quarta-feira, 3 de junho de 2015


FAMÍLIA LYONS

 

 

 

 (UMA FAMÍLIA QUE, SE FOSSE GRAFADA COM “I”, FARIA JUS AO NOME.)

 

 


 

            E quando a pessoa, no papel de espectador de TEATRO se dá conta de que nada justifica tanto riso (“Oh! Quanta alegria!”)? 

Estar rindo de quê?  Por quê?

            Para e pensa.  Pensa e (quase) chora.

            É muito cruel a constatação de que o que me provocou risos, gargalhadas, até, na verdade, é uma sacudida, uma chamada, um alerta à realidade.

            É exatamente o que acontece, quando se assiste à peça FAMÍLIA LYONS, em cartaz, no Teatro Glaucio Gill, até o dia 21 de junho, de 6ª a 2ª feira, às 20:00.

            O autor do texto é NICKY SILVER, um dos melhores dramaturgos norte-americanos, cujo trabalho também é muito bem recebido no Brasil, além de outros países.  Para quem não está ligando o nome à pessoa, é dele, também, a autoria de Os Altruístas, Criados em Cativeiro e Adorável Garoto, além de Pterodáctilos, seu texto mais conhecido entre nós, grande sucesso de público e de bilheteria, encenado em 2010/11, em terras brasileiras, protagonizado pelo grande ator Marco Nanini, e que foi indicado, à época, a muitos prêmios, tendo colecionado alguns, em várias categorias.

            Gostei das três primeiras e adorei Pterodáctilos, mas ainda gosto mais do texto de FAMÍLIA LYONS.

 

 

 


Uma família?

 

 

Um pai, uma mãe, um filho e uma filha.  Uma família feliz?  “Família feliz” pode ser, até, considerado um pleonasmo, para qualquer pessoa, mas não para NICKY SILVER.  Não para a FAMÍLIA LYONS.

A peça foi escrita em 2011, tendo sido a primeira do autor a ser montada na Boadway, em 2012, após grande sucesso Off-Broadway, no mesmo ano em que foi escrita.  A partir do reconhecimento do The New York Times, recebeu várias indicações a prêmios, o que, parece, também será o seu destino entre nós.  Tem tudo para. 

O título original, em inglês, e que eu teria mantido, em português, é apenas THE LYONS, como os SILVA(s), os PEREIRA(s), no singular ou no plural, como aqui diríamos.  Se mantido entre nós, e se a grafia fosse com “I”, a tradução seria OS LEÕES, nome mais que sugestivo para uma família em que, como o rei dos animais, cada um luta por devorar o outro, para destruir, aniquilar os demais membros daquela “família”.  Uma verdadeira luta pela sobrevivência, sem o menor respeito e consideração pelo próximo.

 

 

 


Aproveitando-se da situação.

 

 

 


Autoritarismo (covarde?).

 

 

 

 

 
SINOPSE:
 
A montagem conta a história da FAMÍLIA LYONS.  O pai, BEN LYONS (ROGÉRIO FRÓES), classe média, está em um hospital, em estágio terminal de câncer, com a família ao redor: RITA (SUZANA FAINI), sua mulher, e seus filhos, adultos, LISA (ZULMA MERCADANTE) e CURTIS (EMÍLIO ORCIOLLO NETO).  
BEN já perdeu o senso de educação e diz o que lhe vem à cabeça, incluindo muitos palavrões.  
RITA, presa em um casamento, de 40 anos, sem amor, imagina, agora, o futuro sem BEN, e o faz, explicitamente, planejando a redecoração da casa, da sala, principalmente, o que não conta com a aprovação do marido moribundo e, até, o contraria muito.  
LISA é alcoólatra e acabou de sair de um casamento abusivo, fracassado.
CURTIS, homossexual assumido, tem muito pouco em comum com seu pai, que é homofóbico.  Não se “bicam” por conta disso.
A família se reúne, à volta do leito do patriarca, que espera a visita da “Indesejada”, num hospital, e aproveita os últimos momentos de vida do pai para um acerto final.
E, nessa hora, cada um cobra do outro o que não recebeu e cada um cobra, de si mesmo, aquilo que não tem condições de dar: amor.  
Os personagens retratam uma família de classe média alta, desestruturada, com disfunções psicológicas, que se agridem, feroz e verbalmente (pior do que se fosse de forma física), durante toda a narrativa. 
Na verdade, pode-se dizer que, no fundo, todos sofrem bastante, em função da  incapacidade de demonstrar afeto uns pelos outros.  Amar, para eles, parece ser muito mais difícil que odiar.
Questões sobre o casamento, o alcoolismo e a sexualidade permeiam, do princípio ao fim, essa história.
 
 

 

 

 

 


Urubus, à exceção da enfermeira e de Brian, à volta da carniça?

 

 

NICKY SILVER é considerado, atualmente, um dos mais produtivos e talentosos dramaturgos americanos, e, eventualmente, comparado a Eugène Ionesco e Edward Albee, por seu “realismo absurdo”.  Suas obras navegam, com a mesma desenvoltura, pelo drama, pela comédia e pela farsa, para tratar de temas universais – famílias disfuncionais, a sexualidade em suas variadas inclinações, desagregação, solidão...

Em todos os seus textos, dos que conheço, ele se fixa na família e no ser humano, de uma forma geral, fazendo uso, sem economias, de um humor cáustico, até um pouco exagerado, sem que isso seja um demérito ao seu trabalho, para enfocar seus defeitos, suas fraquezas e mazelas.  Por outro lado, entretanto, também consegue falar do amor, porém dos problemas nele contidos.  Fala do outro lado do amor, contemplando, com visível evidência, o seu oposto - o ódio, o rancor –, trazendo à tona as mágoas, os recalques, os traumas, as cobranças, os ressentimentos, as insatisfações...

Tudo isso pode ser, facilmente, encontrado no comportamento de cada personagem.  Na mãe, para quem a morte do marido significa livrar-se de um pesado fardo.  Vive convidando os filhos para passarem uma temporada com ela, tão logo a viuvez se consuma e ela possa, finalmente, ter uma sala de visitas dos seus sonhos, de revista de decoração. 

Por outro lado, estes, por motivos óbvios, preferem se manter bem afastados da mãe e, para isso, inventam as mais esfarrapadas desculpas.  Afastados da mãe, sim, mas, também, um(a) do(a) outro(a). 

Enquanto isso, o pai, valendo-se do que, para ele, é perfeitamente válido e normal, ao final da vida, deixa que aflore, em toda a sua potência, seu péssimo humor, um desconforto emocional, trancado no fundo do coração (Sim, ele tem um.), traduzido em ofensas verbais, que saem de sua boca/metralhadora, apontada para todos os presentes naquele quarto de um nosocômio.   

O texto apresenta uma dramaturgia de profundidade, que não trata os temas só na superfície, constatação marcante nos diálogos, de humor mordaz, cáustico, ácido, cruel.  Nas palavras do próprio NICK SILVER, “O humor é a única ferramenta que nós, como seres humanos, temos para sobreviver durante os momentos trágicos da vida”.

 

 

 

(Foto: Paula Kossatz)

O elenco e o diretor.

 

 

 

Tudo o que está presente em cena justifica a minha afirmação de que se trata de um dos melhores espetáculos da atual safra, desde a brilhante direção de MARCOS CARUSO, versátil, como ele, quando atua ou escreve, passando pela parte técnica da peça, chegando-se ao fabuloso elenco.

CARUSO, de forma perfeita, parece ter dissecado cada meandro das intenções do autor do texto e transferido isso ao elenco, o qual conduz com correção e criatividade.  Assisti, em vídeo, a alguns trechos da montagem norte-americana e percebi, na nossa, o dedo criativo do diretor.

 Devo realçar, porém, que nenhum diretor é capaz de fazer milagre, se não contar com um bom elenco.  O de FAMÍLIA LYONS não poderia ter sido melhor escalado. 

A começar por SUZANA FAINI, uma reconhecida dama do TEATRO, que, como o vinho, mais se valoriza com o amadurecimento.  Andou um pouco afastada dos palcos cariocas (pelo menos, era vista com menor intensidade do que gostaríamos de vê-la), entretanto, no ano passado, brilhou, única, entre as grandes atrizes brasileiras, no inesquecível espetáculo Silêncio, outro excelente texto de Renata Mizrahi.  Por usa atuação nesse espetáculo, foi indicada a vários prêmios e conquistou alguns; por mim, ganharia todos. 

Parecia estar no auge de sua carreira.  Agora, porém, aqui está ela, de novo, equiparando-se, ou superando-se, ao seu mais recente trabalho. 

Quando assisti à peça FAMÍLIA LYONS, em sessão para convidados (principalmente amigos, críticos, jornalistas e a classe artística), quatro dias após a estreia oficial, a atriz foi aplaudida em cena aberta, por mais de uma vez.  Poderiam dizer: corporativismo, delicadeza para com uma senhora, excesso de gentileza...  E eu pergunto: Todos os dias?  Em todas as sessões?  Sim, porque isso acontece em todas as noites.  Mérito puro!!!  Reconhecimento de um talento!!!  É uma anti-heroína, que conquista a plateia totalmente.

SUZANA é daquelas atrizes que magnetizam, hipnotizam o espectador, tão logo é percebida no palco.  A personalidade de sua RITA é revelada logo nas primeiras cenas, e assim se mantém até o final da trama.  É óbvio que o texto ajuda, mas não sei se outras atrizes, até ótimas, conseguiriam dizer e expressar frases e pensamentos de forma mais bárbara, brutal, ríspida, cruel do que ela, com a naturalidade, como faz SUZANA, de quem diz “Estou com sede.  Vou ali, beber um copo d’água”.  Não sente, por exemplo, o menor constrangimento, quando, por reiteradas vezes, dirigindo-se à filha, refere-se a um dos netos como “retardado”.

Aos 82 anos de idade “rivaliza”, em energia, com qualquer atriz muito mais jovem, sem falar no talento, adquirido e acumulado, ao longo de dezenas de anos de experiência profissional. 

Há certas atrizes, que, por mais que me sejam íntimas e amigas, o que, infelizmente, não é o caso dela, não consigo, pessoalmente, chamar só pelo nome.  Em sinal de reverência, para mim, ela é DONA SUZANA FAINI, assim como Dona Fernandona, Dona Nathália, Dona Bibi, Dona Glória, Dona Laura e mais algumas.  Apesar de saber que o respeito e o reconhecimento não estão atrelados a um pronome de tratamento, é a forma que escolhi para reverenciar minhas divas, como se fosse um “SIR”, já que não existe, no inglês, um equivalente feminino para tal título.  Quero, sim, vê-la, por muitos anos mais, brilhando, absoluta, nos palco, DONA SUZANA.

 

 

 

 


Curtis chegou, para visitar o pai.  Lisa já chegara.

 

 

ROGÉRIO FRÓES também merece um comentário de destaque neste espetáculo, já que é outro grande veterano ator, que, felizmente, conseguiu superar um grave problema de saúde, e continua a nos brindar com seu talento, jovialidade e alegria de viver, quase aos 81 anos.  Seu personagem é o que guarda a maior dose de insatisfação, em relação à “família” que construiu e, também, o que mais demonstra isso, em ofensas verbais, desferidas a todos, empregando, como já disse, com a maior naturalidade, um vocabulário chulo.  Sabendo que nada tem a perder, é o melhor jogador desse “jogo da verdade”.  O ator interpreta seu BEN de forma brilhante!!!

O terceiro maior destaque em cena fica dividido entre os dois filhos, mas acaba se voltando, um pouco mais, para EMÍLIO ORCIOLLO NETO, CURTIS, o filho homossexual, paparicado pela mãe e odiado pelo pai homofóbico.  O ator se comporta muito bem, em cena, de forma discreta, com bastante naturalidade, fugindo ao estereótipo do “gay”, o que seria, realmente, desnecessário, nesta trama.  Nota-se sua “orientação sexual” (não gosto dessa expressão) desde sua primeira aparição, entretanto tudo é revelado sem grande afetação, a não ser quando, raramente, contracena com o pai, quiçá, com a intenção de provocar o conservador homofóbico, puni-lo, aproveitando-se de sua fraqueza, física e moral, naquele momento. 

Viver um personagem “gay”, sem cair no ridículo do estereótipo, não é tarefa para qualquer ator.  EMÍLIO mostra, mais uma vez, com esse personagem, que é um excelente ator da sua geração!!!

            A filha, LISA, ZULMA MERCADANTE, também faz um bom trabalho, revelando sua fragilidade de uma mulher vítima de um casamento desastroso, alcoólatra, por “incentivo” do marido, querendo ser solidária à dor do pai e, ao mesmo tempo, sem encontrar condições para assim agir.  Ela e o irmão só foram saber da real situação de saúde de BEN, quando convocados pela mãe, para irem até o hospital.  Não porque esta quisesse poupá-los de um sofrimento maior, mas, apenas, por desvalorização e desinteresse pelo fato.  Talvez (o veneno escorre pelo canto da minha boca), até, para que a doença atingisse um estágio incapaz de ser revertida, o que poderia ter sido tentado pelos filhos.  Será?! 

Embora querendo, vez por outra, demonstrar uma personalidade forte, a personagem LISA parece ser feita de um frágil cristal, na iminência de ser destruído, a qualquer nova acusação do pai, da mãe ou do irmão.  Muito bom o trabalho da atriz!!!

 

 

(Foto: Divulgação)

Rita tenta convencer Curtis a passar uns tempos com ela.

 

 

 

            Em papéis secundários, mas não de menor importância, ROSE LIMA está ótima, como a enfermeira (sem nome), assim como PEDRO OSÓRIO, no papel de um corretor de imóveis, BRIAN.

Seguindo a ficha técnica do espetáculo, cito a boa tradução de JULIANA BURNEIKO, embora eu não conheça o original em inglês.

Também me agradou o ótimo cenário, de ALEXANDRE MURUCCI, simples e totalmente a serviço da montagem, reproduzindo, fielmente, um quarto particular de um hospital, transformando-se, depois, em breve tempo, num apartamento que CURTIS “pretendia” comprar (ou alugar, não tenho certeza), voltando a ser um quarto de hospital, com outra formatação, ocupado por CURTIS, como paciente, cena em que o personagem de ROGÉRIO FRÓES faz uma breve aparição, depois de morto, num sonho do filho.

 

 

 


Não há como se entenderem.

 

 

A propósito, CURTIS foi parar no hospital, depois de ter levado uma surra de BRIAN, a quem observava, há muito tempo, de sua janela, como um bom “voyeur”, e por quem alimentava um desejo sexual.  Sabendo da oferta de um imóvel, sob a responsabilidade do corretor, CURTIS marca uma entrevista, a fim de “conhecer” o apartamento, para, na verdade, se declarar ao rapaz, no que foi repelido, ao ponto de se chegar a uma violenta agressão física.

 

 

 


O “NÃO” de Brian a Curtis.

 

 

Também agradam a luz, de FELIPE LOURENÇO, os figurinos, de PATRÍCIA MUNIZ, e a direção musical, de MARCELO ALONSO NEVES.  

 

            Não posso deixar de fazer uma alusão ao programa do espetáculo, que traz, na capa, informações sobre a peça, estampadas numa embalagem de um remédio “tarja preta”.  Quanta criatividade por parte de (quero crer) FELIPE TABORDA (direção de arte) e AUGUSTO ERTHAL (design).

           

Não deixem de assistir a este espetáculo, que, certamente, marcará o ano teatral de 2015, no Rio de Janeiro!  

 

 

 

 


Rita, tentando convencer o marido a redecorar a sala de casa, para a qual ele não voltará vivo.

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
Texto: Nick Silver
Tradução: Juliana Burneiko
Direção: Marcos Caruso
 
Elenco (em ordem alfabética): Emílio Orciollo Netto, Pedro Osório, Rogério Fróes, Rose Lima, Suzana Faini e Zulma Mercadante
 
Cenário: Alexandre Murucci
Figurino: Patrícia Muniz
Iluminação: Felipe Lourenço
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Preparação Vocal: Rose Lima
Preparação corporal: Daniel Badke
Visagismo: Brigitte Revollo
Direção de Arte: Felipe Taborda
Design: Augusto Erthal
Fotografia: Paula Kossatz
Direção de Produção: Claudio Rangel e Zulma Mercadante 
Produtores Associados: Alberto Bardawil, Cláudio Rangel e Zulma Mercadante
Realização: Will Marketing Comunicação Produção
Projeto Gráfico: Felipe Taborda
Assessoria de Imprensa: Luiz Menna Barreto
 
 

 

 

 

 


Reflexões.

 

 

 

 
 
SERVIÇO:
 
Temporada: de 15 de maio até 29 de junho.
Local: TEATRO GLAUCIO GILL - Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana / RJ (AO LADO DA ESTAÇÃO DO METRÔ – CARDEAL ARCOVERDE)
Horários: De 6ª a 2ª feira, às 20h.
Ingressos: R$30,00 e R$15,00 (meia entrada).
Horário de funcionamento da bilheteria: de 2ª feira a domingo, das 16h às 20h. 
Tel: (21) 2332 7904
Duração: 90min.
Gênero: Drama.
Capacidade: 102 lugares.
Classificação Etária: 14 anos.
 
 

 

 

 

 

 

 

 

(FOTOS: PAULA KOSSATZ.)

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