A
MOÇA DA CIDADE
(UMA FÁBULA BRASILEIRA
FABULOSA.)
Pode
ser para a realização de um sonho, para a concretização de um capricho ou, até
mesmo, por vocação, mas o fato é que muitos atores e atrizes, nos últimos
tempos, vêm achando que também podem ser diretores de TEATRO. Algumas experiências
são muito boas, até excelentes; outras me fariam aconselhar essas pessoas a que
se mantivessem no palco, representando apenas, se eu tivesse a coragem de
fazê-lo.
O
espetáculo que é motivo para esta resenha, A
MOÇA DA CIDADE, ao qual tive a grande alegria de assistir no último sábado,
é dirigido por um dos melhores atores de sua geração: RODRIGO PANDOLFO. E a prova
disso é que, aos 29 anos de idade, já foi indicado duas vezes ao Prêmio Shell de Teatro, como melhor
ator, e três vezes ao Prêmio APTR de
Teatro, na mesma categoria, sagrando-se vencedor deste, em 2010, como melhor ator
em papel coadjuvante, pelo trabalho em O
Despertar da Primavera, da dupla Charles
Möller e Cláudio Botelho, na
pele do inesquecível Moritz.
No caso do PANDA, como, carinhosamente, seus
amigos o tratam, dois foram os motivos que o levaram a dirigir essa peça:
realizar um sonho e testar a sua vocação de diretor. O sonho foi realizado, e muito bem
realizado. Quanto à vocação,
indubitavelmente, esta existe e deveria ser exercitada, exercida, sempre.
A
peça é uma delícia!
Gabriel Delfino
Marques, Lu Camy e Dida Camero.
Lu e Gabriel.
Lu Camy.
Com
perdão do pleonasmo, numa brevíssima sinopse, pode-se dizer que a peça gira em
torno de AMBROSINA, uma moça
interiorana, nordestina, que nasceu muito feia e que tinha um sonho de ir para
a cidade grande, com o objetivo de “vencer na vida”. Depois de muita luta, conseguiu convencer o
pai durão de que sua sorte estava no Rio de Janeiro, para onde se transferiu,
aos 18 anos de idade, indo morar numa pensão para moças, no Catete, quando trava
conhecimento e inicia uma amizade com DONA ROSA,
a proprietária uruguaia, e LEITINHO,
um hóspede meio, digamos, “esquisito”.
A partir
dessas relações, a trama toma um rumo, marcado por desejos múltiplos, paixões
arrebatadoras, desejos incontidos, dores profundas, mágoas exacerbadas e uma
atmosfera de mistérios e segredos em torno dos personagens. É o que se pode chamar de uma fábula moderna,
uma história bem humorada, cheia de brasilidade e repleta de encontros e
desencontros.
Você,
que me dá o prazer de ler estas minhas considerações sobre o espetáculo,
poderia estar pensando: E o que há de inusitado nesse enredo? Quantas vezes já não se viu a história de
algum moço ou moça do interior que sonha com a cidade grande e parte para uma
delas, em busca de uma melhoria de vida, da concretização de seus sonhos,
muitas vezes além de Shangri-la, e nos quais cabe o encontro com a tão desejada
cara metade?
E
eu responderia, com a maior tranquilidade: Não é aí que está o cerne da questão,
não é esse o fator que qualifica esta peça como um excelente trabalho, que deve
ser visto por um número maior possível de espectadores, a despeito da curta
temporada e da limitação espacial da Sala
Multiuso do Espaço SESC Copacabana, onde o espetáculo está sendo
apresentado. Um tema pode ser “batido”,
mas, quando tratado com inteligência, criatividade, competência, talento e,
paixão, muita paixão, o resultado tende a ser bom.
O resultado de
A MOÇA DA CIDADE é excelente, porque,
no espetáculo, estão combinados todos os ingredientes necessários para fazer
dele um grande divertimento, para todas as idades e para pessoas as mais
ecléticas em seus gostos pessoais.
É
um espetáculo lírico, poético, lindo, ao mesmo tempo que diverte, distrai e faz
com que o espectador se esqueça, por uma hora, das mazelas da vida e do mundo.
O texto, que teve como embrião um conto, é um achado e foi
escrito pelo dramaturgo sul-mato-grossense ANDERSON
BOSH, vencedor do Prêmio Funarte de
Dramaturgia da Região Centro-Oeste 2001, chegando ao formato final de
dramaturgia, como uma criação coletiva, que envolveu o próprio autor, RODRIGO PANDOLFO, VICTOR VARANDAS, KELI FREITAS e o elenco. É lindo, principalmente por dar a
oportunidade às pessoas “da cidade” de conhecer o falar da “gente do interior”,
uma linguagem ingênua e cheia de frases feitas e propriedades muito curiosas e
inteligentes.
Na verdade, A MOÇA
DA CIDADE é o nome de uma radionovela, dos anos 40, no estilo "dramalhão mexicano, e a encenação da peça
se dá, basicamente, dentro de um estúdio de rádio, embora, além de dois espaços
onde estão instalados os microfones utilizados pelos atores para a leitura
interpretada do texto novelesco, outros sejam ocupados, para a ambientação de
cenas na pensão de DONA ROSA, no
cinema, no interior de um veículo e outros espaços. O ambiente lembra muito os estúdios da Rádio
Nacional, nos tempos dourados da radiofonia.
A novela é dividida, bem como a ação, em três momentos (capítulos),
desde o nascimento da moça, no interior do nordeste, até o desfecho,
completamente inesperado pela plateia, um grande trunfo da trama.
Um dos aspectos mais interessantes desta montagem é a
utilização de vários recursos da linguagem tecnológica, que vão ajudar a contar
a história, onde se destacam as projeções de filmes da época, “dublados”, de
forma magistral, ao vivo, pelos atores e por dois técnicos, com formação em
artes dramáticas, que operam o som e as projeções, os quais também são
responsáveis por todos os efeitos de sonoplastia, provindos de uma bancada, ao
fundo, os quais são necessários na transmissão de uma novela. Um trabalho irretocável de FELIPE BOND e BRUNO FAGOTTI. A propósito,
como a referida bancada fica no final do espaço cênico, um pouco distante da plateia,
alguns “detalhes visuais dessa sonoplastia” (parece uma incongruência) acabam
sendo perdidos pelos espectadores. Na
impossibilidade de fazer com que seja diminuída a distância entre o público e o
local de onde partem os efeitos sonoros, recomenda-se que o espetáculo seja
visto mais de uma vez, para que todos os detalhes possam ser observados. Vale a
pena repetir a ida ao teatro. A
sincronia entre a ação e a sonoplastia é perfeita, chegando ao requinte de
ater-se a detalhes mínimos, como, por exemplo, o som produzido por uma azeitona,
caindo num copo de bebida, e uma lavagem e secagem de pratos.
Não posso conter o meu desejo de exaltar o trabalho de direção
de RODRIGO PANDOLFO, pela extrema
dose de criatividade nele concentrado e por algumas ideias simples, porém magistrais,
como, por exemplo, a utilização da já tão festejada sonoplastia; o uso da
dublagem ao vivo (sensacional a de Marlon Brando e Vivian Leigh); a troca de um bilhete entre dois personagens, passados, por
meio de um “truque”, através de uma tela; o emprego de luminárias do tipo
“globo”, com o objetivo de distorcer a fala dos personagens, uma espécie de
surdina, utilizada em instrumentos de sopro; a interrupção, por várias vezes,
da transmissão da radionovela, para uma notícia extraordinára, do setor de
radiojornalismo, de fatos da época; a produção dos filmes feitos especialmente
para o espetáculo; o tom de brasilidade e o resgate de uma época tão importante
para a cultura brasileira.
Quanto ao elenco, formado por LU CAMY (AMBROSINA), DIDA
CAMERO (DONA ROSA e outros papéis) e GABRIEL
DELFINO MARQUES (LEITINHO e outros papéis), o trio faz um trabalho digno de
todos os elogios.
DIDA é uma veterana, ótima atriz, demonstrado em tantos
espetáculos de que já participou. Está
perfeita em todos os personagens que representa, principalmente como DONA ROSA, uma uruguaia, com um hilário
portunhol, mais para “nhol” do que para “portu”. A atriz já colhe os frutos de seu trabalho
logo nas primeiras cenas e agrada bastante a toda a plateia, até o final da
encenação.
Dida
Camero.
LU, cujo trabalho eu conhecia, por alto, na TV, demonstra
grande competência e responsabilidade para carregar a protagonista da
trama. Feia e desajeitada, a personagem,
preterida nos seus propósitos de vencer na vida e conseguir um “bom” marido, a
atriz se comporta muito bem em cena, sem exageros, mesmo nas cenas mais
caricaturais, por exigência do texto e orientação da direção. Foi uma grata surpresa.
Lu
Camy.
GABRIEL, cujo trabalho eu não conhecia, também se mostra um excelente
ator. São ótimas as leituras que faz dos
diversos personagens e as consequentes representações. Como LEITINHO,
está impagável. Ótima revelação, pelo
menos para mim, que não o conhecia, de ator, com lugar garantido em qualquer
outra produção de qualidade.
Gabriel Delfino Marques.
A trilha sonora,
de ótimo gosto, é do diretor, que conta, ainda, com a correta e luxuosa direção musical de MARCELO ALONSO NEVES. Voltei
à infância, com os deliciosos “jingles” selecionados, dos “patrocinadores da
novela”.
A preparação
corporal é responsabilidade de ANA
ACHCAR é foi muito bem executada, pois o espetáculo exige bastante do
preparo físico dos atores, os quais se revezam em vários personagens, numa
correria louca, de um extremo a outro da área cênica.
Direção de
movimento e coreografias a cargo de VICTOR
MAIA já é garantia de bom trabalho.
Não foi diferente nesta produção.
O premiadíssimo iluminador TOMÁS RIBAS (vários prêmios em 2013, por exemplo) assina a iluminação da peça. Ótima.
No início da “encenação” da radionovela, só há três luzes de serviço,
espalhadas pelo espaço cênico (não se pode falar em “palco” na Sala Multiuso do SESC Copacabana), mas,
após pouco mais de cinco minutos do início da peça, a plateia se vê em meio a uma
frenética troca de luzes, acompanhando, perfeitamente, todas as necessidades
das cenas, inclusive muito bem ajustadas nos momentos em que há projeções. Trabalho perfeito.
O cenário é
assinado pelo dublê de arquiteto/cenógrafo MIGUEL
PINTO GUIMARÃES, ao lado do qual tive o prazer de assistir ao espetáculo e
que me deu algumas dicas de alguns detalhes cênicos, durante a representação,
pelo que muito agradeço. Para uma produção
muito barata, para os padrões em vigor (informação do próprio MIGUEL), extremamente oposta à qualidade do espetáculo, o cenário não poderia ser rico, mas
bastava – e era muito necessário – que atendesse às necessidades do texto e da
direção, que fosse prático. Nisso, MIGUEL acertou em cheio, criando
espaços diversos, delimitados por dois telões, móveis, que tanto serviam para
pontuar e limitar os diferentes espaços como para que fossem neles projetados os filmes e
todas as demais imagens utilizadas na peça.
Além disso, destacam-se apenas dois pontos do estúdio em que se
desenrola a radionovela, com microfones da época (detalhe sensacional), além de
um banco, que serve a várias utilidades, e uma mesa, móvel da pensão de DONA ROSA, dividido, de forma genial,
com o operador de luz. Ao fundo, há uma
bancada, na qual ficam utensílios do dia a dia, utilizados na sonoplastia. O cenário,
como os demais elementos desta produção são a prova viva de que é
possível fazer um TEATRO de excepcional
qualidade com uma verba franciscana.
O
real e o virtual.
BRUNO PERLATTO é o responsável pelos figurinos
da peça. São excelentes, seguindo a
linha do grotesco e do que pode ser esperado no universo das fábulas.
Ótimo é o visagismo,
assinado por SID ANDRADE.
Os demais nomes da ficha técnica, todos da maior
importância para a realização deste espetáculo, são:
Fotos: GUI MAIA
Design gráfico: AGOSTO
DESIGN
Assessoria de
imprensa: VÂNIA DE BRITO
Assistente de
direção e stand-in: VICTOR VARANDAS
Assistente de
produção: LEILA MEIRELLES
Colaboração
cênica: KELI FREITAS
Direção de
vídeos: FELIPE BOND
Direção de
fotografia: DANI LIMA e ROBERTO COBRAN
Edição de vídeo: UIRÁ
FELIPE
Projeto de vídeo
e edição: JOÃO MARCELO IGLESIAS
Operação de
projeção: BRUNO FAGOTTI
Operação de som: FELIPE
BOND
Operador de luz: SANDRO
LIMA
Produção: TATIANNA
TRINXET e RODRIGO PANDOLFO
Realização: PANTUR
e
CONSTELAR
Numa recente entrevista, RODRIGO PANDOLFO disse sobre a peça: "Esse
é um projeto meu, é como ver um filho nascer. Estou aprendendo muito, é como
iniciar uma nova carreira." Fico muito feliz por ele, mas espero vê-lo
mais no TEATRO, já que, ultimamente,
está mais dedicado à TV e ao cinema e, apesar do meu modesto aval para
continuar dirigindo excelentes espetáculo, como
A MOÇA DA CIDADE, espero não
perder o grande ator que ele é.
Assistam ao
espetáculo e vejam que até economizei nos elogios.
Apenas para
que aqueles que ainda não conhecem bem o trabalho de RODRIGO PANDOLFO, vale a pena contar um fato, o qual, até hoje,
confidenciei a apenas poucas pessoas:
Numa das incontáveis vezes em que
assisti ao espetáculo O DESPERTAR DA
PRIMAVERA, tive a honra e o prazer de ter o grande e saudoso mestre SÉRGIO BRITO ao meu lado, na primeira
fila.
Ao final do primeiro ato, ele virou-se
para mim, muito emocionado, e exclamou, quase em transe, referindo-se ao
espetáculo: “MAGNÍFICO!”
Quando terminou a peça, durante os
intermináveis aplausos, ao ovacionar, de pé, RODRIGO PANDOLFO, SÉRGIO
BRITO me disse: “E PENSAR QUE EU
GANHEI DESTE MENINO!”
(É que ambos haviam sido indicados
para um Prêmio Shell, um ou dois
anos antes; PANDOLFO, por outro
trabalho, ele que, naquele mesmo ano, ganharia o prêmio de melhor ator em papel
coadjuvante, da APTR, pela peça a
que eu e SÉRGIO estávamos assistindo
naquele momento.)
SERVIÇO: Peça teatral A MOÇA DA CIDADE
De 30/5 a 29/6, sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.
Valores: R$ 5 (associados Sesc), R$ 10 (meia entrada) e R$ 20
Duração: 60 minutos
Classificação: 14 anos
Gênero: Comédia
Parte da equipe de criação.
RODRIGO PANFOLFO – o diretor.
(FOTOS:
PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO; GUI MAIA; PÁGINAS DOS ATORES E DO DIRETOR
NO FACEBOOK; MIGUEL PINTO GUIMARÃES e RODRIGO PANDOLFO.)
Linda resenha, como lindo é o espetáculo!!!!!
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