“PRIMEIRO HAMLET.”
ou
(PRIMEIRO, EM HAMLET?)
ou
(EM PRIMEIRO, HAMLET!)
No TEATRO,
o diretor
é o responsável por “supervisionar e dirigir a montagem de uma peça, trabalhando,
diretamente, a representação, decidindo a melhor forma de conjugar os diversos esforços
da equipe de trabalho, em todos os aspectos da produção. A sua função é
assegurar a qualidade e integridade do produto teatral (a peça)”. Em
resumo, é o “maestro” que comanda seus artistas: os do elenco e os de
criação. Sendo assim, ele chama a si a responsabilidade por funcionar ou não o
produto de um trabalho coletivo. Cabe a ele fazer uma leitura pessoal de um
texto e encontrar o caminho para fazer com que o espectador, da melhor forma
possível, possa atingir as intenções do autor, segundo a sua leitura pessoal.
Destarte, um mesmo texto teatral pode chegar ao público de “n” maneiras diferentes,
vestido de formas e cores diversas. E o espetáculo passa a ser conhecido da
seguinte forma: “o ‘Hamlet’ do Aderbal (Freire-Filho)”, “o ‘Hamlet” do Armazém (Grupo de
Teatro de Belo Horizonte)” ou “o ‘Hamlet’ do Gabriel (Villela)”. É
sobre o último que estou escrevendo.
O que os difere? A estética
e a ênfase que cada diretor impõe à sua montagem, ainda que existam
pontos em comum entre eles, além do “fio da meada”. E não há por que
dizer que este é melhor que aquele ou que um me emocionou mais que o outro.
Asseguro-lhes que, tendo assistido às três montagens citadas, além de outras, “menos
votadas”, encantei-me, de igual forma, por todas. Enquanto, nos dois primeiros,
a direção optou por um tom mais épico e até “futurista”, GABRIEL VILLELA nos presenteia com um
espetáculo repleto de pinceladas de poesia, lirismo e humor ingênuo, a despeito
de a tragédia tratar de temas “satélites”, como a traição,
o incesto,
a corrupção,
a moralidade
e a usurpação
de um trono, o que gera um sentimento de vingança, sendo este o mote
principal da peça. Deste, tiramos a conclusão de que “um espírito vingativo é tão destrutivo quanto o
motivo da vingança”. Pelas
palavras de SHAKESPEARE, entendemos
que existe, sem a menor dúvida, a presença do mal no universo humano e que esse
sentimento é inato, ao mesmo tempo que o autor explora a nossa reação para com
essa deformidade.
Tudo isso justifica o
trabalho de GABRIEL VILLELA, na direção
de seu mais recente espetáculo, “PRIMEIRO
HAMLET”, o qual, infelizmente, cumpriu uma curta temporada, no SESC
Vila Mariana, em São Paulo, espetáculo que me levou,
exclusivamente, à capital paulista, para conhecê-lo e ao qual só consegui assistir
em seu último dia em cartaz (16/06/2024). A tragédia é a mesma
que todos conhecemos e já vimos encenada sob óticas diversas, porém o que, de
muito contundente, mais diferencia a montagem em tela das demais, além da
conhecida e personalíssima estética de VILLELA, é o fato de ser esta a primeira versão conhecida de “HAMLET”, escrito, ao que deduzem os estudiosos do bardo inglês, entre
1599 e 1601, a mais célebre tragédia de WILLIAM SHAKESPEARE, versão
trazida a público apenas em 2014, graças à tradução do doutor em
literatura inglesa e norte-americana JOSÉ ROBERTO O´SHEA.
O título da peça,
como ela é apresentada em qualquer lugar, é “A Tragédia de Hamlet, Príncipe
da Dinamarca” (The Tragedie of Hamlet, Prince of Denmarke”), abreviada
para apenas “Hamlet”. A ação se
passa na Dinamarca e conta a
história de como o Príncipe Hamlet tenta vingar a morte de seu pai, também chamado
de Hamlet,
o Rei,
executado por Cláudio, seu irmão, que o envenenou e, em seguida, tomou o
trono, casando-se com a rainha. “A peça traça um mapa do curso de vida na
loucura real e na loucura fingida, do sofrimento opressivo à raiva fervorosa.”.
SINOPSE (bem resumida):
O jovem Príncipe Hamlet da Dinamarca
(CHICO CARVALHO), depara-se com o
espectro de seu pai, que lhe revela que seu irmão, Cláudio (CLAUDIO FONTANA),
tio do jovem e, agora, casado com Gertred (Gertrudes, nas outras versões –
LUCIANA CARNIELI), mãe do Príncipe, o envenenara.
Atormentado com essa macabra revelação, Hamlet organiza um plano,
valendo-se de uma trupe de atores, os quais se apresentariam no palácio, com o
objetivo de mostrar sua arte, para testar a veracidade do crime narrado pelo
fantasma de seu pai e, assim, vingar seu assassinato.
SINOPSE
(bem completa):
O
protagonista é o Príncipe Hamlet da Dinamarca (CHICO CARVALHO), filho do recentemente
morto Rei Hamlet e sobrinho do Rei Cláudio (CLAUDIO FONTANA), irmão e sucessor de seu pai.
Após
a morte do Rei Hamlet, Cláudio casa-se, apressadamente, com
a, então, viúva Gertrede (LUCIANA
CARNIELI), mãe do Príncipe.
Naquele
momento, a Dinamarca está em disputa com a vizinha Noruega Noruega, e paira no ar a expectativa de uma suposta e iminente invasão,
liderada pelo príncipe norueguês Fórtinbras (JOÃO ATTUY).
A
peça inicia-se numa noite fria, no Castelo de Elsinore, o Castelo Real Dinamarquês.
Os
sentinelas tentam convencer Horácio (IVAN VELLAME), o melhor amigo do Príncipe Hamlet, que eles
têm visto o fantasma do rei morto, quando este aparece novamente.
Depois
do encontro de Horácio com o Fantasma, Hamlet resolve vê-lo com
seus próprios olhos.
À
noite, o Fantasma aparece para Hamlet.
O
espectro diz ao Príncipe que é o espírito de seu pai morto, e revela que Cláudio
o matou com um frasco de veneno, despejando o líquido em seu ouvido, e pede que
Hamlet
vingue sua morte, com o que este concorda, com pena do espectro, decidindo
fingir-se de louco, para não levantar suspeitas, ainda que o rapaz duvide da “identidade”
do Fantasma.
Ocupados
com os assuntos de Estado, Cláudio e Gertrudes tentam evitar a
invasão de Fórtinbras.
Um
tanto preocupados com o comportamento solitário e errático de Hamlet,
acrescido de seu luto profundo, diante da morte do pai, os dois convidam dois
amigos do príncipe – Rosencraft (GABRIEL SOBREIRO) e Guilderstone (BRENO MANFREDINI) - para descobrirem a causa da mudança de
comportamento de Hamlet, o qual recebe os companheiros calorosamente, todavia
logo discerne que eles estão contra si.
Corambis (ELIAS
ANDREATO) é o conselheiro-chefe de Cláudio,
e seu filho, Laertes (ANDRÉ HENDGES) está indo de viagem à França, enquanto sua irmã, Ofélia (CIÇA DE CARVALHO), é cortejada por Hamlet.
Nem
Polônio
nem Laertes
acreditam que Hamlet nutra desejos sinceros com Ofélia, e ambos alertam-na
para esquecê-lo.
Pouco
depois, Ofélia fica alarmada pelo comportamento estranho de Hamlet
e confessa ao pai que o Príncipe irá ter com ela num dos
aposentos do Castelo.
Polônio assume que o “êxtase do amor” é o responsável
pela loucura de Hamlet e informa isso a Cláudio e Gertrudes.
Mais
tarde, Hamlet discute com Ofélia e insiste para que ela vá
para um convento.
Hamlet continua sem saber se o espírito lhe contou a verdade, mas
a chegada de uma trupe de atores a Elsinore apresenta-se como uma
solução para a dúvida.
Ele
vai montar uma peça, encenando o assassinato do pai - assim como o espectro lhe
relatou - e determinar, com a ajuda de Horácio, a culpa ou a
inocência de Cláudio, observando sua reação.
Toda
a Corte
é convocada para assistir ao espetáculo, durante o qual Hamlet faz comentários, no decorrer da encenação.
Quando
a cena do assassinato acontece, Cláudio, muito pálido e visivelmente
perturbado, ergue-se cambaleante, fazendo com que Hamlet veja nisso uma
prova de sua culpabilidade.
O
Rei,
temendo pela própria vida, decide banir Hamlet para a Inglaterra, com um pretexto, vigiado por Rosencraft e Guilderstone,
com uma carta na qual há a orientação de que seu portador seja assassinado tão
logo lá chegue.
Gertrede, aflita e preocupada com o comportamento do filho, chama-o
à sua câmara e pede-lhe uma explicação sensata sobre a conduta que resultou no
mal-estar do Rei.
Durante
o caminho, Hamlet encontra-se com Cláudio rezando, distraído.
O
jovem hesita em matá-lo, pois raciocina que enviaria o Rei ao céu, por ele estar
orando.
No
quarto da Rainha, mãe e filho têm um debate fervoroso.
Corambis, que espia tudo por detrás das cortinas, denuncia-se, ao
fazer um barulho, e Hamlet, acreditando ser Cláudio, dá-lhe uma estocada
certeira, furando o tecido que o encobria, e percebe o erro cometido.
O
Fantasma
aparece, dizendo que Hamlet deve acolher sua mãe
suavemente, embora volte a pedir vingança.
Atormentada,
em luto, pela morte do pai, Ofélia caminha por Elsinore,
cantando libertinagens.
Laertes retorna da França, enfurecido pela morte do pai
e melancólico pela loucura da irmã.
Cláudio convence Laertes de que Hamlet é o único
responsável pelo acontecido.
Chega,
então, a notícia de que o Príncipe voltara à Dinamarca,
porque seu barco foi atacado por piratas, quando estava a caminho da Inglaterra.
Rapidamente,
Cláudio
propõe a Laertes uma luta de espadas, “de reparação”, entre ele
e Hamlet,
durante a qual o primeiro dos dois utilizaria uma espada envenenada, sendo que,
na ocasião, seria oferecido ao Príncipe uma taça de vinho com
veneno, para o caso de o plano da luta falhar.
Gertrede interrompe o local da luta, com a notícia de que Ofélia
se afogara, em “suicídio”.
No
regresso a Elsinore, Hamlet conta a Horácio como escapou do
destino mortal, quando foi confiado a Rosenccraft e Guilderstone.
Nesse
momento, Laertes interrompe a conversa e convida o Príncipe para um combate
de armas brancas, proposto pelo Rei.
Enquanto
isso, o exército de Fórtinbras cerca Elsinore.
A
competição começa e ambos os cavalheiros tomam posição.
O
Rei, como planejou anteriormente, separa a taça envenenada e deposita veneno
dentro do líquido, oferecendo-a a Hamlet, que deixa a bebida para
depois da luta.
O
Príncipe
vence a contenda nos primeiro e segundo assaltos, o que leva a Rainha
a tomar a taça com o vinho envenenado, para “beber à sorte do filho”.
Enquanto
a mãe enxuga a face de Hamlet, Laertes decide feri-lo
com a arma envenenada, mas Hamlet, fazendo uso de sua força,
atraca-se com o inimigo e, no corpo a corpo, as espadas são trocadas e o Príncipe
atinge Laertes com a lâmina envenenada.
A
Rainha
confessa que morre por conta do veneno, enquanto Laertes revela que o Rei
é o culpado de toda a infâmia.
A
Rainha
morre envenenada.
Hamlet, então, fere o Rei com a espada envenenada, mas
este diz estar apenas machucado.
Furioso,
o sobrinho, à força, obriga Cláudio a beber a taça com veneno e
o mata, vingando a morte de seu pai.
Laertes, morrendo aos poucos, despede-se de Hamlet, e ambos se
perdoam.
Horácio diz que será fiel ao Príncipe, morrendo junto com ele.
Hamlet morre, dizendo “O resto é silêncio.”.
Fórtinbras invade o Castelo com seu exército e ordena
que quatro capitães conduzam o corpo de Hamlet.
Os
soldados carregam o corpo do Príncipe.
Soa
a marcha fúnebre, e, depois, uma salva de canhões.
Embora muitas pessoas não saibam – eu me incluía nelas -,
comprovadamente, há
três versões da mais famosa tragédia shakespeariana, provavelmente o texto
teatral mais encenado no mundo inteiro, sobre o qual se fazem, até hoje,
muitas investigações, inclusive para se tentar chegar ao ano “certo” de sua
escritsa. As citadas três primeiras versões da
peça são conhecidas como o Primeiro Quarto (Q1), o Segundo
Quarto (Q2) e o First Folio (F1). Q1 (de 1603), de Q2 (de 1604) e de Fólio
(de 1623), todas autênticas, conforme atestado pelos estudiosos da
área. A versão abraçada por GABRIEL VILLELA é a primeira, que
acabou por gerar o título do espetáculo. O detalhe de haver mais de uma versão
para um mesmo texto era, de certa forma, comum na época de SHAKESPEARE. Diz o tradutor do texto: “A convivência de múltiplas
versões era comum no
período Elisabetano-Jaimesco.”,
enquanto o diretor justifica a sua escolha “não por ser menos conhecida e inédita em
São Paulo, mas porque é a fonte primordial, de onde nasce água pura, capaz de
purificar, hidratar o rosto das almas, Hamlet!”.
Saio sempre das encenações de GABRIEL VILLELA com a impressão de que
muitas pessoas que não conhecem as histórias encenadas entram nos Teatros
assim e saem deles da mesma forma, não porque seja difícil entender as tramas,
mas porque ficam de tal modo fascinadas com o visual, que acabam se fixando
mais nisso e abandonam o fio condutor das tramas. Parece-me que tudo o que se
enxerga no palco se torna superlativado, sobrepondo-se à história. Isso não é
difícil de acontecer, dadas as provocações estéticas propostas pelo encenador. GABRIEL é um grande esteta, que reúne,
em si, muita sensibilidade, bom gosto e inteligência cênica, esta abrangendo
todos os elementos de criação envolvidos numa representação teatral, além,
obviamente, de sempre encontrar o tom na medida para desenvolver uma narrativa.
E com um detalhe: é um multiartista, mas, para as áreas em que não atua ou
resolve delegar a outrem alguma função, sempre tem, ao pé de si, expoentes em
cada ofício. GABRIEL VILLELA é conhecido por sua teatralidade barroca e fortes traços de
brasilidade, com mais de 50 espetáculos encenados, na grande maioria das vezes, misturando
sua formação acadêmica erudita com a estética popular. Vencedor de dezenas de
prêmios, seu ecletismo levou-o a encenar autores clássicos, como Pirandello,
Camus,
Heiner
Muller, Calderón de La Barca, Schiller, Shakespeare, Strindberg
e Eurípides, sem deixar de lado os dramaturgos brasileiros, como Nelson
Rodrigues, Arthur Azevedo, João Cabral de Melo Neto, Luís
Alberto de Abreu, Ariano Suassuna e Alcides
Nogueira, além de dirigir “shows” musicais, óperas, companhias
de dança e especiais para a TV.
Gabriel Villela
(Foto: O Globo.)
Um erro imperdoável, em dramaturgia,
que, infelizmente, se pode encontrar, com bastante frequência, em muitos textos
teatrais, diz respeito à distorção de linguagem colocada na boca de determinados
personagens. Se temos, por exemplo, numa cena de audiência pública, em que um
monarca proporciona, a seus súditos, uma oportunidade para apresentarem seus
anseios, sugestões e reclamações, é óbvio que cabe ao dramaturgo colocar, na
boca do representante do regente, palavras e construções frasais corretas e,
até mesmo, empoladas, ao passo que tem que mostrar um alfaiate ou um pescador,
por exemplo, falando num nível de linguagem que comporte incorreções
linguísticas de todos os tipos, por serem representante do povo. Se não o
fizer, soará falso. Nesta obra, como nas suas demais, Shakespeare presta muita
atenção a esse detalhe. É só reparar na diferença de nível de linguagem que há entre os
nobres e Horácio, os dois guardas e outros personagens de linhagens
subalternas. Hamlet, por exemplo, ao contrário, fala
com um linguajar mais qualificado, usando figuras de retórica altamente
desenvolvidas, em forma de metáforas, eufemismos e hipérboles.
Na já citada leitura da tragédia, feita por Aderbal Freire-Filho (2008 / 2009),
pelo fato de o diretor ter destacado a vertente cômica da peça,
foi utilizada uma
versão, linguisticamente, mais despojada para a fala de todos os atores em cena,
incluindo a nobreza. Uma outra característica bem marcante, no universo
dramatúrgico de Shakespeare, é a utilização de solilóquios, muito
expressivos, como, julgo eu, se para auxiliar o público no entendimento da narrativa.
Inicio os comentários sobre os artistas
de criação pelo fabuloso trabalho de J. C. SERRONI, nome sempre associado às montagens villelianas.
SERRONI assina uma cenografia
extraordinária, cheia de pontos e aspectos de uma significação extrema, que
pode passar despercebida aos olhos de muitos espectadores mais leigos, mas que
chamam a atenção deles, mesmo que não atinjam o motivo da presença de alguns
elementos cênicos. Aqui, os atores narram e dramatizam
o ardiloso enredo sobre um palco coberto por troncos de árvores carbonizadas,
ou o que sobrou de uma floresta queimada, simbolizando uma deterioração, um “status
quo” indesejável. Esses elementos remetem, certamente, a uma paixão
do bardo pela Natureza, por florestas e jardins, “facilmente identificada no
protagonismo que exercem em ‘Sonho de Uma Noite de Verão’”; e em outras
obras, acrescento eu, nas quais fazem parte do ambiente em que se passam as
ações. Aqui, talvez fruto de uma “viagem” de minha parte (A
culpa é do GABRIEL. Ele nos dá, de presente, a passagem para que possamos
“viajar” bastante. Momento descontração!), também enxergo uma velada
crítica à destruição da Natureza, mormente no Brasil,
principalmente no período compreendido entre 2019 e 2022, quando as
queimadas eram incentivadas, por um maldito (DES)governo, perverso e
estúpido, para a “passagem da boiada”. Também pode ser vista em cena, como grande detalhe, uma
cama, também carbonizada, que se presta a sugerir diferentes ambientes,
chegando a funcionar como um pequeno palco dentro de um maior, para acolher
cenas emblemáticas da tragédia. Esse móvel, semidestruído, chegou até mim como
um símbolo do deplorável incesto entre Cláudio e Gertred, cunhados entre
si, talvez mais “imoral e intolerável” do que um assassinato e uma usurpação do
trono. A cenografia de SERRONI
é sempre um grande destaque nas encenações de GABRIEL VILLELA e seus trabalhos já foram expostos até no exterior.
Oxalá essa parceria ainda possa ser vista em muitos outros trabalhos da dupla!
Em todas as peças de
GABRIEL VILLELA, os figurinos
também representam um dos mais importantes detalhes das encenações, com um peso
muito grande, sempre desenhados por ele (Pode ser que a afirmação não esteja
correta, entretanto, sem pesquisar, não me lembro de nenhum espetáculo assinado
por VILLELA em que o elenco vista alguma peça desenhada por outra pessoa.)
e confeccionados por uma equipe de profissionais sob seu comando direto:
alfaiates, costureiras, bordadeiras e aderecistas. Isso quando não é o próprio
a “colocar
a mão na massa”. Nesses figurinos, abundam, e andam de
braços dados, a beleza, a criatividade, o bom gosto, o colorido, a diversidade
de texturas e materiais, além do fino acabamento, sem falar nos mínimos
detalhes de bordados. Tudo isso transforma as peças dos figurinos de GABRIEL em verdadeiras obras de artes,
prontas a serem exibidas em museus. Não foi diferente desta vez. Um dos meus sonhos,
confessado, pela primeira vez, agora, é conhecer o acervo do artista.
A riqueza plástica
de uma cenografia e de um conjunto de figurinos - expressivos,
ímpares e exuberantes - que nos deixam “de queixo caído”,
precisa de uma luz que os faça realçar mais ainda. Para completar esse
belíssimo conjunto estético, chega WAGNER
FREIRE, com um desenho de luz agregador
e envolvente, combinando um mar de cores e matizes, intensidades, brilhos, e
sombras também, enriquecendo cada cena. Contrastes entre luzes e penumbras,
para expor ou ocultar o que deve, e pode, ser visto, e o que precisa ser
encobertado está lá, na corretíssima luz de um grande artistas como FREIRE.
A maquiagem
é outro detalhe que caracteriza os trabalhos de GABRIEL VILLELA. São sempre rebuscadas e cheias de detalhes
expressivos, quase uma “marca registrada” na suas obras.
Neste espetáculo, CLAUDINEI HIDALGO é
o artista criador responsável por ela.
Os
espetáculos assinados por GABRIEL
não são musicais, no entanto a música é um elemento que interessa e agrada
muito ao renomado encenador, motivo pelo qual ele sempre a inclui nas suas
direções. Tudo me leva a crer que é ele mesmo quem escolhe as canções que
compõem suas trilhas sonoras, sempre belas e pertinentes, a maior parte das
vezes tocadas e cantadas ao vivo, com acompanhamento de músicos, aos oilhos do
público ou fora deles. Desta vez é apenas a DANIEL MAIA que cabe a função de tocar órgão e outros instrumentos
musicais, acumulando a direção musical e os arranjos
instrumentais, além de colaborar nos vocais. Coassina a direção
musical e assina os arranjos vocais BABAYA MORAIS, outra grande artista, sempre presente nos trabalhos
do diretor. Chamaram-me muito a atenção dois solos, para o hino religioso “Panis
Angelicus” (“Pão dos Anjos”), interpretado, separadamente, pelos atores BRENO MANFREDINI e IVAN VELLAME, donos de vozes de uma beleza indescritível, assim
como a interpretação de “Agnus Dei” (“Cordeirode Deus”) na
maviosa voz de GABRIEL SOBREIRO. “A
maior parte das músicas é cantada em latim, ao vivo, pelos atores. O ponto de
partida é o cantochão gregoriano, que vai ganhando polifonia ao longo da
tragédia.”. Fazem parte da trilha sonora, além de “Panis Angelicus” (César Franck e São Tomás de
Aquino) e “Agnus Dei” (Domínio Público), “Canto
da Verônica” (Domínio Público), “Tantum Ergo Sacramentum” (“Sacramento Tão
Sublime”) (Domínio Público), “Ave Maria da Natureza” (Franz Schubert)
e “Amanhã
É Dia de São Valentim” (William Shakespeare).
Formam o elenco
dez
atores, sendo alguns presenças constantes em peças dirigidas por GABRIEL, como CHICO CARVALHO, pela sexta vez dirigido por ele, sendo a segunda
montagem de um texto de Shakespeare; a primeira foi “A
Tempestade”, em 2015. CHICO, um dos maiores atores de sua geração, um “ator
de TEATRO”, interpreta o
protagonista, o atormentado jovem Hamlet, cuja existência conhece o
que são e representam traição, assassinatos, intrigas e
vingança, mas, acima de tudo, passa por uma profunda reflexão sobre o papel das
decisões pessoais no destino de qualquer homem. O personagem é levado a
vingar a morte de seu pai em meio a suas próprias dúvidas sobre sua sanidade e
sobre seus dilemas morais. Hamlet é o protótipo do humanismo, no
sentido de que ganha, ao longo da peça, a clara percepção de que o seu destino
é moldado, unicamente, por suas decisões e que a liberdade de agir é seu maior
prêmio e sua maior maldição. É sua esta fala: “Acima de tudo, sê fiel a ti
mesmo. O protagonista da peça é o grande "sonho de consumo" de qualquer ator, embora poucos consigam interpretá-lo à altura de sua psiquê, e CHICO CARVALHO faz parte dessa restrita "confraria". São palavras do ator: “O Hamlet aqui não é uma versão minha, mas, principalmente, produto da linguagem
do GABRIEL. Estamos a favor de uma maquinaria, de uma linguagem. Com essa
premissa, a gente se livra um pouco dessa enrascada de tentar definir o
personagem, porque ele é indefinível.”. Gostei disso e concordo.
Na opinião do
ator, as personagens do dramaturgo inglês são como “um prisma cujas diversas
faces são iluminadas por seus versos, daí sua riqueza imensurável”. O elenco também conta com outros grandes
atores, todos em sua maturidade e "performances' extremas. ELIAS ANDREATO interpreta Corambis (chamado de Polônio, nas outras
versões.), CLAUDIO FONTANA faz o Rei
Cláudio e, ao seu lado, como Rainha Gertred (Gertrudes, nas outras versões.), LUCIANA CARNIELI. CIÇA DE CARVALHO é Ofélia. IVAN VELLAME faz o melhor amigo do protagonista, Horácio; ANDRÉ HENDGES, o irmão de Ofélia,
Laertes; GABRIEL SOBREIRO e BRENO MANFREDINI são
os colegas de Hamlet, aqui chamados de Rosencraft e Gilderstone. Por
fim, JOÃO ATTUY interpreta tanto o
Coveiro quanto o invasor norueguês, Fortimbrás. Não menos importante, visto
que o diretor tem especial apreço pela musicalidade em todos os seus trabalhos,
DANIEL MAIA executa a trilha sonora ao
vivo, com meteóricas participações em cena.
FICHA TÉCNICA:
Autor: William Shakespeare
Tradução: José Roberto O´Shea
Direção: Gabriel Villela
Diretor-Adjunto: Ivan Andrade
Elenco: Chico Carvalho (Hamlet), Elias Andreato
(Corambis), Claudio Fontana (Rei Cláudio), Luciana Carnieli (Gertred), Ciça de
Carvalho (Ofélia), Ivan Vellame (Horácio), André Hendges (Laertes), Gabriel
Sobreiro (Rosencraft), Breno Manfredini (Gilderstone) e João Attuy (Coveiro /
Fortimbrás)
Cenografia: J. C. Serroni
Figurino: Gabriel Villela
Iluminação: Wagner Freire
Direção Musical, Canto e Arranjos Vocais: Babaya
Morais
Direção Musical, Órgão, Viola e Arranjos
Instrumentais e Vocais: Daniel Maia
Assistente de Cenografia: Débora Ferreira
Adereços de Cenário e Pintura de Arte: Beatriz
Leandro, Gonzalo Michel, Lis Macedo, Nayara Andrade, Matheus Rondelli e Viviana
León
“Designer” Gráfico
de Cenografia: Paula dia Paoli
Produção de Cenografia: Matheus Muniz
Cenotécnico: Wagner de Almeida
Marcenaria Cenográfica: Douglas Vendramini
Maquinistas de Montagem: Benilson Alves, Bruno
Torato, Douglas Vendramini e Gonzalo Michel
Assistentes de Figurinos: Nour Koeder, Emme
Toniolo e Nayara Andrade
Costureira: Zilda Peres
Pintura e Texturização: Cirqueira e Priscila
Chagas
Maquiagem: Claudinei Hidalgo
Assistente de Maquiagem: Patrícia Barbosa
Fotografia: João Caldas Fº
Assistente de Fotografia: Andréia Machado
Diretor de Palco: Márcio Félix
Operador de Luz: Rodrigo Sawl
Camareira: Ana Lucia Laurino
Produção Executiva: Augusto Vieira
Direção de Produção: Claudio Fontana
Apoio:
Marcelo
Araújo Hair
“PRIMEIRO HAMLET” é, inquestionavelmente, uma das melhores peças a que assisti neste ano, até agora, e – Por que não? – nos últimos tempos, o que não chega a ser nenhuma novidade, não fosse um espetáculo com a “grife” GABRIAL VILLELA. É uma lástima muito grande ver uma montagem tão correta, perfeita, em todos os sentidos, ser mostrada a público restritíssimo, até porque só cabem 620 espectadores no Teatro do SESC Vila Mariana – E não há quem não quisesse conhecer a obra. -, em tão poucas sessões e sem a perspectiva de viajar a outras praças, como já ocorreu com espetáculos anteriores do grande diretor, alguns dos quais, como este em tela, me levaram, propositalmente, a São Paulo, apenas para poder dizer, como muito orgulho e alegria: “Eu assisti a este espetáculo do Gabriel.”. O mesmo não posso dizer com relação à sua versão para “O Auto das Compadecida” (2019), o clássico de Ariano Suassuna, quando GABRIEL dirigiu o “Grupo Maria Cutia”, de Belo Horizonte, e “Cordel do Amor sem Fim ou A Flor do Chico”, de Cláudia Barral, encenado pelo grupo “Os Geraldos” (2021), de Campinas. Esta ainda consegui ver por vídeo; aquela, nem assim. Se eu RECOMENDO este “...HAMLET”, caso volte ao cartaz? Tão certo é isso quanto o meu desejo de contar com o trabalho de GABRIEL VILLELA e seus “pupilos” por muitos e muitos anos. Por motivos óbvios, deixo de publicar o SERVIÇO da peça.
FOTOS: JOÃO CALDAS Fº.
GALERIA PARTICULAR
(Fotógrafos diversos.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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