“LET´S PLAY THAT
OU
VAMOS BRINCAR DAQUILO”
ou
(TODAS AS FACES DE UM MAGNÍFICO ATOR.)
Na segunda metade da década de 1960, surgiu, no Brasil, a “Tropicália”, chamada, por alguns, de “Tropicalismo”, um forte movimento cultural, que, lembrado sempre como algo ligado à música, também abraçou o cinema, o TEATRO, a poesia e as artes plásticas, caracterizado como libertário e revolucionário. Seu objetivo maior procurava afastar-se do intelectualismo da Bossa Nova e aproximar a música brasileira da cultura popular, do samba, do “pop”, do “rock” e da “psicodelia”. Sua marca mais robusta era a irreverência, presente na ironia das suas obras, provocando transformações na moral e no comportamento. Esteticamente, do ponto de vista do visual de seus adeptos, a contracultura “hippie” foi assimilada, com “a adoção da moda dos cabelos longos, encaracolados, e das roupas escandalosamente coloridas”. Poderia escrever trocentas páginas sobre o movimento, no qual mergulhei de cabeça, e amo até hoje, abordando todas os seus escaninhos, dos quais, além da música, o TEATRO foi outro viés que me encantou demais (VIVA ZÉ CELSO! VIVA O GRUPO OFICINA!), mas, o tempo é curto e vou me ater apenas à parte musical, que o solo de TUCA ANDRADA, em cartaz no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB – RJ) (VER SERVIÇO.) aborda, com foco na obra poética de TORQUATO NETO, um dos melhores letristas do movimento.
SINOPSE:
Em um
híbrido de recital de poesia,
“stand-up show”, “performance”, jogo e aula-espetáculo, TUCA
ANDRADA narra seu encontro com a vida-obra do poeta e letrista TORQUATO NETO, um dos nomes seminais do
“Tropicalismo”, e o
encantamento que surgiu desse encontro.
Durante pouco mais de uma hora, o ator se relaciona com o público, como se estivesse numa roda de amigos, com ajuda apenas de um banco, sonoplastia, música, canto, dança e com um chão coberto com as poesias de TORQUATO.
Todo espetáculo de TEATRO é gestado a partir de uma ideia. Aqui, ela surgiu depois de TUCA ANDRADA ter entrado em contato com uma edição de “Torquatália”, livro em dois volumes, de Paulo Roberto Pires, no qual o autor apresenta uma antologia de TORQUATO NETO, tanto de sua obra poética quanto em prosa, além de inéditos, correspondências, escritos de sua coluna no jornal “Última Hora”, em publicações diversas e, por isso, desconhecidos. Considero importantíssima e extremamente necessária esta peça, pelo fato de o Brasil, por ser um país “sem memória” e valorizar mais, via de regra, o que vem “de fora”, não dar valor a grandes nomes da cultura brasileira, como o de TORQUATO, que nunca chegou a publicar um livro em vida, por mais estranho que isso possa parecer. Coisas do Brasil!
Outro fato que acontece muito em nosso país é que, muitas vezes, um dos compositores de uma determinada canção é também quem a grava. Dessa forma, o público, em geral, atribui a sua autoria apenas a quem a canta, esquecendo-se de que, nela, há uma parceria. O parceiro é ignorado, quase sempre. Destarte, tenho a certeza de que, assistindo a esta peça, muita gente há de se admirar: “Essa também é dele?!”.
Piauiense, de Teresina, TORQUATO nasceu, filho único, numa família de classe média alta, tendo
como pai um defensor público e como mãe uma professora. Veio ao mundo, pois,
numa família culta. Destacou-se como poeta, jornalista, letrista de música popular, agitador cultural e até ator e cineasta, bissextos, além de experimentador
ligado à contracultura. Aos 16 anos, mudou-se para Salvador,
onde conheceu nomes que viriam a se consagrar na MPB e em outras artes, como Gilberto Gil, um dos
seus mais frequentes parceiros, e Glauber Rocha, com quem trabalhou, como
assistente, no filme “Barravento”. Outros grandes nomes
da música, desconhecidos na época, logo passaram a fazer parte do círculo de
amizade do rapaz, como Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Betânia. Em 1962,
mudou-se para o Rio de Janeiro, com o propósito de
estudar jornalismo, mas nunca chegou a se formar, por achar aquilo muito “chato”.
Talvez muito “light”, para o seu temperamento “intrépido”. Graças ao
seu talento para a escrita, notado por algumas pessoas, mesmo sem ter o diploma
de jornalista, trabalhou na profissão, para diversos veículos da imprensa
carioca, com colunas sobre cultura nos extintos jornais "Correio da Manhã", "Jornal dos Sports" e "Última Hora".
Como um dos fundadores do “Tropicalismo”, defendia a necessidade de criar um "pop" genuinamente brasileiro: “Assumir, completamente, tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido”.
Alcoólatra inveterado e um deprimido contumaz, começou a se isolar, no início da década de 1970, sentindo-se perseguido pelo regime militar ditatorial, iniciado em 1964, passou por uma série de internações, para tratar a dependência do álcool, embora também fizesse uso de outras drogas, ilícitas, e rompeu com diversas amizades. Um dia apenas depois do seu 28º aniversário (10 de novembro de 1972), TORQUATO suicidou-se, trancando-se no banheiro de seu apartamento e abrindo o gás, deixando um filho, Thiago, de apenas dois anos de idade, além da viúva, Ana Maria.
Uma curiosidade, que pouca gente sabe: depois da morte do amigo, Caetano
Veloso, após um encontro com o pai do poeta, em Teresina, escreveu a linda
canção “Cajuina”:
“CAJUINA”
Existirmos a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima
nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.
No que
tange ao título deste monólogo, que pode ser confundido com “Brincando
Em Cima Daquilo”, texto de Dario Fo e Franca Rame, grande sucesso
de Marília
Pêra, nos anos de 1984 e 1985, ele é o
nome de uma poesia do TORQUATO NETO,
musicada pelo Jards Macalé. “Vamos
Brincar Daquilo”, que também faz parte da identificação da peça, é
uma tradução livre para o título em inglês, “e esse sentido de jogo, de brincar, é um chamamento para o público se relacionar comigo
durante o espetáculo”, diz TUCA
ANDRADA.
Agora, vamos ao espetáculo de TEATRO, propriamente dito, que me levou, com muito interesse, ansiedade e uma expectativa positivíssima, ao CCBB, no início da noite de ontem, e que me fez sair de lá com o coração em festa, com muitíssimo prazer, além do que já espera encontrar, “com a alma lavada e enxaguada de felicidade”, como diria o personagem Odorico Paraguaçu, criado pelo saudoso dramaturgo Dias Gomes, encarnado por um gênio, entre os atores, Paulo Gracindo, na TV e no cinema. Como bem diz a SINOPSE da encenação, trata-se de um espetáculo híbrido, um solo teatral em que se inserem características de outras manifestações culturais, incluindo a música, sem ser um “monólogo musical”, visto que as letras das canções interpretadas pelo ator não ajudam a contar a história do homenageado, mas servem, e muito, para ilustrar a sua preciosíssima passagem pela Música Popular Brasileira. Poderíamos dizer que “LET´S PLAY THAT OU VAMOS BRINCAR DAQUILO” é uma “peça-show”, como registra o “release” que me chegou às mãos, via NEY MOTTA, assessor de imprensa do espetáculo (Contemporânea Comunicação Ltda.), celebrando a curta vida e a gigantesca obra do poeta e letrista tropicalista TORQUATO NETO.
E como funciona a montagem, a sua dinâmica? Ao adentrar o espaço onde se dará a peça, o espectador é recebido por TUCA ANDRADA, que cumprimenta a todos, troca algumas palavras com um ou outro conhecido ou amigo e se empenha, para que seja criado um ambiente de camaradagem, com muita intimidade, indispensável a uma proposta bem intimista, como é esta. No decorrer do espetáculo, a plateia tem liberdade para fotografar e filmar, quando e o que bem entender, desde que sem “flash” e com o aparelho celular no “modo avião”, em respeito ao ator e aos demais do público, que vem lotando totalmente todas as sessões. Também em cena, nas duas laterais do palco, ao fundo, estão os músicos CAIO CEZAR SITONIO e PIERRE LEITE, os quais, além de acompanhar TUCA, nas canções, ainda são responsáveis por executar uma trilha sonora de fundo e a produzir interessantes sons, numa pertinente sonoplastia. Cantarolei, junto com TUCA, só para mim, evidentemente, todas as canções da trilha sonora da peça, mas só consigo me lembrar, agora, de "Mamãe Coragem, composta com Caetano Veloso; "Pra Dizer Adeus", junto com Edu Lobo; e "Minha Senhora", "Geleia Geral" e "Marginália II", todas em parceria com Gilberto Gil, tendo sido as duas últimas gravadas no disco/manifestro "Tropicália ou Panis et Circensis", de 1968.
Quando se
tem muita coisa interessante a ser dita, num texto muito bem construído, e um
ator do gabarito de TUCA ANDRADA,
que também é responsável pela dramaturgia e pela direção
do espetáculo, função esta que divide com MARIA
PAULA COSTA RÊGO, outros elementos de uma montagem teatral (cenário, figurino, iluminação...) podem até ser
dispensados ou tornados muito simples, ainda que sejam preciosas colaborações
para se alcançar o sucesso que este solo vem alcançando, desde quando estreou, nacionalmente,
em março de
2023, em Recife/PE, terra natal do ator, com temporada no Teatro
Hermilo Borba Filho. No ano em curso, cumpriu temporada no Sesc
Pompeia, São Paulo, em abril e maio. Depois, veio a
circulação pelo Centro Cultural Banco do Brasil, a qual teve início no CCBB
Belo Horizonte, em maio e junho. Após a atual temporada,
no
CCBB Rio de Janeiro, a peça será apresentada no CCBB Brasília, em novembro
e dezembro. Depois, já em 2025, esperam-se outras temporadas,
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, a julgar pelo estrondoso
sucesso que vem sendo obtido pelo monólogo, tanto da parte do público, que é
o principal, como da crítica especializada, à qual tenho a honra e o prazer
de pertencer.
Muito por conta da característica simples e intimista do espetáculo e do custo que uma montagem teatral requer, podemos dizer que se trata de uma produção bem “franciscana”, em termos de números e de cifrões, mas de alta potência comunicativa e artística. Pouco investimento, em comparação a outras produções, embora o “pouco” custe sempre mais caro, quando se trata de TEATRO, e muito de positivo, no resultado final da montagem. O próprio TUCA assina a cenografia e o figurino da peça. Aquela se limita a um único banquinho e muitas folhas de papel, espalhadas pelo chão do espaço cênico, com poesias do artista homenageado. O figurino se resume a uma calça e uma camiseta, ambas brancas. E nada mais é necessário, além de uma ótima iluminação, a cargo de CAETANO VILELA.
O trabalho de TUCA é digno de todos os nossos aplausos e elogios, por sua força expressiva, pela carga emocional de que o ator faz uso, do seu carisma, da sua capacidade de abandonar um momento agudo da peça e entrar, imediatamente, em outro mais leve e, até mesmo, embalado por um leve humor, que alivia um pouco a tensão lançada aos espectadores. É impressionante a resistência física do ator, assim como a exploração do seu físico, em expressões corporais imensamente expressivas. Da mesma forma, importa também a modulação de sua voz, de acordo com a exigência de cada cena. Percebe-se uma entrega total do artista, que não mede esforços para apresentar TORQUATO NETO a quem não o conhece, e despertar lembranças do poeta para os seus admiradores, como eu, que cantarolei, apenas para mim, é claro, todas as canções exploradas no espetáculo, conquanto, no momento, só me lembre de
Já que fiz
alusão a um banquinho, na cenografia, vejo-me no dever de
salientar a importância dessa peça na encenação, por conta da criatividade da
dupla direção. Esse elemento cênico é quase um “ator coadjuvante, de luxo”,
no espetáculo, pois serve a várias representações e significados, em apoio a
quase todas as cenas, numa demonstração de como se pode usar e explorar bem um
simples elemento cenográfico e “contracenar” com ele. Uma
verdadeira aula de inteligência e criatividade da direção!
FICHA TÉCNICA:
Criação (Texto): Tuca Andrada, a partir da
obra e vida de Torquato Neto
Direção: Tuca Andrada e Maria Paula
Costa Rêgo
Atuação: Tuca Andrada
Músicos: Caio Cezar Sitonio e Pierre
Leite
Cenário e Figurino: Tuca Andrada e
Maria Paula Costa Rêgo
Iluminação: Caetano Vilela
Direção Musical: Caio Cezar Sitonio
Direção de Movimento: Maria Paula
Costa Rêgo
Assistência e Programação de Luz:
Nicolas Caratori
Operação de Luz: Wladimir Alves
Fernandes
Operação de Som: Raquel Brandi
Parangolé: Izabel Carvalho
Intérprete de Libras: Diana Dantas e
Lorena Sousa
Assessoria Contábil: Confiare
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Fotografia: Matheus
José Maria, Ronald Nascimento e Ashlley Melo
Criação de Vinhetas: Daniel Barros
Projeto Gráfico: Humberto Costa
Produção Executiva: Tuca Andrada e
Adriana Teles
Realização: Iluminata Produções
Artísticas
SERVIÇO:
Temporada: De 15 de
agosto a 15 de setembro de 2024.
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB –
RJ) – Teatro III.
Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66, Centro
- Rio de Janeiro.
Informações: (21)3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Valor do Ingresso: R$ 30 (inteira) e
R$ 15 (meia-entrada).
(Estudantes, maiores de 65 anos e
Clientes Ourocard pagam meia- entrada.)
Ingressos adquiridos na bilheteria do
CCBB ou, antecipadamente, pelo site https://ccbb.com.br/rio-de-janeiro
Funcionamento do CCBB Rio: de 4ª
feira a domingo, das 9h às 20h (Fecha às 3ªs feiras.).
Duração: 75
minutos.
Classificação: 16 anos.
Gênero: Monólogo (Musicado).
Não tenho dúvidas de que, se ainda fizesse parte do corpo de jurados de algum prêmio de TEATRO, no Rio de Janeiro, uma das minhas indicações à láurea de MELHOR ATOR de 2024 seria para TUCA ANDRADA, por seu poder de persuasão naquilo que faz nesta peça, relacionando-se com os espectadores como se estivesse numa roda de amigos. Inclusive, o público é convidado a participar do espetáculo, opinando, criticando, sendo livre para falar o que quiser, até mesmo participando de uma deliciosa ciranda, sempre espontaneamente. Não estivesse eu com a agenda lotada até meados de setembro, teria o máximo prazer em reassistir a esta magnífica encenação, que eu, obviamente, RECOMENDO MUITÍSSIMO.
FOTOS: MATHEUS JOSÉ MARIA,
RONALD NASCIMENTO
E
ASHLLEY MELO
GALERIA PARTICULAR:
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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