terça-feira, 2 de maio de 2023


"31º FESTIVAL

DE CURITIBA"


“O BEM AMADO

MUSICADO”

ou

(SUCUPIRA É

AQUI, E AGORA.)

 

(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o mais objetivo e sucinto possível, numa abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.)


 

 

    Uma das atrações mais aguardadas, no “31º Festival de Curitiba”, era a peça “O BEM AMADO MUSICADO”, uma excelente ideia que deu muito certo e agradou imensamente aos mais de 4.000 espectadores que lotaram o Teatro Guaíra (“Guairão”), nas noites dos dias 3 e 4 do mês de abril de 2023. Não tive a oportunidade de assistir à peça em São Paulo, motivo pelo qual agradeço ao “Festival” por essa oportunidade.



     Quando se fala em “O BEM-AMADO”, a grande maioria das pessoas logo pensa na excelente e inesquecível novela, produzida pela TV Globo, em 1973 (178 capítulos), que fazia o Brasil parar, para se deliciar com as “maracutaias” do prefeito da fictícia cidade de Sucupira, na Bahia, Odorico Paraguaçu. O grande sucesso do folhetim deu origem a um seriado, na mesma emissora, de igual audiência. Além da TV, os fãs de Odorico e “sua gente” também puderam se deliciar com o universo sucupirense nas telonas, num filme, de 2010. Nas telinhas, o “ilibado” prefeito (Contém ironia.) era, magistralmente, vivido por Paulo Gracindo; no cinema, foi Marco Nanini quem deu vida ao personagem, também numa impecável interpretação. Mas o que muitas pessoas não sabem é que tanto a televisão como o cinema adaptaram uma peça teatral, que não era musical, de um dramaturgo dos mais festejados no Brasil e fora do país, Alfredo DIAS GOMES, que, se vivo fosse, teria completado seu centenário de nascimento em 2022.




        Tive o raro e indescritível prazer de ter conhecido DIAS GOMES, eu ainda jovem, com menos de 20 anos, quando, por intermédio de um amigo comum, fui à sua casa, na Lagoa (Rio de Janeiro), onde o encontrei, em seu escritório, escrevendo capítulos de uma novela, enquantosua esposa, Janet Clair, fazia o mesmo, num escritótio contíguo ao seu. Corria o ano de 1968 ou 1969, não tenho bem certeza. O motivo de minha visita a DIAS, meu ídolo, era pedir-lhe que permitisse que o grupo de TEATRO amador de um clube sociorrecreativo, do qual eu fazia parte, montasse um dos seus mais icônicos textos, o maior êxito de sua carreira de dramaturgo, “O Pagador de Promessas”, e, de próprio punho, escrevesse uma carta, ao Diretor da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), autorizando a liberar o pagamento pelos direitos autorais a que faria jus. DIAS, da forma mais gentil e generosa possível, fez as duas coisas, e eu pude experimentar a alegria e o orgulho de ter sido Zé do Burro, por dois ou três meses, contando com um belo trabalho de visagismo, para encarnar o personagem, bem mais velho que eu.




        Jamais me esquecerei de suas palavras, que tento reproduzir na íntegra: “Mas é claro, menino! É uma honra, para mim, ter um texto meu montado por gente tão jovem e preocupada com os problemas do país.”. Acho que ninguém se preocupava mais com os “problemas do país” do que DIAS, a ponto de apontá-los e combatê-los em muitas de suas obras. Para mim, foi um “GÊNIO”. Eu, que já era portador da “carteirinha nº 0000001”, do “fã-clube Dias Gomes”, passei a admirar, também, o homem gentil, educado, atencioso e generoso. Confesso que houve um tempo em que eu pensava: “Quando eu crescer, quero ser DIAS GOMES.”. Era muita pretensão, reconheço, mas isso é coisa que a juventude e um fã ardoroso, via de regra, ignoram.




        DIAS GOMES foi um dos autores mais perseguidos pela temida “Censura Federal”, que não tinha o menor compromisso com a ARTE e os ARTISTAS e “via chifre em cabeça de burro”. Censuravam, ou seja, proibiam, da mesma forma, obras que faziam críticas contundentes e escancaradas ao regime ditatorial militar, imposto pelos “gorilas” do golpe civil-militar de 1964, como as que sugeriam, nas entrelinhas, essas mesmas críticas. E mais o que achavam que poderia ser contra o regime.



        Além de “Odorico - O Bem-Amado”, título original (A peça tem um subtítulo: “Os Mistérios do Amor e da Morte”. O emprego do hífen, de acordo com a grafia oficial brasileira, foi ignorado no título da versão musicada.), o dramaturgo escreveu, de 1938 a 1995, mais 32 textos para o TEATRO.



     Direcionando o foco para o espetáculo a que me proponho analisar, a peça nos mostra que nada, ou muito pouco, mudou, da época em que o texto original foi escrito para os dias atuais. Sentimos, também que Sucupira é uma espécie de “microcosmo” do Brasil, tão aviltado, ao longo dos anos, pelos maus políticos, corruptos e mentirosos, exploradores da boa fé do povo, mormente nos quatro últimos.



        Tão logo soube que uma montagem musicada da obra estava em fase de produção, em São Paulo, passei a contar os dias, para que pudesse conferi-la, na certeza de que seria um trabalho merecedor de uma crítica, pois, além do esplêndido texto, os idealizadores do projeto, RICARDO GRASSON, diretor da peça, e CASSIO SCAPIN, o protagonista, foram buscar dois nomes de peso, no campo da música, para a composição das canções que o musical exigia: NEWTON MORENO, poeta, letrista e dramaturgo, para escrever as letras, e o compositor e cantor ZECA BALEIRO, para compor as melodias. Já, aqui, aproveito para esclarecer que, embora eu não tenha conseguido assistir à peça no ano passado, sei que algumas canções sofreram alguma alteração, nas letras, visto que, livre do (des)governo federal do último quatriênio, que levou o país a uma condição de pária, na comunidade internacional, e promoveu um retrocesso de 50 anos, em apenas 4, estava o letrista mais confortável para criticar todos os males do antigo (des)governante. Acho extremamente pertinentes as referências ao Brasil de hoje, críticas direcionadas ao Governo Federal e à igreja, duas instituições que sempre foram alvo para a metralhadora do autor do texto original. Também já atrelo a este parágrafo um comentário muito positivo com relação à qualidade das canções, as quais, como não poderia deixar de ser, num espetáculo de TEATRO MUSICAL, ajudam a contar a história.



 

 SINOPSE:

A trama gira em torno das trapalhadas, golpes e “maracutais” engendrados pelo “Coronel” Odorico Paraguaçu (CASSIO SCAPIN), que se elegeu prefeito de uma pequena cidade do interior baiano, Sucupira, com a esdrúxula e bizarra promessa de construir um cemitério, a fim de que a população não precisasse mais enterrar seus mortos no município vizinho.

Seu grande opositor político é o jornalista Neco Pedreira (MAGNO ARGOLO), um homem sonhador e grande idealista, editor e proprietário de um pasquim local, chamado “A Trombeta”.

Odorico, com sua verborragia, seduz algumas pessoas, as quais passam a defendê-lo, com unhas e dentes, e a fazer parte de suas intimidades, sem enxergar suas falcatruas, como as Irmãs Cajazeiras, Judiceia (REBECA JAMIR), Dulcineia (LUCIANA RAMANZINI) e Doroteia (Kátia Daher), como também seu secretário particular Dirceu Borboleta (EDUARDO SEMERJIAN).

Na trama, há espaço para mostrar como a Igreja Católica se envolvia na coisa pública (Leia-se: política.), com a aquiescência do pároco local, por interesses próprios, ainda que não concordasse com a maioria das atitudes nefastas do alcaide.

Também o texto procura mostrar a força da Imprensa, como instituição, na defesa dos interesses do povo, o seu papel fundamental na divulgação de denúncias contra toda a “podridão” contida nas ideias e ações do prefeito corrupto.

Por último, vale a pena lembrar que, infelizmente, “qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais não é coincidência”.

Uma obra ficcional que está diante dos nossos olhos, muito próxima a nós.

       


A montagem é ótima e, além de divertir, pressiona as chagas que Odorico abria, da forma mais crítica e contundente possível, fazendo uso, abundantemente, do humor (Leia-se: ironia e escárnio.), que serve, também, para aliviar um pouco o peso que tanta “sujeira” causa.



       Não consegui detectar nenhum ponto negativo tão relevante nesta encenação, a não ser o som, que, por vezes, principalmente durante as canções, deixava um pouco a desejar. Mas acredito que o problema, a mim relatado também por muitas outras pessoas, era do equipamento local, não muito bem ajustado, em função da correria que toma conta dos festivais de TEATRO, quando o movimento de montagem e desmontagem de cenário, luz e som é frenético. “TEATRO em alta rotatividade”, com grupos chegando e saindo, para duas ou três apresentações apenas. Isso não é relevante? Sim, é verdade; é relevante. Quando for a São Paulo, quero rever a peça no Teatro Faap, onde voltará ao cartaz, em junho próximo, salvo engano. Tirante esse pequeno senão, só enxerguei virtudes na montagem, a começar pelo irretocável desempenho de um elenco super homogêneo, em termos de rendimento, com um destaque maior para o protagonista, vivido por um ator camaleônico, na minha visão, que é CASSIO SCAPIN, o qual rende bem em qualquer papel, seja ele dramático ou cômico. Recentemente, vi-o brilhar no espetáculo “Além do Ar - O Musical”, também no papel de um protagonista totalmente diferente de Odorico: Santos Dumont. A mesma opinião que tenho acerca de sua interpretação naquela peça, também um musical, aplico a esta, reforçando que os personagens são diametralmente opostos. O ponto alto da “plataforma de governo” do astuto e “amoral” (Seria mesmo?) Odorico, sarcástico, espertalhão e demagogo, era uma ideia fixa, verdadeira obstinação: inaugurar o cemitério que mandara erguer na pequena Sucupira. Só que não morria ninguém, o que estava lhe rendendo ataques contundentes da oposição.E,para ver sua promessa de camanha concretizada, Paraguaçu não tinha o menor escrúpulo, ética ou moral. Por uma cruel ironia do destino, foi ele o merecedor dessa “honra”. Uma das principais características do personagem, talvez o que mais provoca gargalhadas no espectador, é seu jeito peculiar de falar: além de sua “falastronice” (Dei uma de Odorico. Momento descontração.) e das entonações ufanistas, o uso de dezenas de “neologismos”, criados por ele, os quais ainda não foram incorporados, oficialmente, ao léxico da língua portuguesa e, possivelmente, nunca o serão, apesar de muitos já serem empregados por boa parte da população brasileira (“Vamos deixar de lado os entretanto e passar pros finalmente.” é um exemplo.). Curioso é ver que o personagem é tão “carismático”, tão engraçado, que, embora condenando todas as suas “armações”, não conseguimos ter raiva dele. Freud explica. Será que explica?



Cassio Scapin e Marco França.


Ando Camargo.


      Normalmente, reservo, para o final, os comentários sobre o elenco, contudo, já que comecei a falar do trabalho de CASSIO SCAPIN, continuarei nessa linha, dizendo que os demais atores e atrizes atuam com uma excelente “performance”, esmerando-se bastante na defesa de seus personagens, podendo mostrar suas veias cômicas, que todos têm, uns mais que outros, por conta de seus personagens. O inimigo número um do prefeito é o ex-cangaceiro Zeca Diabo, aquele que, arrependido de tudo de errado quanto fizera, ao longo de sua vida, prometeu, ao “Padim Padre Ciço Romão Batista”, se tornar um homem de bem, jamais voltando a matar alguém. Seu único desejo era viver em paz e aprender a “ler de carreirinha”, expressão cunhada pelo personagem, saída da privilegiada cabeça de DIAS GOMES, que significa “ler fluentemente”. O personagem é, divertidamente, interpretado por MARCO FRANÇA.



Outro que agrada muito é o fiel escudeiro de Odorico, seu braço-direito, e “capacho”, na Prefeitura, o ingênuo Dirceu Borboleta, papel muito acertadamente entregue a EDUARDO SEMERJIAN. REBECA JAMIR (Judiceia), LUCIANA RAMANZINI (Dulcinéia) e KÁTIA DAHER (Doroteia) formam um trio de irmãs solteironas (Acho que o intragável “politicamente correto” não aceita mais o adjetivo “solteirão/ona”. Problema dele!), as Irmãs Cajazeiras, todas arrastando asa para o lado do Coronel, do que este muito se aproveita, em todos os sentidos. As três estão impagáveis em suas composições de personagem. Ainda completam o ótimo elenco ANDO CAMARGO, que se desdobra em Vigário e Zelão; HEITOR GARCIA (Ernesto); MAGNO ARGOLO (Neco Pedreira, ferrenho opositor aos desmandos do Prefeito) e ROQUILDES JÚNIOR (Mestre Ambrósio).



        Como se trata de um musical, há, no palco, a presença de uma pequena banda, que acompanha os atores/cantores em todos os números musicais, formada pelos músicos MARCO FRANÇA (piano, clarinete, violões, lira e percussão), BRUNO MENEGATTI (violões e rabeca), DANIEL WARSCHAUER (sanfona) e ROQUILDES JÚNIOR (percussão).



      Três dos elementos de criação, cenário (CHRIS AIZNER), figurinos (FABIO NAMATAME) e iluminação (CESAR PIVETTI) “trocam figurinhas no mesmo diapasão”. Na cenografia, o detalhe principal é o coreto na praça principal, típica construção em cidades do interior, de onde partiu a campanha de eleição de Odorico e no qual, já eleito, o “salafrário” continua fazendo promessas e tentando iludir a opinião pública. NAMATAME abusou, no melhor sentido, de uma paleta viva, em trajes deliberadamente “cafonas”, puxando para detalhes bem exóticos. PIVETTI criou um ótimo desenho de luz, para evidenciar cenas e detalhes da cenografia que merecem destaque.



        Sempre me preocupo com o visagismo, num espetáculo teatral, pois é uma ferramenta muito importante para que um ator seja transformado em personagem. Gosto do trabalho de ALISSON RODRIGUES e o aprovo, sem nenhuma restrição. A maquiagem é, propositalmente, carregada,caricata, e se aproxima do tom farsesco, que, de certa forma, a direção imprimiu ao musical.




  KATIA BARROS e TUTU MORASI se saíram muito bem no trabalho de direção de movimento e coreografia. Merecedor, também, de uma palavra de elogio é RODRIGO VELLONI, produtor do espetáculo.



 

 FICHA TÉCNICA:

Autor: Dias Gomes

Letras e Músicas: Zeca Baleiro e Newton Moreno

Direção: Ricardo Grasson

Diretor Assistente: Pedro Arrais

Assistente de Direção: Heitor Garcia

 

Elenco: Cassio Scapin (Odorico), Marco França (Zeca Diabo), Eduardo Semerjian (Dirceu Bololeta), Rebeca Jamir (Judiceia), Luciana Ramanzini (Dulcinéia), Kátia Daher (Doroteia), Ando Camargo (Vigário e Zelão), Heitor Garcia (Ernesto), Magno Argolo (Neco Pedreira) e Roquildes Júnior (Mestre Ambrósio)

 

Músicos: Marco França (piano, clarinete, violões, lira e percussão), Bruno Menegatti (violões e rabeca), Daniel Warschauer (sanfona), Roquildes Júnior (percussão).

 

Direção Musical e Música Original (Instrumental): Marco França

Arranjos: Zeca Baleiro e Marco França

Cenário: Chris Aizner

Figurino: Fábio Namatame

Desenho de Luz: Cesar Pivetti

Assistente de Luz e Operador: Rodrigo Pivetti

Designer de Som: Fernando Wada

Operador de Som: Lucas Onodera

Direção de Movimento e Coreografia: Katia Barros e Tutu Morasi

Preparação Vocal: Marco França

Visagismo: Alisson Rodrigues

Adereços: Kleber Montanheiro

Microfonista: Ana Mendes.

Direção de Palco: Jones de Souza

Camareira: Consuelo Campos

Contrarregra: Eduardo Portella

Designer Gráfico e Ilustrações: Ricardo Cammarota

Fotografia: Ronaldo Gutierrez

Produção: Rodrigo Velloni

 

 


 


        Deixei o Teatro Guaíra com o coração em festa e "aquecido", embora a temperatura local fosse de 13º, depois de ter assistido a um dos melhores musicais, dos genuinamente nacionais, a que tive a oportunidade e o prazer de assistir nos últimos anos.

 


 

FOTOS: RONALDO GUTIERREZ

 

GALERIA PARTICULAR

(FOTOS: GILBERTO BARTHOLO.)


 

Cassio Scapin e Ricardo Grasson.


Cassio Scapin e Ricardo Grasson.























 



















Com o querido amigo Ando Camargo.



VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

COM TODOS OS CUIDADOS!!! 

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!






































































































































































































































Nenhum comentário:

Postar um comentário