quinta-feira, 17 de março de 2022

 

“CIRCUNCISÃO

EM NOVA YORK”

ou

(UMA COMÉDIA

COM “C” MAIÚSCULO.)

ou

(EVOÉ, JOÃO

BETHENCOURT!)

 


      Em tempos pandêmicos e de perseguição à classe artística, por parte do (des)governo federal e do firme e explícito propósito deles, de prosseguir num processo de desmanche da CULTURA, a qual os incomoda e não lhes interessa, para que atinjam seus escusos objetivos, sair de casa, para ir ao Teatro e assistir a uma boa COMÉDIA é uma excelente pedida e uma válvula de escape, por conta de tanta tensão. E não deixa de ser, também, uma prova de coragem e resistência.



    Quando assisti à peça que me serve de motivação para esta crítica, espetáculo do qual gostei bastante, fiz uma postagem, numa rede social, divulgando-o e recomendando-o, e lamentei não poder escrever sobra a montagem, por total falta de tempo, visto que passo por um momento muito assoberbado de trabalho. Mas confesso que fiquei muito triste, já que tenho por hábito escrever sobre os espetáculos de que gosto. E só sobre eles. E, como jamais escrevo sobre o que não me agrada, embora possa ser o maior sucesso de bilheteria, fiz questão de deixar bem claro que não haveria uma crítica minha, apenas por falta de tempo, mas que eu gostara bastante da peça. Consegui, com bastante esforço, encontrar uma brecha na minha agenda, para analisar "CIRCUNCISÃO EM NOVA YORK"


   

Embora seja, de uma forma geral, infelizmente, considerada um “gênero menor”, até mesmo por alguns "críticos" e gente da classe artística, tenho o maior apreço pela COMÉDIA, as boas, evidentemente, gênero muito difícil de ser escrito, dirigido e interpretado. Se não for assim, saímos do Teatro chorando, ao invés de rir. Não me canso de repetir que é muito mais difícil a carpintaria de uma boa COMÉDIA do que a de qualquer outro tipo de peça, dentro do gênero dramático.



E quem, no Brasil, entendia de COMÉDIAS e as escrevia melhor que ninguém do que aquele que considero o maior comediógrafo brasileiro de todos os tempos? A resposta está na ponta da língua: JOÃO BETHENCOURT, que, infelizmente, nos deixou num 31 de dezembro, em 2006, aos 82 anos de idade, tendo produzido uma gama de excelentes textos cômicos, dezenas de peças, além de outras tantas traduções dos grandes clássicos da comédia francesa e italiana, principalmente. Seus textos foram traduzidos para vários idiomas e vêm sendo encenados, até hoje, em mais de 40 países. Também adaptou, para os palcos, alguns textos que não foram escritos para serem representados, como foi o caso de “Memórias de um Sargento de Milícias”, um clássico do romantismo, escrito por Manuel Antônio de Almeida.




Poucos sabem que JOÃO era húngaro e veio para o Brasil aos dez anos de idade. Sua brasilidade superava a de muitos nativos. Além de um excelente dramaturgo, como se notabilizou, no Brasil e no exterior, JOÃO BETHENCOURT também se destacou como diretor, ator e tradutor de TEATRO húngaro.



Seu texto mais festejado é “O Dia em que Raptaram o Papa”, o texto brasileiro mais encenado no exterior. Além deste, merecem destaque “Mister Sexo”, “Como Matar um Playboy”, “O Crime Roubado”, “A Cinderela do Petróleo”, “Linhas Cruzadas”, “Frank Sinatra 4815”, “A Venerável Madamne Gouneau”, “Bonifácio Bilhões”, “Tem um Psicanalista na Nossa Cama” e, evidentemente, “CIRCUNCISÃO EM NOVA YORK”, aqui analisada.



        Sua dramaturgia abrange, de forma simples, porém profunda, a comédia de costumes e ele sempre volta sua metralhadora para aqueles que fazem jus a uma crítica, pessoal ou social, dentro de uma temática abordada. JOÃO sempre atinge públicos de variadas idades, em função de suas tramas, universais e atemporais, e de uma ação muito ágil, com diálogos de grande e fácil comunicabilidade e aceitação popular. JOÃO dominava, como ninguém o “timing” da COMÉDIA, um dos principais ingredientes garantidores de sucesso. O diretor que consegue acompanhá-lo e um bom elenco, capaz de "emparelhar com ele, na corrida", certamente, serão recompensados com os aplausos do público, como está se dando agora, no Teatro Vannucci, no Shopping da Gávea (VER SERVIÇO.), onde uma montagem de “CIRCUNCISÃO EM NOVA YORK” vem atraindo grande número de pessoas, ávidas por voltar às salas de espetáculo, a fim, exclusivamente, de um bom divertimento, sem outras pretensões, sem ter que mergulhar em reflexões complexas.



Segundo o grande e inesquecível crítico teatral Yan Michalski, já falecido, sobre JOÃO BETHENCOURT“...ninguém pode negar-lhe o mérito de ter delimitado, com nitidez, e explorado, com eficiência, um espaço específico de criação teatral: o de um entertainment” ameno, mas nos seus momentos mais felizes, dotado de uma real visão crítica, de uma incontestável competência técnica, e de uma rara identificação com o gosto de amplas faixas de consumidores do seu trabalho”.



 

 

SINOPSE:

A peça, conta a história de MIRIAM (NARJARA TURETTA) e EMILLY (ROBERTA FOSTER), filhas de tradicionais famílias judaicas, que são companheiras e resolvem ter um filho, via inseminação artificial.

O pai de MIRIAM, ABRAÃO (SERGIO FONTA), sem desconfiar de nada, nem da homossexualidade da filha, nem do método usado para concepção do primogênito, vibra com a notícia de que será avô, até descobrir que seu neto, ABRAÃOZINHO, veio ao mundo através de métodos nada normais, segundo ele.

A peça propõe uma discussão contemporânea sobre a diversidade sexual, colocando uma luz sobre esse tema tão importante.

Tudo de forma divertida e leve.

Claro que sem deixar de tocar em pontos importantes desta questão.

 

 


Não há muito o que escrever sobre esta encenação, para não ser repetitivo, porém o dever do ofício me leva a fazê-lo, já que não seria justo deixar de comentar cada “tijolinho” que entra na construção deste espetáculo.



Sobre o texto, julgo não ser necessário dizer mais nada, a não ser que, como uma das características desse tipo de COMÉDIA, vê-se, no palco, uma sucessão de coincidências (Será?) e quiproquós, que se sucedem, num “crescendo”, e as complicações vão se desenhando, cada vez mais, num ritmo frenético, gerando situações bizarras e esdrúxulas, as quais levam o público a dar boas gargalhadas. E não é para isso que serve uma COMÉDIA? Não só para isso, mas, principalmente para criticar e atirar dardos em quem os mereça, o que não é tanto a proposta deste texto, que foca mais numa crítica ao conservadorismo da família.



Quem serve de “para-raios”, para “passar panos” e tentar não permitir que o pavio da bomba queime até o final é SARAH, mulher de ABRAÃO e mãe de MIRIAM. A personagem de SYLVIA MASSARI é maravilhosamente interpretada por uma das grandes atrizes do nosso TEATRO. Suas falas são recheadas de um “humor, até certo ponto, cínico”, pelo constrangimento que a filha lhe causa. Ela age, a princípio, de forma quase revoltada, por não aceitar a condição, de lésbica, da filha e, muito menos, aquela ideia “estapafúrdia” de ter um filho, por meio de inseminação artificial, dividindo a maternidade com a companheira. Mas, diante do irremediável, acaba entrando no jogo e “aceitando” a realidade; ou, pelo mesmo, conformando-se com ela. Parabenizo SYLVIA, por seu excelente trabalho.



Fiquei muito feliz com o retorno, aos palcos (Sua falta já estava sendo sentida.), de um querido amigo e ótimo profissional, SERGIO FONTA, que interpreta ABRAÃO, o patriarca da família e sempre “o último a saber”. As situações de mal-entendidos, e, principalmente, os diálogos entre ele e SYLVIA são muito engraçados, hilários. FONTA voltou com muita “gana de palco”, o que, para nós, público, é ótimo. Ri muito com ele, o personagem, muito bem interpretado, por conta de tanta “ingenuidade”.



Uma grande surpresa, para mim, pelo menos, foi ver NARJArA TURETTA (MIRIAM), afastada, fazia tempo, dos palcos, aquilo que se poderia dizer, no popular, “enferrujada”, mostrar que ser um bom ator ou atriz é como andar de bicicleta. Uma vez dominada a técnica, jamais se esquece. NARJARA está ótima, na defesa de sua personagem, libertária, de mente aberta, no seio de uma família que a educou dentro de todos os métodos que seus pais consideravam o certo, o “normal”.



Fazendo dobradinha com NARJARA, EMILY, aquela que geraria a criança, ROBERTA FOSTER, sabe como receber os passes que lhe são direcionados e “chuta muito bem a gol”.



Como dá certo misturar atores mais jovens, de menor experiência profissional, com os veteranos, como é o caso de DANIEL BARCELOS JAIMOVICH, que já frequenta as tábuas há muitos anos, carregando a honra de ser filho de um dos maiores atores do TEATRO BRASILEIRO, o grande SENHOR Jaime Barcelos, tendo participado dos elencos de grandes montagens, como A Alma Boa de Setsuan”,  “Blue Jeans”, “Trair e Coçar é Só Começar”Violetas na Janela, “Peer Gynt” e “O Santo Inquérito”! Bastante versátil, o ator. Seu trabalho sempre foi maior na televisão. Nesta peça, DANIEL é SAMUEL, amigo de ABRAÃO e pai de EMILY, e pensa que a filha está grávida de um namorado, sem saber, também, de sua condição sexual e que era companheira de MIRIAM, que ele também não sabia ser filha do seu amigo! Olha a confusão formada, quando os dois amigos se encontram e trocam confidências, dizendo, um ao outro, que aguardam, ansiosamente, um netinho, ABRAÃOZINHO!!! MIRIAM e EMILY moravam juntas, como “boas amigas”. Também elogio bastante o trabalho de DANIEL.



Não conhecia o trabalho do ator DANTON LISBOA (RALPH), o doador de esperma, num banco especializado nisso, para que ABRAÃOZINHO pudesse vir ao mundo, e, apesar de ser um personagem que não aparece tanto, na trama, vejo, com bons olhos, a sua atuação.



E “last, but not least”, cito CARLOS LOFFLER, que não tem a menor noção da minha admiração por ele, por ser neto de um dos meus ídolos, de sempre, e para sempre, um dos maiores atores cômicos deste país, que tantas alegrias me proporcionou, na minha infância e adolescência, nas telas do cinema, nas deliciosas chanchadas da Atlântida, um artista que nunca mereceu, neste país, as honras de que é merecedor: Oscar Lorenzo Jacinto de La Inmaculada Concepción Teresa Díaz, ninguém mais do que o inesquecível e impagável SENHOR Oscarito. Conheço bem o trabalho de LOFFLER na TV e no cinema. Nesta peça, seu personagem, o RABINO, DR. MEYER, é o encarregado de proceder à cerimônia da circuncisão, o brit-milá”, uma operação cirúrgica que remove o prepúcio, no oitavo dia após o nascimento do menino. O personagem só entra por pouco tempo, no final da COMÉDIA, e quase não fala, por meio de palavras, porém suas expressões faciais e seu silêncio são como se fossem as piadas mais engraçadas do planeta. E a plateia gosta. Eu adorei.



O cenário da peça é bastante simples, mas atende, plenamente, ao que é necessitado: uma sala comum, de uma família judia, classe média, em Nova York. Sua concepção é creditada a AUGUSTO PESSÔA. Agradou-me bastante, assim como os figurinos, acertados, também assinados pelo mesmo artista de criação.



A peça não requer nada de especial, em termos de iluminação, permanecendo, praticamente, estável, quase o tempo todo do espetáculo, e é mais um dos acertos desta montagem. Aqui, nesse caso “menos é mais”. Quem a desenhou foi o diretor do espetáculo, JACQUES LAGOA, contando com colaboração de EDER OLIVEIRA.



E já que falei em direção, considero bom o trabalho de JACQUES, que não teve a menor intenção de criar nada de novo e descaracterizar uma obra de JOÃO BETENCOURT. Já li vários textos do dramaturgo e percebi que ele se preocupava, creio que não intencionalmente, a, por meio de muitas rubricas, dar uma “ajudinha” a quem fosse dirigir um texto seu. Cacoete, talvez, de quem também trabalhou em muitas direções. Os atores se movimentam, em cena, obedecendo a uma marcação correta e a direção conduziu-se de forma a explorar bastante o potencial de cada ator/atriz, dentro das características de seus personagens.



Para finalizar esta modesta análise desses elementos, que ajudam a sustentar uma montagem teatral, falta fazer referência a uma deliciosa trilha sonora, assinada por GUILHERME DELRIO.


 

 

 

FICHA TÉCNICA:

 

Texto: João Bethencourt

Direção: Jacques Lagoa

Assistência de Direção e Produção Executiva: Guilherme DelRio

Atriz Convidada: Sylvia Massari (Sarah)

Elenco: Sergio Fonta (Abraão), Narjara Turetta (Miriam), Daniel Barcelos Jaimovich (Samuel), Roberta Foster (Emily), Carlos Loffler (Rabino, Dr. Meyer) e Danton Lisboa (Ralph)

Cenário e Figurinos: Augusto Pessôa

Iluminação: Jacques Lagoa, com colaboração de Eder Oliveira

Trilha Sonora: Guilherme DelRio

Assessoria de Imprensa: Simone Frota

Fotos: Rogério Fidalgo

 

 


 

 

SERVIÇO:

 

Temporada: de 02 a 31 de março de 2022

Local: Teatro Vannucci

Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 53 – Shopping da Gávea – 3º piso

Dias e Horários: às 4ªs e 5ªs feira de março de 2022, às 20h

Valor dos Ingressos: R$80,00 (inteira) e R$40,00 (meia entrada)

Ingressos à venda na Bilheteria do Teatro, pelo “site” Sympla e pelo “site” Rio no Teatro.

Indicação Etária: 16 anos

Duração: 60 minutos

Gênero: COMÉDIA

 

 



    Com muita alegria, atesto, em cartaz, no Rio de Janeiro, a encenação de uma boa COMÉDIA, e isso faz com que eu deseje compartilhar tal informação com os amigos que me prestigiam com a leitura das minhas críticas.





        Recomendo muito o espetáculo!





 

 

FOTOS: ROGÉRIO FIDALGO


 

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