quarta-feira, 13 de abril de 2022

                            “CABELOS

ARREPIADOS”

ou

(NEM MELHOR NEM PIOR; APENAS UMA 

– BOA –

MONTAGEM DIFERENTE.)





 

     KAREN ACIOLY é uma das principais referências em TEATRO INFANTOJUVENIL, no Brasil. Jamais perdi uma de suas montagens. Em 2011, assisti à opereta infantojuvenil “CABELOS ARREPIADOS”, num dos Teatros do CCBB do Rio de Janeiro, e guardo, na memória, a sensação de ter saído de lá, metaforicamente falando, com os “cabelos arrepiados”, mas não de medo, e sim de alegria e surpresa, depois de ter assistido a um espetáculo, para os pequenos, de excelente bom gosto, com um elenco de primeiríssima qualidade: Tony Lucchesi, Jules Vandystadt, Kiko do Vale, Daíra Sabóia, Tatih Köhler, Aline Oliveira e Jonas Hammar.



 Um pouquinho mais de uma década depois, eis que recebi um convite, para assistir a uma nova montagem do espetáculo, no Teatro 1, do SESC Tijuca, desta vez, trazida de Manaus, Amazonas, dirigida por TÉRCIO SILVA e interpretada por jovens atores, incipientes (Eu não disse “insipientes”, com “S”. Uma letra faz toda diferença.), egressos da graduação de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Que trabalho bem cuidado!



        Já falei, dezenas de vezes, em críticas anteriores, que, de há muito, o carioca e o paulistano, principalmente, precisam, de uma vez por todas, entender que não se faz TEATRO de boa qualidade apenas no eixo Rio/São Paulo. Felizmente, cada vez mais, aportam, no Rio de Janeiro, cidade em que resido, montagens de qualidade, trazidas de todas as partes deste país continental, como é o caso desta, aqui analisada.



 Muito antes de sua estreia, já havia sido convidado, pelo diretor da peça, para assistir a ela, e fui pesquisar, já que não conhecia o trabalho do grupo que a encenaria, e comecei a achar, alguma coisa me dizia, que era algo que valeria a pena me fazer dirigir cerca de 30 quilômetros, para ir, e outro tanto para voltar, em função do histórico da montagem, que incluía prêmios e indicações a, como o de Melhor Espetáculo Musical”, no “Festival de Teatro ‘On-line’ em Tempo Real do Rio De Janeiro”, e cinco indicações e prêmio de “Melhor Figurino” e “Melhor Trilha Sonora Original”, no “Festival Nacional de Teatro de Varginha” (Minas Gerais).



  E lá fui eu à Tijuca, simpático e aprazível bairro da zona norte do Rio de Janeiro (Já o foi mais.), onde morei por mais de vinte anos. E o que vi? Um belo espetáculo, em todos os sentidos, que, já me antecipando, antes das considerações sobre cada elemento que contribui para a sua boa qualidade, RECOMENDO.



  A obra é inspirada no universo sobrenatural de um autor, por exemplo, como Edgar Allan Poe, cujas histórias exploram o mistério e o macabro; de um cineasta, como Tim Burton, cujos filmes são pontuados por aspectos góticosfantasiosos, excêntricos ou sombrios; e leva em consideração a estética de Edward Gorey, o qual usava um tom macabro, mas com certo senso de humor; e Alfred Jarry, o célebre autor do clássico “Ubu Rei”, que opera, de modo cômico, a desconstrução do real e sua reconstrução no absurdo. Jarry foi um dos inspiradores dos surrealistas e do TEATRO DO ABSURDO. É de “arrepiar”, mas não de susto. Não fiquem com medo!



 

SINOPSE:

Em “CABELOS ARREPIADOS”, cinco crianças insones tiveram seus sonhos “roubados”. Elas acreditam nisso.

Sem dormir, enfrentam os perigos gerados pelos maus pensamentos e sonhos ruins, ao mesmo tempo que refletem sobre valores importantes, como a amizade e união entre irmãos, o diálogo com os pais, hábitos de higiene pessoal e os perigos da destruição do meio ambiente e do consumismo.

Nesta vibrante opereta, sonhos, fantasias, imaginação, perigos reais e hipotéticos, humor e soluções inusitadas deixam o público de cabelos arrepiados; de alegria. 

 


  O diretor desta montagem afirma que “Sobre o ponto de vista dos personagens, pensamos muito nessas crianças de hoje. A falta de diálogos com os pais cria lacunas e um distanciamento muito grande entre as crianças e seus genitores. ‘CABELOS ARREPIADOS’ fala muito sobre essa falta de diálogo. Cada conto aborda isso de uma forma diferente”. Sem nenhuma intenção em ser “saudosista”, sou levado a concordar com TÉRCIO. E vou além: um dos grandes males do mundo moderno, que vai, consequentemente, interferir na formação do adulto de amanhã, é constatarmos o “isolamento em família”, muito diferente de quando eu era criança. Hoje, cada um, no seu quarto, está com o seu aparelho de TV ligado, às vezes, assistindo à mesma programação. E o fazem, via de regra, “aproveitando o tempo”, para fazerem suas refeições. Ninguém conversa, ninguém troca experiências, ninguém ajuda o outro ou lhe pede ajuda, ninguém...



  O protagonista da opereta, TICO, interpretado por MARIA ANTÔNIA HAGGEse identifica com aquele “mal” e “mergulha nesse universo da solidão. A partir disso, ele passa por uma descoberta pessoal e tenta se descobrir na sua individualidade peculiar. No sonho, ele não consegue controlar seus pés, que sempre o levam para lugares diferentes, até que se transforma no rei Naja, que é um ser superior e mitológico, com ‘poderes especiais’”.



  Todos os contos, no decorrer do espetáculo, são narrados pelos próprios atores, em revezamento. O rendimento do grupo é bastante homogêneo, porém acho justo atribuir um certo destaque ao ator e cantor DAVI LOPES, na pele do personagem DOUTOR X, que representa o medo que as gêmeas FLORA e DORA sentem no coração. Esse personagem é muito interessante, uma vez que vem para separar as duas, as quais se projetam no futuro e já ficam imaginando como seriam suas vidas, uma sem a outra, quando adultas. É o medo da criança (e do adulto também) da separação e da perda que está em jogo, nessa parte da opereta.



  Agora, é a autora do texto quem fala: “A narrativa do ‘roubo’ dos sonhos das crianças é, também, uma metáfora para os dramas da vida como um todo. Importante falarmos sobre superação, através da delicadeza, da metáfora, da filosofia. Importante, a meu ver, é que crianças possam estar rodeadas de compreensão, de escuta às suas narrativas. Pais, educadores, parentes e todos que as cercam. Não é fácil crescer nesse mundo. Temos que dar a elas possibilidades de se verem nos palcos, nas telas, onde for, para que cresçam da maneira mais amorosa e saudável possível”. Tem toda a razão, a minha amiga KAREN ACIOLY. É uma pena que, na prática, isso venha ocorrendo cada vez menos. É mais um ponto positivo para a peça: o TEATRO alertando os pais e responsáveis para a sua função de quem tem a obrigação de ensinar e preparar seus pequenos, para que venham a se tornar, no futuro, CIDADÃOS, no sentido mais “lato” possível do adjetivo em destaque.



  O que KAREN pensou e escreveu não se trata de um texto “água com açúcar”, de fácil entendimento pelos pequenos, os quais devem ser assessorados pelos pais ou acompanhantes adultos, para que possam seguir e entender o que lhes está sendo mostrado, a situação e os problemas de cada personagem, fazendo uso da maior atenção possível. Isso, em hipótese alguma, tira o mérito da dramaturgia, cheia de metáforas, lirismo e poesia, entretanto creio que as mensagens poderiam ser um pouco mais acessíveis às criancinhas. É preciso, mesmo, estar atento ao que se vê e ouve, no palco, para não pegar o atalho errado. Mas, repito, isso não é um defeito; pelo contrário, talvez seja, mesmo, necessário puxar um pouco mais pelas cabecinhas, com textos mais herméticos e poéticos, porque, afinal de contas, quem domina o terreno da informática e dos “joguinhos”, de forma tão fácil, tem condição cognitiva para entender um subtexto, numa peça de TEATRO. E, se não conseguem alcançar, sozinhos, o que está sendo dito, que perguntem! Questionar, querer saber e entender é super saudável. Faz muito bem ao desenvolvimento intelectual do indivíduo, desde a mais tenra idade. Próximo a mim, havia dois menininhos que faziam isso, durante todo o tempo de duração da peça. E parece que está dando certo, a julgar pela participação das crianças, na sessão a que assisti, no último domingo, dia 10 de abril de 2021.



  E o que levou KAREN ACIOLY a criar o texto desta opereta? É ela mesma quem explica, num trecho que retirei do “release” a mim encaminhado por MARIA FERNANDA GURGEL (ASSESSORIA DE IMPRENSA): “Observei as crianças que são antenas do que vivemos na sociedade. Percebi as crianças urbanas, conectadas, dormindo cada vez mais tarde e me perguntei: mas por que será? Quais suas angústias? Do que sentem medo?” E partiu para a sua pesquisa particular, até tentar descobrir a “chave do segredo”.



     O que estou fazendo não é, em absoluto, estabelecer uma comparação entre as duas montagens, visto que ARTE não existe para ser comparada, e sim para ser admirada e sentida. Limito-me a dizer que ambas as montagens me agradaram, respeitando as diferenças, a linha de direção que cada um dos dois, KAREN e TÉRCIO, escolheu, para contar as histórias. Nesse aspecto, parabenizo TÉRCIO SILVA, que é o diretor da montagem ora analisada, pelo seu olhar cuidadoso e pelo bom gosto, na escolha de sua equipe, nas marcações e no trabalho pessoal com cada ator/atriz. Foi muito feliz, ao colocar três músicos, em ação, tocando e cantando, logo na entrada do auditório, uma espécie de "comitê de recepção", um bom exemp,lo de acolhimento, ao mesmo que essa ideia já vai preparando o público infantil para o que virá pela frente, certamente, algo bastante diferente do que ele está acostumado a ver. TÉRCIO estabeleceu uma outra perspectiva, diferente da de KAREN (REPITO: NÃO ESTOU ESTABELECENDO COMPARAÇÕES, NO SENTIDO DE UMA SER MELHOR OU TER ME AGRADADO MAIS QUE A OUTRA.), usando a opereta, uma linguagem muito pouco conhecida pelas crianças e raramente explorada, infelizmente, para, também, falar sobre devaneios e medos de um jeito poético, metafórico e também divertido. A versão original também era em forme de uma opereta.



        O espetáculo chegou ao Rio, trazido pelo grupo de TEATRO amazonense “BUIA TEATRO”, dirigida pelo encenador amazonense TÉRCIO SILVA, o qual também bebeu na fonte do "Expressionismo Alemão", esteticamente falando, como, da mesma forma, o fez Karen Acioly, porque o texto pede isso, presta-se, perfeitamente, a ser encenado sob essa ótica.



         Valho-me, novamente, do já citado “release”, para transcrever palavras do diretor da peça, com bastante humildade – qualidade que tem um valor enorme para mim –, diante da maestria de KAREN: “Fui atravessado pela obra de KAREN, quando li, pela primeira vez. Tinha certeza de que era uma obra única. Ela tem um cuidado e uma responsabilidade muito grande sobre o seu trabalho e sua escrita e não subestima as crianças.”  E mais, extraído da mesma fonte: “Assim, consegue criar espaços para o espectador completar essa história. Mergulhados no mistério e o no suspense, a recepção das crianças em relação à obra é fascinante. Elas ficam encantadas com cada detalhe. Optamos por não usar nada projetado, e completamos a narrativas da nossa opereta com formas animadas.”. Concordo, plenamente com isso. A presença dos bonecos em cena enriquece bastante a montagem.



        Ainda que jovens e com pouca experiência sobre as tábuas, visto que, como já disse, são egressos recentes da graduação de TEATRO da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, o elenco se comporta com competência e domínio do público, o que não é muito fácil, quando este é formado, na maioria, por crianças. Ponto positivo para MARIA ANTÔNIA HAGGE, JEFERSON MARIANO, o maestro que toca o piano e conduz a narrativa, DAVI LOPES, MAGDA LOIANA, GABRIEL FONTENELLE e CLEYTON DIIRR, que faz um excelente trabalho de manipulação de bonecos, criados por ele mesmo. Todos mereceram os meus aplausos e da plateia que lá estava, naquela tarde de um domingo.



       Por se tratar de uma opereta, tem muita importância, numa montagem como esta, o trabalho da direção musical, aqui muito bem assinada e executada por JEFERSON MARIANO.



          O diretor do espetáculo também é o responsável pelo cenário e pela iluminação. Aquele é bastante simples, porém bem de acordo com o clima do espetáculo. O fato de uma mesma pessoa assinar a direção a cenografia de uma peça parece-me ser um fator bastante interessante, já que o “diálogo de um só” deve facilitar o desenvolvimento do processo de montagem. Com relação ao desenho de luz, este elemento também funciona muito, na encenação, talvez pelo mesmo motivo anteriormente comentado, porquanto também leva a assinatura de TÉRCIO.



   MARIA ANTÔNIA HAGGE, que, como já disse, interpreta o personagem TICO, assina o interessante figurino, todo trabalhado em preto, branco e cinza, tal como a cenografia, os tons do “Expressionismo Alemão”.





 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Karen Acioly

Direção: Tércio Silva

Direção Musical: Jeferson Mariano

 

Elenco: Maria Hagge, Magda Loiana, Jefferson Mariano, Gabriel Fontenelle, Davi Lopes e Cleyron Diirr


Cenário e Iluminação: Tércio Silva

Figurinos: Maria Antônia Hagge

Desenho de Som: LEONARDO E LEANDRO (220 DECIBÉIS)

Maquiagem e Caracterização: O Grupo

Formas Animadas: Cleyton Diirr

Preparação Corporal: Branco Souza

Cenotécnico: Célio Roberto

Produção RJ: Wagner Uchoa

Design Gráfico: Dante

Técnico e Operação de Luz: Orlando Schaider

Assessoria de Imprensa: Maria Fernanda Gurgel

Fotos: Leo Leão

Produção Geral: Buia Teatro Co.

Realização: SESC ARRJ - Edital Sesc RJ de Cultura 2022

 





 

SERVIÇO:

Temporada: de 02 de abril a 01 de maio de 2022

Local: SESC Tijuca – Teatro 1

Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca – Rio de Janeiro

Dias e Horários: sábados e domingos, sessões às 11h e às 16h

Valor do Ingressos: Grátis (PCG), R$2,00 (Credencial Plena), R$5,00 (meia entrada) e R$10,00 (inteira)

Indicação Etária: Livre, porém mais indicado para maiores de 7 anos.

Gênero: Opereta Infantojuvenil 

 





    Se considerarmos a grande quantidade de espetáculos infantojuvenis de qualidade duvidosa, que ocupam a maior parte desse nicho, no Rio de Janeiro, é sempre um motivo de alegria encontrarmos uma atração, sesse segmento, que mereça ser vista e aplaudida, como “CABELOS ARREPIADOS”. Dessa forma, não deixem passar a oportunidade de conferir tudo o que eu disse!













FOTOS: LEO LEÃO



GALERIA PARTICULAR:



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Um comentário:

  1. Adorei as reflexões e os elogios generosos à essa encenação potente dos queridos parceiros do Buia Teatro.

    Muiiiiito obrigada pela cabeluda, arrepiada e maravilhosa crítica. Abraços agradecidos, Karen Acioly

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