sábado, 2 de junho de 2018


PANDORA

(MITOLOGIAS LIGADAS AO ARQUÉTIPO FEMININO:
BASE DE UM BELO ESPETÁCULO PLÁSTICO / TEATRAL.)
ou
DAS DISTORÇÕES DO PAPEL 
DA MULHER ATRAVÉS DA 
HISTÓRIA UNIVERSAL.)





            Já na reta final, em sua primeira e curta temporada, no Teatro Rogério Cardoso, dentro da Casa de Cultura Laura Alvim, está em cartaz um belo espetáculo, que tem como maiores atrativos o aspecto plástico e uma fantástica trilha sonora. Chama-se “PANDORA” (VER SERVIÇO.).

A partir de longa pesquisa sobre as mitologias que constituem o arquétipo feminino e de suas distorções ao longo dos séculos, a peça reflete sobre a condição da mulher no mundo de hoje”. É o que diz o “release” da peça, enviado por STELLA STEPHANY (JSPONTES COMUNICAÇÃO), assessoria de imprensa.

            O espetáculo é uma criação e idealização das atrizes JAQUELINE ROVERSI e JORDANA KORICH e conta com a direção de LEONA CAVALLI. “A peça nasceu da pesquisa de três anos, das atrizes, sobre as mitologias que constituem o arquétipo feminino e de suas distorções ao longo dos séculos, que resultaram na imagem da mulher como conhecemos hoje em dia. As atrizes buscaram, ainda, referências históricas, desde as antigas sociedades pré-patriarcais, pesquisando as relações do meio social com o feminino nas tradições de diversas culturas - indígenas brasileiras e nativas Americanas, hindu, egípcia, persa, grega, africana, celta, chinesa, asiática, hebraica. Um estudo sobre como as civilizações e sociedades representavam a mulher, os lugares que ela ocupou nas diferentes eras e o resultado disso nos tempos atuais. A investigação resultou numa história contemporânea de duas irmãs, que se reencontram: uma envolvida com a arte, a pesquisa dos arquétipos femininos e a ancestralidade; a outra, uma mulher prática e independente, que, através do trabalho, conquistou espaço e respeito num universo tipicamente masculino. O lugar de interseção entre as duas é a família e a memória”.









SINOPSE:

A peça conta a história do reencontro de duas irmãs, dois anos após a morte da mãe. 

JANAÍNA (JAQUELINE ROVERSI) jamais saiu da casa da família, na serra, onde passaram a infância. Ela mantém um ateliê de artes, que era da mãe, e segue a profissão desta, contadora de histórias, e também estuda mitos e culturas ancestrais. Sua preocupação maior é o com o papel e a valorização da mulher na sociedade atual, moderna, e seus rumos, a partir dessa situação.

JOANA (JORDANA KORICH), por sua vez, foi embora, para estudar na capital e se tornou engenheira. Tem uma visão mais prática da vida, valoriza e persegue a realização financeira.

JOANA se vê obrigada a voltar ao lar do passado, pois acaba de ser expulsa, de seu próprio projeto, por engenheiros e donos de empreiteiras, depois de uma longa luta para afirmar seu lugar num meio tradicionalmente masculino.

JANAÍNA, comemorando o reencontro com a irmã, decide lhe mostrar, pela primeira vez, um baú, onde estão guardados os “tesouros” da família, memórias e lembranças das duas, de sua mãe e de antepassados. 

Aos poucos, revela-se a tensão entre as duas irmãs e a polaridade de seus universos e expectativas.

JANAÍNA se ressente, por ter cuidado, sozinha, da mãe doente, até o final, enquanto JOANA, que, durante a doença da mãe, manteve-se a distância, apenas como provedora, não aceita que a irmã tenha se apossado da casa da família, única herança deixada pela mãe.
  







É bem interessante a ideia da estrutura textual da peça: a fusão das diferenças entre as duas irmãs, o real versus o ideal, as discussões entremeadas por contações de histórias, a mistura do elemento humano com bonecos...

O texto, fruto de muita pesquisa (três anos) e observações (o tempo de vida das atrizes), por estar ligado a um tema atual, agrada e justifica a proposta, porém acho que as duas autoras, cujos trabalhos eu ainda não conhecia, e me agradaram, pela capacidade que demonstraram, teriam muito, ainda, a dizer, ocupando mais tempo, para aprofundar a temática, que é bem rica.

            As cenas de contação de histórias, todas muito bem elaboradas, funcionam como um elemento que unifica as duas irmãs, que as torna, por algum tempo, um ser indivisível, da forma como iniciam o espetáculo - linda, diga-se de passagem - assim como o terminam. Mais sobre isso creio não ser conveniente dizer, para não roubar, ao espectador, o prazer da surpresa. Nessas cenas, ressaltam-se as memórias de um passado não tão distante e o que ainda existe de afeto fraternal.

            Com relação à cena inicial, pode-se perceber, sem que haja uma só palavra, e sim um belíssimo trabalho de corpo (direção de movimento), cuja preparação foi desenvolvida por KELLY SIQUEIRA, uma espécie de “ritual”, que requer a atenção do espectador para cada detalhe, envolvendo gestos, movimentos, trocas de figurinos e utilização e descarte de duas máscaras, pela metade, formando uma só, obra de arte de MARISE NOGUEIRA.






            Fora os diálogos sobre o relacionamento das duas irmãs, que se distanciam das histórias contadas, estas são três contos das culturas grega (“Deméter e Perséfone”), hebraica (Sophia e a criação) e hindu (Ganesha e Kartikeia”), além da história das icamiabas, conhecidas como as “amazonas brasileiras”, que, “segundo relatos do frade dominicano Gaspar de Carvajal (1504-1584), teriam lutado contra os espanhóis, no século XVI, na região da Amazônia”.








            Para as contações de histórias, as atrizes se valem de lindos bonecos, principalmente o que representa a mãe, confeccionados por BRUNO DANTE, um craque nessa arte, e esses momentos são leves, de uma beleza e pureza, que contrastam com alguns momentos de tensão entre as duas irmãs, principalmente quando JOANA acha por bem reivindicar sua parte na herança, o que, para ela, pragmática por natureza, representava o único meio, naquele momento, de subsistência. Por outro lado, JANAÍNA, completamente desapegada a valores materiais, luta por impor sua ideia de preservação da memória da família, representada pela casa e por tudo o que havia, de material, dentro dela. É bem interessante o momento em que JOANA diz, com relação à casa: “A única coisa de valor que tenho”, ao que JANAÍNA responde com as mesmas palavras. Valor material, para uma; valor sentimental, afetivo, para outra.

            O texto é coalhado de metáforas, facilmente assimiladas, como, por exemplo o fato de a casa estar, literalmente, “desmoronando”, com goteiras, precisando de reparos urgentes, para continuar de pé. Que melhor ligação poderia existir entre isso e a relação entra as duas irmãs?



As atrizes Jaqueline Roversi e Jordana Korich. 
Ao centro, a diretora, Leona Cavalli.



            O baú, que continha a memória da família e que desperta a curiosidade das duas irmãs, mais a de JANANÍNA, é outra metáfora, representando a própria Caixa de Pandora, “um artefato da mitologia grega, tirada do mito da criação de Pandora, que foi a primeira mulher criada por Zeus. A ‘caixa’ era, na verdade, um grande jarro, dado a Pandora, que continha todos os males do mundo. Ela o abre, deixando escapar todos eles, menos a ‘esperança’. Esta  pode ser vista como um mal da humanidade, pois traz uma ideia superficial acerca do futuro. (...) O principal motivo da criação de Pandora, segundo a mitologia greco-romana, seria de que Prometeu roubara o fogo do Monte Olimpo e o levou ao mundo humano, contrariando a vontade de Zeus. Pandora foi criada com um único defeito, a curiosidade. Zeus criou a caixa, porque sabia que, um dia, a vontade de Pandora a levaria a abri-la e libertar o mal ao mundo humano, castigando-os pelo fogo que haviam recebido contra sua vontade” (Extraído da Wikepédia, com adaptações e correções.). JANAÍNA insiste em dizer que o mito de Pandora foi distorcido pelos homens, que ela não era má, mas, sim uma “voadora” (?).

            A encenação, belamente coreografada, de uma luta entre duas “amazonas”, de certa forma, também metaforiza a rivalidade entre as duas irmãs, as quais, ao que tudo indica, por duas falas, no texto, são filhas de pais diferentes, o que pode justificar a diferença entre ambas.

            Uma das cenas mais lindas e emocionantes envolve a mãe, representada por um boneco. Aqui, eu me forço a não oferecer mais detalhes, para não tirar, a quem ainda vai assistir à peça, a mesma profunda emoção que vivenciei.
















            As duas atrizes, JAQUELINE ROVERSI e JORDANA KORICH, trocam passes e chutam ao gol, balançando a rede, na mesma proporção, cada uma valorizando a sua personagem, com uma interpretação bem natural e convincente.

            LEONA CAVALLI, grande atriz e dona de uma profunda sensibilidade, ao entrar no projeto, para dirigir a peça, pereceu-me o terceiro pé, de um tripé que sustenta o espetáculo. Agasalhou a ideia; melhor, ainda: percebeu todas as intenções das duas autoras e desenvolveu sua proposta de direção de forma a gerar um espetáculo bonito, criativo e de grande apelo emocional.

          KARLLA DE LUCA ocupou-se em criar um cenário simples, de fácil transporte e montagem, para viagens com o espetáculo, porém com elementos de bastante simbolismo, dentro do texto. A parede do fundo, a única, traz quadros, com fotografias da família. É o primeiro contato do público com a memória daquelas pessoas. Essa parede é pontuada com pequenas luzes. Há, ainda, em cena, uma baú, uma mesinha artesanal, dois banquinhos, uma mesa bem rústica, montada sobre dois cavaletes, em cima da qual há utensílios bem simples de uma cozinha. Um espelho de mão completa os objetos de cena.

       Os figurinos, de VANESSA MACHADO, em branco e preto, funcionam como elementos lúdicos e oníricos, na encenação.

            AURÉLIO DE SIMONI trabalha com uma iluminação tão simples quanto funcional e bonita, sem muitas “invencionices”, totalmente marcante e importante para cada cena.






            Fiquei completamente fascinado pela trilha sonora, a cargo de ALESSANDRO PERSAN, que fazia as pesquisas, levava, para os ensaios, as propostas, de acordo com os pedidos da direção e, juntos, ALESSANDRO e LEONA chegaram a um “set list” belíssimo, que só faz valorizar cada momento em que a trilha é utilizada. Eclética, ela é composta por mantras e canções desconhecidas, para mim, pelo menos, além de sons incidentais. Tive acesso à referida trilha:







"SET LIST"

MELOMAI - ARGOS
ANTARTIC -EMILIE SIMON
ATHENIAN BATTLE - TYLER BATES
ARARUNA - MARLUI MIRANDA
RAGA DESH TALA JHAMPA TALA- PURANDARA DASA
VARIATION ON GENESIS THEME ON SITAR - RAVI SHANKAR
SPIRITUAL LAND - MICHAEL BROOK
MAN MATHURA TAN VRINDAVAN - ANURADHA PAUDWAL
TALA -TABLA TARANG - RAVI SHANKAR
OPENING TITLES - JAN A. P. KACZMAREK
BALLARE - VIOLAINE CORRADI
SHOLOM ALEYKHEM - ITZHAK PERLMAN
REKO ARANDU - MEMÓRIA VIVA GUARANI
WATER - UAKTI
DU LAHKA - MARI BOINE
FIRE - UAKTI












FICHA TÉCNICA:

Texto: Jaqueline Roversi e Jordana Korich
Direção: Leona Cavalli

Elenco: Jaqueline Roversi e Jordana Korich
Assistência de Direção e Direção de Movimento: Kelly Siqueira
Cenário: Karlla De Luca
Figurino: Vanessa Machado
Máscaras: Marise Nogueira
Bonecos: Bruno Dante 
Preparação Técnica de Bonecos: Márcio Nascimento 
Iluminação: Aurélio de Simoni
Trilha Sonora: Alessandro Persan
Visagismo: Fernanda Santoro
Fotos: Daniel Barboza, Chico Cerchiaro e João Júlio Mello
Projeto Gráfico: Fernando Alax
Produção: Jaqueline Roversi e Jordana Korich
Assistência de Produção: Anna Bittencourt
Realização: Amor & Arte e Grande Mãe Produções
Assessoria de Imprensa: JSPONTES Comunicação – João Pontes e Stella Stephany








SERVIÇO:

Temporada: De 22 de maio a 13 de junho de 2018.
Local: Teatro Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço: Avenida Vieira Souto, 176, Ipanema – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: 3ªs e 4ªs feiras, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: 5ªs e 6ªs feiras, a partir das 16h; sábados e domingos, a partir das 15h.
Compras: (21) 3005-4104 e através do site www.compreigressos.com
Capacidade: 53 lugares.
Duração: 50 minutos.
Gênero: Drama.
Classificação Indicativa: 12 anos.










            Deixei o Teatro Rogério Cardoso bastante emocionado, surpreso (positivamente) e feliz, por ter assistido a um belo trabalho, erguido com tanta dedicação e sacrifício, cujo resultado agrada a todos. A plateia reagiu muito favoravelmenjte, na hora dos aplausos e em comentários fora do teatro.

            Apenas lamento que o espaço físico seja tão acanhado, impossibilitando que o trabalho ganhe maior realce e seja mais bem admirado pelo público. Merece um teatro maior, num palco italiano, entretanto não tão grande, pois se trata de um espetáculo intimista, mas que possa receber muito mais do que 53 espectadores acotovelados. Torçamos para que venha aí uma nova temporada, porque o trabalho é merecdor disso. Enquanto isso não se concretiza, aproveitem as duas últimas semanas da atual temporada.

E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O BOM TEATRO BRASILEIRO!!!








(FOTOS: DANIEL BARBOZA,
CHICO CERCHIARO
e
JOÃO JÚLIO MELLO.)



















































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