terça-feira, 25 de junho de 2024

“NÃO ME ENTREGO, NÃO”

OU

(UMA CELEBRAÇÃO!)

OU

(UMA AULA DE

VIDA PROFISSIONAL!)

OU

(UM ODE À VIDA

E AO TEATRO.)



 

            91 anos de idade, mais de 7 décadas de profissão. E lá estava, à minha frente, a menos de dez metros, um homem das artes. Um homem da nobilíssima arte de representar. E eu me esforçava para enxergar ali apenas um artista, um ator, mas não era só isso o que eu via naquele palco; era como se eu estivesse diante de uma “entidade”, vivenciando uma “epifania. E a minha emoção atingiu os píncaros da Acrópole de Atenas. Acomodado na quinta ou sexta fila do Teatro Vannucci, eu era, ao mesmo tempo, um amante de TEATRO, um crítico teatral e um ardoroso fã de um artista; agora, do homem também. Seu nome: OTHON BASTOS.

 

 

 

          Até agora, pergunto-me se, naquela noite de 21 de junho próximo passado (2024), assisti mesmo a uma peça de TEATRO. Não parecia uma representação, uma interpretação de um texto dramático, embora o fosse. Era um homem escancarando seu coração e falando a mais de 400 pessoas, que superlotavam o Teatro, com total lucidez e profunda paixão sobre sua vida pessoal e sua magnífica trajetória pelos palcos, “sets” de filmagem e estúdios de TV, no Brasil e até no exterior.

 

 

 

           A ideia do espetáculo partiu, há bem pouco tempo, do próprio OTHON, que, junto ao amigo de décadas, FLÁVIO MARINHO, manifestou o desejo de se ver num monólogo, o primeiro de sua longeva carreira artística, no qual se propunha a fazer exatamente o que faz naquele palco: conversar com a plateia e satisfazer a porção curiosa de todos os seres humanos. Senti-me num ambiente acadêmico, ouvindo uma “master class” de VIDA e de TEATRO, mas sem a pompa que caracteriza essas ocasiões. Por 90 minutos, o público se sente invadindo, no melhor dos sentidos, a intimidade de um homem e sua ARTE.

 

 

 

           Ante o desejo do querido amigo, FLÁVIO MARINHO escreveu o texto do espetáculo, que também dirige. O roteiro, mais que uma dramaturgia, propriamente dita, nasceu da leitura de um calhamaço de mais de 600 páginas de anotações do próprio punho do ator, entregue ao autor, contendo informações sobre os principais acontecimentos da existência de OTHON. O produto final do texto foi atingido, após uma minuciosa pesquisa de FLÁVIO. Considerando-se a vasta carreira e a coleção de títulos marcantes no cinema e no TEATRO – a TV ficou de fora -, imagino o trabalho de MARINHO, na seleção do que poderia interessar ao público, assim como a sua tristeza por ter que deixar de fora um importante aspecto ou outro da vida e do ofício de OTHON BASTOS, sob o risco de criar um solo com algumas horas de duração. Afinal, só na televisão, de 1956 a 2024, foram mais de 80 trabalhos, entre novelas, teleteatro, séries, minisséries, casos especiais e outras participações. No cinema, de 1962 (“O Pagador de Promessas”) até hoje, são cerca de 80 filmes, com destaque para o icônico “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, ambos dirigidos por Glauber Rocha. No TEATRO, de 1950 até os dias de hoje, OTHON reúne outros tantos títulos, tendo representado, como um grande ator eclético, os mais importantes dramaturgos, como Shakespeare, Gil Vicente, Augusto Boal, Strindberg, Tchékhov, Gorki, Guarnieri, Tennessee Williams, Ariano Suassuna, Maria Clara Machado, Brecht e Oswald de Andrade. para citar alguns. De todos os seus espetáculos teatrais, dois me marcaram indelevelmente: “Um Grito Parado no Ar”, de Gianfrancesco Guarnieri (1973) e “Murro em Ponta de Faca”, de Augusto Boal (1978). Fiquei muito feliz, saboreando OTHON declamar parte da letra da canção-título de “Um Grito...”, peça à qual assisti algumas vezes. Mais feliz ainda, quando, terminada a peça, deixamos o Teatro ao som da gravação original, de Toquinho, para a referida canção, que sei cantar até hoje. O refrão: “QUEM SOUBER DE ALGUMA COISA VENHA LOGO ME AVISAR. SEI QUE HÁ UM CÉU SOBRE ESSA CHUVA E UM GRITO PARADO NO AR.”. No cinema, minha preferência recai sobre “São Bernando”, um filme de Leon Hirzsman (1972). A sequência final, que corresponde ao último capítulo da obra de Graciliano Ramos, é um primor de direção e atuação.  

 



    Sem querer dar qualquer tipo de “spoiler”, quero agradecer a uma certa professora, por seu equivocado vaticínio. Se ela tivesse que trocar o magistério por consultas de cunho “ocultista”, teria morrido de fome. E também confessar que fiquei muito emocionado com a declaração de amor que o ator faz a sua esposa, há 57 anos, Martha Overbeck.

 

 

 

   Sempre acho que os grandes artistas brasileiros não recebem o merecido reconhecimento, por parte da imprensa e, até mesmo, do grande público; principalmente em vida. Apesar das suas várias nomeações a prêmios de TEATRO e cinema, tendo vencido muitos, continuo achando que OTHON BASTOS merecia muito mais.

 

 

 

    O “release” da peça, que recebi de BRUNO MORAIS (Marrom Glacê – Assessoria de Imprensa”), diz que OTHON é considerado “o maior ator brasileiro vivo”. Confesso que não sou muito chegado a essa história de “o/a mais isso ou aquilo” e jamais havia pensado nisso, porém, depois de ter lido isso, fiz um exercício de memória, levando em consideração a idade dos atores ainda em atividade e acabei me rendendo a tal consideração. Que ainda possamos vê-lo atuando por mais tempo, até porque, do ponto de vista da resistência física, o ator “está em forma”. Não é fácil, para um homem  de 91 anos, ficar em cena, durante uma hora e meia, sem parar de falar e se movimentar - até pulinhos ele dá -, e sair da sessão cansado, evidentemente, mas inteiro, a ponto de se dispor a receber os amigos e tirar fotos com quem as solicita a ele.

 

 

 

  Apenas a memória, às vezes parece falhar. Ou seria “fake”? Mas, para auxiliá-lo a se lembrar do texto, há, em cena, a presença da atriz JULIANA MEDELLA, que representa a sua “memória”. Ela também é a assistente de direção da peça.


 

 

     Acho bem interessante o formato da peça, dividida em blocos temáticos: trabalho, amor, TEATRO, cinema, política..., cujas reflexões envolvem citações e referências de alguns dos autores mais importantes do mundo. "A peça é uma lição de vida e de resiliência, de como enfrentar os duros obstáculos que se apresentam em nossa existência - e como superá-los.".

 

 

 

            E pensar que os primeiros trabalhos de OTHON, desde seus 11 ou 12 anos, foi para substituir algum outro ator... Mas é o próprio ator que diz: “O Chico Xavier já dizia que se uma coisa é sua, ela te encontra, não é preciso se preocupar.”. Eu diria que, com relação a OTHON BASTOS e o TEATRO, ambos se procuraram; e se encontraram.

 

 

 

             Recuso-me, terminantemente, a perder um segundo sequer para analisar o trabalho de OTHON BASTOS em cena. "Não tenho nem roupa para isso". Minha ousadia e impertinência não chegariam a tanto. OTHON BASTOS é o suprassumo da perfeição. Deixo, então, para ocupar meu tempo com algumas observações sobre os demais elementos que entram numa produção de TEATRO, como a cenografia, por exemplo, que, aqui, na FICHA TÉCNICA é chamada de direção de arte, assinada por RONALD TEIXEIRA. Logo que adentrei o salão do Teatro e me deparei com aquele estupendo painel ao fundo do palco, não tive olhos para mais nada. Que obra tocante, sensível, delicada, de bom gosto e muito bem acaba é o trabalho do artista! Quadros de artes e cenas de filmes e peças marcantes na vida do ator formam um painel belíssimo, em molduras deslumbrantes, a valorizar cada uma daquelas imagens. Depois do impacto dessa primeira visão, detive-me numa cadeira de diretor de cinema no meio do palco e, ingenuamente, pensei: um homem de 91 anos não pode ficar em pé o tempo inteiro da peça. É bem provável que ficará o maior tempo de duração do espetáculo sentado nela. Ledo engano!. Ele a utiliza muitíssimo menos tempo do que imaginei Há, também num dos cantos do palco, um cabide de pé. Na outra extremidade, uma carteira escolar, onde a atriz que faz “memória” fica sentada, atenta, durante, praticamente, todo o espetáculo; o “ponto” do ator. Considero muito interessante a escolha de uma carteira escolar: é uma discípula diante de seu mestre.

 

 

 

      Não vi, na FICHA TÉCNICA, o nome de ninguém responsável, especificamente, pelo elegante figurino usado pelo ator. Certamente, foi criado por RONALD TEIXEIRA, dentro da rubrica "direção de arte". FERNANDO OCASIONE assina o visagismo do espetáculo e LILIANE SECCO, sempre presente nas montagens de FLÁVIO MARINHO, é responsável pela correta trilha sonora do solo. A luz, de PAULO CESAR MEDEIROS, dispensa qualquer comentário, de tão correta e bonita. Quanto à direção, de FLÁVIO MARINHO, também muito ela me agradou, mas fiquei com a impressão de que, diante daquele monumento de ator, o diretor não teve muito o que fazer, a não ser deixá-lo livre para o voo. Fosse eu o diretor da peça, diria a OTHON: "Fique à vontade! O palco é todo seu! Estou aqui apenas para aplaudi-lo"

 

 

 


FICHA TÉCNICA: 

Texto e Direção: Flavio Marinho


Elenco: Othon Bastos

 

Diretora Assistente e Participação Especial: Juliana Medella

Direção de Arte: Ronald Teixeira

Iluminação: Paulo Cesar Medeiros

Visagismo: Fernando Ocazione

Trilha Sonora: Liliane Secco

Programação Visual: Gamba Júnior

Fotos: Beti Niemeyer

Alfaiataria: Macedo Leal

Coordenação de Produção: Bianca De Felippes

Consultoria Artística: José Dias

Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação

Assessoria Jurídica: Roberto Silva

Coordenador de Redes Sociais: Marcus Vinicius de Moraes

Assist. de Diretor de Arte: Pedro Stanford

Assistente de Produção: Gabriela Newlands

Administração: Fábio Oliveira

Desenho de Som e Operador: Vitor Granete

Operador de Luz: Marco Cardi

Contrarregra: Paulo Ramos

Realização: Marinho d’Oliveira Produções Artísticas

 

 

 



 

 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 14 de junho a 28 de julho de 2024 (Observação: Não haverá espetáculo no dia 05/07.).

Local: Teatro Vannucci.

Endereço: Rua Marquês de São Vicente, nº 52 – Shopping da Gávea – 3º piso – Gávea – Rio de Janeiro.

Telefone: (21) 2274-7246.

Dias e Horários: 6ª feira, às 20h; sábado, às 20h30; domingo, às 20h.

Valor dos Ingressos: 6ª feira e domingo: R$ 50 (meia-entrada) e R$ 100 (inteira); sábado: R$ 60 (meia-entrada) e R$ 120 (inteira).

Classificação Indicativa: 12 anos.

Duração: 90 minutos.

Gênero: Monólogo.



 

 

            RECOMENDO, SEM PESTANEJAR, O ESPETÁCULO E JÁ AGENDEI UMA DATA PARA REVÊ-LO. Saí do Teatro Vannucci com a convicção de que vivenciei ali um dos momentos mais lindos e importantes, para mim, no TEATRO BRASILEIRO. E mais: penso que todos os grandes atores e atrizes vivos, evidentemente, deveriam seguir o exemplo de OTHON BASTOS e abrir o seu baú de recordações e compartilhá-lo com quem os ama e admira. E mais esta: Todas as escolas de formação de atores da atualidade deveriam obrigar seus alunos a assistir a este espetáculo. Tenho dito!

 

 



 

 


FOTOS: BETI NIEMEYER

 

 


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