sexta-feira, 27 de outubro de 2017


DOCE PÁSSARO

DA JUVENTUDE

 

(UM POUCO MAIS

DE ACÚCAR

NÃO FARIA MAL A NINGUÉM
NEM CRIARIA DIABÉTICOS.)

 
 
 
 
 

            Século XX, início da década de 60, eu em plena adolescência, fui assistir, na, então, embaixada dos Estados Unidos, no Rio de Janeiro (Ou já seria consulado?) a uma leitura dramática. Era uma peça de TENNESSEE WILLIAMS, “The Glass Managerie”, traduzida, na época, por “À Margem da Vida”, também conhecida, entre nós, como “O Zoológico de Vidro”. Foi paixão à primeira vista. Passei a idolatrar o dramaturgo americano e procurei ler bastante sobre ele e o que escreveu.

Mais tarde, entrando no despertar da década de 70, na Faculdade de Letras, da UFRJ, onde cursei Português/Inglês, tive a oportunidade de, em Literatura Americana, fazer um curso, de um semestre inteiro, sobre o grande TENNESSEE. Foi o momento de me aprofundar no seu universo, analisando, com a turma e a magnífica professora, quatro de seus grandes textos, dentre os quais “DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE” (“Sweet Bird of Youth”). As outras foram “Um Bonde Chamado Desejo” (“A Streetcar Named Desire”), “Gata em Teto de Zinco Quente” (Cat on a Hot Tin Roof”, cuja tradução sempre esteve errada; deveria ser “em Telhado”, como foi traduzida, mais recentemente, numa montagem de grande sucesso) e “A Noite do Iguana (“The Night of the Iguana”). A paixão só fez aumentar e dura até hoje.

TENNESSEE WILLIAMS é um dos meus favoritos dramaturgos e é muito difícil – eu não me arrisco - apontar sua obra-prima. Ele escreveu várias.

No momento, no Rio de Janeiro, faz grande sucesso uma montagem de “DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE”, com direção de GILBERTO GAWRONSKI. A montagem vem sendo anunciada, pela mídia, como um espetáculo para comemorar os 45 anos de carreira de VERA FISCHER, contando com grandes nomes do elenco, como PIERRE BAITELLI, MÁRIO BORGES e IVONNE HOFFMANN, por exemplo.

A peça passou pela tradução de CLARA CARVALHO e a adaptação de MARCOS DAUD. Trata-se de uma ousada empreitada, com dez atores em cena e todo um complexo aparato técnico, envolvendo grandiosos cenários, figurinos, iluminação... Uma superprodução.

 
 
           
 
 
 
 
 



 
SINOPSE:
 
ALEXANDRA DEL LAGO (VERA FISCHER), disfarçada de PRINCESA KOSMONÓPOLIS, é uma atriz decadente, inteligente, de um ego a toda prova, talentosa, manipuladora e sem censura alguma. A personagem, apesar de ser uma experiente artista, de grande beleza, no passado, olha-se no espelho e enxerga uma velha fracassada, pelas marcas do tempo.
Por conta disso, transfere-se para o interior e acaba conhecendo um homem bem mais novo que ela, CHANCE WAYNE (PIERRE BAITELLI), que almeja poder e sucesso, como ator. É um aspirante a ator, que espera ter uma carreira amadrinhada por ALEXANDRA.
WAYNE volta à sua cidade natal, após muitos anos, tentando fazer filmes. Enquanto procura obter ajuda para fazer um teste de cinema, CHANCE acha tempo para rever sua ex-namorada, CELESTE FINLEY (JULIANA BOLLER), a filha do político e todo poderoso BOSS FINLEY (MÁRIO BORGES), que, mais ou menos, o forçou a deixar a cidade, muitos anos atrás, por motivos misteriosos, que vão se tornando diáfanos, ao longo da peça.
CHANCE se transformara num gigolô. Ele descobre que tem chance de se conciliar com a ex-namorada, a quem tivera a infelicidade de contaminar, no passado, com uma doença venérea, o que provocou a ira do poderoso pai da moça, figura de grande destaque na cidade. O rapaz sonhava em levá-la para outro lugar.
Todos se embrenham num emaranhado de paixão, cobiça, dor, mentiras, hipocrisia... 
 No final, não ocorre conciliação do casal CHANCE e CELESTE e fica implícito que ele é castrado, pelas mãos dos capangas de BOSS FINLEY, pelo fato de lhe ter “corrompido” a filha.
A trama se passa na década 1950, no sul dos Estados Unidos, na cidade de St. Cloud, Flórida, em meio ao surgimento do Ku Klux Klan, época marcada pela oposição aos movimentos civis, violência e discriminação racial.
 




 
 


TENNESSEE WILLIAMS (1911 / 1983) é, por total merecimento, um dos mais festejados dramaturgos do mundo, sendo de sua lavra uma quantidade enorme de textos para o TEATRO, muitas peças de um só ato. Algumas foram transformadas em filmes de enorme sucesso.

Por seu reconhecido talento, ganhou muitos prêmios, como o Pulitzer de Teatro, por A Streetcar Named Desire (1948) e por Cat on a Hot Tin Roof (1955). Suas peças The Glass Menagerie (1945) e “The Night of the Iguana (1961) receberam o Prêmio New York Drama Critics' Circle. Outra peça, The Rose Tattoo (1952), recebeu o Tony Award de melhor peça. Em 1980, foi presenteado com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente Jimmy Carter.
 
 
 



Conquanto eu recomende o espetáculo e o considere uma bonita montagem, confesso que fiquei um pouco decepcionado com o conjunto da obra. Ficou um pouco aquém do que eu esperava, pela grandeza do texto, que poderia ter sido um pouco mais bem explorado, e pelo elenco escalado, que, apesar de, relativamente, ajustado, parecia um pouco engessado; tinha potencial para um voo mais alto, Aliás, com relação a pôr num palco um elenco numeroso e de peso, isso representa, nos dias de hoje, grande mérito para a produção.

Desnecessário é falar do texto e sua qualidade, a não ser repetir que ele merecia um melhor tratamento, por parte da direção, a qual deveria trabalhar, mais profundamente, as questões de vingança, poder, jogos de interesse, hipocrisia de uma sociedade, mentiras, assim como expandir um pouco mais a questão do surgimento de um perigoso movimento, que traz instabilidade para a pacata cidade, o Ku Klux Klan, e suas ações de crueldade com relação aos negros.

Talvez GILBERTO GAWRONSKI, que considero um grande diretor, pudesse atenuar um pouco a proposta de uma encenação realista.
 
 
 
 


O elenco é formado por ótimos atores, nem todos tão bem aproveitados em cena.

Quando surgiu como atriz, depois de ter sido eleita Miss Brasil, por sua invejável beleza, ouvi muitos somentários negativos, relativos ao fato de VERA FISCHER ter abraçado a carreira de atriz. Aos que diziam que ela estava se aproveitando de sua plástica, para ocupar o lugar de outras profissionais “de carteirinha”, sempre reagi, veementemente, de forma contrária, por ter enxergado um bom potencial de atriz nela. Já a vi em ótimas atuações no palco, entretanto não reconheci, desta vez, aquela boa atriz na pele de ALEXANDRA DEL LAGO. Houve momentos de altos e baixos.

Havia uma certa “bipolaridade”, na interpretação, que não me parece pertinente à personagem. Incomodou-me um pouco o tom de voz, ou melhor, o volume, que, por vezes, sem nenhuma explicação, era utilizado pela atriz. Ela gritava, desnecessariamente. O mesmo, nos promeiros diálogos, verifiquei em PIERRE BAITELLI. Depois, a coisa foi se ajustando. Creio que ambos procuravam a melhor maneira de empostar a voz, no grande palco do enorme Teatro Carlos Gomes, de acústica duvidosa.






Um ponto positivo para a interpretação de VERA é ela, por meio da personagem, passar toda a angústia, revolta mesmo, que a velhice provoca numa pessoa que já fora uma grande atriz, na juventude. O fantasma de não conseguir bons papéis, pelo peso da idade, isso a atriz consegue passar muito bem em cena. A personagem utiliza o álcool como muleta e não liga para o bom senso, chegando a aparecer de camisola, no salão do hotel onde haveria um comício de BOSS FINLEY, durante o evento.
PIERRE BAITELLI, outro bom ator, sai-se bem melhor que a sua “partner”, na pele de um homem atormentado por um erro cometido no passado, um grande mistério, que vai sendo, aos poucos, revelado eufemisticamente. Por uma questão de vergonha, talvez, para a família e os amigos da moça “ofendida”. PIERRE passa bem a sua obsessão por reconquistar um antigo amor e o personagem sabe tirar partido da grande vantagem de sua beleza e juventude (29 anos). Ele a usa, para chantagear a velha atriz. Apesar da diferença de idade entre ambos, reconhece uma ponta de encanto físico em ALEXANDRA (Será que é isso mesmo?), a ponto de ter, com ela, uma relação sexual. Ególatra, por natureza, lobo em pele de cordeiro, dócil e gentil, quando lhe é conveniente, também tem seus momentos de rompantes. O personagem se torna um dependente de barbitúricos e vai, também, aos poucos, precocemente, perdendo a sua juventude.

Sua chegada à cidade – isso fica bem claro logo no início da trama e vai se solidificando ao longo dela – não é nem um pouco agradável e desejada, pois pode trazer à tona os fantasmas do passado, sem falar que CELESTE, sua pretendida, já está comprometida, por imposição paterna, com outro jovem local, GEORGE SCUDDER (BRUNO DUBEUX).
 


Quem mais tira partido de seu personagem e realiza o melhor trabalho em cena, a meu juízo, é MÁRIO BORGES, um dos melhores atores brasileiros, que interpreta um homem vingativo e que teme que a volta de CHANCE WAYNE possa representar um obstáculo às suas pretensões políticas. BOSS FINLEY não esconde uma superproteção à filha e tem a preocupação de lhe conseguir bons partidos, por interesses próprios, é claro.
Quando se deu o “problema” entre CHANCE e CELESTE, o pai – isso não fica bem claro – mandou realizar, na filha, uma “cirurgia de apêndice”, uma mentira, para camuflar o tratamento da doença venérea ou para tentar restituir-lhe a virgindade (Não sei se tal procedimento já era praticado naquela época. Pode ser uma grande “viagem” de minha parte.)
 
 
 

 
Os demais atores cumprem, normalmente, suas funções: CLARA GARCIA (MISS LUCY), DENNIS PINHEIRO (O MANIFESTANTE NEGRO), PEDRO GARCIA NETTO (TOM JUNIOR, filho de BOSS FINLEY), RENATO KRUEGER (STUFF) e IVONE HOFFMANN (TIA NONNIE)
Metaforicamente, a “juventude” pode ser considerada uma grande personagem da história. É por ela que os dois protagonistas lutam. É a sua negação que os incomoda e atrapalha seus planos, para o presente e para o futuro. A sua doçura contrasta com o amargo da velhice.
Fiquei encantado com os cenários, de MINA QUENTAL – ATELIÊ NA GLÓRIA. São de grande dimensão e de um bom gosto incrível, apresentando detalhes muito “sui generis”. A imensa cama do quarto de hotel em que CHANCE e ALEXANDRA estão hospedados, por exemplo, transforma-se em areia de uma praia e no palanque do salão em que BOSS FINLEY faz o seu comício.
 

 
 
 
As ambientações (quarto do hotel, praia, salão do hotel) se dão por acréscimo ou retirada de imensas colunas de PVC, laterais, que marcam, sem dificuldade, para o espectador, a mudança de locação.
Sobre a cama do hotel, há um enorme espelho, que desce e fica inclinado, servindo de instrumento para que se dê a constatação da velhice, em oposição à juventude.
Para completar a sugestão da praia, um enorme pano azul, que toma todo o fundo do palco recebe jatos de ar e, tremendo, causa a impressão da água do mar. Uma bela solução cênica!

Uma mesa, cadeiras e um balcão de ba completam os elementos cênicos.
            Gosto dos figurinos de MARCELO MARQUES. Conhecendo o trabalho e o gosto de MARCELO, confesso que aguardava mais exuberância nos modelos, entretanto tudo está no ponto, com destaque para o traje final da personagem de VERA FISCHER. MARCELO procurou, e conseguiu, ser fiel à moda da década de 50, quando se passa a trama. Discreto e requintado.
            Também me agrada a trilha sonora original, desenvolvida por um craque no ramo, ALEXANDRE ELIAS, que faz lembrar as trilhas do cinema americano daquela década.
            Do mesmo modo, aprovo a boa luz de PAULO CÉSAR MEDEIROS, embora esteja abaixo do seu conceituado nível. Mas não compromete, em nada, o espetáculo.



 





 
FICHA TÉCNICA:
Texto: Tennessee Williams
Tradução: Clara Carvalho
Adaptação: Marcos Daud
Direção: Gilberto Gawronski

Elenco: Vera Fischer, Pierre Baitelli, Mário Borges, Ivone Hoffmann, Bruno Dubeux, Clara Garcia, Dennis Pinheiro, Juliana Boller, Pedro Garcia Netto e Renato Krueger

Cenário: Mina Quental
Figurinos: Marcelo Marques
Iluminação: Paulo César Medeiros
Trilha Sonora Original: Alexandre Elias
Fotos de Estúdio: Marcelo Faustini
Fotos de Cena: Aline Macedo
Produção Executiva: Joana D´Aguiar
Produção Geral: Luciano Borges e Edson Fieschi
Realização: Borges & Fieschi Produções Culturais
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação
 





 
 
 

 
SERVIÇO:
Temporada: De 12 de outubro a 26 de novembro.
Local: Teatro Carlos Gomes.
Endereço: Praça Tiradentes, s/nº – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2215-0566.
Dias e
Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Valor do Ingresso: R$60,00 (inteira) R$30,00 (meia entrada)
Vendas online: www.ticketmais.com.br
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 4ª feira a domingo, das 12h às 20h.
Duração: 110 minutos.
Classificação: 14 anos.
Gênero: Drama.
 

 
 
 




            Não fugindo ao meu critério de só escrever sobre os espetáculos que me agradam, resolvi dedicar uma boa parte do meu tempo a esta crítica, chamando a atenção para o fato de que a mídia e o “marketing” criado para o espetáculo vendem uma ideia menos verdadeira do que eu vi em cena, entretanto trata-se de uma produção bem cuidada, honesta, ousada, nos dias atuais, que emprega muita gente e que, com o tempo e as contribuições da crítica e de pessoas ligadas a todos os envolvidos no projeto, tomará um novo rumo, acertando-se aquilo que merece ser melhorado. Afinal de contas, o espetáculo está só em início de temporada...
 
 
 

 
 



            No mais, recomendo o espetáculo.

 
         E VAMOS AO TEATRO!!!
 
         OCUPEMOS OS TEATROS!!!





 

 


(FOTOS: MARCELO FAUSTINI - estúdio -,
ALINE MACEDO - cena -
e DIVULGAÇÃO.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 



 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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