quarta-feira, 5 de dezembro de 2018


TEBAS
LAND


(SIM-PLES-MEN-TE,
UMA OBRA-PRIMA!
#prontofalei.)


 



            espetáculos teatrais que nos marcam para sempre. Em mais de cinquenta anos de uma vida de “rato-de-teatro”, de contato direto com os palcos, quase diariamente, primeiro, como ator; depois, como professor; e, de alguns anos para cá, como crítico e jurado de prêmios (antes, APTR e, atualmente, Botequim Cultural), espectador e amante do TEATRO, antes de tudo, posso, numa consulta rápida à memória, contabilizar umas duas ou três dezenas de obras-primas, das quais não consigo esquecer, porque me tocaram no mais profundo da alma.

Talvez a primeira da minha lista tenha sido a inesquecível montagem de “Édipo Rei”, em 1967 (Tinha eu 18 anos, embora já fosse íntimo das peças teatrais, desde os 14.), com Paulo Autran (Édipo) e Margarida Rey (Jocasta), personagem esta, antes, interpretada por dois outros ícones do TEATRO BRASILEIRO, Cleide Yáconis e, depois, Tereza Rachel, no antigo Teatro República (Rua Gomes Freire, 474), transformado, em 1968, no Teatro Novo, onde fiz, como ator, em 1970/1971 outra obra-prima, a primeira montagem do musical “Hair”, um divisor de águas na minha vida, e onde, hoje, funciona a TV Brasil, antiga TV-E.          

Normalmente, em cada ano, uma produção se destaca, como, por exemplo, “Tom Na Fazenda”, no ano passado, que fez jus a dezenas de prêmios e indicações a outros. Neste, a não ser que surja um “azarão”, ao apagar das luzes, não tenho a menor dúvida de que o grande destaque da temporada 2018 pertence a “TEBAS LAND”, em cartaz no Centro Cultural OI Futuro Flamengo (VER SERVIÇO.). Respeitando todas as singularidades de cada um, digo, sem pestanejar, que “TEBAS LAND” é o “Tom Na Fazenda” de 2018.

            Essa afirmação ganha um peso especial, se considerarmos que, apesar de todos os pesares, de todos os óbices, calotes e tentativas de desmoralizar e desmontar, sucatear o TEATRO BRASILEIRO, obra de “gente” que não merece ser chamado de “humano” (aliás, nem de “gente”), tivemos um ano teatral com excelentes produções, muitas das quais sem nenhum patrocínio - mais ou menos, umas dez -, que alcançaram grande sucesso de público e de crítica, por sua excelência. “TEBAS LAND” está na lista, encabeçando-a.

            Há uma grande coincidência entre a primeira obra-prima de que me lembro ter visto, “Édipo Rei, como já disse, e a mais recente, “TEBAS LAND”, que é o fato de a temática desta estar concentrada num parricídio, presente na obra de Sófocles, escrita por volta do ano 427 a.C.: Édipo mata Laio, seu pai, sem saber quem era este, e MARTIN SANTOS mata o seu, sem nome, na peça, exatamente por saber muito bem quem ele era: um “monstro”.

            O espetáculo aqui analisado é inspirado no mito do Édipo e na vida de São Martinho de Tours, santo europeu do século IV, não-mártir, que se tornou cristão e chegou a bispo, contrariando a vontade do pai, que o desejava militar. MARTIN SANTOS também, de certa forma, contrariava o seu, desde seu nascimento.


 
           





SINOPSE Nº 1:

            Com sensibilidade e inteligência, o autor uruguaio SERGIO BLANCO expõe temas de grande relevância: paternidade, carência de afeto, solidão, famílias disfuncionais e falência dos sistemas prisionais.

“TEBAS LAND” conta a história de um encontro entre três mundos muito diferentes.

No argumento, a única sobrevivência da espécie humana está na consciência do outro: eu existo na medida em que há outro antes de mim e, portanto, devo isso a ele.

Além disso, a peça, ao abordar o parricídio, refere-se a uma questão que muito nos toca: as ligações com os pais.

Nem todos podemos ser pais, mas todos somos filhos e, portanto, todos temos a experiência da descendência.

E, finalmente, é um trabalho que conta a dinâmica do que é a engenharia da construção de uma peça, como o texto está sendo escrito, construído, no decorrer da encenação.

O espetáculo revisita, ainda, textos que abordam o tema, como “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoiesvski, “Um Parricida”, de Maupassant, e “Dostoievski e o Parricídio”, de Freud.

“TEBAS LAND” não foca na reconstrução de um crime, mas nos encontros entre um jovem parricida e um dramaturgo, interessado ​​em escrever a história desse crime.












SINOPSE Nº 2:

            Um dramaturgo (aqui, brasileiro), O (OTTO JR.), com domicílio na França, vem ao Brasil, com a intenção de escrever uma peça de TEATRO, tendo como tema central um parricídio, motivado pelo mito de Édipo, e, numa ideia extremamente arrojada, pensa que seu protagonista deveria ser interpretado por um presidiário parricida, um insipiente, mesmo, na arte de representar, e não por um ator.

Procura as autoridades responsáveis pela Segurança Pública local, solicitando autorização para entrar em contato com um, em especial, cuja história lhe chamara a atenção, a fim de manter uma relação direta com ele, por meio de entrevistas, no presídio, na esperança de obter sua autorização para dramatizar a sua história e tê-lo com ator, na sua peça.

Conhece, então, MARTIN SANTOS (ROBSON TORINNI), um interno, que matara o pai com 21 golpes de garfo, no pescoço e regiões periféricas a este, após mais um forte atrito entre os dois, fato bastante comum, durante o qual o pai não parava de insultá-lo e humilhá-lo.

A princípio, a receptividade, por parte do interno, não é das melhores, porém, paulatinamente, O, como o dramaturgo se apresentou ao entrevistado, vai conquistando a confiança de MARTIN e, mais do que isso, vai se formando um sentimento de amizade e cumplicidade entre ambos. O jovem prisioneiro não só autoriza a transformação de seu infortúnio num espetáculo teatral, embora não tivesse a menor ideia do que fosse TEATRO, como também aceita o desafio de se tornar ator, representar ele mesmo, o que, de início, havia sido autorizado, pela Secretaria de Segurança, com muitas observações restritivas, mas, depois, “por medida de segurança”, o pedido de O não foi mais aceito, o que frustrou, bastante, a ambos, MARTIN e O, mas não tirou o dramaturgo de seu foco principal, o projeto da peça, passando a aceitar a única opção que lhe fora dada para os contatos com MARTIN, a de que o personagem fosse interpretado por um ator profissional.

A Secretaria de Segurança também havia concordado com outras solicitações do dramaturgo, contudo sempre mudava de posição, em seguida: primeiro, que MARTIN assistisse a todas as sessões do espetáculo, enquanto durasse a temporada, pelo que receberia uma remuneração, acompanhado por uma escolta; depois, que ele só assistisse a um ensaio geral, sem público; finalmente, que MARTIN não poderia ir ao Teatro; ou melhor, que tivesse de optar entre essa experiência nova ou visitar o túmulo do pai, um quase clamor do rapaz, o qual acabou optando pela primeira alternativa.

Os laços de confiança e amizade entre O e MARTIM vão sendo construídos aos poucos. O atormentado rapaz, que “tinha visões” e era epilético, não se nega a fornecer dados muito específicos e íntimos de sua vida, de sua relação com o pai e a mãe.

Narra, detalhadamente, como se deu o assassinato e, finalmente, a peça fica pronta e o espetáculo estreia, cumprindo uma vitoriosa temporada de dois meses, ao fim dos quais, O precisa retornar a Paris, onde mora, sendo obrigado a se despedir de MARTIN, prometendo-lhe uma volta, o que fica em aberto, numa cena de extrema beleza, que jamais sairá da cabeça de um espectador com um mínimo de sensibilidade.









É a primeira vez que SERGIO BLANCO, dramaturgo franco-uruguaio (Viveu sua infância e adolescência em Montevidéu e, atualmente, reside em Paris.), é encenado no Brasil, num projeto idealizado por ROBSON TORINNI e VICTOR GARCIA PERALTA, a despeito de ser um autor muito premiado, além de se dedicar, também, ao ofício de diretor. Na relação de prêmios conquistados por BLANCO, segundo o “release”, enviado por FLÁVIA TENÓRIO (LEAD COMUNICAÇÃO), estão o Prêmio Dramático Nacional do Uruguai, o Prêmio Drama da Inauguração de Montevidéu, o Prêmio Nacional do Fundo de Teatro, o Prêmio Internacional Casa de las Américas e Prêmios Best Text Theatre, na Grécia. Em 2017TEBAS LAND” recebeu o prestigiado British Award Off West End, em Londres. Várias de suas obras foram lançadas em seu país e no exterior e a maioria foi traduzida e publicada em diferentes idiomas. “TEBAS LAND” já foi encenada em várias cidades, pelo mundo afora, recebendo as necessárias adaptações à realidade local, com a aquiescência do autor.

Sempre me agradam espetáculos teatrais em que o autor do texto resolve fazer uso da metalinguagem, o que, felizmente, na maioria das vezes, funciona muito bem. Neste espetáculo, particularmente, ela é fundamental, pois faz parte da estrutura, do corpo da peça, e isso permite, ao espectador, travar um contato mais íntimo com o ato de fazer TEATRO, de como se constrói um espetáculo teatral. Neste, explicitamente, o processo vai se concretizando aos poucos, a partir de cada volta de O, do presídio, após uma conversa entre o dramaturgo e MARTIN. Ideias e textos são acrescidos, alguma coisa é descartada ou sofre alguma mudança; de acordo com os óbices que vão desfilando à frente de quem deseja montar uma peça de TEATRO, novas soluções para cada um deles; um “plano B” surge... Durante os cerca de 120 minutos de duração do espetáculo, que passam sem que o percebamos, o espectador é conduzido por um mar de emoções, de surpresas, de revelações e de demonstrações de confiança mútua e afeto entre dois homens de mundos, vidas e histórias tão diferentes. O espetáculo vai num crescendo e uma compaixão “gostosa”, com relação a MARTIN, e uma admiração profunda, direcionada a O, vão arrebatando o espectador. Ambos os personagens são cativantes ao extremo. Dá vontade de pôr MARTIN no colo, como se uma criança fosse, levá-lo para casa e mostrar-lhe o que é, de verdade, amor e família.

Confesso que deixei o OI Futuro Flamengo, naquela noite de 24 de novembro (2018), um sábado, em total estado de graça, porém muito “mexido” com tudo o que vi, profundamente apaixonado pelo espetáculo e, em particular, por alguns de seus detalhes. Pensei que aquele “desconforto emocional” fosse durar apenas até eu chegar a casa, mas o fato é que não consegui dormir antes das quatro horas da manhã. Melhor seria que o adormecimento não tivesse vencido a minha angústia, ou sei lá que nome dar àquilo, ou o meu cansaço físico, uma vez que foi um curtíssimo período de um sono nada reparador; menos, ainda, agradável, pois foi recheado de pesadelos e abruptos despertares, por duas horas, aproximadamente. Às seis horas da manhã, resolvi que um banho, um café e um passeio pelos jardins do condomínio me fariam bem. E foi o que fiz. Deu certo.

Queria rever o espetáculo, antes de escrever sobre ele, o que ocorreu cinco dias depois da primeira vez, e ainda pretendo assistir a “TEBAS LAND” em mais outras oportunidades. Masoquismo de minha parte? Não! A julgar pelo que descrevi, depois de ter assistido à peça, pela primeira vez, isso poderia gerar tal dedução, o que não passaria de uma falácia. Fiquei muito mal, sim, o que já não ocorreu na segunda vez (Doeu menos.), mas creio que isso ocorreu porque fiquei bastante abalado, emocionalmente, por ter aberto, escancarado, lá, na primeira vez, demasiadamente, o meu coração, para a prática da comiseração, com relação ao infortunado protagonista, e por não ter conseguido estabelecer os limites entre ficção e realidade. Eu mergulhei, de cabeça, na história contada no espetáculo, não tentei frear meu natural instinto de entrega total à peça, como espectador. O “racional”, do crítico e do jurado de prêmio “cantaram para subir” e me deixaram sozinho, nada mais que um apaixonado espectador de TEATRO, abandonado, indefeso, só recebendo golpes diretos, sem dó nem piedade. E a “culpa” foi, ou é, dos atores e da direção, pela naturalidade como as cenas vão sendo mostradas. Coração mole o meu, sensibilidade à flor da pele, “que qualquer beijo de novela me faz chorar” (Zeca Baleiro).

Para um espetáculo de TEATRO me arrebatar, por completo, ocupando um espaço na categoria “OBRA-PRIMA”, faz-se necessário um somatório de vários componentes. Uma boa história. “TEBAS LAND” contém uma; excelente, muito bem imaginada. Um bom texto. A boa história tem de ser bem contada, bem escrita; “TEBAS LAND” cumpre o quesito. Uma boa produção. “TEBAS LAND” não deixa à mostra qualquer deslize (Para não fugir, totalmente, à verdade, farei um ínfimo comentário, quanto a isso, quando me referir ao cenário e ao figurino, algo, porém, que não é motivo para se tirar um décimo da nota final: DEZ! NOTA DEZ!). Uma correta direção. E que bom que “TEBAS LAND” caiu nas mãos de VICTOR GARCIA PERALTA, reconhecidamente, um dos melhores diretores do TEATRO BRASILEIRO, argentino, de nascimento, há muitos anos, radicado no Brasil. Bons atores. Estes não estão presentes, em “TEBAS LAND”, tendo sido substituídos por MAGNÍFICOS, ou pelo maior “superlativismo” (Acabei de criar um neologismo, já que o vocábulo não é reconhecido pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP – da Academia Brasileira de Letras, órgão oficial do léxico da nossa língua, no Brasil.), que possa ser atribuída ao adjetivo “bom”.   

            Os diálogos, na boa tradução de ESTEBAN CAMPANELA, apesar de eu não conhecer o original, são todos necessários, indispensáveis, de um dinamismo e uma precisão ímpar. Não há desperdício de uma palavra, e, sim, a dosagem certa, para traduzir sentimentos e emoções, capazes de serem ditos, até, às vezes, inclusive, sem palavras. Há silêncios preciosíssimos na peça, “diálogos mudos”. Toda a carpintaria textual obedece aos padrões técnicos de construção de um bom texto para TEATRO, com riquíssimos detalhes na utilização de três tempos diferentes em que ocorrem as ações, a saber: o momento da encenação, propriamente dita; um passado mais remoto, quando se deram os encontros ente O e MARTIN, no presídio; e um passado mais próximo, referente ao primeiro contato entre o O e o ator que representaria MARTIN, ROBSON TORINNI, pessoa física, assim como todo o processo de ensaios.
O texto é um primor, tanto do ponto de vista técnico como na ideia central que ele aborda; e as periféricas também. Partindo de um fato “concreto”, um parricídio, o autor vagueia, sem divagar, por vários meandros, retirando os panos e deixando à mostra muitos conflitos e problemas que vão desaguar no assassinato de um pai, pelo filho. Filho? Sim! Pai? Apenas biológico. Despertou-me uma incontrolável vontade de ter acesso a outras peças escritas por SERGIO BLANCO. E fico pensando: que tantas excelentes obras de TEATRO deve ele ter concebido?
            E quão corajoso foi VICTOR GARCIA PERALTA, apesar de seu talento, como diretor, ao aceitar ser o “maestro” de “TEBAS LAND”, pela “complexidade” do texto e pela possibilidade de, uma vez não bem dirigido, poder gerar um espetáculo piegas, recheado de lugares-comuns! Para a peça funcionar, em função da estrutura textual, seria necessária a mão de um diretor que conseguisse perceber estar diante de uma história "master" e de dois personagens tão ricos e diferentes, mas que, por outro lado, não estavam ali para exercitar a supremacia de um sobre o outro. PERALTA percebeu, além do potencial dos dois grandes atores, o quanto de generosidade, respeito e amor havia entre eles, atores e personagens, levando-os a interpretações brilhantes.

            A direção soube dosar e explorar as várias camadas que o texto apresenta, infindáveis, uma surgindo após outra, gerando surpresas e abrindo caminhos para novas possibilidades, desafiando o espectador a não perder o fio da meada, que não é linear – o tempo não é linear; o cronológico cede a vez ao psicológico. Para um espectador menos atento, seria fácil se perder na história, em função de tantas idas e vindas e trocas de personagens e tempos, contudo a direção de PERALTA é perfeita e não permite que isso aconteça. OTTO JR. é ele mesmo, conversando com a plateia, mas também é ele personagem, sob a identidade de O. Ou será sempre a mesma pessoa/personagem? ROBSON TORINNI é o ator, que representa ele mesmo, ator, e MARTIN, o protagonista. Ou seriam ambos, MARTIN e O, protagonistas?

            É função do diretor manter o equilíbrio de todos os elementos cênicos, preocupando-se com o ritmo do espetáculo, esclarecendo suas concepções a respeito da peça teatral e a forma de se abordar o tema. Resumindo, amalgamar e agregar tudo o que pode contribuir para que o público entenda e, se possível, goste do que vê. E quem disse que VICTOR GARCIA PERALTA não sabe disso e não segue tudo à risca? Destaco, ainda, a sua opção de levar OTTO, ou O, algumas vezes, para dar seu texto da plateia, o que aproxima mais emissor e receptores.

           Talvez não houvesse tanta importância, porém, considerando-se que a etimologia do vocábulo “protagonista” está calcada em duas palavras gregas, “prótos” (primeiro, o que vem em primeira posição, o primeiro em destaque) + “agonistès” (agonista, ator, o que atua, lutador: pessoa engajada em um conflito, desafio ou competição), tudo indica que MARTIN protagoniza o enredo, uma vez que é sobre ele que a trama se desenvolve, tudo gira em torno dele, a partir de um tresloucado gesto. O, porém, o personagem, corre muito de perto, quase cabeça a cabeça. Via de regra, a figura do protagonista está ligada ao herói da trama ou, ao menos, a uma pessoa, relativamente, boa, mas pode, também, seguindo uma moral própria, diferente da de seu meio, ser um anti-herói ou, mais raramente, um vilão. E quem seria MARTIN? Um vilão? Quem ousaria dizer que ele não é bom, pelo fato de ter cometido um parricídio? O que dizer das circunstâncias que o fizeram perder a cabeça? 

            Em se tratando de elenco, digo que OTTO JR. e ROBSON TORINNI vivem, cada um, seu melhor momento num palco. OTTO, com um bom portfólio, ocupa uma posição de destaque na minha preferência, com relação a atores de TEATRO, no Brasil, tantas foram as vezes em que o aplaudi de pé, como o fiz nas duas em que assisti a “TEBAS LAND”, por brilhantes composições, em sua carreira, a qual venho acompanhando, e admirando, desde seu início, há cerca de vinte anos, salvo engano.




Muita confusão se faz, quanto ao que venha a ser uma interpretação naturalista ou realista, no TEATRO. Deixo essa discussão para os teóricos. Limito-me a dizer que aplicaria ambos os adjetivos ao trabalho de OTTO, nesta peça, na medida em que sua atuação, de tão natural e realista, se confunde com uma pessoa conversando com alguém, normalmente, seja com o outro personagem, seja com o público. OTTO valoriza o seu O, tão bonito, tão humano, tão generoso, tão paciente, tão altruísta, até certo ponto... Falar mais de seu talento e, principalmente, de sua atuação neste espetáculo, seria repetir elogios, com dificuldade para encontrar novos adjetivos à altura de seu trabalho.




O me comoveu muito. Ele poderia chegar à peça que intencionava escrever, como se fosse uma mera ficção, “baseada em fatos reais”, uma vez que, ao partir para concretizar sua ideia, para entrevistar MARTIN, já havia acessado e vasculhado o processo do rapaz, o que já lhe garantiria material suficiente para um texto teatral, com algumas alterações, mudança do nome dos personagens e “licenças poéticas”. Essa peça, até, poderia receber o título de “Parricídio” ou “O Parricida”. Se isso acontecesse, porém, não teríamos o brilhante texto de “TEBAS LAND” para ser encenado. O grande garantidor do sucesso dessa peça reside, exatamente, no processo de futicar, com jeito, os arquivos de MARTIN e tocar nas suas feridas, com todo o respeito a um ser humano, sem a intenção de fazer mal ao parricida. São as revelações e a cumplicidade que se forma entre os dois, os detalhes mais íntimos e tristes da vida do jovem carcerário, que dão todo o suporte textual a esta brilhante montagem.  

            Quanto a ROBSON TORINNI, este merece um pouco mais de foco, nesta encenação, uma vez que sua atuação é, sem dúvida, a cereja do bolo. Com uma carreira bem curta, iniciada como modelo, além dos palcos, já atuou no cinema e na TV, veículos nos quais nunca tive a oportunidade de conhecer seu trabalho. No TEATRO, porém, que é a minha verdadeira “praia”, já o vi atuando em pequenos papéis: “Comum De Dois” e “A Sala Laranja No Jardim De Infância”, neste, acumulando a função de produtor. Jamais poderia imaginar que fosse um ator tão completo, a ponto de conseguir impressionar, impactar a todos, na pele de MARTIN, o atormentado assassino, certamente um grande destaque para o seu currículo, daqui em diante. Destaca-se, o seu personagem, por um incontido interesse pelo tempo e por querer saber, sempre, de O, a cada despedida, quando ele voltaria. Para preencher sua carência afetiva, certamente. Sua interpretação é extraordinariamente profunda, intensa, forte; resumindo: visceral.




Enquanto OTTO não precisa mudar a voz e a postura corporal, pelo que pede o texto, é, exatamente, por exigência deste, que ROBSON entra no personagem MARTIN, e sai dele, com uma expertise incrível, uma perícia indescritível, fruto de muito trabalho de pesquisa, durante os ensaios. Belíssimo trabalho de voz e de corpo! Belíssimo trabalho de interpretação, que o credencia a ganhar prêmios na categoria de Melhor Ator de 2018.  









            É muito interessante a cenografia, assinada por JOSÉ BALTAZAR, dividida em dois espaços físicos, o que também serve para dividir, em boa parte da peça, os tempos da ação. O palco é ocupado, em cerca de três quartos, por um pedaço de quadra de basquete, esporte preferido de MARTIN e que o leva sempre ali, sozinho, uma vez que não era sociável e preferia o isolamento ao contato com seus pares. Essa quadra é cercada por um aramado bastante alto, com apenas uma porta de acesso, “para garantir a segurança e a certeza de que o preso não poderia tentar fugir”. Fugir por que e para onde? Não estava nos planos de MARTIN, ao que parece. A exigência do cercado partira da Secretaria de Segurança, quando se cogitou sobre o próprio parricida interpretar a si mesmo. A princípio, O ficou incomodado com a exigência, porém acabou gostando da ideia e mantendo-a, mesmo sendo a peça interpretada por um ator profissional. Aquele detalhe acrescentaria mais “verdade” à peça, com o que concordo plenamente. No outro quatro do palco, há uma mesa, sobre a qual está montado um equipamento que serve para projetar imagens e filmar algumas cenas, e existem outros objetos. Tudo é projetado num quadro de fórmica branca, no qual OTTO e ROBSON vão lançando apontamentos, escrevendo-os, seguindo as divisões de um jogo de basquete (quatro quartos e uma possível prorrogação), e colando papéis e algumas fotos da “cena do crime”. A tecnologia entra como uma grande parceira do espetáculo. Trazendo para a realidade dos presídios brasileiros, aquela quadra não combina com esta. É muito bem cuidada. Além disso, os nossos internos optariam, certamente, por uma quadra de futebol de salão. Ficou meio “americanizado”. Algum problema, algum prejuízo ao todo? De jeito algum! Esse seria o primeiro detalhe “discordante” a ser mencionado.

            Os figurinos são fruto de uma criação coletiva. Acertado o de OTTO, elegantemente vestido, no estilo “casual”, com uma calça num tom de marrom-terra e uma camisa preta, como pede o personagem. Ele é um homem de TEATRO, e as pessoas que pertencem a este universo, em geral, não se preocupam tanto com o que vestem fora de cena, a não ser em ocasiões especiais, mas, por morar em Paris, O mantém um certo requinte, sóbrio, ao se vestir. MARTIN usa uma calça de “jogging” preta, uma camiseta regata e um agasalho, na cor cinza, e um par de tênis “de marca”, que até poderia ser falsificado. Não é assim que se vestem os presidiários brasileiros, mas isso é outro detalhe que não desabona o conjunto da obra.

            MANECO QUINDERÉ projetou uma boa luz para o espetáculo, procurando, sempre, pôr em evidência os espaços em destaque, para cada cena da peça, sem abusar da intensidade, evitando, como deveria mesmo acontecer, fazer da iluminação um “show” à parte. Ela é bem discreta, parcimoniosa e extremamente funcional.

            MARCELLO H. contribui, para a beleza do espetáculo, com uma bem escolhida trilha sonora, ocupando-se em tentar valorizar determinados momentos da narrativa dramática, principalmente com a canção “Quem É?”, do compositor Carlos Gonzaga: Quem é que não sofre por alguém? / Quem é que não chora uma lágrima sentida? / Quem é que não tem um grande amor? / Quem é que não chora uma grande dor? / Deus, meu Deus! Traga, pra junto de mim, / Esse alguém que me faz chorar, / Que me faz sofrer tanto assim! / Deus, meu Deus! Tenha piedade de mim! / Faça com que ela volte! / Viver sem ela será o meu fim.”. Poderia ser considerada uma confissão de arrependimento por parte de MARTIN? Acho improvável, a julgar pelos seus depoimentos, mas se tratava da canção preferida de sua mãe, de quem ele gostava muito. Usava, permanentemente, um terço, que era dela e do qual se apoderou, após a morte. (Sobre esse ícone da Igreja Católica, não darei “spoiller” sobre sua importância, na peça.). Ela morreu de câncer, no útero, pelo que o pai culpava o rapaz: se a mãe não o tivesse parido, não teria contraído a doença. O outro destaque musical fica por conta do “Concerto Para Piano, nº 21, Em Dó Maior (Andante), de Mozart, que nos emociona, profundamente, sempre que executado, no espetáculo.

        CRIS AMADEO também merece ter seu nome mencionado, nesta produção, como responsável pela excelente direção de movimento.

           Há várias cenas marcantes, muito emocionantes, na peça. Uma delas é quando OTTO e ROBSON discutem se cabe a Édipo a classificação de parricida, uma vez que seu crime se deu por força de um destino, traçado desde seu nascimento, sem que ele soubesse que sua vítima era seu próprio pai. A conscientização do crime é o detalhe que seria exigido, moralmente, para que alguém se tornasse um parricida, o que não é o caso do infortunado Édipo, o qual, apenas, inocentemente, estava cumprindo uma das profecias do Oráculo de Delfos.

            Outra é no momento em que O comunica a MARTIN que ele não poderia atuar na peça, o que o rapaz já sabia, contado pelo diretor do presídio. A frustração do jovem é comovente.

            Também é marcante a cena em que OTTO e ROBSON conversam sobre uma foto em que MARTIN, que era filho único, está de pé, aos 10 anos de idade, numa praia, com o pai, este sentado na areia, com 30 anos apenas; fora pai muito jovem. Há um quê de ternura e muito amor, aparentemente, entre eles, revelados pela maneira como a criança olha para o pai, sentado. MARTIN o amava, apesar dos maus tratos, mas a recíproca não era nem um pouco verdadeira. O pai aplicava-lhe severas surras, e à mãe também, inclusive na frente dos amigos, como exibição de seu “poder patriarcal”.

           Um sutilíssimo toque de humor ingênuo aparece na cena em que O tenta explicar, a MARTIN, como funcionam as coisas no TEATRO, o ato da representação, e o rapaz não consegue entender, ou nos momentos em que este confessa, a O, não compreender o significado de certas “palavras difíceis”, ditas pelo dramaturgo ou por outras pessoas “importantes e letradas”. Afinal de contas, ele parou de estudar na 8ª série (8º ano, no Brasil.), o que lhe limitava bastante o vocabulário. Essa interrupção dos estudos, iniciativa do próprio rapaz, por ter dificuldade em aprender as coisas, não combatida pela “família” (totalmente disfuncional), levava o pai a chamá-lo sempre de “idiota” e a dizer que ele “não prestava para nada”. Depois da morte da mãe, quando MARTIN, já rapazinho, por “falta de opção”, já que não conseguia parar em nenhum emprego, passou a se prostituir, com homens, os xingamentos ganharam o acréscimo do adjetivo “PUTA” e o pai passou a ter nojo dele.

           Duas cenas bastante chocantes ocorrem quando são projetadas três imagens, fortes, do cadáver e quando, num longo “bife”, totalmente parado no mesmo lugar, fazendo uso apenas da voz e das expressões faciais e corporais, MARTIN vai narrando, passo a passo, com todos os detalhes a mecânica do crime, que se deu no final de uma madrugada de domingo, quase ao nascer do dia, porém só fora informado à Polícia, pelo próprio assassino, via telefone, por volta do meio-dia. Durante esse tempo, MARTIN, friamente (ou não), alimentou-se, lavou a louça, menos a arma utilizada no crime, e ficou sentado, observando o defunto, de olhos abertos, a olhá-lo, como se o estivesse acusando.

Também é marcante o momento em que O conta, a MARTIN, a história de “Édipo Rei”, para cuja compreensão o rapaz desenvolve um hercúleo esforço. Como matar o pai e ir para a cama com a própria mãe? Édipo teria furado os próprios olhos, sim, não por ter matado Laio, seu pai, mas por ter praticado sexo com Jocasta, a mãe, tendo tido duas filhas com ela, uma coisa abjeta, repugnante, no seu universo moral e religioso.

            Uma das cenas mais magníficas é aquela em que, durante uma conversa com O, MARTIN sofre um ataque epilético. Tensão e emoção total!!!

            Apelando para outras referências, para “justificar” o erro de MARTIN, vendo-o mais como uma vítima do que como um criminoso, O, numa determinada cena, das melhores na peça, se vale do último romance publicado pelo consagrado escritor russo Fiódor Dostoievski, escrito em 1819, “Os Irmãos Karamazov”. MARTIN soubera como ser filho, mas o pai era um verdadeiro “monstro” e, portanto, poderia merecer o trágico fim a que fora submetido. “Certos crimes não podem ser chamados de parricídios”, na visão de O, baseado na obra anteriormente citada.

            Uma cena muito bonita, leve e extremamente delicada é quando, numa das últimas conversas, MARTIN questiona O sobre a sua sexualidade, perguntando-lhe se este gostava de homens e se teria desejo de ir para a cama com ele, MARTIN. Segue-se um belo diálogo, para o qual vale muito a pena apurar a atenção.  

            Duas outras cenas marcantes são, uma, quando O leva, para MARTIN, um iPod, com o já citado concerto de Mozart, para acalmá-lo, e os dois o ouvem, repartindo os fones de ouvido do aparelho, de costas para a plateia. Que cena linda! E a outra é a final, correspondente, numa partida de basquetebol, à “prorrogação”, quando O se despede de MARTIN, definitivamente, deixando-lhe, de presente, um iPad, no qual havia registrado canções, imagens, o texto de “Édipo Rei”, de “TEBAS LAND” e de “Os Irmãos Karamazov”, fotos variadas, além de outras recordações, que marcaram a convivência dos dois. Lindo é ver O, de fora da quadra, sem ser visto por MARTIN, observando-o, sentado num banco, a fazer uso do presente, ouvindo o Concerto e, depois, lendo um trecho da tragédia de Sófocles.






Um final apoteótico, que nos libera, finalmente, para não engolir o choro.  



 





FICHA TÉCNICA:

Texto: Sergio Blanco
Tradução: Esteban Campanela
Direção: Victor Garcia Peralta

Elenco: Otto Jr. e Robson Torinni

Cenografia: José Baltazar
Iluminação: Maneco Quinderé
Figurino: Criação Coletiva
Direção de Movimento: Cris Amadeo
Trilha Sonora: Marcello H
Assessoria de Imprensa: Flávia Tenório
Designer Gráfico: Alexandre Castro
Direção de Produção: Sérgio Saboya e Sílvio Batistela
Fotografia: Jr. Marins
Produção: Galharufa Produções Culturais
Equipe de Produção: Alex Nunes e Ártemis
Produção Executiva: Lis Maia
Realização: REG’S Produções Artísticas
Idealização: Robson Torinni e Victor Garcia Peralta





 





SERVIÇO:

Temporada: De 08 de novembro a 21 de dezembro de 2018.
Local: Centro Cultural OI Futuro Flamengo.
Endereço: Rua Dois de dezembro, 63 – Flamengo – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3131-3060.
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, às 20h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a domingo, das 14h às 20h.
Vendas Online: www.ticketplanet.com.br
Lotação: 63 lugares.
Classificação Etária: 16 anos
Gênero: Drama









Um detalhe interessante, que observei, nas duas vezes em que assisti ao espetáculo, e não poderia ser de outra forma: a plateia permanece num silêncio sepulcral, interrompido, discretamente, vez por outra, por um ruído de choro, que não conseguiu vencer a tentativa de ser escondido. É tensão emocional quase que do primeiro minuto ao último da peça, mas é uma tensão suportável e extremamente “positiva”. Diria: gostosa de se sentir.

Ratifico minha opinião de que assisti ao melhor espetáculo de 2018, no Rio de Janeiro, e já estou com data marcada para revê-lo pela terceira vez.

Espetáculo totalmente IMPERDÍVEL!!!




E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!


(FOTOS DE ARQUIVO PESSOAL: 
GILBERTO BARTHOLO.)




 


 





(FOTOS: JR. MARINS)


(FOTOS DE ENSAIO):





 






 











































































Um comentário:

  1. Oi, tudo bem.
    Só pra passar uma informação. Já houve outros textos de Blanco montados no Brasil. Realizado pela La Vaca Companhia de Artes Cênicas, @Kassandra estreou em 2012 em Florianópolis e esteve no repertório da Companhia até 2018. Percorreu festivais importantes como FILO, Cena Contemporânea, FIT-BH e FITRUPA. Além de temporadas em Florianópolis e circulação por Santa Catarina, esteve em cartaz em São Paulo em 2016.
    Grande abraço.

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