A VIDA SEXUAL DA MULHER FEIA
(ou A VIDA SEXUAL DA MULHER “ESTETICAMENTE
DESFAVORECIDA”.)
Detesto o “politicamente correto” e adoro um “besteirol”.
Não me venham
com “esteticamente desfavorecida”, “comunidade”, “deficiente visual”, “pessoa
de porte avantajado”, “afrodescendente”,
“gente portadora de nanismo”, “secretária do lar”, “relação homoafetiva” e outras
“pérolas”.
Respectivamente,
a mulher é “feia”; o Fulano mora
numa “favela”; o sujeito que não enxerga
é “cego”; a pessoa é “gorda”; se a pele é escura, o
indivíduo é “negro”; é muito
divertido o “anão” do circo; a minha
“empregada” é muito eficiente; tenho
vários amigos que praticam relações “homossexuais”.
Qual é o
problema em se usar este ou aquele termo, politicamente, ou não, correto? Por acaso, quem mora num condomínio de luxo
não vive também numa “comunidade”? A pessoa que está acima do seu peso ideal não
está “gorda”, antônimo de “magra”? Embora eu seja “branco”, de ascendência europeia, também não tenho sangue africano
correndo nas minhas veias? Se eu sou “empregado”, como professor, e tenho,
portanto, um patrão, por que a pessoa que faz as tarefas da minha casa, e é
paga por mim, não é a minha “empregada”? Pessoas do mesmo sexo, que praticam atos
sexuais entre si, não vivenciam uma relação “homossexual” (homo = radical
grego, que significa “igual, semelhante”)?
A questão não
é o vocábulo, e sim a intenção como é empregado. É o tom que dita o preconceito. Qualquer um pode ofender um semelhante com as
palavras mais belas e doces do léxico do seu idioma.
Quanta
divagação, para falar de uma peça, não é?!
Deu vontade e escrevi. Faz tempo
que isso me incomoda e aproveitei o “gancho” de um espetáculo de TEATRO para falar sobre isso.
Um livro de CLAUDIA TAJES deu origem a um monólogo,
na linha do besteirol (já disse que adoro esse gênero teatral), magistralmente
adaptado (entenda-se: dramaturgicalizado
– acabei de criar um neologismo verbal: dramaturgicalizar)
pela excelente e premiadíssima dramaturga JÚLIA
SPADACCINI.
Estou falando
de A VIDA SEXUAL DA MULHER FEIA,
protagonizado e dirigido por OTÁVIO MÜLLER,
com supervisão de AMIR HADDAD, em
cartaz no Teatro dos Quatro (Shopping da
Gávea).
OTÁVIO interpreta uma mulher
extremamente feia, MARICLEIDE, porém
com uma profunda autocrítica, que não se curva à ditadura da beleza padrão, com
comentários espirituosos, e não desiste de ser aceita, na sociedade, como ela é,
insistindo em desconstruir a máxima dos primeiros verso do conhecido e
interessante poema de Vinícius de Moares,
Receita de Mulher: “As muito feias que me perdoem, mas beleza
é fundamental”.
A peça mostra
suas aventuras amorosas, desde o primeiro beijo e a primeira transa, e suas
reações e hilárias reflexões diante dos acontecimentos que marcam sua vida, partindo
do próprio nascimento. Ela faz humor com
a própria feiura. Lamenta-se de sua
condição desfavorável, quanto aos padrões estéticos, mostrando-se, ao mesmo
tempo, totalmente despojada de pudores, a ponto de o ator, visivelmente acima
do peso, ou melhor, GORDO, aparecer,
numa cena, totalmente despido, apenas com uma vagina cenográfica, cobrindo-lhe
a genitália. Engraçado, sem ser
apelativo ou grosseiro.
A
personagem é feia e tem noção disso. Autocrítica
e “bullying” estão presentes, o tempo todo, no texto. O humor vem, única e exclusivamente, da própria MARICLEIDE, que se autocritica, sem se
autodestruir. Confuso? Explico: ela se reconhece feia, lastima-se
por isso, mas não se faz de vítima. Ou
melhor, até se faz, mas não com a intenção de angariar a piedade do público,
por causa de sua condição estética. No
final do espetáculo, a personagem aceita sua condição de feia como um fato
irreversível e passa a enxergar, em si, qualidades, até então, não percebidas.
O
espetáculo inicia-se com o ator, ainda sem a caracterização feminina, entrando
pela plateia e conversando com as pessoas, criando um ambiente de descontração
e cumplicidade para (e entre) ambos. Já
no palco, depois de um tempo de bate-papo, improvisado, ele vai, então,
compondo a personagem e entrando no texto do monólogo, fazendo uso de roupas e
adereços previamente postos num cabideiro de pé, que compõe o cenário, este contando, ainda, com uma
poltrona estampada, exageradamente colorida.
Ao fundo do palco, há um enorme telão, para receber as projeções que são
inseridas no cenário.
Para cada fase
de vida Da personagem, OTÁVIO troca
de roupa. São muitas as trocas e o
figurino, no todo, é muito criativo e engraçado, potencializando o aspecto
ridículo da moça.
Além da mulher feia,
o ator interpreta outros personagens que povoam o universo da protagonista,
como sua mãe; um coleguinha de escola, por quem ela é apaixonada; a amiga da
faculdade; o chefe; o irmão da amiga; e o paquera virtual, alguns deles criados
pela adaptadora do texto.
OTÁVIO é um excelente ator, de grandes recursos, mais
conhecido do grande público por causa de seus trabalhos na TV, porém merece ser
aplaudido, ao vivo, num palco, especialmente neste espetáculo. Gosto de vê-lo em papéis dramáticos (raros),
mas é na comédia que ele se destaca. Seu
“timing” cômico surpreende sempre. Sua
maneira de fazer humor não é histriônica nem ele se apoia num gestual exageradamente
caricato. É “feminino quase que
naturalmente”.
O espetáculo,
que fez uma longa e vitoriosa carreira em São Paulo e outras cidades brasileiras, promete
repetir o feito no Rio de Janeiro.
Trata-se de
uma comédia besteirol, com um texto de humor inteligente, que leva o espectador
a, além de se divertir bastante, praticar uma reflexão sobre todos os
obstáculos a serem transpostos por uma pessoa que veio ao mundo, contrariando os
padrões severos, tradicionais e quase universais de beleza.
FICHA TÉCNICA:
Atuação - OTÁVIO MÜLLER
Texto - CLAUDIA TAJES
Adaptação - JULIA SPADACCINI
Direção - OTÁVIO MÜLLER
Supervisão - AMIR HADDAD
Cenário e Figurino - ADRIANA SCHMIDT
Designers de Vídeo - BATMAN ZAVAREZE /
NATHALIE MELOT
Assistente de direção - DANILO WATANABE
Produtor Geral – SANDRO CHAIM
Realização - PATHAVIDHATU EMPREENDIMENTOS
CULTURAIS e CHAIM XYZ PRODUÇÕES
SERVIÇO:
Temporada: até 27 de julho
Horários: quinta a sábado, às 21h30min, e domingo, às 20h
Teatro dos Quatro - Shopping da Gávea
Rua Marquês de São Vicente, nº 52, 2º piso,
Shopping da Gávea.
Telefone: 2274-9895
Duração: 90 minutos
Classificação Etária: 12 anos
OS CONSELHOS DA
MULHER FEIA:
(FOTOS: DIVULGAÇÃO / PRODUÇÃO
DA PEÇA e PÁGINA DO ESPETÁCULO NO FACEBOOK.)
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