“CABELOS
ARREPIADOS”
ou
(NEM MELHOR NEM PIOR; APENAS UMA
– BOA –
MONTAGEM DIFERENTE.)
KAREN ACIOLY é uma das principais referências em
TEATRO INFANTOJUVENIL, no Brasil. Jamais perdi uma de suas montagens.
Em 2011, assisti à opereta infantojuvenil “CABELOS ARREPIADOS”,
num dos Teatros do CCBB do Rio de Janeiro, e guardo, na
memória, a sensação de ter saído de lá, metaforicamente falando, com os “cabelos
arrepiados”, mas não de medo, e sim de alegria e surpresa, depois de
ter assistido a um espetáculo, para os pequenos, de excelente bom gosto,
com um elenco de primeiríssima qualidade: Tony Lucchesi, Jules
Vandystadt, Kiko do Vale, Daíra Sabóia, Tatih
Köhler, Aline Oliveira e Jonas Hammar.
Um pouquinho mais de uma década depois, eis que recebi um convite, para assistir a uma nova
montagem do espetáculo, no Teatro 1, do SESC Tijuca, desta
vez, trazida de Manaus, Amazonas, dirigida por TÉRCIO SILVA
e interpretada por jovens atores, incipientes (Eu não disse “insipientes”,
com “S”. Uma letra faz toda diferença.), egressos da graduação de Teatro da Universidade
do Estado do Amazonas – UEA. Que trabalho bem cuidado!
Já falei, dezenas de vezes, em críticas
anteriores, que, de há muito, o carioca e o paulistano, principalmente,
precisam, de uma vez por todas, entender que não se faz TEATRO de boa
qualidade apenas no eixo Rio/São Paulo. Felizmente, cada vez mais,
aportam, no Rio de Janeiro, cidade em que resido, montagens de
qualidade, trazidas de todas as partes deste país continental, como é o
caso desta, aqui analisada.
Muito antes de sua estreia, já havia sido convidado, pelo diretor da peça,
para assistir a ela, e fui pesquisar, já que não conhecia o trabalho do grupo
que a encenaria, e comecei a achar, alguma coisa me dizia, que era algo que valeria a pena me
fazer dirigir cerca de 30 quilômetros, para ir, e outro tanto para
voltar, em função do histórico da montagem, que incluía prêmios e
indicações a, como o de “Melhor Espetáculo Musical”, no “Festival de Teatro ‘On-line’ em Tempo Real do
Rio De Janeiro”, e cinco indicações e prêmio de “Melhor
Figurino” e “Melhor Trilha Sonora Original”, no “Festival
Nacional de Teatro de Varginha” (Minas Gerais).
E lá fui eu à Tijuca, simpático e aprazível bairro da zona
norte do Rio de Janeiro (Já o foi mais.), onde morei por mais de vinte
anos. E o que vi? Um belo espetáculo, em todos os sentidos, que, já me
antecipando, antes das considerações sobre cada elemento que contribui para a
sua boa qualidade, RECOMENDO.
A obra é inspirada no universo sobrenatural de um autor, por exemplo,
como Edgar Allan Poe, cujas histórias exploram o mistério
e o macabro; de um cineasta, como Tim Burton, cujos
filmes são pontuados por aspectos góticos, fantasiosos, excêntricos ou sombrios; e leva em consideração a estética de Edward Gorey,
o qual usava um tom macabro, mas com
certo senso de humor; e Alfred Jarry,
o célebre autor do clássico “Ubu Rei”, que opera, de modo cômico, a desconstrução do real
e sua reconstrução no absurdo. Jarry foi um dos inspiradores dos surrealistas e do TEATRO DO ABSURDO. É de “arrepiar”, mas não de susto. Não fiquem com medo!
SINOPSE:
Em “CABELOS ARREPIADOS”, cinco crianças
insones tiveram seus sonhos “roubados”. Elas acreditam nisso.
Sem dormir, enfrentam os perigos gerados pelos maus
pensamentos e sonhos ruins, ao mesmo tempo que refletem sobre
valores importantes, como a amizade e união entre irmãos, o diálogo com os
pais, hábitos de higiene pessoal e os perigos da destruição do meio ambiente e
do consumismo.
Nesta vibrante opereta, sonhos, fantasias, imaginação, perigos reais e hipotéticos, humor e soluções inusitadas deixam o público de cabelos arrepiados; de alegria.
O diretor desta montagem afirma que “Sobre o ponto de vista dos personagens, pensamos muito nessas crianças de hoje. A falta de diálogos com os pais cria lacunas e um distanciamento muito grande entre as crianças e seus genitores. ‘CABELOS ARREPIADOS’ fala muito sobre essa falta de diálogo. Cada conto aborda isso de uma forma diferente”. Sem nenhuma intenção em ser “saudosista”, sou levado a concordar com TÉRCIO. E vou além: um dos grandes males do mundo moderno, que vai, consequentemente, interferir na formação do adulto de amanhã, é constatarmos o “isolamento em família”, muito diferente de quando eu era criança. Hoje, cada um, no seu quarto, está com o seu aparelho de TV ligado, às vezes, assistindo à mesma programação. E o fazem, via de regra, “aproveitando o tempo”, para fazerem suas refeições. Ninguém conversa, ninguém troca experiências, ninguém ajuda o outro ou lhe pede ajuda, ninguém...
O protagonista da opereta, TICO, interpretado por MARIA ANTÔNIA HAGGE, se identifica com aquele “mal” e “mergulha nesse universo da solidão. A partir disso, ele passa por uma descoberta pessoal e tenta se descobrir na sua individualidade peculiar. No sonho, ele não consegue controlar seus pés, que sempre o levam para lugares diferentes, até que se transforma no rei Naja, que é um ser superior e mitológico, com ‘poderes especiais’”.
Todos os contos, no decorrer do espetáculo,
são narrados pelos próprios atores, em revezamento. O rendimento do
grupo é bastante homogêneo, porém acho justo atribuir um certo destaque ao ator
e cantor DAVI LOPES, na pele do personagem DOUTOR X,
que representa o medo que as gêmeas FLORA e DORA sentem no
coração. Esse personagem é muito interessante, uma vez que vem para separar as
duas, as quais se projetam no futuro e já ficam imaginando como seriam suas
vidas, uma sem a outra, quando adultas. É o medo da criança (e do adulto
também) da separação e da perda que está em jogo, nessa parte da opereta.
Agora, é a autora do texto quem
fala: “A narrativa do ‘roubo’ dos sonhos das crianças é, também, uma
metáfora para os dramas da vida como um todo. Importante falarmos sobre
superação, através da delicadeza, da metáfora, da filosofia. Importante, a meu
ver, é que crianças possam estar rodeadas de compreensão, de escuta às suas
narrativas. Pais, educadores, parentes e todos que as cercam. Não é fácil
crescer nesse mundo. Temos que dar a elas possibilidades de se verem nos
palcos, nas telas, onde for, para que cresçam da maneira mais amorosa e
saudável possível”. Tem toda a razão, a minha amiga KAREN ACIOLY.
É uma pena que, na prática, isso venha ocorrendo cada vez menos. É mais um ponto
positivo para a peça: o TEATRO alertando os pais e responsáveis
para a sua função de quem tem a obrigação de ensinar e preparar seus pequenos,
para que venham a se tornar, no futuro, CIDADÃOS, no sentido mais “lato”
possível do adjetivo em destaque.
O que KAREN pensou
e escreveu não se trata de um texto “água com açúcar”, de
fácil entendimento pelos pequenos, os quais devem ser assessorados pelos pais
ou acompanhantes adultos, para que possam seguir e entender o que lhes está
sendo mostrado, a situação e os problemas de cada personagem, fazendo uso da
maior atenção possível. Isso, em hipótese alguma, tira o mérito da dramaturgia,
cheia de metáforas, lirismo e poesia, entretanto creio que
as mensagens poderiam ser um pouco mais acessíveis às criancinhas. É preciso,
mesmo, estar atento ao que se vê e ouve, no palco, para não pegar o atalho
errado. Mas, repito, isso não é um defeito; pelo contrário,
talvez seja, mesmo, necessário puxar um pouco mais pelas cabecinhas, com textos
mais herméticos e poéticos, porque, afinal de contas, quem domina o terreno da
informática e dos “joguinhos”, de forma tão fácil, tem condição
cognitiva para entender um subtexto, numa peça de TEATRO. E,
se não conseguem alcançar, sozinhos, o que está sendo dito, que perguntem! Questionar,
querer saber e entender é super saudável. Faz muito bem ao desenvolvimento
intelectual do indivíduo, desde a mais tenra idade. Próximo a mim, havia dois
menininhos que faziam isso, durante todo o tempo de duração da peça. E
parece que está dando certo, a julgar pela participação das crianças, na sessão
a que assisti, no último domingo, dia 10 de abril de 2021.
E o que levou KAREN ACIOLY a criar o texto desta opereta?
É ela mesma quem explica, num trecho que retirei do “release” a mim
encaminhado por MARIA FERNANDA GURGEL (ASSESSORIA DE IMPRENSA): “Observei
as crianças que são antenas do que vivemos na sociedade. Percebi as crianças
urbanas, conectadas, dormindo cada vez mais tarde e me perguntei: mas por que
será? Quais suas angústias? Do que sentem medo?” E partiu para a sua
pesquisa particular, até tentar descobrir a “chave do segredo”.
O que estou fazendo não é, em
absoluto, estabelecer uma comparação entre as duas montagens, visto
que ARTE não existe para ser comparada, e sim para ser admirada e sentida.
Limito-me a dizer que ambas as montagens me agradaram, respeitando as
diferenças, a linha de direção que cada um dos dois, KAREN e TÉRCIO,
escolheu, para contar as histórias. Nesse aspecto, parabenizo TÉRCIO SILVA, que é o diretor da montagem ora analisada, pelo seu
olhar cuidadoso e pelo bom gosto, na escolha de sua equipe, nas marcações
e no trabalho pessoal com cada ator/atriz. Foi muito feliz, ao colocar três músicos, em ação, tocando e cantando, logo na entrada do auditório, uma espécie de "comitê de recepção", um bom exemp,lo de acolhimento, ao mesmo que essa ideia já vai preparando o público infantil para o que virá pela frente, certamente, algo bastante diferente do que ele está acostumado a ver. TÉRCIO estabeleceu uma
outra perspectiva, diferente da de KAREN (REPITO: NÃO ESTOU
ESTABELECENDO COMPARAÇÕES, NO SENTIDO DE UMA SER MELHOR OU TER ME AGRADADO MAIS
QUE A OUTRA.), usando a opereta, uma linguagem muito pouco conhecida
pelas crianças e raramente explorada, infelizmente, para, também, falar sobre
devaneios e medos de um jeito poético, metafórico e também divertido. A versão original também era em forme de uma opereta.
O espetáculo chegou ao Rio,
trazido pelo grupo de TEATRO amazonense “BUIA TEATRO”, dirigida
pelo encenador amazonense TÉRCIO SILVA, o qual também bebeu na
fonte do "Expressionismo Alemão", esteticamente falando, como, da
mesma forma, o fez Karen Acioly, porque o texto pede isso,
presta-se, perfeitamente, a ser encenado sob essa ótica.
Valho-me, novamente, do já citado “release”,
para transcrever palavras do diretor da peça, com bastante
humildade – qualidade que tem um valor enorme para mim –, diante da maestria de
KAREN: “Fui atravessado pela obra de KAREN, quando li, pela
primeira vez. Tinha certeza de que era uma obra única. Ela tem um cuidado e uma
responsabilidade muito grande sobre o seu trabalho e sua escrita e não
subestima as crianças.” E mais,
extraído da mesma fonte: “Assim, consegue criar espaços para o espectador
completar essa história. Mergulhados no mistério e o no suspense, a recepção
das crianças em relação à obra é fascinante. Elas ficam encantadas com cada
detalhe. Optamos por não usar nada projetado, e completamos a narrativas da
nossa opereta com formas animadas.”. Concordo, plenamente com isso. A
presença dos bonecos em cena enriquece bastante a montagem.
Ainda que jovens e com pouca experiência
sobre as tábuas, visto que, como já disse, são egressos recentes da graduação
de TEATRO da Universidade do Estado do Amazonas – UEA,
o elenco se comporta com competência e domínio do
público, o que não é muito fácil, quando este é formado, na maioria, por
crianças. Ponto positivo para MARIA ANTÔNIA HAGGE, JEFERSON MARIANO,
o maestro que toca o piano e conduz a narrativa, DAVI LOPES, MAGDA
LOIANA, GABRIEL FONTENELLE e CLEYTON DIIRR, que faz um excelente
trabalho de manipulação de bonecos, criados por ele mesmo. Todos
mereceram os meus aplausos e da plateia que lá estava, naquela tarde de um
domingo.
Por se tratar de uma opereta, tem
muita importância, numa montagem como esta, o trabalho da direção
musical, aqui muito bem assinada e executada por JEFERSON MARIANO.
O diretor do espetáculo
também é o responsável pelo cenário e pela iluminação. Aquele é
bastante simples, porém bem de acordo com o clima do espetáculo. O fato
de uma mesma pessoa assinar a direção a cenografia de uma peça parece-me ser um fator bastante interessante, já que o “diálogo de um só”
deve facilitar o desenvolvimento do processo de montagem. Com relação ao
desenho de luz, este elemento também funciona muito, na encenação,
talvez pelo mesmo motivo anteriormente comentado, porquanto também leva a
assinatura de TÉRCIO.
MARIA ANTÔNIA HAGGE, que, como já disse, interpreta o personagem TICO, assina
o interessante figurino, todo trabalhado em preto, branco
e cinza, tal como a cenografia, os tons do “Expressionismo Alemão”.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
Karen Acioly
Direção:
Tércio Silva
Direção
Musical: Jeferson Mariano
Elenco:
Maria Hagge, Magda Loiana, Jefferson Mariano, Gabriel Fontenelle, Davi Lopes e
Cleyron Diirr
Cenário
e Iluminação: Tércio Silva
Figurinos:
Maria Antônia Hagge
Desenho de Som: LEONARDO E LEANDRO (220 DECIBÉIS)
Maquiagem
e Caracterização: O Grupo
Formas
Animadas: Cleyton Diirr
Preparação
Corporal: Branco Souza
Cenotécnico:
Célio Roberto
Produção
RJ: Wagner Uchoa
Design
Gráfico: Dante
Técnico
e Operação de Luz: Orlando Schaider
Assessoria
de Imprensa: Maria Fernanda Gurgel
Fotos: Leo Leão
Produção
Geral: Buia Teatro Co.
Realização: SESC ARRJ - Edital Sesc RJ de Cultura 2022
SERVIÇO:
Temporada: de 02 de abril a 01 de maio de
2022
Local: SESC Tijuca – Teatro 1
Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539 –
Tijuca – Rio de Janeiro
Dias e Horários: sábados e domingos,
sessões às 11h e às 16h
Valor do Ingressos: Grátis (PCG), R$2,00
(Credencial Plena), R$5,00 (meia entrada) e R$10,00 (inteira)
Indicação
Etária: Livre, porém mais indicado para maiores de 7 anos.
Gênero: Opereta Infantojuvenil
Se considerarmos a grande quantidade de espetáculos
infantojuvenis de qualidade duvidosa, que ocupam a maior parte desse nicho,
no Rio de Janeiro, é sempre um motivo de alegria encontrarmos uma atração,
sesse segmento, que mereça ser vista e aplaudida, como “CABELOS ARREPIADOS”.
Dessa forma, não deixem passar a oportunidade de conferir tudo o que eu disse!
FOTOS: LEO LEÃO
GALERIA PARTICULAR:
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!
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O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Adorei as reflexões e os elogios generosos à essa encenação potente dos queridos parceiros do Buia Teatro.
ResponderExcluirMuiiiiito obrigada pela cabeluda, arrepiada e maravilhosa crítica. Abraços agradecidos, Karen Acioly