“QUEM TEM
MEDO DE
OLGA DEL VOLGA?”
ou
(QUEM SE LEMBRA
DE PATRÍCIO BISSO?)
Fico bastante contrariado quando deixo de assistir a algum
espetáculo que me interessava ver, por qualquer que seja o motivo. Um deles é a
dificuldade de acesso, para mim, ao local onde a peça está sendo apresentada,
como aconteceu na primeira temporada de “QUEM
TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA?”, um monólogo que foi encenado num espaço
alternativo, no Centro do Rio de Janeiro, cuja acessibilidade não me favorecia.
Como a peça voltou a ser mostrada, ainda que, infelizmente, em curtíssima
temporada, de apenas duas semanas – seis apresentações -, no Teatro
Municipal Café Pequeno, no Leblon, consegui encaixá-la na minha
agenda e assisti ao solo no seu último dia em cartaz, 14 de abril próximo passado.
Ainda que não esteja mais à disposição do público, com esperanças de que
consigam emplacar uma terceira temporada, e por ter gostado do que vi, resolvi
registrar minhas impressões sobre ele.
SINOPSE:
GUSTAVO KLEIN se apresenta numa COMÉDIA que gira em torno da obra de Patrício
Bisso, multiartista argentino, que rompeu barreiras, enfrentou a
censura e se consagrou, nacionalmente, com a personagem Olga del Volga,
sexóloga
e conselheira
sentimental russa, na TV e no cinema.
No
monólogo, GUSTAVO, o ator, recebe uma
ligação de um produtor de elenco, que o convida para
fazer parte do elenco de um filme sobre a vida de Hebe Camargo, no qual ele
representaria a personagem Olga del Volga, uma
criação de Bisso, ferina nos comentários, sempre presente no sofá da apresentadora,
a partir da década de 1980.
Patrício Bisso era um
artista de múltiplas facetas: ator, figurinista de TEATRO
e cinema, ilustrador e colunista.
Ao
aceitar a oportunidade, o ator sente o peso do papel, e sua preparação é
retratada no palco, mostrando as dúvidas, anseios, insegurança, medo, ansiedade
e nervosismo; tudo com muito humor e proposital escracho.
Para
começar, devo dizer que “QUEM
TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA?”, com texto de TONY GOES,
direção de GILBERTO GAWRONSKI e atuação de GUSTAVO KEIN, que se
apresenta com o “auxílio luxuoso”
de WLADIMIR PINHEIRO, dando-lhe suporte no teclado, alcançou um grande
sucesso de público, na primeira temporada, com casas lotadas, em todas as
sessões, o que lhe rendeu a segunda, a qual pode reforçar a possibilidade de
uma terceira, com as bênçãos dos DEUSES
DO TEATRO.
Não vi nada a menos ou a mais do que
eu pensava encontrar, do que a produção do espetáculo prometia: uma comédia leve, para divertir um público
eclético, de todas as idades. A proposta do espetáculo estava lá,
naquele palco, para quem quisesse espairecer. Conhecendo a personalidade e a
obra do homenageado, o talento de GUSTAVO KLEIN e a criatividade de GILBERTO
GAWRONSKI, tinha a certeza de que iria me entreter bastante; e nada mais. E isso não é pouco; muito pelo contrário.
É bastante desagradável ir a um Teatro,
para assistir a uma COMÉDIA e
voltar para casa decepcionado, sem ter conseguido rir, como era desejado. Nada
pior do que piadas sem graça ou de mau gosto, texto débil e atores que não reúnem
os pré-requisitos necessários a um bom ator cômico, como, infelizmente, já vi
muitas vezes. É por isso, e por não aceitar a opinião daqueles que não entendem
nada de TEATRO e vivem “arrotando” bobagens, como “a comédia é uma arte menor”, que sempre prestigio espetáculos de COMÉDIA, com
todas as maiúsculas.
Em “QUEM TEM MEDO DE
OLGA DEL VOLGA?”, a obra do argentino Patrício Bisso e a personagem
que o consagrou, e que dá título a este solo, OLGA DEL VOLPE, dão o tom do espetáculo. O autor do texto, TONY GOES, que, infelizmente, faleceu
pouco tempo depois da estreia da peça, foi muito feliz na sua pesquisa e na
transferência do que garimpou e armazenou de informações para o papel. A
estrutura do texto não é nada sofisticada e, muito menos, não apresenta nenhuma
grande novidade; é, entretanto muito bem costurada, misturando as
jornadas de Patrício, Olga e GUSTAVO, tudo muito bem embalado, com
doses expressivas de um humor ácido – características do criador (Patricio)
e da criatura (Olga), e números musicais, com um considerável foco
direcionado à riqueza do universo LGBTQIAPN+, criativo e vasto, naquilo
que ele tem de mais “performático”. O texto ganha maior importância ainda, quando joga
luz sobre a discussão acerca da homofobia: a explícita e a estrutural.
Esta é a primeira peça de TONY GOES (1960-2024),
que foi colega de Patrício Bisso, na redação do jornal
Folha de São
Paulo.
Sobre Patrício Bisso, pode-se dizer que ele foi um dos pioneiros na
luta pela exigência de respeito à população LGBTQIAPN+ e pela
dignidade que lhe é devida. Não teve
medo de dar sua cara a tapa e, em rede nacional, rompeu barreiras inimagináveis,
para a época. Foi um “subversivo”,
no sentido daquele que vai contra a ordem social estabelecida. Nascido
em Buenos
Aires, em 1º de janeiro de 1957, era radicado no Brasil
e, por conta de seu talento e criatividade, conseguia espaço, simultaneamente,
em espetáculos “underground”, que atingiam um público restrito e específico, e
em veículos de comunicação de massa, o que lhe dava maior
visibilidade. Foi famoso, em sua época, embora, hoje, poucos se lembrem dele e
de seu trabalho. Durante um tempo, frequentou o prestigiado e tão cobiçado “sofá
da Hebe”, com divertidíssimas participações semanais. De lá, foi alçado
a ator de novela, na TV Globo, já líder de audiência, à
época. Lutou, com muita garra, contra o preconceito, em seu país e também no Brasil.
Tendo sido flagrado, em praça pública, cometendo um “ato libidinoso”, que ia “contra
os bons costumes” e era um “atentado ao pudor”, foi preso, em 1994,
e, em função disso, sentiu as luzes que o iluminavam se apagando, paulatinamente.
O “incidente”
fez com que sofresse preconceito e perseguição, até entre os seus pares, e
retornasse à Argentina, para nunca mais voltar ao Brasil. Faleceu em 14 de outubro de 2019,
aos 62
anos, vítima de um infarto fulminante.
Ainda que o monólogo seja uma montagem simples, todos os artistas
e técnicos que fazem parte de sua FICHA TÉCNICA demonstraram dar o
melhor de si, para ajudar a erguer um espetáculo que chamo de “muito
honesto”: sem maiores pretensões, mas que atinge seus objetivos,
entrega tudo o que promete e agrada até aos espectadores mais exigentes. A cenografia,
de GILBERTO GAWRONSKI, comporta um telão,
ao fundo, no qual são projetadas excelentes imagens, creio que algumas raras,
de Bisso,
principalmente, em momentos importantes da sua carreira. Completam-na alguns
pequenos móveis e objetos, já que o espaço cênico daquele “palquinho” é bem
diminuto.
Patrício e Olga eram excêntricos, exóticos, com
relação a seus figurinos, os quais primavam pela ousadia e o humor. Era
preciso, pois, que se encontrasse alguém muito “especial”, com uma
identificação pessoal com os dois personagens, para desenhar os figurinos
da peça. Ainda bem que o nome de CLAUDIO
TOVAR foi lembrado. As muitas peças de vestuário usadas por GUSTAVO, Patrício e Olga,
incluindo uma variedade de adereços e cabeças, são todos muito bem engajados na
proposta maior do espetáculo. Anderson Ratto foi preciso no desenho
de luz. Contando com poucos recursos técnicos de que o Teatro
dispõe, o iluminador soube “fazer uma saborosa limonada com os limões
que tinha à sua disposição”. A maquiagem, que entra, com bastante
peso, na execução do visagismo, é fiel às imagens que
guardo de Patrício e Olga e é obra de TEDDY ZANY.
Embora já conhecesse o trabalho e o talento de GUSTAVO KLEIN, desde 15
anos atrás, quando ele atuava no musical “Avenida Q”, um dos
melhores montados por Charles Möeller e Claudio
Botelho, na pele de um dos “Ursinhos do Mal”, espetáculo ao
qual assisti cerca de vinte vezes (“Assinava o ponto” todas as sextas-feiras,
na mesma poltrona da primeira fila: A2. Exagerado, eu?!), queria
comprovar a perfeição de seu trabalho, neste solo, como era comentado por todos
os que já haviam assistido à montagem. Fui, não me arrependo e ratifico todos
os elogios a ele feitos por outrem. Voltei ao passado e fui transportado, sim,
aos momentos de “reinado” de Patrício Bisso, quando “a gente
era feliz e não sabia”. (Saudosista, eu?!), graças ao
excelente trabalho de GUSTAVO KLEIN.
Cônscio da irreverência de Bisso e Olga, esperava ver números
de plateia, com, no mínimo, o ator se sentando no colo de alguém, o que me deixava
meio apreensivo, por detestar esse tipo de comportamento. Há números de
plateia? Sim; apenas um, todavia GUSTAVO
age com muita naturalidade e, acima de tudo, respeito ao espectador. É um
número rápido, sem ofender ou constranger ninguém. Eu fui um dos alvos da
brincadeira e só me diverti com a intervenção.
WLADMIR PINHEIRO assina a direção musical e está em cena, como ator e músico, acompanhando, num teclado, os números musicais, divertidos e cheios de duplo sentido, como “Meus Russos”, “Louca pelo Saxofone”, “Picasso” e “Pare, Repare, Espere, Desespere”. E ainda reforça, com sua bela e possante voz, trechos de algumas canções. Uma outra participação especial é do(a) transformista REGINE DE MÔNACO, que se apresenta, como “cover” de Rita Lee, dublando uma de suas canções.
GILBERTO
GAWRONSKI, que, além de excelente ator, não merece outro adjetivo, como
diretor, levou para o palco tudo o que existia no universo de Patrício
e Olga, com bastante inventividade e bom gosto estético, sempre
puxando para o lado caricatural e leve dos dois. Percebi uma correta parceria,
uma total sintonia, entre ele e GUSTAVO,
o que é fundamental no TEATRO, entre direção e elenco.
Louvo, por fim, o empenho de MARCELO AOUILA, na direção de produção, o
qual suou, sua e ainda suará mais a camisa, para ter o espetáculo em cartaz.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Gustavo Klein
Dramaturgia: Tony Goes
Direção Geral: Gilberto Gawronski
Direção Musical: Wladmir Pinheiro
Atuação: Gustavo Klein
Cenografia: Gilberto Gawronski
Figurino: Claudio Tovar
Iluminação: Anderson Ratto
Sonorização: Branco Ferreira
Participação Especial: Regine De Mônaco
Vídeos: Marcelo Aouila
“Design” Gráfico, Operadora de Vídeo
e Assistente: Marião
Fotos: Mari Marques e Ana Varella
Maquiagem: Teddy Zany
Costureira: Nany Moreira
Assessoria de Imprensa: Carlos Pinho
Assistência de Produção: Kaio Farias
Apoio Cultural: Café Arte Manuedu
Direção de Produção – Marcelo Aouila
Realização: Klein Artes e Essegaroto Aouila Produções
Patrocínio: Prefeitura do Rio de Janeiro, através do
edital FOCA 2022
Quando
penso em que assisto a tantos espetáculos de “qualidade duvidosa” – eufemismo
para “RUIM” -, os quais, por caminhos cuja origem desconheço, conseguem
ótimas pautas, inclusive em espaços públicos e alguns privados cobiçadíssimos,
uma das grandes dificuldades, no Rio de Janeiro, para os produtores,
fico me perguntando por que uma excelente COMÉDIA, como “QUEM TEM MEDO DE OLGA DEL VOLGA” não logra
cumprir uma temporada “decente” e merecida, de, no mínimo,
um mês, e num Teatro que ofereça condições de conforto e segurança aos
espectadores? Mistério...
Havendo uma terceira temporada, vou rever a peça, que RECOMENDO
MUITO.
FOTOS: MARI
MARQUES
e
ANA VARELLA
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: João Pedro
Bartholo.)
(Com Gustavo Klein.)
(Com Gilberto Gawronski.)
(Com Wladimir Pinheiro.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E
SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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