domingo, 28 de janeiro de 2018


[nome do espetáculo]

(“DESCONSTRUIR O QUE ESTÁ ENGESSADO”
ou
 ASSIM TAMBÉM SE FAZ UM ÓTIMO MUSICAL.
ou
NEM SÓ COM MUITAS LUZES
E BRILHOS SE CONSEGUE BRILHAR NUM PALCO.)








            Outra vez, vejo-me no dever de escrever sobre um espetáculo que vi, na última semana de novembro do ano passado, e que, por estar em final de carreira (era a última semana da temporada), comecei a escrever sobre ele, porém não deu tempo de publicar a crítica. Resolvi aguardar sua volta, para, então, tecer comentários sobre a peça.

            Chama-se “[nome do espetáculo]” (exatamente como está grafado) e acabou se tornando um “azarão”, na linguagem turfística, que deu certo, na corrida em busca de destaque entre os melhores espetáculos do ano, no gênero musical. A grande surpresa (AGRADÁVEL) de 2017.

            Fiquei totalmente encantado com o que vi, diverti-me à farta e torci muito para que ele voltasse logo à cena, o que está ocorrendo, no teatro do Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) (VER SERVIÇO.)









SINOPSE:

O espetáculo é a história real (ou quase real) de JEFF (JUNIO DUARTE) e HUNTER (CAIO SCOT).
Para participar de um festival de TEATRO, de setembro, os dois escritores, com a ajuda de SUSAN (INGRID KLUG), HEIDI (CAROL BERRE) e LARRY (GUSTAVO TIBI), precisam criar um musical, em apenas três semanas.
Através da metalinguagem, o espetáculo, além de, ao mesmo tempo, satirizar e homenagear o gênero musical, aborda o próprio fazer artístico e todas as etapas de se produzir arte de maneira independente, tudo isso impregnado de referências da cultura “pop”.
O espetáculo é, acima de tudo, sobre sonhar e fazer acontecer.






            Uma sinopse curta não diz da importância e da grandeza deste espetáculo, que surgiu como um ilustre desconhecido e acabou por ser, merecidamente, incensado pelo público, pela crítica e por grandes “celebridades” ligadas às artes cênicas.

Um espetáculo que se revelou uma grande opção para quem aprecia o bom TEATRO MUSICAL, independentemente das grandes cifras que giram em torno da produção da grande, quase total, maioria das montagens do gênero.

Um espetáculo erguido com muito sacrifício, mas, acima de tudo, com extrema seriedade e competência, a ponto de receber várias indicações a prêmios e estar disputando a posição de vencedor.

Um espetáculo daqueles que conseguem agradar logo no primeiro número musical, “Só o Número de Abertura”, em cuja letra se destaca um trecho, que é a proposta principal da peça: “desconstruir o que está engessado”.






            Sim, isso é o que pretendem. E conseguem. Isso é o que se vê em cena. Isso é o que garante o sucesso do musical. Isso é o seu grande diferencial, que o torna um espetáculo hilário, feito com um humor inteligente e interpretado por um quinteto fantástico de craques, que não têm seus nomes em destaque, cercados de lâmpadas piscando, na fachada dos teatros, nem dividem o seu tempo entre o palco e a gravação de novelas pata a TV. Não vivem na, e da, mídia; não são “superstars”. São super artistas.

            Sem incentivo privado, embora a corrida por patrocínios, durante dois anos, via Lei Rouanet, tenha sido insana, porém infrutífera, o elenco, de, apenas, dois atores, duas atrizes e um pianista, contrastando com os numerosos elencos de musicais, contando, ainda, com TAUÃ DELMIRO, que dirige a peça, e mais alguns companheiros de labuta, que acreditaram no projeto, com recursos próprios, partiram todos para uma empreitada, que, embora ainda não esteja se pagando, está dando para sobreviver e, o melhor (ou quase isso, porque é preciso dinheiro, para se sobreviver dignamente), recebendo o reconhecimento geral.

            O título da peça (um achado), a qual é considerada “cult”, uma excelente jogada de “marketing”, é original da Broadway, onde nasceu, em 2008 (Está comemorando, portanto, dez anos.), e chega aqui com uma tradução literal: “[nome do espetáculo]” (“[title of show”]), grafado, intencionalmente, com letras minúsculas e dentro de colchetes, o que pode ser decodificado (por mim, pelo menos) como uma maneira de demonstrar “humildade” ou “descrença”, por parte de seus próprios criadores, no produto que oferecem. É como se nem eles acreditassem na maravilha que estavam produzindo.

O título fica sendo uma incógnita: Que diabos será isso? E provoca questionamentos: Mas qual é o nome da peça? Esqueceram-se de dizer ou ela não foi, ainda, batizada?
  
A montagem brasileira foi idealizada pelo ator e cineasta CAIO SCOT e pelo ator JUNIO DUARTEMontado, originalmente, na Broadwayo musical recebeu uma indicação ao Tony Award de Melhor Libreto de Musical, em 2009.




Segundo o “release” da peça, que me foi enviado por CAIO SCOT, “Além da diversão, o espetáculo suscita reflexões importantes para o atual momento teatral brasileiro. Ele mostra que há a possibilidade de se criar e investir em projetos próprios. ‘[nome do espetáculo]’ é, acima de tudo, uma carta de amor para o TEATRO”

            Na adaptação para a nossa realidade, seus responsáveis, de forma mais que inteligente, fizeram uso, e abuso (no bom sentido) de referências ao universo que nos cerca, citando nomes de musicais montados no Brasil, assim como os de produtores, diretores e atores neles envolvidos. Até mesmo nomes de críticos, como o deste, que, modestamente, vos fala, são citados. Tudo dentro do maior respeito e espírito jocoso – uma sincera homenagem àqueles que fazem com que o TEATRO MUSICAL BRASILEIRO já ocupe destaque internacional. Não pode deixar de ser dito que tais adaptações contaram com o aval dos autores da versão original.

            É bem verdade que, embora entendido e aceito pelo grande público, o texto é coalhado, apinhado, cheio de piadas muito inteligentes, direcionadas a iniciados, gente que frequenta teatros, e algumas das brincadeiras só são alcançadas por pessoas da classe artística, o que, de forma alguma, interfere no brilhantismo da peça.
  
“[nome do espetáculo]” consegue provar que é possível se produzir um espetáculo musical de extrema qualidade com parcos recursos financeiros. Estes são substituídos por competência e criatividade.

            Creio ser desnecessário falar da acertada tradução e adaptação da obra, feita em equipe: CAIO SCOT, CAROL BERRES, JUNIO DUARTE, LUÍSA VIANNA e TAUÃ DELMIRO. Passemos, então, aos demais elementos que merecem ser analisados.






            TAUÃ DELMIRO, ainda que incipiente em direção, uma vez que atua mais e, também, escreve para o TEATRO, demonstra uma maturidade impressionante, na condução do espetáculo. Infelizmente, não assisti à peça, na Broadway, mas penso que TAUÃ conseguiu assimilar, totalmente, o espírito da proposta original e lhe deu pinceladas, nas cores da bandeira nacional, um ótimo toque de brasilidade, conseguindo com que se possa perceber um quê de Broadway na Cinelândia, mas com cheirinho e gosto da feijoada do Teatro Rival, no lugar de sanduíches plastificados.

            “Micos e Programas” é o nome de uma canção da peça, que serve para ilustrar uma das melhores cenas do espetáculo, quando, enquanto interpretam a interessante música – aliás, todas são muito interessantes -, exibem, os quatro atores, numa ótima coreografia, programas e cartazes dos grandes musicais já encenados no Brasil. Um ótima sacada da direção.

Outra é a cena em que as duas atrizes “trabalham” como “guias espirituais” dos dois dramaturgos, incentivando-os a não desistir do desafio, num momento de fraqueza dos dois.

            Duas outras cenas também ficam na memória do espectador. Uma delas é desenvolvida durante a execução da canção “Sai, Vampiro”, que é uma forma de exorcizar e expulsar tudo o que há de negativo, tentando impedir que a criatividade e o poder de criação dos dois dramaturgos sigam adiante. A outra é uma em que os quatro postulantes a “famosos” discutem qual deveria ser o título da peça.

            A direção musical, excelente, por sinal, fica a cargo de GUSTAVO TIBI, que pode ser considerado “o quinto Beatle”, pois, além de executar, ao piano, a dificílima partitura da peça, ainda tem esporádicas participações, como ator, uma vez que, de acordo com o roteiro, é mais um “audacioso e pretensioso” parceiro a se comprometer com a montagem de um certo musical no prazo exíguo de três semanas. Esse rapaz é de uma competência incrível, como músico, e diverte bastante a plateia, nas suas raras aparições.

            Para um espetáculo modesto, em termos de orçamento, que nada contra a correnteza, que foge, totalmente, aos padrões das montagens do gênero, que consegue quebrar paradigmas, não combinam cenários e figurinos caros e pomposos, cheios de brilho, para ajudar na provocação do “glamour”. Este é um conceito mais interior do que à mostra, por fora. Pelo menos, aqui.

Apenas quatro cadeiras - três de escritório, de modelos distintos, e uma poltrona, todas em quatro cores diferentes e bem “quentes” -, quatro persianas verticais, ao fundo, e um teclado fazem parte do cenário, assinado por CRIS DE LAMARE.




            Os figurinos, de TAUÃ DELMIRO, são todos do dia a dia de jovens como os personagens. Pareceu-me que cada um levou, de casa, peças dos seus próprios guarda-roupas, bem “descoladas”, e o figurinista e diretor selecionou o que pensou ser mais adequado a cada um dos quatro atores/personagens, numa acertada escolha. Além de cada traje ajudar bastante na caracterização dos personagens, as roupas deixam os atores bem à vontade, para os rápidos deslocamentos no palco e para executar as coreografias.

            Por falar em coreografias, não existe, na ficha técnica, o nome de um responsável por elas, pois não foi contratado um profissional do ramo, para criá-las, surgindo, em consequência, uma obra quase de criação coletiva, entre elenco e direção, com mais a responsabilidade de TAUÃ DELMIRO. Elas, ainda que interessantes, propositalmente – pareceu-me – seguem uma linha clichê, porém com o intuito de criticar (melhor dizendo, brincar com) as complicadas, por vezes, coreografias vistas nas grandes produções musicais. Algumas, porém, trazem uma pitada de inovação e são divertidas.

            Quando fiz referência à direção musical, perdi a oportunidade, recuperada agora, de mencionar o nome de RAFAEL VILLAR, na direção vocal. É muito bom o trabalho desse profissional, principalmente quanto aos arranjos vocais para os duetos.




Como não poderia deixar de acontecer, numa peça como esta, a crítica também se aplica às técnicas vocais utilizadas, via de regra, pelos atores/cantores de musicais, principalmente com relação ao tão discutido “belting”, que consiste numa técnica vocal, utilizada para se produzir uma voz mais clara, projetada, em volume alto e notas musicais agudas e extremamente agudas, sem danificar as cordas vocais. Pode-se dizer que o ‘belting’ é a forma saudável de gritar aplicada ao canto”. Os atores não utilizam tal técnica e fazem piadas sobre ela, mas sabem explorar seu potencial vocal.

            PAULO CÉSAR MEDEIROS, de consagrado reconhecimento, como iluminador, vencedor de tantos prêmios e já tendo assinado a iluminação de tantos e tantos consagrados espetáculos, neste modesto “[nome do espetáculo]”, apresenta um de seus melhores trabalhos que tive a oportunidade de ver ultimamente.

            O desenho de som, a cargo de GABRIEL D’ÂNGELO, elemento da maior importância num musical, aqui, é executado com correção, embora, às vezes, torna-se difícil perceber alguma coisa que os atores dizem ou cantam, porém isso deve ser creditado a problemas de dicção de alguns, em determinadas cenas, que exigem a fala ou o canto mais acelerado. Um pouquinho mais de atenção, para isso, faz-se necessário. Embora tenha assistido à peça duas vezes, confesso que perdi detalhes do texto e das letras das canções. Acho que isso vai me obrigar a ver a peça pela terceira vez (momento descontração).

            Para encerrar esta análise, reservei as últimas palavras ao elenco, ao formidável elenco, que, além de intrépido, é muito competente e encara, com firmeza, este grande desafio. Sim, o espetáculo é um grande desafio para qualquer ator. Seria de causar preocupação aos mais tarimbados no gênero; imagina para os quatro quase iniciantes... O quarteto, porém, não decepciona; antes, os quatro nos dão uma aula de como fazer TEATRO com a alma à flor da pele, cada um com suas características particulares de interpretação, todas convergindo para o acerto. Não cabe ressaltar o nome de ninguém, pois todos brilham na mesma intensidade, sendo merecedores da calorosa recepção do público e da crítica especializada. A cada final de uma sessão, as plateias se manifestam, durante muito tempo, com aplausos, gritinhos e outras formas de carinho e reconhecimento do talento de todos, e em agradecimento ao espetáculo que eles nos proporcionam.






            Não falarei se os personagens conseguiram o seu intento; se participaram do tal festival; se tiveram seu trabalho reconhecido; se fizeram uma temporada comercial, depois; se tinham grandes ambições de ocupar um dos maiores teatros do Brasil, situado em São Paulo; e o que aconteceu a cada um, depois de toda essa saga, para não ser acusado de estragar tudo com um “spoiler”. Quer saber? Assista à peça!!!




           



FICHA TÉCNICA:
Texto Original: Hunter Bell
Letras e Músicas Originais: Jeff Bowen
Versão Brasileira (texto e músicas): Caio Scot, Carol Berres, Junio Duarte, Luísa Vianna e Tauã Delmiro
Direção Artística: Tauã Delmiro

Elenco: Caio Scot (Hunter), Carol Berres (Heidi), Junio Duarte (Jeff), Ingrid Klug (Susan) e Gustavo Tibi (Larry)
(Stand In): Catherine Henriques

Cenário: Cris De Lamare
Figurino: Tauã Delmiro
Iluminação: Paulo César Medeiros
Direção Musical: Gustavo Tibi
Direção Vocal: Rafael Villar
Designer de Som: Gabriel D’Angelo
Operador de Som: Cidinho Rodrigues
Operador de Luz: Dans Souza
Designer Gráfico: Thiago Fontin
Fotos do Programa e Divulgação: Bárbara Lopes
Fotos de Cena: Manuela Hashimoto
Produção: Alessandro Zoe e Manuela Hashimoto
Idealização: Caio Scot e Junio Duarte
Realização: Caju Produções












SERVIÇO:

Temporada: De 19 de janeiro a 4 de fevereiro de 2018
Local: Centro Cultural Justiça Federal
Endereço: Avenida Rio Branco, 241 - Centro (Cinelândia) - Rio de Janeiro (Em frente às estações do metrô e do VLT)
Telefone: (21) 3261-2550
Dias e Horários: De 6ª feira a domingo, às 19h
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada)
Classificação Etária: 14 anos
Duração: 90 minutos
Gênero: Musical










            Num determinado momento da peça, sai esta pérola: “A gente quer fazer arte, mas quer ser famoso também.”. Em primeiro lugar, quero deixar bem claro que ARTE eles já fazem; a fama será consequência deste magnífico trabalho. Nem sempre, infelizmente, a fama existe na relação direta com a arte. Muito melhor é ser um grande artista, não famoso, mas reconhecido, como são CAIO, JUNIO, INGRID, CAROL E GUSTAVO. E eles mesmos, ao final da peça, na ótima canção “Preferido de Alguém”, cantam: “Prefiro ser o favorito de alguém que o nono preferido de cem.”.

            Meninos, vocês são os meus favoritos. Está bom para vocês?

            Terminando: Em plena 6ª feira, a quinze dias do carnaval, a Cinelândia não pulava, ao som do Cordão do Bola Preta, ou do Monobloco, ou do Bloco da Preta, da branca ou da amarela... A Cinelândia superlotava (lotação esgotada) o teatro do CCJF, para aplaudir “[nome do espetáculo]”, que, por merecimento, deveria ficar em cartaz por muitas outras temporadas, por sua proposta corajosa, inteligente e vencedora.

            Recomendo, com o maior empenho, o espetáculo!!!

            E VAMOS AO TEATRO!!!


            OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!








(FOTOS: BÁRBARA LOPES 
MANUELA HASHIMOTO.)






GALERIA PARTICULAR:




































sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

PRESSA

(O MUNDO ESTÁ / É DOENTE 
OU DOENTE ESTAMOS / SOMOS TODOS NÓS?
ou
UM ÓTIMO TEXTO, 
UM DRAMA QUE NOS FAZ RIR;
MAS DO QUÊ?
ou
QUEM TEM PRESSA
NÃO É À TOA.)





            No ano passado, bem no início de setembro, assisti a um espetáculo, no penúltimo dia da temporada e, simplesmente, o adorei. Não fazia sentido escrever sobre a peça, ao apagar dos últimos refletores. Preferi, então, aguardar que voltasse ao cartaz, o que me fora prometido, sem data prevista, para ter o prazer de assistir a ela novamente e, então, tecer comentários sobre o que vi. E é o que estou fazendo agora. Demorou um bom tempo, quatro meses, mas, para a alegria de quem gosta do bom TEATRO, ele está de volta.

            O espetáculo chama-se “PRESSA” e revi-o, na nova temporada, na sessão para convidados, na última 2ª feira, com três ótimas substituições no elenco, no Teatro Gláucio Gill (VER SERVIÇO.).

            Trata-se de uma peça inédita, texto indicado a Prêmio Botequim Cultural, do autor e ator paulistano OCTÁVIO MARTINS, confiado à COMPANHIA OS FODIDOS PRIVILEGIADOS, uma das mais conceituadas e consagradas companhias cariocas, nascida, há 26 anos (1991), fundada pelo saudoso e genial Antônio Abujamra, reunindo cerca de 30 atores, inicialmente, sediada no Teatro Dulcina, com bastantes atores jovens. Eles carregam, em sua linguagem, o espírito debochado, o rigor formal e a racionalidade de seu fundador.

            Muitos elementos da antiga formação da COMPANHIA estão, até hoje, inseridos nela ou fazendo trabalhos por fora. Um dos grandes esteios dos FODIDOS é JOÃO FONSECA, que passou a liderar o grupo, com o gradual afastamento de Abujamra. JOÃO dirige, desde então, todos os espetáculos do grupo, inclusive este “PRESSA”, ao lado do consagrado cenógrafo NELLO MARREZE, que se revela um excelente diretor, como debutante na função.

            Desde 1995, OS FODIDOS PRIVILEGIADOS vêm desenvolvendo a prática de oficinas, seminários, grupos de estudos e pesquisa, leituras dramáticas, tributos e montagens de textos clássicos e contemporâneos, de autores nacionais e estrangeiros, tudo agregado a um trabalho cênico, de investigação de linguagem e ampliação de plateias no TEATRO, horizontes que pautam sua linha de atuação no mercado cultural brasileiro.








SINOPSE:
           
“PRESSA” é uma peça tem uma dramaturgia moderna, provocadora, não linear, fragmentada e bastante dinâmica, com cenas curtas e entrecortadas, as quais focam personagens marcados pela brutalidade e achatamento, o que determina suas ações, mantendo-os aprisionados na lógica absurda do imediatismo alienante que encobre a amoralidade, a corrupção e a falta de escrúpulos nas relações e nos discursos da vida cotidiana.

A peça aborda relações pessoais, afetadas pela urgência. Quem não tem pressa na concretização de um aborto, por exemplo? Ou na procura de um tratamento para um paciente soropositivo?

São quatro histórias, com onze personagens, que têm suas trajetórias cruzadas, por questões que demandam uma solução de curto prazo.

Por trás da lógica absurda do imediatismo alienante, estão a amoralidade, a corrupção, a falta de escrúpulos, a brutalidade e a perversão, nas palavras e nos atos.







            Pela curta sinopse, conseguimos sentir, no ar, mesmo antes de assistir à peça, um “cheirinho” de Nelson Rodrigues no pedaço. Não é só impressão olfativa. Para escrever este texto (Ele tem outros, tão excelentes quanto; “Caros Ouvintes” é um deles.), OCTÁVIO demonstra ter bebido naquela fonte e ter assimilado o que de melhor possa ser extraído da vasta obra rodriguiana, da qual, nunca fiz segredo, não sou fã, gostando apenas de poucas de suas peças.

            O fato é que o universo de Nelson está vivo, em “PRESSA”. Seus personagens parecem ter ressuscitado e lá estão, misturando características pessoais de vários deles, comuns a tantos de sua galeria de bizarrices.

O que mais marcante se faz, no excelente texto, é o caráter amoral de cada um, até mesmo daqueles que fingem lutar contra as tentações.

Considero perfeita a carpintaria teatral empregada por OCTÁVIO, que consegue entrelaçar histórias, situações díspares, que acabam convergindo numa só, praticamente. Todos estão presos a uma teia, à mesma teia, inteligentemente construída pelo dramaturgo, da qual não conseguem se livrar, se é que tal desejo possa ter passado, verdadeiramente, em algum momento, pela cabeça de algum dos personagens, todos muito “doentes” ou “doentios”, do ponto de vista psicológico e moral.

A insanidade perversa permeia todos e gera situações absurdas, verdadeiros atentados ao que seria de se esperar do comportamento e das relações entre seres “ditos” humanos.

            O texto mexe muito com a sensibilidade do espectador e, apesar de ser um drama, provoca risos, até gargalhadas, para o que, na verdade, não há motivos. Rimos de nervoso, tensos, com o desenvolvimento gradual da trama. Rimos do patético, do inusitado e, até mesmo, do ridículo.

            Segundo o “release”, que me foi enviado por FILOMENA MANCUZO, a qual também atua na peça, “o texto trata de um universo caótico e em transformação, de como as pessoas são capazes de se alienar e se corromper, num mundo cada vez mais ‘selfie-ish’ e ‘globalizado’”.






O espetáculo fez uma boa carreira, durante sua primeira temporada, e promete repetir a dose, na atual, em função de sua qualidade, como entretenimento e fonte de reflexão para uma análise dos tipos humanos com os quais nos deparamos, no dia a dia. Todos nós somos, em parte ou por inteiro, um daqueles personagens; ou temos alguém, na família, parecido com algum deles; ou conhecemos ou já ouvimos falar de alguém, pelo menos, que nos lembre um dos que estão em cena.

            O humor ácido e cruel do texto é um convite a que não pisquemos durante a montagem, bastante dinâmica e fruto de uma inteligente e criativa direção, como uma história em quadrinhos ao vivo, que conta com um elenco bastante entrosado, com excelentes atores, daqueles que estão sempre levantando a bola, para um outro matar no peito e estufar a rede. Tudo partindo de jogadas muito bem ensaiadas, nos treinos. O resultado é uma goleada.

            Não sei, nem tenho interesse em saber, proporcionalmente, o quanto há do dedo de JOÃO ou de NELLO neste trabalho, a quatro mãos, de direção. Aquele, um consagrado diretor; este, um iniciante na função, como já dito. O que importa é o grande entrosamento que há entre os dois, na condução do trabalho, não fossem eles companheiros de palco de longos anos, JOÃO como excelente diretor e NELLO como grande cenógrafo. A dobradinha sempre deu certo. Agora, os dois se renovam: JOÃO também volta a atuar, o que faz bissextamente, e NELLO aposta no grande desafio de dirigir. O resultado é ótimo!

            Os palcos do Teatro Sesc Tijuca e o do Teatro Gláucio Gill, salvo engano, têm quase as mesmas dimensões (Espero não estar cometendo um grave erro de percepção visual.) e um dos pontos fortes da direção é saber valorizar e ocupar a dimensão dos dois espaços, o conhecimento da realidade espacial, entrecortando as cenas e fazendo os personagens se deslocarem, sem interferir no que está acontecendo sob os focos; ou seja, o que está em segundo plano também importa, sem atrapalhar o que é, num determinado momento, eleito para chamar a atenção do público.

            Como em tantos outros espetáculos encenados pelos FODIDOS, o cenário (leia-se NELLO MARREZE) é um elemento que é mais funcional que estético, econômico, nos elementos, mas sempre funcionando muito bem. Em “PRESSA”, só há uma cortina, ao fundo, feita com grandes lenços, ou algo parecido, emendados, em tons predominantemente escuros, pendendo do teto, lado a lado, como se fosse uma enorme persiana vertical. No mais, algumas cadeiras, utilizadas quando o palco não está totalmente nu. A “dança de cadeiras”, a utilização, à farta, desse tipo de móvel, é uma constante, nas direções de JOÃO FONSECA, sempre com excelentes resultados. Servem, também, para que os atores que não estejam em cena aguardem suas deixas, sentados, nas duas coxias aparentes.

            Os figurinos, de VICTOR GUEDES, são meios atemporais, difíceis de serem catalogados como pertencentes a uma determinada época ou estilo. Poderíamos dizer que são vestes do dia a dia, adequadas aos personagens, mais para a contemporaneidade, sem exageros nem grandes destaques.

            A iluminação, a cargo de LUIZ PAULO NENEN E TIAGO MANTOVANI, é um elemento muito explorado e importante, neste espetáculo, uma vez que, como há vários atores ocupando o espaço cênico, com cenas rápidas, curtas e alternadas, o desenho de luz tem de ser muito dinâmico, com focos alternantes, exigindo muita atenção do operador da mesa, o que pode gerar algum ligeiro problema, como um, pontual, ocorrido na sessão que estou analisando. Nada que comprometesse o espetáculo, mas que me serve de motivação para elogiar a sagacidade das duas atrizes em cena, naquele momento, RAFAELA AMADO e MARIAH VIAMONTE, que, percebendo a pane, correram para um único foco de luz, que ficou à frente do palco, num dos cantos, quando a cena se dava no meio deste. Corrigido, quase instantaneamente, o problema, ambas voltaram para as suas marcas, com a maior naturalidade, sem deixar a cena “cair”, “e la nave va”.

JOÃO FONSECA assina a agradável trilha sonora, adaptável às cenas.






            Quanto ao elenco, é preciso falar que, da temporada passada para esta, três substituições ocorreram, sem prejuízo da qualidade já constatada, por mim, quando vi o espetáculo pela primeira vez. JOÃO FONSECA, corajosamente, substitui um dos melhores atores de sua geração, André Dias. E dois jovens atores daquele elenco estão muito bem representados neste: Saulo Segreto cedeu lugar a THIAGO MARINHO; RAFAEL COIMBRA assumiu o papel, antes, defendido por Daniel Rangel.

            Não seria justo evidenciar trabalhos individuais, uma vez que os onze, em cena, atuam como onze jogadores, num campo. Futebol é conjunto, é esporte coletivo; TEATRO é equipe, exige empatia.

            É bastante interessante o modo de atuar de todos, certamente seguindo a orientação dos diretores, quando interpretam de uma forma bem naturalista, que, se não exagero, está bem próxima à linha de Stanislavski, “o pri­meiro mestre do TEATRO a sistematizar um mé­todo de atuação, que não exclui, de suas reflexões, a relação ator-texto. A voz, no trabalho do ator, ganha uma importância, que ultrapassa aspectos da boa dicção e capacidade declama­tória. Predomina a ideia de dar vida às palavras do texto, fazendo com que a atuação deixe de valorizar o verossímil e se torne crível, num grau que não gere dúvidas no espectador”.

A interpretação naturalista exige uma relação que o diretor e, também, o ator criam com o texto. Sendo assim, a representação deixa de ser forçada e o ator conquista uma liberdade de interpretação, que leva a peça a parecer mais ver­dadeira. “Como representante do naturalismo nos palcos, Stanislavski julgava que o público precisava acreditar no que estava vendo, de tal forma que o que estava sendo encenado devia assemelhar-se a um acontecimento cotidiano, o que diferia da falsa ilusão de realidade, que era gerada antes, com o drama romântico”. Isso é perceptível na peça ora analisada.

Gosto muito das soluções que a direção encontrou para levar o espectador a enxergar o que não está fisicamente em cena, como uma sala de estar, um escritório, um bar, uma casa de prostituição...

Creio que falar de determinadas cenas seria roubar, àqueles que ainda assistirão à peça, o prazer de ver quantas surpresas desfilarão no palco, mas chamo a atenção para uma, excelente, a da passagem de uma determinada quantia, de mão em mão, como numa coreografia, que lembra a progressão da cadeia capitalista, como sistema.








FICHA TÉCNICA:

Autor: Octávio Martins
Direção: João Fonseca e Nello Marreze

Personagens / Elenco: Companhia Os Fodidos Privilegiados:
Esposa Aflita - Filomena Mancuzo / Isley Clare
Marido Calmo - Diogo Camargos
Garota Grávida - Mariah Viamonte
Rapaz Preocupado - Rafael Coimbra
Marido 1 - Alexandre Pinheiro 
Mulher 1 - Paula Sandroni
Marido 2 - Roberto Lobo
Mulher 2 - Rafaela Amado / Rose Abdallah
Rapaz Feliz - Thiago Marinho
Irmão Doente - João Fonseca 
Velha - Thais Portinho (participação especial)

Cenário: Nello Marreze
Figurino: Victor Guedes
Iluminação: Luiz Paulo Nenen e Tiago Mantovani
Trilha Sonora: João Fonseca
Programação Visual: Maurício Tavares
Produção: Filomena Mancuzo










SERVIÇO:

Temporada: de 19 de janeiro a 19 de fevereiro
Local: Teatro Gláucio Gill
Endereço: Praça Cardeal Arcoverde s/nº – Copacabana – Rio de Janeiro
Dias e Horários – De 6ª a 2ª feira, às 20h
Classificação Etária – 16 anos
Duração – 70 minutos
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada)
Lotação: 105 lugares





 



            “PRESSA” é uma das melhores opções de espetáculos em cartaz, no momento, no Rio de Janeiro, e penso que sua trajetória não vai terminar ao final da atual temporada; há espaço, público e demanda para novas outras.

            Recomendo o espetáculo com muito empenho, na certeza de que os que seguirem a minha sugestão não haverão de se arrepender.

            E VAMOS AO TEATRO!!!


            OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!



 (FOTOS: GUGA MELGAR.)