP.

Endereço: Rua Alagoas, nº 903 – Higienópolis – São Paulo – SP.

Dias e Horários: Sexta-feira, às 21h; sábado, às 17h e 21h; domingo, às 17h.

Lotação: 510 pessoas.

Não tenho informação quanto ao valor dos ingressos, durante a temporada paulista.

 










        Penso que vale a pena assistir a este espetáculo, como mero entretenimento, feito com bom gosto, para homenagear um grande ator, que, há seis décadas, vem nos alegrando e tornando mais leves e alegres as nossas vidas.





























         


FOTOS: BERNARDO CARTOLANO

 

 

 

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