O
FRENÉTICO
DANCIN’
DAYS
(UM MUSICAL QUE RESGATA
A ALEGRIA DE SER CARIOCA.
ou
NÓS ÉRAMOS FELIZES
E SABÍAMOS. SERÁ?)
Durante
um bom tempo, desde que foi anunciada a montagem
de um musical que se propunha a
contar a história da “FRENETIC DANCIN’
DAYS DISCOTHEQUE”, a ser produzido
e apresentado no Rio de Janeiro, o público que ama TEATRO e, principalmente, os que adoram
TEATRO MUSICAL, como eu, ficou em
polvorosa, ansioso, numa grande expectativa, pois todos sabíamos que poderíamos
esperar algo muito bom no pedaço.
Depois de
alguns meses, da pré-produção à estreia, finalmente, o Teatro Bradesco - Rio abriu suas portas para que um público, ávido
de boas produções musicais, abrisse as suas asas e soltasse as suas
feras, público este que vem enchendo aquele Teatro (VER SERVIÇO.), desde a noite da primeira sessão, aberta a
convidados e ao público em geral, uma excelente ideia da produção. Tudo junto e
misturado. Bem democrático, como
o salão da emblemática discoteca,
que recebia, ao mesmo tempo, gente da alta sociedade carioca, artistas e seus
funcionários. O pessoal do “jet set”
esbarrava, na pista, com suas copeiras, cozinheiras e motoristas. Patrões e
empregados, nivelados pela alegria contagiante da música, pela agitação dos
passos, pelas “viagens”, produzidas pelas luzes inebriantes e por “otras cositas mas”... E o espetáculo vem se mantendo com sessões extras e lotação esgotada em
todas elas. E não vejo a hora de
assistir a ele pela terceira vez, pela quarta, pela quinta...
Não
direi que o musical é
despretensioso, mas ele só tem duas intenções, e já bastam, uma vez que são
completamente atingidas: divertir
muito os que viveram a época daquela discoteca
e os que têm curiosidade em conhecer a sua história e resgatar o que podemos chamar de “a era de ouro da noite carioca”,
muito distante da violência e de todos os percalços com os quais convivemos hoje,
o que nos impede, até mesmo, de sair de casa e buscar a felicidade e a alegria,
no entretenimento, fora dos muros de nossas fortificações.
Não
esperem uma fabulosa dramaturgia (a
do primeiro ato é melhor), o que, em
musicais, já é, via de regra, coisa
rara de ser encontrada, mas tenham a certeza de que a que nos oferecem NELSON MOTTA e PATRÍCIA ANDRADE é bem boa, corresponde aos objetivos da peça e nos faz travar contato com a verdadeira
história de uma casa de espetáculo
que marcou a vida carioca, ainda que com uma duração meteórica (apenas quatro meses), surgida de um
fracasso e fruto da coragem, ou loucura, de cinco inseparáveis amigos: o próprio
NELSON MOTTA, jornalista; a também jovem jornalista
SCARLET MOON (DE CHEVALIER); o produtor teatral DJALMA LIMONGI, recém-falecido; o ator, que também estava trocando o palco pelos bastidores, LEONARDO NETTO (o LÉO, que não deve ser confundido com seu homônimo, ator, diretor e dramaturgo,
ainda, felizmente, em atividade); e o DJ
DOM PEPE, que, antes, era chamado de discotecário.
SINOPSE:
O consagrado templo
da música dançante carioca, o “Frenetic
Dancing’ Days Discotheque”, surgiu de um grande fracasso.
NELSON
MOTTA (BRUNO FRAGA), que já havia produzido, com sucesso, o primeiro “Hollywood Rock”, foi o mesmo que
inventou um evento, em Saquarema, em
1976, chamado “Som, Sol e Surf”, um festival
de rock, que, devido a vários erros, acabou se tornando o maior prejuízo
para seus organizadores. Houve muita chuva; a invasão de “hippies”, que pulavam os muros; muita gente entrando, sem pagar
pelo ingresso; o contratante, um certo Silveirinha,
que fugiu, para Lisboa, com o
borderô...
Completamente falidos e sem saber como saldar as dívidas,
NELSINHO e seus quatro amigos, SCARLET (LARISSA VENTURINI), DJALMA (CADU FÁVERO), LÉO (FRANCO KUSTER) e DOM PEPE (ANDRÉ RAMIRO) se lançaram a
procurar um meio de salvação, até que foram convidados, na figura do dono de
uma imobiliária, o IGNÁCIO (GABRIEL
MANITA), da Imobiliária Santo Ignácio,
pela direção do Shopping da Gávea,
em final de construção, um empreendimento ainda “estranho” para as pessoas,
para o funcionamento de uma casa noturna
naquele lugar, como se os cinco fossem “do ramo”.
IGNÁCIO se
ofereceu, “sem motivo aparente”, para financiar o início da empreitada. MOTTA topou e embarcou, de primeira
classe, para Nova Iorque, onde morava
uma prima riquíssima, para conhecer a grande sensação, do momento, no campo do
entretenimento, naquela megalópole, representada pelas discotecas. Com o dinheiro do investidor, NELSINHO só teve dois dias para comprar o básico para a montagem de
uma discoteca dentro do Shopping da
Gávea, mas que já estava com os dias contados, uma vez que só poderia durar
quatro meses, ao fim dos quais o
local deveria ser entregue aos proprietários do que viria a ser o atual Teatro dos Quatro. Seria uma estratégia
de “marketing”, para divulgar o “shopping” e incentivar a venda de suas
lojas. Na mala, NELSINHO trouxe 100 LPs dos artistas que estavam “bombando”,
na cidade que nunca dorme, os grandes “hits”
do momento, e, para passar com eles, pela Alfândega,
sem que houvesse o pagamento de alguma taxa de importação, fabricou um carimbo (NOT FOR SALE = NÃO ESTÁ À VENDA). E o
truque deu certo. (“Brasileiro gosta de levar vantagem em tudo.”.)
Misturando
realidade e ficção, os dramaturgos
contam a trajetória daquela casa noturna,
com muito bom humor, tudo regado, como não poderia deixar de ser, a boa música,
a mesma que nos alegrou nos embalos, não só de sábado à noite, mas de todos os
dias, de 2ª feira a domingo, naquele ano de 1976.
Asas abertas,
feras soltas, o Rio de Janeiro era uma festa. E não havia lugar mais adequado para
celebrar a vida do que o “Frenetic Dancing´Days Discotheque”.
E por que não resgatar esse tempo, quando o carioca era feliz e sabia? Os
dias de alegria estão de volta!
A
noite carioca fervia nos anos 70,
quando a casa foi criada, inaugurada em 5
de agosto de 1976, e marcou a chegada da discoteca no país. Lady Zu,
Banda Black Rio, Tim Maia...; a pista da boate fervia. Na casa, apresentaram-se grandes nomes de sucesso, como Rita Lee (ainda com o Tutti-Frutti), Raul Seixas, Gilberto Gil...
Mas nada causou mais sensação do que o grupo As Frenéticas, seis moças, contratadas para trabalhar como garçonetes,
as quais, porém, em pouco tempo, foram alçadas ao topo do sucesso, graças ao
seu enorme talento musical. São elas: DHU
MORAES (ESTER FEITAS); EDYR DE
CASTRO (CAROL RANGEL), com quem tive o prazer de ter trabalhado, na primeira
versão do musical “HAIR”, em 1970, atualmente vivendo no Retiro dos Artistas; LEILOCA (LARISSA CARNEIRO); LIDOKA (INGRID GAIGHER), falecida em 2016; REGINA CHAVES (JULIA
GORMAN); e SANDRA PÊRA (LUDMILA
BRANDÃO). Em função do sucesso, na boate,
o grupo foi contratado, pela multinacional Warner,
gravadora iniciando suas atividades no Brasil,
para gravar um LP, que dominou, por
muito tempo, as paradas de sucesso e as vendas e execução, graças a “hits”, como “Dancin’ Days”, “Perigosa”
e “O Preto Que Satisfaz”,
principalmente.
Apesar de ter funcionado, apenas, durante quatro meses, a boate celebrava
um Rio e um país que conseguiam ser “livres”,
apesar da ditadura militar. O local reunia famosos e anônimos, “hippies” e comunistas; todas as tribos,
com o único objetivo, o de celebrar a vida.
O sucesso foi tamanho, que a casa
foi, posteriormente, reaberta, no Morro
da Urca, e inspirou a novela “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga, que tinha a música homônima, das Frenéticas, como tema de abertura. O
país inteirou caiu na gandaia e entrou na festa, como pode fazer agora, no Teatro Bradesco - Rio de Janeiro.
O espetáculo só está dando certo, e tem tudo para ficar muito tempo em cartaz e
viajar em turnês, em função de uma excelente
e oportuna ideia e de uma ficha técnica
invejável, de primeiro mundo, que é
responsável pelo fato de tudo acontecer dentro do melhor padrão de qualidade, em todas as áreas, não permitindo que o
espectador observe uma única falha, em se tratando de um musical.
“O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS” tem tudo o
que um bom musical precisa ter. Além
do texto, sobre o qual nem
precisaria falar mais, vem, à frente do pelotão de profissionais envolvidos no projeto, um nome da dança contemporânea, respeitado até no
exterior, que se arvora - porque sabe
que podia fazê-lo -, pela primeira vez, a dirigir um espetáculo
musical. E o fez como muitos veteranos tarimbados não o conseguem, às
vezes. Conhecida pelo rigor, à procura da excelência
para os seus trabalhos, o que é, antes de tudo, respeito a si mesma, aos
profissionais com os quais divide o palco e, principalmente, ao público, DEBORAH COLKER acerta, em cheio, a mão, na condução dos seus comandados, com muita
disciplina, criatividade e bom gosto, deixando tudo muito claro e fluente, sem
mistérios, para a compreensão do público. DEBORAH,
paradoxalmente, facilita tudo, procurando, e atingindo, a simplicidade, por
meio da complexidade. Suas marcações são
excelentes, assim como (E NÃO SERIA
PRECISO DIZER) as magníficas coreografias, aqui, generosamente,
divididas com JACQUELINE MOTTA. São todas
admiráveis e contagiantes, seguindo os passos da época, incrementados com novas
e mirabolantes ideias da dupla de coreógrafas.
Eu e DEBORAH temos muitos amigos comuns, alguns
dos quais trabalham ou já trabalharam com ela, que não poupam elogios à sua quase
“obsessão” (no bom sentido, não seria exagero) pela perfeição, o que a faz se cercar dos melhores
profissionais, para integrar a sua equipe,
como ocorre nesta produção, o que,
positivamente, representa a garantia de todos os seus sucessos.
Tudo é grandioso, em cena. Tudo salta aos olhos. Tudo tem sua razão de estar no palco. O
que pode parecer, a alguns, megalomania, a julgar pelos números e proporções do
que se vê em cena, nada mais é do que o caminho encontrado pela direção, para tentar passar a ideia de
grandiosidade que representou, para o Rio
de Janeiro, na década de 70, o “evento” “DANCIN’ DAYS”. Sim! Aquilo
foi um evento e se transformou numa
lenda real. LINDA, LEVE E SOLTA!!!
“São 16
excelentes atores em cena, acompanhados de sete magníficos bailarinos, os quais
realizam, com muito talento, aquilo que um musical exige: personagens
definidos, canto de primeira linha e números de dança com coreografias e atuações
jamais vistas em palcos brasileiros. Para afirmar a história de uma discoteca,
a opção foi desenhar números que brinquem com a forma de dançar na época, mas
transformem o palco em um espetáculo de ‘ballet’, digno dos grandes conjuntos,
pelo impressionante entrosamento do grupo”. (Extraído do “release”, enviado por ALAN DINIZ – XAVANTE COMUNICAÇÃO –
ASSESSORIA DE IMPRENSA).
Alguns excelentes detalhes, do texto e a da direção, não poderiam deixar de ser, aqui, lembrados, já que
funcionam harmoniosamente, como a inserção, no texto, de uma célebre frase, dita por NELSON MOTTA: “O sucesso é muito bom, mas não ensina nada;
é com o fracasso que se aprende.”, justificativa para o sucesso do “DANCIN’ DAYS”. Ainda com relação ao texto, os autores não se furtam a fazer críticas a problemas atuais,
principalmente do ano de 2016 até os
dias de hoje, tais como alusões aos políticos corruptos, à discriminação
racial e à homofobia. A corrupção, o câncer verde-amarelo também se faz
presente na exigência que um bombeiro, o soldado CATARINO (GABRIEL MANITA) faz, para a liberação do alvará de
funcionamento da casa, da compra de
um determinado dispositivo antifogo, vendido somente pela empresa de um oficial
do Corpo de Bombeiros, o que ocorre,
descaradamente, até hoje. E a corrupção não para por aí, uma vez que SCARLET, com todo o seu charme, seduz o
bravo soldado do fogo, cantando “Light
My Fire”, ao que ele, não resistindo à tentação (E quem haveria de?),
responde, num dueto, cantando “Pode Vir
Quente Que Eu Estou Fervendo”. E tudo fica, ali mesmo, resolvido. É ou não é a cara do Brasil?
Um toque nostálgico, em todo o espetáculo, mais evidente e delicioso,
se revela nas projeções de imagens daquela Festival
“abortado”, em Saquarema, e de
frequentadores do Píer de Ipanema, o
grande “point” do verão carioca, à época.
Ao serem apresentadas, para a contratação,
as Frenéticas o fazem cantando e
falando, o que considero uma excelente ideia, da mesma forma como aprovo a
decisão de cada um dos protagonistas
se apresentar, logo no início da peça,
para que o público se situe, quanto ao enredo.
É um toque quase didático, sem ser enfadonho, dentro da dramaturgia.
A cena que mais arranca risadas da
plateia é quando LÉO (FRANCO KUSTER)
“abre a porta do armário” para o fiscal (de
não sei o quê, da Gávea) GERALDO, impagável atuação de GABRIEL MANITA, e dois militares, o TENENTE MOELLER (ROMULO VLAD) e o CAPITÃO MATOSO (ELIO BARBE), os quais, “gays enrustidos”, foram ao “DANCIN”
DAYS”, com a missão de fechar a boate,
atendendo ao não cumprimento das exigências para o seu funcionamento e a
reclamações da vizinhança. A cena se reveste de muito humor, com a lenta
transformação do trio “gay”, “soltando as suas feras”, incluindo a hilária
troca de figurinos, ao som do clássico
“Y.M.C.A.”, cantado por LÉO.
Já que a personagem DONA DAYSE é ficcional, por que não atribuir a ela a tentativa de
fazer algumas modificações na estrutura de funcionamento da casa? Os autores fogem, totalmente, à ideia da discoteca e mostram a personagem de STELLA MIRANDA tentando incluir, no “cardápio
artístico”, números de musicais da Broadway,
com passagens, de “Sweet Charity”, “The Rocky Horror Picture Show” e “West Side Story”, três grandes clássicos
do TEATRO MUSICAL. Um pouco de metalinguagem não faz mal a ninguém. É
tudo fora do contexto da peça, mas
acaba funcionando bem, ainda mais quando conseguimos perceber que se trata,
quase com certeza, de uma forma de os autores
homenagearem a grande atriz STELLA MIRANDA. A personagem também,
num ataque de “estrelismo”, já de visual totalmente modificado e sócia da boate, no segundo ato, sugere a troca do nome da casa para “Dancin’ Dayse”.
Também faz
muito bem, aos olhos e aos ouvidos, a cena, no segundo
ato, de um concurso de danças,
que serve para os atores/bailarinos
demonstrarem o seu potencial na pista de danças. É muito interessante e
instigante; um verdadeiro “show” de
coreografias.
O elenco, à exceção de STELLA MIRANDA, que foi convidada para
o papel de DONA DAYSE, foi escolhido
em função de exaustivos testes, durante os quais “competência profissional e
resistência física foram avaliadas”. Todos, além de uma boa atuação, são excelentes cantores e dançarinos.
BRUNO FRAGA interpreta bem um NELSON MOTTA muito próximo ao que
conhecemos do consagrado jornalista e homem de muitas facetas profissionais: “inquieto
na arte, no trabalho e na vida afetiva”, que vivia oferecendo
sociedade, participações nos lucros ou facilidades a quem se colocasse contra o
ousado projeto. Vi, em cena, o mesmo
NELSINHO que imaginei, ao ler seu
delicioso livro “Noites Tropicais”, no
qual a história do “DANCIN” DAYS” é
lembrada. BRUNO atua com discrição,
conseguindo, mesmo assim, porque faz um
bom trabalho, marcar grande presença em cena, e seus números musicais são
ótimos. Na ficção (Será que só nela?), o personagem,
quando exagerava na dose dos “comprimidinhos”, tinha alucinações, com a
escultural e belíssima personagem BÁRBARA,
esposa de IGNÁCIO. Numa delas, no primeiro ato, assim que chega a Nova Iorque, ele a “vê”, numa cena no Empire State Building, para a qual foi
criada uma excelente coreografia,
das várias que ainda viriam. Ainda no primeiro
ato, em outra alucinação, ele interpreta, magistralmente, uma linda canção,
“Feeling Good”, num arranjo musical esplendoroso, que
arrancou, de mim, um grito de “BRAVO!”,
nas duas vezes em que assisti ao musical,
enquanto BÁRBARA (NATASHA JASCALEVICH)
executa uma dança erótica, numa espécie de “pole
dancing”, que é de tirar o fôlego. Certamente, é uma das melhores cenas do espetáculo. No segundo ato, durante
outra alucinação, BRUNO capricha
numa versão, para o português, de “Can’t
Take My Eyes Of You”, que também provoca grande ovação da plateia, mais uma
vez com NATASHA se exibindo,
maravilhosamente e da forma mais “sexy”
possível, trepada numa enorme bola de espelhos.
Em seu primeiro trabalho num musical, LARISSA VENTURINI veio para ocupar um lugar de destaque no seleto
grupo das cantrizes. Além de boa atriz, canta e dança com
perfeição, sem falar que, por meio de um belo trabalho de visagismo, parecia a própria SCARLET
MOON no palco. Na voz, na postura corporal, nos gestos, no andar, no
comportamento, nas frases feitas, como “É um prazer inenarrável!”... SCARLET foi uma mulher à frente de seu
tempo, corajosa, destemida, uma “mulher livre, libertária, de esquerda”,
que faleceu, infelizmente, muito jovem, mas que soube aproveitar bem a vida. O
trabalho de LARISSA é excelente!
Também gostei muito da participação de FRANCO KUSTER (LÉO), veterano, apesar
de jovem, em musicais e que
interpreta um personagem “gay”, na medida certa, nada
caricatural. Sai de sua boca a frase “Boi
preto conhece boi preto”., dita, várias vezes, pelo estilista, já falecido,
Clodovil Hernandez, homossexual
assumido, quando queria dizer a alguém que vivia “no armário”, mas que ele, com
seu “faro”, reconhecia como pertencente, também, à “confraria”, que ninguém o
enganava, quanto à sua sexualidade. Com essa frase, LÉO salva a boate de ser fechada, quando a ameaça surgiu, por parte
de um “fiscal” e dois militares. Não sei se o fato é verídico ou se é fruto da
imaginação da dupla de dramaturgos (tem
tudo para ser ficcional), mas a cena é hilária. Aliás, esse aspecto da mistura
do real com a ficção é uma das melhores sacadas do texto. O espectador nunca sabe, com certeza, se o fato ocorreu ou
não, e isso é, por demais, delicioso.
É impressionante a excelente interpretação
de CADU FÁVERO, para o personagem DJALMA, o “produtor
comunista, o belo lado racional”
e corajoso do quinteto, e que, durante muitos anos, os mais de vinte últimos de
sua vida (faleceu muito recentemente), foi uma espécie de “relações públicas”
do restaurante “La Fiorentina”, no Leme, Rio de Janeiro, local de encontro da classe teatral carioca. DJALMA,
o “administrador”,
sempre fechado, emburrado, mal-humorado, era o contraponto para os arroubos de
“criatividade” e de loucura dos outros quatro. Completamente “careta”, era ele
quem os trazia para o chão, merecendo, por várias vezes, uma reprovação do
quarteto: “DJALMA, você é chato pra caralho!”, ao que ele, sem se alterar
a voz, retrucava: “Realista! Eu sou realista!”. CADU, que conheceu bem DJALMA,
na vida real, estudou-lhe os hábitos e tiques nervosos, reproduzindo-os em cena,
o que, no dia em que assisti, pela primeira vez, ao espetáculo, emocionou muito as filhas do homenageado. Um belíssimo trabalho de composição de
personagem!
ANDRÉ
RAMIRO, cujo atuação, salvo engano, eu só conhecia no cinema e na TV, completa
o quinteto de amigos e protagonistas,
se é que há protagonistas nesta peça (Acho que todos o somos!). Além de um bom ator, também canta e dança corretamente, interpretando o
famoso DJ DOM PEPE, “a
carioquice em pessoa, ‘swing sangue bom’”.
O grupo das seis atrizes que interpretam as FRENÉTICAS
executa um ótimo trabalho, em qualquer das áreas de atuação e é muito
agradável a combinação de suas vozes, lembrando bastante a formação original do
grupo, quando surgiu. Muitos aplausos para, na ordem alfabética, CAROL RANGEL (EDYR DE CASTRO), ESTER FREITAS (DHU MORAES), INGRID GAIGHER (LIDOKA), JULIA GORMAN (REGINA CHAVES), LARISSA CARNEIRO (LEILOCA) e LUDMILA BRANDÃO (SANDRA PÊRA).
Eu não me perdoaria se não desse um
destaque a NATASHA JASCALEVICH (BÁRBARA),
por sua marcante presença em todas as cenas de que participa, quer como atriz, quer como excelente cantora e dançarina, agregando, ainda, sua formação de acrobata e contorcionista,
atividades já exibidas e apreciadas em outros musicais, como “O Grande Circo Místico” e “Ayrton Senna – O Musical”. Há muito,
sou um grande observador e admirador de seu trabalho.
Também merece uma palavra de destaque a
atriz ARIANE SOUZA (MADALENA), a
cozinheira que “ganhou o emprego de
DONA”, ao ser admitida, como sócia, na boate
e que “entende bem as armadilhas do capitalismo”. Além de ser boa atriz cômica, responsável por momentos
de bastante humor e descontração, na peça,
ela também é detentora de uma bela e
possante voz, que nos encanta a todos.
GABRIEL
MANITA, já há algum tempo, vinha merecendo uma oportunidade de mostrar, com
mais evidência, o seu trabalho de ator,
cantor e dançarino, momento que, finalmente, chegou. E ele soube se prender
à oportunidade e defende, com bastante competência, os pequenos personagens que interpreta e valoriza,
marcando sua passagem pelo palco (IGNÁCIO,
CATARINO e GERALDO).
E quanto à “performance” de STELLA MIRANDA, nem é preciso dizer muita coisa. A atriz é uma veterana em musicais
e, aqui, interpreta a personagem ficcional, DONA DAYSE, vizinha, do prédio ao lado,
do “shopping”, a qual invade a boate, vinda da plateia, ao final do primeiro ato, em roupas de
dormir, numa caracterização hilária, para reclamar do absurdo do barulho que
extrapolava os limites da danceteria.
Acaba por mudar de ideia, tão logo a “generosidade” de NELSON MOTTA lhe oferece sociedade na casa. A personagem não existiu, na vida real, e é um dos achados da peça. STELLA, cuja veia cômica é mais do que conhecida e apreciada, rouba
algumas das cenas de que participa. Não posso, entretanto, deixar de registrar
que DONA DAYSE comporta-se, em tudo,
como a Dona Álvara, do seriado “Toma Lá, Dá Cá”, exibido, durante anos,
pela TV Globo. Não vejam nisto,
porém, uma crítica negativa, principalmente porque sempre achei a personagem
muito engraçada e considero bem válida a proposta. Essa primeira participação
de DONA DAYSE encerra o primeiro ato, bem no alto, como deve
ocorrer em todos os musicais com
intervalo (a grande maioria), para que o espectador sinta vontade de que a
interrupção passe logo, para o prosseguimento do espetáculo. Termina o primeiro
ato e o público fica com aquela vontade de “quero mais”.
Imaginem se uma profissional do porte de DEBORAH COLKER iria errar na escolha
dos/das bailarinos (as)! São de uma
excelência acima do normal, sendo que todos têm oportunidade de se destacar em
pequenos solos e chamar a atenção da plateia, como o faz, por exemplo, ROGGER CASTRO, capaz de manobras
radicalíssimas, em termos de dança, na pele, ficcional, de TONY MANERO, alguém que era um frequentador assíduo da boate e que, quando adentrava o salão,
todos paravam de dançar para admirá-lo e aplaudi-lo. Também não fica claro se o
personagem existiu, realmente, mas parece que sim, tendo, inclusive, pedido a
mão de MADALENA em casamento (Aí, já
me parece não ser verdade.).
Já falei, acima, sobre o caráter grandioso,
em termos de proporção, dos elementos em
cena, a começar pelo fantástico cenário,
de GRINGO CARDIA, que também assina
toda a direção de arte do musical.
GRINGO
procurou deixar o espaço cênico o
mais livre possível, para a execução das coreografias,
principalmente, e se limitou a projetar uma réplica da famosa boate, além de utilizar elementos cenográficos móveis, que
entram e saem, de acordo com a exigência da cena, como cadeiras, poltronas e “chaises”
com detalhes de neon; um gigantesco “scarpin” vermelho, em pedrarias e
espelhos, uma espécie de ícone da boate; uma pequena réplica do Empire State Building (alucinação em Nova York); e uma gigantesca cabeça de
veado, toda revestida de cacos de espelho (cena da “saída do armário” do fiscal
e dos dois militares).
Os figurinos,
assinados por FERNANDO COZENDEY, se
destacam pelo exotismo, pelo psicodelismo, pelo colorido, propositalmente
exagerado, e pela criatividade, acrescentando alegria a todas as cenas.
É impossível alguém se esquecer da frenética iluminação, desenhada por MANECO QUINDERÉ, a qual superlativa todas
as cenas, sem qualquer exceção. MANECO
abusa das cores e das intensidades de luz, para criar o ambiente necessário ao
desenrolar do roteiro, sem falar na “orgia
de laser”, que tem tudo a ver com o espetáculo. O público vai à loucura com os sons e as luzes.
Não
poderia ficar de fora, para completar o tom exigido por esta produção, o excelente visagismo de MAX WEBER, que mergulhou, profundamente, no elemento exótico, para
caracterizar a “tribo” que frequentava a danceteria.
Um dos
maiores nomes que colaboram para a consagração do espetáculo é o de ALEXANDRE
ELIAS, à frente da competentíssima e
desafiadora direção musical, na
qual se destacam a brilhante trilha
sonora, o fantástico trabalho de
arranjos musicais e vocais e, a gravação de todos os “playbacks”. Sim, não há músicos ao vivo, da mesma forma como
ocorria no “DANCIN’ DAYS” e nas discotecas que a sucederam. Isso foi
uma opção do próprio ELIAS, partindo
de uma ideia de uma das produtoras
do espetáculo, JOANA MOTTA. Assim, ele e
sua equipe desenvolveram um trabalho de pesquisa, que durou três anos, uma “direção musical que não precisasse
de uma banda ao vivo (...), mas que, ao mesmo tempo, eu (ALEXANDRE ELIAS)
pudesse criar arranjos novos e ter uma música viva, que pulsasse junto com o
espetáculo e com a direção desafiadora das leis da física e do óbvio (...). O
resultado é um trabalho com arranjos criados a partir de uma tecnologia de
ponta, em edição e manipulação de ‘samples’ e ‘loopings’. (...) Compramos a
licença, para samplearmos alguns dos maiores músicos do mundo (...). Esses
músicos entraram no Bunker Studios, em Nova Iorque, e gravaram horas e horas de
‘grooves’ de ‘disco music’, ‘funk’, ‘soul’ e ‘rock’. Não gravaram qualquer
música específica; somente levadas, improvisos, ‘jam sessions’. Recebemos essas
gravações, em forma de ‘samples’, em áudio de altíssima qualidade, e, a partir
daí, eu fui manipulando e editando esse material sonoro, para poder recriar os
arranjos das músicas que NELSON MOTTA escolheu. Durante o espetáculo, esses
arranjos são operados em um ‘software’ de última geração, que permite que o
operador faça com que a música acompanhe a pulsação dos atores e bailarinos,
como se fosse uma banda ao vivo. São dois computadores interligados e
trabalhando simultaneamente, para que isso aconteça.” (Trecho extraído
do depoimento de ALEXANDRE ELIAS, no
lindo programa da peça, e que não
poderia ser omitido nesta crítica.).
A plateia jura que há uma banda em cena. Resumindo:
trabalho de um gênio, merecedor de todos os prêmios na categoria “direção musical”.
O desenho de som, cujo responsável é TOCKO MICHELAZZO, permite que não se perca o mínimo detalhe projetado para ser ouvido.
Muito do sucesso do espetáculo se deve à seleção do elenco, tarefa das mais importantes, aqui, a cargo de CIBELE SANTA CRUZ, produção de elenco.
FICHA
TÉCNICA:
Texto: Nelson Motta e Patrícia Andrade
Direção Geral: Deborah Colker
Direção Musical: Alexandre Elias
Elenco: Bruno Fraga (Nelson Motta), Larissa
Venturini (Scarlet Moon), Cadu Fávero (Djalma), Franco Kuster (Léo), André
Ramiro (Dom Pepe), Stella Miranda (Dona Dayse), Ariane Souza (Madalena),
Gabriel Manita (Geraldo / Inácio / Catarino), Natasha Jascalevich (Bárbara),
Carol Rangel (Frenética Edyr de Castro), Ester Freitas (Frenética Dhu Moares),
Ingrid Gaigher (Frenética Lidoca), Júlia Gorman (Frenética Regina Chaves),
Larissa Carneiro (Frenética Leiloca), Ludmila Brandão (Frenética Sandra Pêra),
Karine Barroso (Vera / swing feminina), Rômulo Vlad (Bailarino / Tenente Möeller),
Andrey Fellipy (bailarino), Isadora Amorim (bailarina), Elio Barbe (bailarino
/ Capitão Matoso), Eddy Soares (bailarino), Júlia Strauss (bailarina) e Rogger
Castro (bailarino e Tony Manero)
Coreografia: Deborah Colker e Jacqueline
Motta
Cenografia e Direção de Arte: Gringo Cardia
Desenho de Luz: Maneco Quinderé
Figurinos: Fernando Cozendey
Desenho de Som: Tocko Michelazzo
Visagismo: Max Weber
Colaboração Artística: Toni Platão
Produção de Elenco: Cibele Santa Cruz
Produção Geral: Joana Motta
Gerência de Produção: Graziele Saraiva
Direção de Produção: Renata Costa Pereira e Edgard Jordão
Produção Executiva: Vanessa Campanari
Assessoria de Imprensa: Alan Diniz (Xavante Comunicação)
Fotografias: Léo Aversa / Divulgação
Realização - Irmãs Motta e Opus
SERVIÇO:
Temporada: De 24 de
agosto até 21 de outubro de 2018.
Local: Teatro Bradesco – Rio de Janeiro.
Endereço: Avenida das Américas, 3900 – loja 160 do Village Mall – Barra
da Tijuca – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: 6ª feira, às 21h; sábado, às 17h e às 21h; domingo, às
18h.
Valores dos Ingressos: De acordo com a localização das poltronas,
variam de R$75,00 a R$160,00 (inteira) e de R$37,50 a R$80,00 (meia
entrada).
Classificação Etária:
Livre.
Duração: 120 min.
Capacidade: 1000 lugares.
Gênero: Musical.
Tudo o que ainda me resta dizer
sobre “O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS” é
que estamos diante de uma superprodução,
imperdível! Trata-se de um espetáculo que, sem forçar nenhuma
barra, promove uma total interação entre
palco e plateia, ficando difícil, para o espectador, de qualquer idade,
permanecer imóvel, sem se divertir e se emocionar, durante os 120 minutos de sua duração.
“Nada é realista e, muito longe de ser uma
documentação dos anos 70, todos os elementos da linguagem teatral contribuem
para fazer aquilo que a discoteca esbanjava: clima, alegria, gente talentosa,
um enorme diferencial de outros locais.”.
Chamo a atenção de quem vai
assistir ao espetáculo para não se
retirar do Teatro, após o primeiro
fechamento da cortina, uma vez que uma linda e emocionante surpresa está reservada
ao público.
Aproveito,
também, para registrar, na plateia, no dia da sessão para convidados, as marcantes presenças de três das originais Frenéticas,
DHU MORAES, LIDOCA e SANDRA PÊRA, o
que contribuiu, enormemente, para aumentar a nossa emoção.
“O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS” não é só uma
peça de TEATRO. “O FRENÉTICO DANCIN’
DAYS” não é só um ótimo e divertido musical.
“O FRENÉTICO DANCIN’ DAYS” é muito
mais: é um evento, um grande acontecimento, que veio para nos
fazer relembrar e celebrar uma época em que os cariocas tínhamos (Aceitem a silepse de pessoa!) orgulho de nossa
naturalidade, um tempo em que a gente era feliz, no Rio de Janeiro, e não sabia. Ou
será que sabia?
Recomendo muito o espetáculo, ao qual já
assisti duas vezes e ainda pretendo ver mais outras.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE EXISTE
DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(Foto: Gilberto Bartholo)
(Foto: Gilberto Bartholo)
(Foto: Gilberto Bartholo)
FOTOS: LÉO AVESA
e
DIVULGAÇÃO.)
Bravo! Crítica à altura do belo espetáculo!
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