sábado, 11 de fevereiro de 2023

 “A AFORISTA”

ou

(UMA “MASTERCLASS”

DE INTERPRETAÇÃO

TEATRAL.)

ou

(“A AMIZADE É UM AMOR QUE 

NUNCA MORRE.”

– UM AFORISMO DE

MÁRIO QUINTANA.)


 



      Uma atriz. UMA SENHORA ATRIZ! Uma atriz e dois pianistas. QUE SENHORES PIANISTAS! Uma atriz e uma direção. QUE SENHORA DIREÇÃO! Uma atriz e uma iluminação. QUE SENHORA ILUMINAÇÃO! E tudo mais, de bom, necessário à realização de um excelente espetáculo teatral.



        “A AFORISTA”, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro (VER SERVIÇO.) é um espetáculo teatral da melhor qualidade, que merece, e precisa, ser visto pelos amantes do bom TEATRO. A atriz é ROSANA STAVIS; o diretor, MARCOS DAMACENO; os pianistas, SERGIO JUSTEN e RODRIGO HENRIQUE; e o desenhista de luz, BETO BRUEL.

  

 


SINOPSE:

“A AFORISTA” traz à cena uma mulher (ROSANA STAVIS) – a personagem é anônima – caminhando, sem parar, em direção ao enterro de um antigo amigo da faculdade de música (Polacoviski), que tivera um destino trágico: cometeu suicídio, enforcando-se numa das árvores em frente ao prédio onde estudaram.

Seria uma premonição do colega de faculdade, John Marcos Martins, o qual, um dia, quando ainda eram estudantes, lhe disse que o colega era “um náufrago, uma pessoa fadada ao suicídio”

Enquanto caminha, povoam a mente da “aforista” pensamentos acerca de sua própria vida e os caminhos escolhidos por ela e seus velhos amigos, todos “promessas da música”

Caminhos que vão da plenitude da realização ao fracasso fatal.

A peça apresenta, como um dos personagens centrais, o famoso pianista John Marcos Martins, dono de um talento unanimemente reconhecido em todo o mundo, apenas citado, na peça, assim como Polacoviski.

A narrativa desenvolve-se a partir das lembranças, pensamentos e imaginação da terceira personagem, a narradora, amiga dos dois, por eles apelidada de “aforista”, pelo fato de viver a criar aforismos, frases feitas, máximas ou sentenças que, em poucas palavras, contêm uma regra ou um princípio de alcance moral. Ela, uma “aforista”, escrevedora - e colecionadora - de frases pseudofilosóficas. De textos sem fôlego. De frases de calendário.”.

A narradora está sempre andando e, enquanto anda, pensa em como chegou àquele momento, mergulha na sua trajetória de vida, na relação com os dois amigos e faz constantes revelações e reflexões. 

Em sua “viagem”, ela avalia a relação com seus antigos amigos de faculdade, o caminho que cada um seguiu, aonde esses caminhos os levaram e o quanto eles influenciaram, positiva e negativamente, mais este advérbio que aquele, inclusive na vida uns dos outros.

 

 

        É sempre uma enorme felicidade ver que o TEATRO continua, cada vez mais, vivo, forte e criativo, renovando-se sempre. Basta assistir ao espetáculo “A AFORISTA”, para se ter a certeza de que produzimos um TEATRO de altíssima qualidade, graças ao talento dos artistas brasileiros. Também gosto muito quando o Rio de Janeiro recebe espetáculos de outros estados, o que permite, aos cariocas, saber que a cultura, o TEATRO, em especial, não existe apenas no eixo Rio/São Paulo. Vivo a repetir isso e não me canso de o fazer. Conheço, faz tempo, o trabalho da Cia. Stavis – Damaceno”, com sede em Curitiba, comemorando duas décadas de existência, no ano em curso, e afirmo, com a mais inequívoca certeza, que ROSANA STAVIS é uma das melhores atrizes brasileiras, cujo trabalho procuro acompanhar de perto e, a cada novo contato, mais admiro seu talento.


 

        Quando assisto a algum espetáculo que me faz sair do Teatro em total “estado de graça”, como ocorreu na noite da última 5ª feira (09/02/2023), confesso sentir muita dificuldade para escrever sobre ele, o que pode parecer paradoxal, entretanto fico embaraçado, procurando palavras que possam traduzir tudo o que ele acrescentou à minha vida de “rato de Teatro”. Além disso, é muito desafiador ter as ideias ordenadas e encadeadas, de modo a falar sobre o máximo possível, com o mínimo de palavras e precisão.


 

        O texto de “A AFORISTA”, de MARCOS DAMACENO, é muito bom para propiciar um excelente trabalho de interpretação.  Sucinto, objetivo, “enxuto”, escrito de forma clara e simples, muito favorável à compreensão de qualquer pessoa. Destaco, nele, algumas repetições, admiravelmente colocadas, visando a realçar detalhes marcantes para o público. É uma mescla de narrativas, reflexões, julgamentos, acusações, aforismos e frases desconexas, como a deixar claro, em alguns trechos, um possível estado de perturbação mental da personagem narradora.


Marcos Damaceno.


        DAMACENO, como autor do texto, como não poderia deixar de ser, sabe, melhor que ninguém, como pautar seu trabalho de direção, apresentando uma proposta muito desafiadora para a atriz, exigindo dela muita concentração e esforço físico, para sustentar cerca de 70 minutos com os pés “fincados” num mesmo lugar. Esse detalhe é muito especial, uma vez que a SINOPSE fala na personagem “caminhando, sem parar”, até o local do enterro do amigo. É possível “ver”, em cena, alguém andando, sem parar e, ao mesmo tempo, sem sair do lugar. Alguns dos melhores destaques desta direção vão para essa ideia de “fazer caminhar, parada”, o visagismo da atriz, que lembra a “Medusa”, descabelada, desgrenhada, enlouquecida, perdida em devaneios e incertezas, e na iniciativa de fazê-la riscar, com muita frequência, o espaço, como se estivesse registrando, num papel, seus aforismos. A ideia de colocar em cena dois pianistas é um dos grandes trabalhos desta irretocável direção. Os dois instrumentos dialogam com a atriz, e entre si, cada um parecendo querer impor seu talento ao outro, e sublinham a cena, do princípio ao final da encenação, com composições originais, de uma qualidade inquestionável, obra de arte criada por GILSON FUKUSHIMA, o qual responde, também, pela direção musical da peça.


 

O trabalho de MARCOS DAMACENO, como diretor, já foi, devidamente, reconhecido, quando ele ganhou o “Prêmio Shell-SP!”, de Melhor Dramaturgia pela peça “Homem ao Vento”, também indicada ao “APCA” e ao “Aplauso Brasil”. DAMACENO também ganhou o “Prêmio Governador do Estado do Paraná” (Troféu Gralha Azul), de Melhor Diretor e de Melhor Cenógrafo, pela peça “Antes do Fim” e o prêmio de Melhor Texto pela peça “Pedro, Pedrinho, Pedreco”, entre diversas outras indicações. Não me causará nenhuma surpresa, se, a se fazer justiça, o seu nome for, no mínimo, indicado a prêmios de TEATRO, por “A AFORISTA”, no Rio de Janeiro e por onde a peça passar.


 

        Creio que o fato de a personagem narradora ser sem-nome deve-se ao desejo do dramaturgo de fazer com que ela represente todas as pessoas, qualquer pessoa. Sua caminhada perece significar a travessia que cada um de nós faz em sua trajetória de vida. Ou deveria fazer. Não sei se o nome do festejado pianista John Marcos Martins, o “Johnzinho”, dos tempos da faculdade, antes de se tornar celebridade, é uma referência, ou homenagem, ao maestro e pianista João Carlos Martins. Será?



        O texto traz algumas pérolas como uma crítica à arraigada vaidade e ao marcante egocentrismo dos artistas, direcionada a Polacoviski, a quem a personagem considerava “metido”, quando diz que a pretensão mais ridícula para qualquer estudante, iniciante, aspirante a artista - e para qualquer artista - é querer ser gênio”. Ela repete, no texto que tem coisa que se fala e coisa que se cala”, mas não cala o que não deveria ser dito. Ou será que devia mesmo dizer? A “aforista” havia deixado a cidadezinha de sua juventude, Laciport, por achar que não cabia nela, porquanto não aceitava a “autofagia” praticada na pequena cidade, todos falando mal de todos, e estava lá, de volta, quando soube da morte do amigo, sem ter a certeza, contudo, de que deveria ou não comparecer ao sepultamento. A mulher vê, em Polacoviski um comportamento traduzido por um interessante neologismo, “soberbice”, mistura de “soberba” com “idiotice”.



        A narradora afirma que John “sempre foi meio esquisito, meio louco”, quando, na verdade, isso parecia se aplicar mais a ela mesma, que se julgava “a mais normal”, dos três. Acho ótimo, no texto, a parte em que a personagem reconhece que todos os artistas são loucos, “para dar, ao mundo, a dose de loucura que o mundo precisa. Nada mais chato que um artista quadrado”. Também penso assim.



        Achei muito interessante a parte do texto em que a personagem afirma que os artistas “são verdadeiros acumuladores de frustrações...”. E ser artista é isso. Saber lidar com frustações...”. Acrescenta que Polacoviski “se acostumou, desde pequeno, a ser sempre melhor que os outros, no piano. E realmente era. Ganhando sempre, em primeiro lugar, os concursos, os prêmios, as adulações e tudo. Mas, quando se deparou com o John, o ‘Johnzinho’, desacorçoou-se. Deprimiu-se. Desolou-se. E enforcou-se. Mortalmente atingido pelas notas do piano do Johnzinho.”. Polacoviski pecava pelo excesso de competitividade e não soube administrar a sua condição de inferioridade, como pianista, em relação a John.



        Mais uma ótima alfinetada aos artistas, ou àqueles que se julgam ser um, reside na afirmação de que todos os eles, como Polacoviski, almejam a celebridade, mas que isso é coisa para os “pseudoartistas”. Também vale um destaque a crítica feita às pessoas que vivem a “demonizar” os artistas, sem terem a menor noção do que seja ARTE e o que fazem os artistas, a importância do seu papel na sociedade. Essa cabe, como uma carapuça, nas cabeças de quem quase destruiu o Brasil nos últimos quatro anos.  Melhor ainda, embora possa parecer estranho, é quando reforça que, às vezes, isso se aplica aos próprios artistas.



        O trabalho de ROSANA STAVIS é algo que mereceria muitos adjetivos elogiosos, o que poderia cair num “déjà vismo” (Criei um neologismo afrancesado.) O melhor mesmo é conferir essa fantástica “performance”, que exige muito da atriz, parada, o tempo todo, como já disse, como se apenas o tronco, a cabeça e os membros superiores entrassem na interpretação. Causou-me grande espanto o tanto de tempo em que ela permanece com os braços elevados, sem se deixar vencer pelo cansaço. ROSANA faz o que quer com a voz, um dos mais fortes elementos na composição da personagem. Trabalha, quase sempre com o olhar perdido, lançado ao final do Teatro, fixo, porém, às vezes, desvia, discretamente, os olhos. ROSANA é uma atriz de extraordinárias possibilidades, transitando, com igual talento e desembaraço, da comédia à tragédia, passando pelo drama e outros gêneros, e, além de interpretar como ninguém ainda se dá o luxo de cantar. Declaro-me, “despudoradamente”, seu incondicional admirador, por todas as vezes em que a vi no palco, principalmente em “Antes da Coisa Toda Começar” (2012), “Hoje É Dia de Rock” (2018), “Estado de Sítio” (2019) e “Henrique IV” (2022), as três últimas sob a, sempre criativa, direção de Gabriel Villela.


Rosana Stavis.


       Ao assistir à peça, prestem bastante atenção a como é apresentada a mente da personagem narradora, na qual “se sobressaem a confusão, como linguagem, o ritmo vertiginoso, o excesso de informações, as digressões, além de boas doses de ansiedade e perturbação”, o que ROSANA consegue transmitir com perfeição. Isso é muito difícil de ser feito, só possível a alguém com o talento de ROSANA STAVIS. Nada do que ela verbaliza e a maneira como é verbalizado é gratuito; pelo contrário, cada frase, cada palavra dita tem um peso singular, no texto, lapidado por sua interpretação. Ainda que sejam “narrativas densas e sôfregas”, tornam-se hilariantes, porque são ditas por uma atriz do porte de ROSANA STAVIS. Recebi o texto e o li. Conquanto seja ótimo, não me passou nem a metade de emoção que senti, quando saído da boca dessa fabulosa atriz.



       Os dois pianistas que se encarregam de todas as incursões musicais, composições de irrepreensível criação, de GILSON FUKUSHIMA, são SERGIO JUSTEN e RODRIGO HENRIQUE, dois “virtuoses”, os quais agregam, à peça, muito de sua extrema qualidade artística. São duas presenças “fortes” em cena, elegantes, discretos e necessários. Eles “duelam no palco e dão o tom da narrativa”.





        Dois dos elementos de criação, numa montagem teatral, o cenário e o figurino, estão aqui representados numa só criação, um magnífico trabalho de KAREN BRUSTOLLIN. A personagem veste um traje recheado de elementos significativos, na cor preta, que se assemelha a uma escultura e parece – é apenas impressão – que ajuda a sustentar a atriz em cena, em pé, sem sair do lugar, por tanto tempo, com uma armadura. Não há, na FICHA TÉCNICA, o nome de alguém responsável, especificamente, pela cenografia, uma vez que o cenário e o figurino formam uma espécie de instalação, um figurino/instalação. Ao fundo do palco, não muito visível, a não ser nas poucas cenas em que a iluminação se torna mais abundante, pode ser vista uma aplicação, em alto-relevo, de uma enorme peça preta, na forma de um “S”, próxima – foi o que me pareceu, de longe – a um túnel de brinquedo de crianças. Decodifiquei aquela imagem como o caminho, de algum ponto até o cemitério, percorrido pela personagem.



       Já que citei a luz, preciso dizer que a iluminação, criada por BETO BRUEL, é um dos pontos altos do espetáculo e me deixou muito bem impressionado. Fazia tempo, não me sentia tão impactado por um desenho de luz como o desta peça. Desde quando vi o fantástico trabalho de BRUEL em sua primeira criação para o TEATRO, no espetáculo “Ludwig/2”, da “Artesanal Cia. de Teatro”, em 2015, enxerguei nele um grande potencial para se tornar um dos melhores iluminadores do TEATRO BRASILEIRO, o que só vejo ser ratificado, a cada novo trabalho do BETO. Assim como ocorere com os pianos, a luz também entra no diálogo com a atriz.   



 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Marcos Damaceno

Direção: Marcos Damaceno


Atuação: Rosana Stavis

Pianistas: Sergio Justen e Rodrigo Henrique


Composição Original: Gilson Fukushima

Direção Musical: Gilson Fukushima

Iluminação: Beto Bruel

Figurinos: Karen Brustollin

Assessoria de Imprensa: Ney Motta (Arte Contemporânea Comunicação Ltda.)

Fotos: Renato Mangolin

Produção Executiva: Bia Reiner

Assistente de Produção: Marianna Holtz

Produção: Cia. Stavis – Damaceno

 

 


 


SERVIÇO: 

Temporada: De 25 de janeiro até 05 de março de 2023.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro – Teatro I.

Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 66 – Centro - Rio de Janeiro.

Informações: (21)3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br

Dias e Horários: De 4ª feira a sábado, às 19h30min; domingo, às 18h.

Valor doa Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada: estudantes, maiores de 65 anos e clientes Ourocard.)

Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria do CCBB ou, antecipadamente, pelo “site” https://ccbb.com.br/rio-de-janeiro/

Funcionamento do CCBB Rio de Janeiro (aplicável à bilheteria): 2ªs, 4ªs, 5ªs, 6ªs feiras e sábados, das 9h às 21h; domingos, das 9h às 20h (FECHA ÀS 3ªs FEIRAS).

Classificação Etária: Indicado para maiores de 16 anos.

Duração: Aproximadamente, 70 minutos.

Gênero: Monólogo Dramártico.

 



      Diz MARCOS DAMACENO, no “release” que recebi de NEY MOTTA (Are Contemporânea Comunicação Ltda.): “É uma peça sobre as decisões que tomamos. Sobre as nossas escolhas. Os caminhos que seguimos. E onde eles nos levam. É também uma peça sobre nossos sonhos. Sobre nossos desejos, principalmente de quando jovens. E de como lidamos com eles. Como lidamos com nossas frustrações. Nossas insatisfações: ‘ser artista é saber lidar com as frustrações’ – diz a aforista. Enfim, como toda peça de TEATRO, de como lidamos com os nossos sentimentos. E de como lidamos com os nossos pensamentos. Ela, a narradora, a aforista, está sempre pensando e andando. O pensamento é o lugar onde se passa a peça: ‘andando, vamos resolvendo as perturbações do pensamento’ – diz a aforista, enquanto anda e pensa.”. E é pensando nessas palavras que espero que todos assistam à peça, a qual RECOMENDO COM O MAIOR EMPENHO.



 O espetáculo fez sua estreia nacional no palco do CCBB Rio de Janeiro, mas fiquem atentos que, após o encerramento da atual temporada, cumprirá agendas nas unidades do CCBBs em Belo Horizonte, Brasília e São Paulo.

 

 




FOTOS: RENATO MANGOLIN

 

 

 

GALERIA PARTICULAR:


 

 Com a querida e talentosa amiga Rosana Stavis.

 


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