terça-feira, 1 de dezembro de 2015


RACE

 

 

(CULPADO OU INOCENTE?

VOCÊ DECIDE!)

 

 

 

 


 

 

 

            É dos pés de um competente autor que parte o pontapé inicial para uma boa peça de TEATRO. Ou melhor, das mãos. Nada disso! É da mente privilegiada de alguns dramaturgos que surgem bons textos, como a de DAVID MAMET, autor americano contemporâneo, que assina o texto de “RACE”, um ótimo espetáculo, que está em cartaz do Teatro Poeirinha (Rio de Janeiro), onde cumprirá temporada até o dia 20 de dezembro (2015).   

 

            “RACE” faz parte de uma trilogia (Trilogia Mamet), cuja representação, no Brasil, se iniciou  com “Oleanna”, outra empolgante criação de MAMET, encenada, no Rio, em 2014, que ainda está em cartaz, em São Paulo. Tive a grata oportunidade de rever o espetáculo, com Luciana Fávero e Fernando Vieira, no lugar de Marcos Breda, no papel de um professor, em revezamento com Miwa Yanagizawa, há pouco mais de uma semana, naquela cidade. Ainda aguardamos, com bastante expectativa, a montagem da terceira peça, Speed the Plow”, que, na versão em português, receberá o título de “Hollywood”, cuja estreia está prevista para 2016.

 

 

 


Advogados e cliente.

 

 

            O espetáculo é uma produção da CIA. TEATRO EPIGENIA, que comemora 15 anos de existência, a qual Tem, como busca incansável, colocar, em cena, a transgressão do ator, sempre procurando aperfeiçoar seu desempenho. Ao longo de anos, a CIA. tem priorizado os trabalhos autorais, testando linguagens variadas para cada espetáculo.  ‘Não há tecnologia mais avançada que o Ator.’ Sob esta afirmação do diretor GUSTAVO PASO, a CIA. se norteia e segue, sem deixar que sejam rotulados. Se algum rótulo lhes cabe é o da Qualidade e Respeito: a Cia. Teatro Epigenia é uma companhia humanista.”

 

“Com esta Trilogia MAMET, a CIA. busca, neste mergulho, temas, para fazerem um paralelo com a realidade atual e propor debates sobre estes assuntos. Padronizar debates posteriores às apresentações tem comprovado que isso fortalece a importância do Teatro, investindo na formação de plateia.”

 

“A ideia da trilogia veio da necessidade de discutir temas contemporâneos e que causam, inevitavelmente, o questionamento à discussão de ideias e conceitos. E isso é fundamental para uma mudança positiva, a comunicação!”

 

“Usar o poder do teatro político, social e educacional, em um texto incrivelmente moderno, em suas colocações e escrita, completa esta ação no debate com a plateia pós-espetáculo.” Essa ideia, o diretor da peça, GUSTAVO PASO, já havia posto em prática, e o faz até hoje, com relação a “Oleanna”. Esses debates, via de regra, são tão interessantes e enriquecedores quanto a própria encenação.

 

 

 


É para contar tudo.

 

 

Cada um dos textos da excitante e fascinante trilogia foca um aspecto ligado ao “poder”. Em “Oleanna”, por meio da relação entre um professor universitário, orientador, e uma aluna, orientanda, discute-se o “poder”, sob a ótica da incomunicabilidade e do politicamente correto. Em “RACE”, motivo destes comentários, o “poder” se manifesta pela nefasta ação de um dos maiores pecados da humanidade, o preconceito. Quanto à, ainda inédita, entre nós, “Speed the Plow”, o “poder” estará sob as luzes de uma discussão entre arte X entretenimento. Esta também promete bastante.

 

Segundo o “release”, enviado pela assessoria de imprensa (Alessandra Costa – Duetto Comunicação), de onde também retirei algumas informações acima, “a trilogia não adere polêmicas, e sim abre espaço para apreciação e questionamento, unindo-se à revisão dos valores. O que se quer propor é esse espaço-confronto, que envolve o espectador e o incita a dialogar, rever seus conceitos e posições.  Oferecer lazer com conteúdo. Um texto extremamente contemporâneo, com diálogos rápidos e completamente envolvente.”

 

Que bom que seja assim!

 

 

(Foto: Divulgação)

Jack e TJ.

 

 

A peça não é aquilo a que se possa chamar de um bom programa para entretenimento puro; é, antes, uma boa oportunidade para reflexões e revisão de valores.

 

Ao longo do texto e do assunto tratado, por conta dos questionamentos que vão sendo desfilados pelos personagens, a plateia, dividida em dois grupos de poltronas (a ação se dá no meio deles), vai se posicionando, quanto à culpabilidade, ou não, do personagem CHARLES (YASHAR ZAMBUZZI), acusado de estupro. Quem se posicionará de que maneira, como se jurado fosse? É extremamente instigante e criativa a proposta da utilização do espaço cênico.

 

Por conta do título da peça, as pessoas se concentram no aspecto racial, de um homem branco “ter estuprado” (?) uma mulher negra, o que, não é tão importante, para os dois advogados contratados pelo acusado, sócios, um negro e um branco, embora, para eles, pese muito antever a possibilidade de a causa ser vencida, a julgar pela formação do júri e da sua cultura racista, ou, até mesmo, se deveriam aceitar o desafio da defesa.

 

 

 
SINOPSE:
 
            "RACE" conta os bastidores da construção da defesa de um homem branco, que procura os sócios advogados, um negro e um branco, pois é acusado de estuprar uma jovem, adulta, negra.
 
Um prato cheio para MAMET levantar conflitos e mexer em feridas históricas, com imensa inteligência
 
A peça reflete o racismo que parte de todos os lados da sociedade, inclusive entre a mesma raça.
 
“RACE” coloca o público como protagonista, no que tange à questão de quem tem razão, sempre deixando portas e janelas abertas, para diversas interpretações, alimentando, com nutrientes especiais, as conversas pós-peça.
 
A tensão de seu tema e a inteligência dos diálogos faz com que o público repense seus conceitos, com tantos argumentos vindos de todos os lados.
 
 

 

 

“Crença é uma coisa que castra um advogado”. A partir dessa fala de um dos contratados, creio poder-se depreender que, de acordo com o texto da peça, para fazer valer uma “crença”, em termos de Justiça, são válidos quaisquer tipos de manobras, das mais honestas às mais “espúrias”. Entrou na luta, não pode fugir à batalha, utilizando-se as armas à mão.

 

Aprovo a ideia de ter sido mantido o título em inglês, pelo fato de ser impossível o encontro de um substantivo que conseguisse, numa só palavra, reunir as várias traduções do termo, do inglês para o português (corrida, raça, gênero, estirpe, casta), todas, praticamente, ligadas, etimologicamente, ao teor do enredo. Além disso, sonoramente, o vocábulo assume uma força muito grande, totalmente compatível com a peça.

 

É muito interessante o modo como os advogados extrapolam, em seus raciocínios e teses, quanto à infração de uma relação sexual “não consentida”, por causa da diferença étnica entre os envolvidos. O que deveria estar em jogo, e, unicamente, pesar seria uma infração de estupro. Mas eles enxergam mais longe, fazendo, antes, um julgamento dos possíveis julgadores, o que seria determinante na construção da defesa do acusado contratante. Na verdade, entra em jogo um “pré-conceito”, que justifica a preocupação daqueles causídicos. Para os dois profissionais da “lei”, a preocupação é com o “como jogar para a plateia” (não a do espetáculo, mas a do julgamento, os jurados, principalmente).

 

 

 

(Foto: Divulgação)

O histrionismo de Jack.

 

 

 DAVID MAMET é considerado um dos mais famosos dramaturgos americanos contemporâneo, por ter um estilo próprio, por seus diálogos ágeis e por sua sensibilidade com a linguagem usada, para manipular e dominar o público. Sempre aborda temas universais e faz uso, abundantemente de ironias, chegando perto do cinismo, pela boa de seus personagens. Já recebeu vários prêmios, no TEATRO e no cinema, além de indicações para tantos outros. MAMET costuma abordar, em seus trabalhos, questões atuais e pontos de vista controversos. Com uma reconhecida capacidade de lidar com as palavras e construir enredos, a linguagem tem centralidade em sua obra. Os filmes e peças de MAMET se dirigem a questões extremamente cáusticas da sociedade.”

 

Uma das minhas utopias, com relação ao TEATRO, é conhecer todos os textos de autores estrangeiros no original, para poder fazer um bom julgamento da tradução, entretanto isso é impossível, mas percebe-se, pela dramaturgia encenada, que LEO FALCÃO fez um bom trabalho, “traduzindo” todas as intenções de MAMET, as quais também foram bem captadas por GUSTAVO PASO, em seu ótimo trabalho de diretor.

 

E, já que estamos falando de direção, é excelente a linha construída e desenvolvida por GUSTAVO, atribuindo, à encenação, mais ritmo e agilidade do que o próprio texto já exige, talvez intencionalmente, para confundir o espectador e forçá-lo a prestar mais atenção a tudo. É uma bela forma de não querer aparecer mais que o autor do texto. Valorizando a dramaturgia, automaticamente, o diretor se autovaloriza. GUSTAVO faz, realmente, um belo trabalho, inclusive deixando que se estabeleça, de forma clara (pelo menos, para mim, o foi) a contraposição de ideias que há entre o advogado negro, TJ (LUCIANO QUIRINO) e a estagiária de Direito, que trabalha no escritório, SUSAN (HELOÍSA JORGE), também negra. É muito bom esse “embate”, para provocar uma reflexão sobre o que o determina: já que ambos pertencem à mesma raça (discriminação “interna”?), não seria a causa das posições antagônicas, entre eles, a relação de “poder” entre “superior” e “subordinada”? “Patrão” e “empregada”? Ou entre “homem” e “mulher”?

 

O elenco da peça se comporta de forma homogênea, positivamente, com um ligeiro destaque para GUSTAVO FALCÃO, mais, talvez, por conta do seu personagem (JACK). São ótimas as atuações do quarteto!

 

 

 


O elenco.

 

 

Há uma enorme empatia entre GUSTAVO FALCÃO e LUCIANO QUIRINO, que possibilita o jogo que seus personagens estabelecem, para atingir a “verdade”. Ambos abusam, no bom sentido, de um tom, até certo ponto, agressivo, tenso, nervoso, que chega, em alguns momentos, a turvar a linha de raciocínio, em busca de uma boa defesa. Parecem, porém, a todo tempo, estar blefando. Ótimas atuações!  

 

 


Gustavo Falcão.

 

 


Luciano Quirino.

 

 

HELOÍSA JORGE tem uma participação discreta, de “submissão”, por conta de sua personagem, crescendo, assustadora e surpreendentemente, no final da trama. O comportamento da personagem, a virada, não poderia ser imaginado pela plateia. Bela presença cênica da atriz!

 

 

 


Heloísa Jorge.

 

 

YASHAR ZAMBUZZI está perfeito, encaixando-se na incômoda e desconfortável situação do oprimido, tímido, medroso, acusado, com ou sem razão, mas consciente do risco que corre, em função de seu suposto delito ter tido como “vítima” alguém que tem tudo para angariar a simpatia dos jurados, por reunir condições que, cultural e historicamente, fazem dela o protótipo da vítima: mulher, negra e dominada por sua fragilidade. YASHAR atingiu, na minha concepção, o tom exato de como deveria ser a sua interpretação.

 

 


Yashar Zambuzzi.

 

 

É interessantíssima a nuvem que encobre as intenções daquela mulher. Por ser CHARLES um homem rico, não estaria ela querendo tirar proveito da situação, garantindo, para si, um futuro, financeiramente, seguro? Teria havido um consenso, e um futuro arrependimento sincero, na disposição de se entregar, sexualmente, àquele homem, independentemente de ser ele branco ou negro?

 

“Eu acho que as mulheres, assim como os homens, tendo interesses próprios, vão explorar qualquer vantagem que elas possam ter... Se ela é sua chefe, se é bela ou se é jovem... Assim como homens velhos tiram sãs vantagens, se são ricos”. (Trecho da peça.)

 

            Confesso que minha simpatia fluiu totalmente para o lado do acusado, quando me lembrei, por um momento, durante o espetáculo, em função de uma fala, da qual não me lembro, do episódio, ocorrido há anos, entre o ex-lutador de box, Mike Tyson, e uma mulher, que subiu ao seu apartamento, ou ao quarto de um hotel onde ele estava hospedado, ambos tiveram uma relação sexual e ela o acusou de estupro, o que lhe rendeu amargos, amaríssimos, frutos. Até hoje, embora não tenha presenciado os fatos, guardo uma revolta contra o juiz que o condenou, mesmo que não tenha qualquer simpatia por ele e sabendo, pela imprensa, que “não é flor que se cheire”, porque não posso admitir que uma mulher, adulta, tenha aceitado ir ao quarto de um homem, principalmente uma celebridade do campo do esporte, para que, juntos, rezassem um terço, pela paz da humanidade.

 

 

 


Teses e discussões.

 

 

Num espetáculo em que o texto é a grande atração, os demais elementos teatrais devem se ajustar a ele, com parcimônia, para melhor evidenciá-lo. É o que fazem LUCIANA FALCON e o próprio diretor do espetáculo, GUSTAVO PASO, que assinam, a quatro mãos, o simples, porém requintado, cenário, que representa um escritório de advocacia: uma mesa, quatro cadeiras, um “rack”, para acomodar uma jarra de café e xícaras, além de três aparelhos de TV, dispostos no teto, virados para baixo, para que os espectadores possam ver as imagens do acusado, na sala de espera, além de um detalhe curioso – um vestido vermelho, de lantejoulas, pendurado num dos cantos do teto, peça de total importância, na trama, pois seria o traje que a suposta vítima do estupro vestia no dia em que se deu o fato. Tirado espontaneamente, por ela mesma, não deixaria que lantejoulas se desprendessem dele; se tirado à força, pelo “estuprador”, o chão do quarto ficaria com várias delas espalhadas.

 

            Da mesma forma, com discrição e bom gosto, trabalhou LUCIANA FALCON, na elaboração dos figurinos, todos bem previsíveis e adequados aos personagens.

 

            Para completar o bom trabalho da equipe técnica, um comentário positivo para a boa luz, de PAULO CÉSAR MEDEIROS, e a trilha sonora, de ANDRÉ POYART.

 

Para finalizar, nada melhor do que algumas palavras de DAVID MAMET, que, de acordo com GUSTAVO PASO, no programa da peça, “são verdadeiras facadas em quem pensa e se pretende minimamente digno e justo”:

 

“Não há nada que um branco possa falar a um negro sobre racismo, sem que fique muito longe do que, realmente, significa viver nesta sociedade de lutas pelo poder, cada vez maiores. O PODER sobre qualquer um que esteja inferiorizado, na sociedade, será impiedoso, sejamos negros, judeus, homossexuais, ou qualquer tipo de ‘minoria vulnerável’” (DAVIS MAMET)

 

 


Ouça o meu argumento.

 

 

Se quiserem saber a minha opinião, CHARLES é inocente!

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
 
Texto: David Mamet
Tradução: Leo Falcão
Direção: Gustavo Paso
Assistente de Direção: Luiza Pita
 
Elenco (em ordem alfabética): Gustavo Falcão, Heloísa Jorge, Luciano Quirino e Yashar Zambuzzi
 
Figurino: Luciana Falcon
Cenário: Luciana Falcon e Gustavo Paso
Iluminação: Paulo César Medeiros
Trilha Sonora: André Poyart
Direção de Produção: Luciana Fávero
Fotos: Bruno Veiga
Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa (Duetto Comunicação)
Vídeo: Daniel Moragas
Programação Visual: Paso D’Arte
Produção: Paso D’Arte
Realização: Paso D'Arte Eventos e Cia Teatro Epigenia 15 Anos
 
 

 

 



Não esconda nada: culpado ou inocente?

 

 

 


SERVIÇO:
 
Temporada: Até 20 de dezembro.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Lotação: 60 lugares
Telefone da Bilheteria: (21) 2537-8053.
Vendas no ingresso.com e na bilheteria do Teatro.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h, aos domingos, às 19h
Duração: 75 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Valores dos Ingressos: R$50,00 (inteira) – Meia-entrada, aos legalmente beneficiados por ela.
 

 

 



 

 

 

(FOTOS: BRUNO VEIGA

e

GUSTAVO PASO.)

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