PULSÕES
(A
FACE BELA DA LOUCURA, QUE SÓ O TEATRO É CAPAZ DE REVELAR.)
Muito longe
dos compêndios sobre psicanálise, numa simples consulta a um dicionário comum, fica-se
sabendo que “pulsão” é sinônimo de “impulso”.
Trata-se de
uma “manifestação do inconsciente, que leva o indivíduo a agir, para fazer desaparecer
um estado de tensão, diferente do comportamento gerado por decisões conscientes,
já que se origina de forças internas, inconscientes, independentes de uma
vontade, de uma decisão racional”.
Mas o meu
propósito, com esta crítica, não é escrever um tratado acadêmico-científico, e,
sim, este texto nada mais é do que uma modesta reflexão sobre um magnífico
espetáculo de TEATRO: “PULSÕES”, um dos melhores da atual
safra em cartaz, no Teatro Poeira (ver “SERVIÇO”).
Cadu Fávero e Fernanda de Freitas.
O maestro e a
bailarina.
Já li uma meia dúzia, ou mais, de críticas ao espetáculo, e ouvi comentários
gerais, sempre muito favoráveis, como não poderia deixar de ser, e, em tudo o
que li, as pessoas demonstram algum, ou bastante, conhecimento sobre a temática
abordada na peça, o que não é o meu caso.
Confesso que sou bastante leigo no assunto, ainda que conheça um
pouquinho da obra e do trabalho da Dra.
Nise da Silveira, nos quais se inspirou o autor da dramaturgia, graças ao meu interesse pela figura do Bispo do Rosário. Mas, certamente, não saberia falar, com tanta
propriedade, sobre o texto, escrito por DIB CARNEIRO NET O, a
pedido da diretora da peça, KIKA FREIRE, que sempre quis fazer um
espetáculo abordando o tema.
DIB teve acesso ao
trabalho da Dra. Nise e, segundo ele
mesmo, “mergulhei no ‘inconsciente
profundo’, concêntrico, dilatado, louco e são, onde afeto é capaz de movê-lo
por dinâmicas impensadas pela psiquiatria clássica”.
Limito-me,
então, a analisar os demais elementos desta belíssima montagem, sem que isso
represente um desprezo ao texto.
Não há necessidade de legenda.
Pode parecer
estranho, mas inicio meus comentários, dizendo que o programa da peça é de uma beleza ímpar, graças ao trabalho de programação visual (VICTOR HUGO CECATTO, também responsável
pelas lindas fotos) e com um
conteúdo profundo de informações sobre o espetáculo.
Isso é uma das
características, uma marca forte, presente em todas as produções de MARIA SIMAN e da PRIMEIRA PÁGINA PRODUÇÕES CULTURAIS. Se houvesse um prêmio de TEATRO, na categoria “Programação
Visual” - e eu, há muito, sou favorável a que houvesse -, dificilmente,
alguém ganharia deles, todos os anos.
Esta montagem
tem um apelo visual tão grande, é de uma plasticidade extrema, de uma beleza
infinita, que confesso ter, por várias vezes, me apanhado distante do texto,
“viajando” naquelas imagens que se entrelaçam, do cenário e dos figurinos; dos
traços suaves das mandalas, pintadas no chão; das pinturas e palavras escritas,
nos corpos e nos figurinos dos atores; do visagismo, no geral; do que mais se
mostra concreto aos olhos.
E, ainda por
cima, tudo embalado por uma música, o
terceiro “personagem” do espetáculo,
sem dúvida, que ajuda na levitação, contribui para a nossa catarse. Preciso, urgentemente, rever o espetáculo,
para tentar me concentrar mais no belo texto
de DIB CARNEIRO NET O,
e procurar entender o seu conteúdo, se é que isso é tão necessário quanto possível,
para quem sente um pouco de dificuldade em assimilar as explicações acerca do
que se passa dentro da cabeça humana.
O impacto
visual que o espetáculo causa às pessoas, logo que cruzam o portão que vai dar
acesso à bilheteria do teatro, já é descomunal, uma vez que é impossível não
notar o gigantesco e belíssimo “banner”,
afixado numa parede lateral do prédio, com alguns créditos do espetáculo e onde
se destaca o talento de seu artista criador.
“Banner”
Se tiver
acesso ao programa da peça (estou mesmo impressionado com ele),
esse impacto aumenta e serve de preparação para o choque, positivo, que terá,
ao entrar na plateia do teatro e se deparar com um cenário dos mais lindos que já vi em toda a minha vida, totalmente
inserido no contexto da peça e que serve de “impulso” às atuações dos atores.
O público é
convidado, pelo ambiente, a entrar no clima do texto, talvez, até, a mergulhar
no seu próprio inconsciente, ali, tão próximo, paradoxalmente “materializado”, e
se perde, ao mesmo tempo em que se deleita, nos detalhes das pinturas no chão,
assim como nos elementos pendentes do teto, como muitas fitas multicoloridas e
pequenos objetos, tais como bonequinhas bailarinas, caixinhas de música,
pompons... Enfim, um cenário que é, podemos dizer, uma
criativa instalação de um universo
lúdico e onírico, nascido do talento de TECA
FICHINSKI, também responsável pelos fantásticos figurinos, usados pela dupla de atores e pelos dois músicos, que
ficam colocados num pequeno praticável, um mini palquinho.
O espaço
físico em que a narrativa se desenrola é indefinido, etéreo, abstrato
onírico... Pode estar situado onde cada
um desejar, até dentro de si mesmo.
Eis a breve sinopse (e não precisaria ser maior),
encaminhada pela competente assessoria de imprensa (LU NABUCO):
Mistérios.
SINOPSE:
Um maestro e uma bailarina convivem em um espaço
indefinido, amplo e lúdico, alternando momentos de amor e loucura.
O casal sabe que há fragmentos que os unem, mas paira, entre eles, a
ameaça constante da perda de memória.
Apenas música e dança podem
curá-los.
Que
“fragmentos” são esses? Que certeza se
tem deles? Até onde o que se vê e se ouve
é real ou flutua na imaginação dos protagonistas?
“‘PULSÕES’ trata de um tema espinhoso, e consideramos importante
abordá-lo. O espetáculo ganhou roupagem lúdica, leve, delicada e estamos muito
felizes com o resultado”, declara MARIA
SIMAN, coordenadora de produção.
A peça reúne três formas de
expressão artística – TEATRO, música e dança -, para falar de um tema considerado tabu, da forma mais lírica
e suave que pode existir. Do começo ao
fim, estamos diante de uma POESIA,
menos sob a forma de palavras e mais por meio de formas e expressões gestuais,
embaladas pela suavidade da música,
principalmente, do mestre Heitor Villa
Lobos, e pela coreografia.
Já asseverava a Dra. Nise que “Sem a relação de uma pessoa com a outra, não há cura possível”. O texto, de DIB, nos prova isso.
A interpretação de FERNANDA DE
FREITAS e CADU FÁVERO extrapola
os padrões de qualidade e constitui um dos fatores, se não o principal, de
maior responsabilidade pela aceitação do público e dos críticos que têm assistido
ao espetáculo. Os personagens não têm
nome; chamam-se, um ao outro, de MAESTRO
e BAILARINA. Não precisam de certidão de registro
civil. Somos todos nós.
Fernanda e Cadu. Ao fundo, João Bittencourt e Maria Clara
Valle.
FERNANDA, que se
dedica ao balé clássico, desde os oito anos de idade, tornado-se professora,
aos treze, transpõe, para o palco, todo seu profundo conhecimento e prática na
área, para ajudar na composição da personagem, uma bailarina sobre a qual
ficamos sabendo apenas que gravita em torno de uma grande perda, cuja definição
fica a critério de cada um. Um filho,
talvez? Ou com certeza? 0
É um deleite, para os olhos e para os ouvidos,
a atuação dessa excelente atriz, talento já demonstrado, no TEATRO (fora cinema e TV), anteriormente,
por exemplo, em “Ensina-me a Viver”.
Paradoxalmente, coabitam, na
personagem, a fragilidade, que o imaginário popular atribui a uma bailarina, e
uma força interior, em busca de respostas para o seu dilema, o seu drama.
Um trabalho digno de uma grande moldura!!!
Fernanda de Freitas...
...ou a Bailarina.
CADU interpreta,
magistralmente, um músico, um maestro, amargurado e perseguido por nebulosas
lembranças de um passado do qual não temos informações precisas. O texto
sugere que seja algo muito marcante na vida desse homem. Como maestro, caberia a ele “reger” a situação,
o tempo todo, por meio dos diálogos, porém, vez por outra, a força da regência
parece ser transferida à personagem feminina.
Tanto ele como FERNANDA fazem
um excepcional trabalho de corpo. Uma atuação inesquecível do ator!
As patologias dos personagens
não são obstáculos a que se permitam “viajar”, em busca do reconhecimento, e
possível assunção, do eu, individualmente, superando as dores que o passado
lhes impôs.
Sombras, no passado
e no presente.
Cadu Fávero, em
comovente, e convincente, interpretação.
São a ARTE e o AMOR as suas pulsões.
Como já foi dito, a música é um elemento indispensável
nesta encenação, assumindo uma “função dramatúrgica”, sublinhando e realçando o
texto, numa espécie de “subtexto”. Ela se faz presente numa excepcional trilha, sob a responsabilidade, na
execução, de dois grandes músicos, JOÃO BITTENCOURT (piano e acordeão) e MARIA CLARA VALLE (violoncelo),
seguindo as orientações precisas do diretor
musical (MARCO FRANÇA).
JOÃO e MARIA CLARA são dois “virtuoses” em seus instrumentos. Isso é demonstrado, em cena, não só pela
qualidade das execuções, como também na total atenção que têm de ter ao
desenvolvimento das ações, para que não haja comprometimento das cenas. Essas intervenções, que têm de ser muito
precisas, é que fazem da música e
dos dois instrumentistas
“personagens” da peça. Há uma perfeita
cumplicidade entre atores e músicos.
Além de Villa Lobos, estão presentes, na trilha sonora, canções originais, compostas por MARCO FRANÇA, também responsável pelos
lindos arranjos, e JOÃO BITTENCOURT.
Não creio ser necessário
repetir o quanto me encantaram os cenários
e os figurinos de TECA FICHINSKI. Verdadeiras
obras de arte!!!
A direção, de KIKA FREIRE,
é brilhante, irretocável, irrepreensível!!! Desnecessário acrescentar outros adjetivos. Seria redundância pura.
Imagem deslumbrante!
Talvez a beleza plástica do espetáculo não
fosse tão realçada, se faltasse a excelente iluminação, de FRAN BARROS.
Também contribuem bastante,
para o êxito desta montagem, ANA FROTA,
na preparação vocal, e ROSE VREÇOSA, na caracterização.
Com relação ao último item,
merecem destaque as pinturas nos corpos dos atores e dois músicos, dentro daquilo
que é chamado, nos dias atuais, de visagismo. Penso ter sido um detalhe acertado entre visagista e direção, para significar (Quem sabe?) as marcas indeléveis das
dores do passado.
No mais, “intimo” a todos os que amam o TEATRO
e sabem apreciar um bom espetáculo que não deixem de assistir a “PULSÕES”.
O elenco.
FICHA
TÉCNICA:
Texto: Dib Carneiro Neto
Direção: Kika Freire
Elenco: Fernanda de Freitas e
Cadu Fávero
Direção musical, Arranjos e
Trilha Sonora: Marco França
Piano e Acordeão: João
Bittencourt
Violoncelo: Maria Clara Valle
Iluminação: Fran Barros
Cenários e Figurinos: Teca
Fichinski
Caracterização: Rose Verçosa
Fotografia e Programação
Visual: Victor Hugo Cecatto
Direção de Produção: Paula
Salles
Coordenação Geral: Maria Siman
Produção Executiva: Joana
D`Aguiar
Realização: Primeira Página
Produções Culturais
Assessoria de Imprensa: Lu
Nabuco Assessoria em Comunicação
Aplausos! BRAVO!!!
SERVIÇO:
Temporada: Até 30 de agosto de 2015
Dias e Horários: De quinta-feira a sábado,
às 21h. Domingo, às 19h.
Local: Teatro Poeira – R. São João Batista,
104
Telefone da bilheteria: 2537-8053
www.teatropoeira.com.br
Horário de funcionamento: De terça-feira a
domingo, das 15h às 21h
Ingressos: Quintas e sextas-feiras = R$60,00
plateia / R$40,00 plateia superior; sábados e domingos = R$80,00 plateia / R$
40,00 plateia superior.
Duração: 1h
Classificação: 14 anos
Lotação: 135 lugares
(FOTOS:
VICTOR HUGO CECATTO.)
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