O
FILHO DO PRESIDENTE
(UM BOM ESPETÁCULO,
EM QUE O
ESPAÇO GEOGRÁFICO
E O TEMPO
PODERIAM SER
“AQUI” E “AGORA”.)
Quando
li o “release” da peça “O FILHO DO PRESIDENTE” (VER SERVIÇO),
enviado por BIANCA SENNA (assessoria de imprensa), fiquei me questionando
se valeria a pena assistir ao espetáculo, uma vez que estava com a agenda
superlotada e a sinopse da peça me
parecia não acrescentar muito, uma vez que o texto trata de uma temática, aparentemente, distante da nossa
realidade. Durou pouco essa rasa e pueril dedução.
Tendo
conseguido um ajuste na agenda, encontrei a data de 11 de novembro, sábado passado, para assistir ao espetáculo, que
cumpre uma curtíssima temporada, de apenas três semanas (esta é a última), com uma expectativa que não era muito grande,
confesso, com toda sinceridade. Não pelos envolvidos no projeto, alguns dos
quais eu já conhecia – seus trabalhos – de longa data, mas por causa do enredo. Não me interessava muito. O texto era o grande óbice. Puro “pré-conceito”, se eu não o conhecia
ainda.
E
não é que eu estava redondamente enganado?! O texto, independentemente
dos demais bons elementos desta montagem, sobre os quais falarei adiante, é o melhor da peça.
Assim
como os personagens são democratas, também poderiam ser republicanos ou
pertencer a qualquer arremedo de partido político brasileiro. O que se vê, no texto, poderia – a pode – ser aplicado
à realidade brasileira, porque tudo o que é nele tratado faz parte de um filme
que todos nós já conhecemos e do qual não gostamos, porque é em preto e branco
e o “mocinho” morre no final: homofobia
e fundamentalismo religioso, duas chagas que parecem não
se fechar, em qualquer parte do mundo, incluindo esta “nação” tupiniquim.
SINOPSE:
Ambientada na sede do Partido Democrata, num hotel, no sul dos
EUA, a trama transcorre, em tempo
real, na noite da apuração dos votos para presidente da nação mais poderosa do
mundo.
JOHN, o pai (ANSELMO
VASCONCELOS) é forte candidato a vencer as eleições presidenciais, porém um
drama familiar se instaura, quando fotos polêmicas do filho, também JOHN (FELIPE CABRAL), “gay” assumido e aceito pela família, são
divulgadas na internet, numa festa, na faculdade: ele, vestido de Maomé, e MATT (HUGO LOBO), seu melhor amigo, de Pastor Bob, um pastor evangélico, homofobicamente radical (o pleonasmo é proposital), que seria
aliado do futuro presidente.
A partir desse momento, o
filho fica sob crescente pressão do pai e da mãe, JESSICA (INGRA LYBERATO), e de dois assessores do partido – o judeu MARC (RODRIGO CANDELOT) e TRACY (VANESSA PASCALE) – para que ele
faça um pedido público de desculpas.
Enquanto os assessores do
partido e seus pais entram e saem do quarto onde JOHN está com MATT, o
amigo que estava vestido de Pastor Bob,
na foto, a fragilidade e as mágoas dessa relação familiar vão sendo reveladas.
A
peça foi escrita pelo dramaturgo
norte-americano CHRISTOPHER SHINN autor de 12 peças, incluindo “Now or
Later”, o título original da peça aqui analisada, indicada ao prêmio “Evening Standard Theatre Award for Best
Play”. É o primeiro texto do
premiado dramaturgo encenado no Brasil.
Escrita em 2008, a
peça foi traduzida por JOÃO POLESSA
DANTAS, um grande conhecedor do ofício, e a montagem é uma idealização de FELIPE CABRAL, que adquiriu os direitos
de encenação, no Brasil, e partiu,
junto a amigos, para uma tremenda batalha, que é montar um espetáculo teatral,
nos dias de hoje, sem contar com patrocínios.
O
texto é muito contundente e mostra, disseca,
a fundo, dois aspectos, homofobia e fundamentalismo religioso, capazes de abalar,
inclusive, a relação entre o novo presidente americano eleito e seu filho,
ambos tão distantes em suas ideologias e comportamentos.
A peça pode
ser considerada “um drama político e familiar, com doses de humor, que traz à tona
temas como liberdade de expressão, sexualidade, privacidade, fundamentalismo
religioso e a luta pelos direitos da comunidade LGBT, na véspera de uma eleição
presidencial americana”.
Diz o autor do
texto que “começou a pensar nessa peça durante o início das eleições de 2008,
quando Hillary Clinton e Barack Obama tiveram que responder às perguntas sobre
o casamento ‘gay’”.
“Na
época, eles não apoiavam o casamento ‘gay’. Tentei imaginar como se sentiria um
filho ‘gay’ de um deles, ao ouvi-los dizer isso. Ao mesmo tempo, depois do 11
de setembro, as questões da liberdade de expressão e o relacionamento do
liberalismo com o fundamentalismo religioso estavam no ar. Comecei a pensar
sobre como essas questões se relacionavam umas com as outras. Logo depois,
pensei numa história sobre um candidato presidencial que é contra o casamento ‘gay’
e é cauteloso em relação ao antagonismo do mundo Islâmico, e o seu filho,
homossexual, é um defensor convicto da liberdade de expressão”, é o que
diz CHRISTOPHER SHINN.
O espetáculo é
de uma excelente qualidade dramatúrgica, reunindo elementos da maior
contemporaneidade, os positivos e os negativos (mais estes), como a questão dos
evangélicos fanáticos, dos muçulmanos perseguidos, da causa “gay”, de uma eleição
presidencial, de um vídeo que viraliza”...
Diz o diretor da peça, MARCUS FAUSTINI: “Tem muito rancor e ressentimento nessa
família. O filho tentou se matar quando era bem jovem. Os pais sempre colocavam
a agenda política na frente de tudo”.
Sobrepõe-se,
a qualquer tema que seja tratado na peça, a questão do relacionamento pai / filho, o que interessa a qualquer pessoa, em
qualquer parte do planeta. É bem provável que isso seja o que mais incomoda a
sensibiliza o espectador. A questão partidária e a eleição, em si, acabam ficando
em segundo plano.
Por total
falta de tempo, em função do acúmulo de trabalho e na véspera de uma viagem,
querendo que estas linhas sejam publicadas antes do encerramento da temporada,
vou fazer, muito a contragosto, uma análise mais superficial da peça, chamando,
porém, a atenção para o fato de que ela merecia um tratamento mais aprofundado,
como o que dou a outros espetáculos sobre os quais escrevo, uma vez que só me
proponho a escrever sobre os espetáculos que me agradam, como este.
Interessei-me
muito pela carpintaria dramatúrgica:
os diálogos, as pausas, o texto das entrelinhas...
Da mesma
forma, achei bem interessante a direção,
de MARCUS FAUSTINI, sobretudo no que
diz respeito ao ritmo empreendido à peça, registrado na movimentação dos atores
e nas constantes entradas e saídas destes. Sempre uma surpresa para o espectador.
O elenco se comporta uniformemente, com
um destaque maior, como não poderia deixar de ser, para o protagonista, FELIPE CABRAL,
que participa de todas as cenas. Cônscios da importância de suas participações
na trama, cada um dos demais atores e atrizes cumpre corretamente suas funções,
valorizando o personagem coadjuvante.
O personagem
de ANSELMO VASCONCELOS só perde a
linha numa única cena, num embate com o filho, mantendo a pose do candidato “praticamente
eleito”, sabedor de que, por conta de uma ação impensada, ou ingênua, do rapaz,
caminha sobre o afiado fio de uma gigantesca adaga.
INGRA LYBERATO, nas suas poucas
aparições, como a futura primeira-dama, mantém uma postura elegante e compatível
com sua função.
RODRIGO CANDELOT, HUGO LOBO e VANESSA PASCALLE
também concedem dignidade a seus personagens.
Simples e ajustado,
provavelmente como pede, em rubrica, o autor
da peça, o cenário, de FERNANDO MELLO DA COSTA, é bastante
correto e bonito, reproduzindo uma confortável suíte presidencial, com uma enorme
cama, um confortável sofá, de quatro lugares, e um “puff”, também de grandes
proporções. Completam a ambientação uma ampla sacada, ao fundo, para a qual se
abrem algumas portas, e ainda, como decoração, símbolos norte-americanos: faixas
de pano, nas cores vermelha, branca e azul, sem que faltasse a águia, símbolo
nacional dois EUA.
Os figurinos, de CAROL LOBATO, são impecáveis, em todos os aspectos.
AURÉLIO DE SIMONI contribui, para a
riqueza e beleza do espetáculo, com uma bela iluminação, que valoriza detalhes do cenário.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Christopher Shinn
Tradução: João Polessa Dantas
Direção: Marcus Vinícius Faustini
Assistente de Direção: Júlia Stockler.
Elenco: Anselmo Vasconcellos, Felipe Cabral, Ingra
Lyberato, Hugo Lobo,
Rodrigo Candelot e Vanessa Pascale.
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Iluminação: Aurélio de Simoni
Figurino: Carol Lobato
"Design": Guilherme Telles e Bruno Garcia
Comunicação: Gabriel Wasserman
Assessoria de Imprensa: Paula Catunda, Bianca Senna e Catharina
Rocha
Coordenação de
Relacionamento: Agatha Santos
Coordenação de
Produção: Carol Bandeira
Assistência de Produção: Menna Barreto, Paulo Dary, Dyogo Botelho
e Flávia Fialho
Assistência de
Financeiro: Karina Cordeiro
Diretor Financeiro: Rodrigo Wodraschka
Direção de Produção: Miguel Colker
Patrocínio: Caixa Econômica Federal e Governo Federal
SERVIÇO:
Temporada: De 02 a 19 de novembro de 2017
Local: CAIXA Cultural Rio de Janeiro - Teatro da
CAIXA Nelson Rodrigues
Endereço: Avenida República do Chile, 230, Centro –
Rio de Janeiro
(Metrô e VLT: Estação Carioca)
(Entrada pela Avenida República do Paraguai)
Informações: (21) 3509-9600 / (21) 3980-3815
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, às 19h
Duração: 80 min.
Valor dos Ingressos: Plateia: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia
entrada); Balcão: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
Além dos casos previstos em lei, clientes CAIXA pagam meia.
Lotação: 400 lugares (mais 08, para
cadeirantes)
Horário de
Funcionamento da Bilheteria: De 3ª
feira a domingo, das 13h às 20h
Classificação Indicativa:
16 anos
Acesso para pessoas com
deficiência.
Um espetáculo como "O FILHO DO PRESIDENTE" não é para ficar apenas três semanas em cartaz.
Oxalá a direção de produção (MIGUEL COLKER) consiga uma nova pauta, provavelmente, para 2018, para que muto mais pessoas, que apreciam o bom TEATRO, possam conhecer esta excelente montagem!
(FOTOS: LEO
AVERSA – divulgação –
e
ZECA VIEIRA -
cena.)
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